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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

Au bonheur des Dames 226

d'oliveira, 03.04.10

Estará tudo em férias?

Aqui pelo blog, pelo menos, é o que parece. O mundo e a pátria inditosa não suscitam entusiasmo, sequer reacções. Há cinco contados dias que a tripulação se dá por ausente. Quaresma? Andarão por aí numa roda viva de procissões, cilícios, confissões, missas a esmo, penitências várias?

Ou, como suspeito, escafederam-se todos, mesmo todos, para algum remoto lugar, à procura do sol que tarda em mostrar-se, da primavera que faz que vem mas não vem, de um pouco de sal e de sul, como dizia o Ramos Rosa?

É verdade que o JCP murmurou qualquer coisa sobre ter de aviar um colóquio que metia a República e o Marco de Canavezes, acontecimento que há-de ter sido simpático, não pela dessorada República que dá para pouco, tão pouca foi a sua vitalidade naqueles dezasseis anos de continuas quedas de governo, com dois de guerra, vários de ditaduras mais ou menos moles que a ditadura, Ditadura, com letra grande e tudo, veio depois trazida, de resto, por republicanos que fizeram ao desgraçado regime o que várias intentonas monárquicas não tinham conseguido, ou seja, liquidaram-no por longos quarenta e oito anos, toma que é para aprenderes, aquilo é que foi uma longa quaresma da democracia, porra!

Aliás, suspeito que  a sessão do nosso amável confrade há-de ter sido seguida de uma bela ceia, que aquela malta do Marco  no que toca a paparocas não se deixa passar por ninguém. O concelho será jovem (159 anos) mas nisso de comedorias merecia ter mil.

Mas deixemos o nosso JCP na sua proveitosa digestão e vejamos.

A Pátria? Pois a pátria anda por aí, como o dr. Santana Lopes. Agora andam á volta com uns submarinos que é escândalo que volta e meia reaparece, como o cometa de Haley, e que dizem deu um fartote de massa a alguém. Alguém já veio dizer que não. Nada. Nicles. Nem um tostão. O dr. Portas que era o ministro do momento diz, e não deixará de ter alguma (pouca!) razão, que aquilo vinha de trás, de um ministério socialista e que ele se limitou a seguir as praxes em uso. Ai a tropa quer submarinar? Pois que submarine e por aí fora. E veio outro governo e um silêncio de cinco anos. Agora com as comissões todas a funcionar freneticamente num rodopio que estonteia o mais precavido, voltam os submarinos pela mão justiceira do Der Spiegel. Fui por ele mas nada. Ninguém sabia da revista. Como também ninguém sabia de um número do Liberation que falava de um outro escândalo português. Ora aqui está a prova provada de que somos cultos. Cultos e multilingues! Esgotamos a imprensa estrangeira num ápice. A ser assim, eu proporia aos pobres jornais portugueses (e em especial ao “I” que anda à rasca) um truque: publiquem-se em língua estrangeira seja inglês ou serbo-croata, tanto faz! Vai ser uma corrida de todo o tamanho.

E lá fora? Pois lá fora também não se vê grande agitação. O Presidente Sarkozi ainda não deu conta que perdeu as eleições regionais; a Rússia jura vingança pelos atentados, em Itália Berlusconi está em vias de beatificação, assim o Papa queira fazer-lhe esse favor.

O Papa, coitado, é que anda mal. Só falta dizer-se que o cavalheiro é pedófilo.  Eu que nunca me perdi por Papas, fossem eles os verdadeiros ou mais modestamente de linhaça ou de sarrabulho, confesso que não percebo o que é que esta malta quer. Houve uns largos centos, acaso alguns milhares de religiosos católicos que abusaram de crianças. Nuns sítios demitem-se, noutro, as dioceses declaram falência para não pagar indemnizações gigantescas, sucedem-se as condenações do Vaticano mas a verdade é nada pára o furor justiceiro de algumas criaturas. Conviria lembrar que a pedofilia cresce e desenvolve-se por todo o lado, entre laicos e religiosos (de todas as religiões, saliente-se) e que muitas vezes se deve(u) ao descaso das famílias, às famílias elas próprias (ou o incesto com menores é coisa desconhecida por aí?), e agora anda infrene pela internet, como noticiam os jornais. O que me surpreende é menos o facto de tão estranha prática ocorrer mas de, repentinamente, ela ocupar todo o espaço noticioso. Como se também os crimes obedecessem a modas e a tempos. A Igreja é um corpo gigantesco e por isso mesmo relativamente incontrolável. Pensar que não há padres abusadores, fornicadores, homossexuais, ladroes, assassinos etc... é estar fora do mundo.

Olhem, só para exemplo: Há pouco menos de seis séculos realizou-se um grandioso e prolongado concílio em Constança (1414-18) onde se terão debatido temas importantes (condenação dos hussitas, celibato dos padres, efeitos do grande Cisma do Ocidente...). Para permitir aos clérigos presentes a necessária tranquilidade de espírito vieram de toda a parte setecentas prostitutas que, com o seu profícuo trabalho, conseguiram que o corpo conciliar aguentasse aqueles quatro anos de canseiras e queimasse com a devida pompa o herético Jan Huss e, na passada, elegesse o Papa Martinho V.

Se percorrermos a história da Igreja veremos que nela cabe tudo, o que, de certo modo, a torna mais humana e compreensível aos olhos do crente simples. Eu, que sou ateu, temo mais uma  igreja de homens providenciais do que esta mesquinhamente humana, demasiado humana. Sempre me arreceei dos extra-puros, dos heróis, dos super-homens. E apenas exijo à Igreja o mesmo que exijo às restantes instituições. Nem mais nem menos.

E para finalizar este meu devaneio quaresmal sempre relembro que este permanente focar de atenções na Igreja romana se acompanha de um singular descuido quanto não só às confissões protestantes mas também a outras religiões deste vasto mundo, todas elas impregnadas do mesmo espírito exclusivista (ou nós ou os infiéis, os goys, os pecadores...) e vivendo todas elas também na base de proibições, de regras, de condenações. E, mal por mal, prefiro, apesar de tudo, viver na Europa dita católica do que na Arábia wahabita, no Irão chiita, nas zonas de comunidades judaicas rigoristas, em certas cidades americanas onde pairam seitas evangélicas extremistas, para não falar em mais outras miudezas do mesmo teor.

Ite, missa est.

Cuidado com as amêndoas!

 

na gravura: Huss na fogueira.

 

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