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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames 304

d'oliveira, 23.01.12

 

 

Não perceberam nada!...

 

 

 

Eu, às vezes, descreio dos meus compatriotas.

 

Então o Senhor Presidente da República, no seu papel de reformado, fez galhofa e a imensa maioria dos portugueses (até mesmo os senhores drs Marcelo Rebelo de Sousa e Vasco Puído Valente!!!) tomaram-no a sério?

 

Estava S.ª Ex.ª preocupado com o baixo moral dos lusitanos, com a lancinante tristeza que percorre noticiários, mesas redondas, manifestações (para não ir mais longe, a dos indignados,  a que o meu camarada de blog fez publicidade aí em baixo, foi o fiasco que se sabe –não chegavam a mil...- porque as restantes dezenas de milhares tinham ficado em casa empapadas em lágrimas, soluços, choro, ranger de dentes, enfim, consumidas num desgosto atroz e malsão) e, justamente preocupado, entendeu substituir o Hermann José na árdua tarefa de nos levantar o astral.

 

Sabe-se, ou pelo menos supõe-se, que meditou longamente no modo de chegar a um número máximo de cidadãos, coisa que, mesmo para um Presidente de República, não é coisa fácil. Nada fácil. A lusitanagem, logo que lobriga um político, seja ele qual for, põe-se a milhas, vai dar uma volta ao bilhar grande, abre em força para longe, finge que está a estudar materialismo dialéctico (isto sobretudo nas franjas da Juventude Comunista que é muito dada a exercícios espirituais difíceis e a preparar o corpo e o espírito para os insondáveis martírios que o Comité Central, volta e meia, lhes promete quando fala da “reacção” que aí vem) enfim, assobia para o lado e escafede-se a grande velocidade.

 

Claro que há truques possíveis mas impraticáveis para o Mais Alto Magistrado da Nação (tudo em maiúsculas que o respeitinho fica sempre bem). Ninguém imagina os trabalhos do austero ex-proprietário da Vila Mariani (nome mimoso e muito chic da antiga residência de verão do casal Silva, lá as bandas praia da Oura. Eu, em tempos longínquos, ia pela Páscoa até essas abençoadas terras e aboletava-me  perto da casa e sempre comentava com os meus botões a extraordinária imaginação e o não menos notório bom gosto do nome da mansão. E roía-me de inveja, claro... )

 

Mas deixemos este aparte e passemos ao cerne da questão. É evidente que um politico daquele gabarito não pode, por exemplo, disfarçar-se de palhaço. Mesmo de palhaço rico. Isso pode ser bom para o dr Alberto João Jardim que é um mero presidente regional e que gosta de carnavalices. Nele, o palhaço pobre assenta-lhe como uma luva e praticamente nem precisa de disfarçar. Basta-lhe ser natural, genuíno, como é. 

 

Mas o Senhor Presidente não pode dar-se a esses luxos. E, aliás, o seu rosto, talhado em severo, não se presta. Dir-me-ão (sobretudo o João Vasconcelos Costa que é criatura ardilosa e versada em cinema clássico –apesar de não se chegar aos calcanhares do escultor Manuel Sousa Pereira, dono de uma prodigiosa filmoteca) que o Buster Keaton também tinha um semblante triste, o que tornava ainda mais extraordinária a comicidade das personagens que ele interpretava. Recordo o imortal Pamplinas maquinista filme que terei visto e revisto uma boa meia dúzia de vezes.

 

Todavia, o doutor Cavaco não tem ar triste mas tão somente sério. Dir-se-ia um Catão. Catão, o antigo, subentenda-se, o que queria –e conseguiu – destruir Cartago e não o seu bisneto, conhecido por Catão o moço que era mais dado à filosofia estóica e que se suicidou por despeito (ninguém estará a ver o senhor Presidente a suicidar-se, credo!, para trás, satanás!).

 

Portanto, também um discurso à Buster Keaton (criatura de escassas palavras...) não me parece possível.

 

Um presidente de república que se preze tem de usar imagens fortes. Por exemplo, o Almirante Américo Thomaz (com H e com Z) usava frases curtas mas cortantes. Recordo merencoriamente esta: “Perante o que vi só tenho um adjectivo: gostei!” Ninguém que o tenha ouvido esqueceu a frase e o pequeno sobressalto gramatical, coisa pouca hoje em dia.

 

Portanto a Cavaco Silva, perdão, ao senhor professor doutor Cavaco Silva restava apenas a alternativa de uma frase que chocasse, que electrizasse o auditório. Audace, audace, toujours de l’audace!

 

E ele foi, há que reconhecer, audacioso. Digamos que esteve à altura de alguns exemplos maiores da nossa história pregressa. Por exemplo: o Decepado, Duarte de Almeida de deu nome, o alferes mor que perdida a mão com que segurava a bandeira, logo passou esta para a que lhe restava que, todavia, teve o mesmo destino da anterior. Sem mãos agarrou a bandeira com os dentes e com os cotos ensanguentados e foi o que se viu.

 

Para que nenhuma leitora pertinaz e feminista me venha exprobar o exemplo machista, também me ocorre recordar a padeira de Aljubarrota, a que matou sete castelhanos com a pá do forno e que, se calhar, era parente do anterior pois ao que sei chamava-se Brites de Almeida. Ora aqui está uma bela hipótese histórica com que desafio o meu amigo e leitor Zé Mattoso que alia a muita sapiência com um apetite seguro por peixinhos frescos e lampreia à bordalesa (desta vez sou eu que pago, ouviram?).

 

Foi assim que o Senhor Presidente, pessoa imaginativa e com um robusto sentido de humor, entendeu sacudir a apagada e vil tristeza portuguesa. Atirou, com o seu ar mais sério e preocupado, a bomba de relógio galhofeira: que nem ele estava a salvo do colapso financeiro dada a exiguidade da sua reforma. S.ª Ex.ª não escondeu – nem podia, que nisto de cacaus, os portugas são de uma tremenda bisbilhotice – que tinha uma reforma que eu, por acaso, também lhe invejo. Apenas, e para dar mais efeito ao que declarava, referiu, a minguada reforma de professor catedrático. O resto dava por garantido que a maralha conhecia. Aliás, não tinha ele declarado no ano anterior cento e quarenta e tal mil euros? Tinha. Portanto não estava a sonegar nada a ninguém. Pretendia apenas, na sua ingenuidade, alegrar um pouco os paroquianos que lhe bebem as palavras como os sequiosos viajantes do Sahara bebem nas escassas fontes a pouca e má água que lá encontram.

 

Infelizmente, S.ª Ex.ª ignorou a má fé, o humor sorumbático, a sordidez política de que esta gentinha é capaz. Também não espanta. Num peito forte e virtuoso não cabe a ideia de que podemos ser mal interpretados. Eu, aqui mesmo, e agora (hic et nunc para estar à altura dos dois citados Catões), poderia também estar a atacar o Venerando Chefe de Estado. Mas não, não estou, estou a defendê-lo como é meu dever, mesmo se, por inépcia política, espírito mesquinho e zoila intenção, votei noutro(s) sempre que S.ª Ex.ª se apresentou a votos.

 

Mas quem torto nasce (e canhoto de pata e de coração...) torto morre. No entanto, não posso deixar passar sem resposta a vil campanha que alastra pelo país casmurro contra uma blague que se pretendia – e era – redentora.

 

* na gravura: Buster Keaton, claro.

 

 

 

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