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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário Político 178

mcr, 24.04.12

 

 

 

Um passo em frente, dois à retaguarda

 

Parece que a Associação 25 de Abril decidiu não comparecer nas festividades oficiais da data. Ao que sei, o coronel Vasco Lourenço, criatura excelente mas jamais um politico, entende que o actual Governo não representa de nenhum modo o “espírito do 25 A”!

 

Primeiro pensei que a notícia era pura reinação! As comemorações são de uma chateza insuportável, os cavalheiros que nelas comparecem distinguem-se, na sua ponderada uniformidade, por trazerem cravos vermelhos na lapela e por, todos os anos, dizerem gravemente as mesmas três coisas bem embrulhadas nos mais conspícuos narizes de cera que ornamentam a discursata sensaborona dos nossos festejantes.

 

Noutros anos, a época já quente puxava a quase totalidade da população para as praias e aquilo que as televisões nos transmitiam era uma liturgia lúgubre e uma passeata pela Avenida da Liberdade. Sempre as mesmas caras, ou cada vez menos que a coisa foi há quase quarenta anos e a Parca não perdoa.

 

Este ano, em consonância com as chuvas, tardias mas preciosas, e o ambiente soturno em que vivemos, nem essa réstia de alegria balnear parece consentida aos portugueses.

 

Mas não foram razões meteorológicas que suscitaram a indignação do excelente coronel, ex (ou ainda?) deputado do PS. Foi, pelos vistos, a política governamental, o nacional-troikismo que indignou o brioso soldado.

 

Quem se lembre do que tem sido a governação nestes últimos dez ou quinze anos, espanta-se de que só agora o também companheiro Vasco, na veste pundonorosa de vestal defensora das virtudes de Abril, se indigne. Ao que parece, não terá, visto, suspeitado, sequer sonhado com o que por aí vinha. Ou seja, não terá atentado no rumo suicidário da despesa pública, no retraimento da economia nacional, no crescente deficit das contas no desregramento dos projectos quiméricos em que vários governos, esquecidos das anteriores intervenções do FMI (ou ignorantes do mais trivial conhecimento da Economia) afundavam alegremente a pátria amada.

 

Mas deixemos isso e lembremos, uma vez por todas, o “espírito de Abril2. Recordemos o que vinha no Programa do Movimento das Forças Armadas e que foi sendo tornado público nos dias seguintes à vitória do pronunciamento militar.

 

Se bem se lembram o dito manifesto falava vagamente na democratização da vida política (mas não em partidos!) era definitivamente indefinido em relação à democracia pretendida, citava uma “via democrátic”a para se encontrar uma “política ultramarina que conduza à paz entre os portugueses de  todas as raças e credos (!!!)” E bonda. Ou não só. Falava na criação de um governo civil (note-se bem) num prazo de três semanas.

 

E por aqui nos servíamos.

 

É bem verdade que quase toda a gente rejubilou. Bastava a queda do regime, da policia política (mas não em África), das autoridades civis, o fim da censura, a libertação dos presos políticos (que não estava prevista para todos) e o regresso dos exilados (e também nem todos eram cordialmente convidados a regressar sem problemas...). A composição da junta de salvação nacional era o perfeito exemplo do que se vem de dizer Uma clara maioria de oficiais generais bastamente conservadores, alguns dos uias claramente à direita de Spínola.

 

O Portugal mais interessado deu tudo isso de barato. Queria, ansiosamente, um momento de respiro, e isso ninguém o nega começou logo a meio da manhã do próprio dia 25.

 

A adesão popular ultrapassou tudo o que a tropa insurrecta esperava. E o regime caiu quase sem um tiro , ou com duas rajadas para o quartel do Carmo.

 

Mas o “espírito” era nebuloso. E de tal modo o era que, mesmo nas reacções mais a quente, havia para além do alivio e do aplauso (e da incredulidade) uma pergunta que o precipitar dos acontecimentos e a acção dispersa mas em avalanche de diferentes forças, grupos, e entusiasmos largamente modificaram a incipiente proposta militar.

 

Se o MRPP logo advertiu que era preciso cautelas com o golpe da “militaragem” (sic) outros grupos e personalidades tentaram rapidamente tornar explícito o que não se lia no “programa” e, nos meses que se seguiram a coisa foi tomando formas (e não forma) suscitando um aceso debate que nem sequer os mais avisados militares (por todos Melo Antunes)  tinham previsto.

 

Todavia, o país viveu durante vários anos um regime tutelado por militares mesmo se, importa notá-lo, se gozasse de amplas, amplíssimas liberdades. Mas houve tutela, disso não há qualquer dúvida e poderemos, aliás, situá-la quase até ao fim do mandato de Eanes, ele mesmo eleito para a função por ser militar e ter chefiado a última movimentação das forças armadas. Isso mesmo ficou patente não só pela forte oposição de Sá Carneiro mas igualmente de Soares, civilista avisado e inteligente que já não o votu para a reeleição. E recordemos que nos primórdios do PRD (que depois terminou como terminou...) havia um indisfarçável sentimento anti-partidos se não anti-parlamentar e a crença no messias quase ditatorial mas populista.

 

Eu não sei o que move o senhor coronel Lourenço. Mas vejo ou, pelo menos, temo-o, que mesmo se a intenção possa ser generosa, anda por ali uma qualquer saudade do tempo em que a tropa mandava e nós pouco mais éramos que mancebos. Já o senhor coronel Saraiva de Carvalho viera com a ideia de um novo 25 A, ignorando que a história quando se repete é sempre como farsa e farsa as mais das vezes sanguinolenta. Agora vem este homem que esteve contra Otelo em alguns momentos decisivos (e por isso um muito obrigado) acusar o actual Governo, democraticamente eleito, note-se, de um par de crenças que nunca escondeu.

 

 E contra acções que, custa relembrá-lo, estavam claramente inscritas no acordo que o anterior governo (que ele, Lourenço, apoiava) celebrou com a troika. Acordo esse claramente motivado por uma política funesta e disparatada contra a qual, aqui, me fui elevando desde o primeiro dia.

 

Pessoalmente não me aquenta nem arrefenta a indignação de Vasco Lourenço. E menos ainda as súbitas adesões de Soares e Alegre (tão amigos que eles eram...) que cheiram, custa dizê-lo, a mero oportunismo politico que é a moda do momento.

 

38 anos depois, a reflexão cada vez mais crucial sobre a nossa História recente continua por fazer. Em vez disso temos estas declarações tremendas e pomposas que escondem um uivante vazio de pensamento politico.

 

E, mais ainda, de Esquerda. 

 

Como se estivéssemos prestes a recuar não 38 mas setenta e oito anos! Só falta encontrar um professor de Finanças Públicas, tímido, misógino, religioso e autoritário.

 

Não houve ainda a revolta dos FiFis mas há pelo menos o pronunciamento dos Vavás...

 

Arre!

 

D’Oliveira fecit 24.4.12 (há trinta e muitos anos estávamos, coração nas mãos, brilho nos olhos e uma louca esperança acesa, a prepararmo-nos para todas as eventualidades. Correu tudo bem. E hoje?)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

        

 

 

 

 

 

 

 

         

 

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