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Incursões

Instância de Retemperação.

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estes dias que passam 283

d'oliveira, 21.07.12

Assim se faz a história

 

 

 

A morte do dr Hermano Saraiva provocou nos media uma intensa e inesperada comoção. Como se um herói se tratasse. Ou um “Pai da Pátria”, pelo menos.

 

Convenhamos, sem acrimónia: JHS foi apenas um politico medíocre, um sofrível historiador, um advgado que não deixou rasto e um “comunicador" televisivo.

 

Como político atingiu o seu momento de fama quando Ministro (risível) da Educação no consulado de Marcello Caetano. Teria passado à insignificância não fora ter sido um vago actor na crise académica de 69. De facto, JHS foi, sem saber como, envolvido nessa jornada de luta iniciada em 17 de Abril de 1069, em Coimbra.

 

Os factos são conhecidos. Na inauguração do edifício do Departamento de Matemática, presidida, como de costume, pelo “reverendo” Chefe de Estado”, o Presidente da Associação Académica de Coimbra pediu a palavra. Era costume, aliás, haver intervenções de quem no momento representasse a Academia.

 

Tomás (aquele almirante de água doce) que passeava com ar ausente o seu solene cargo pela geografia nacional, dizendo uns vagos lugares comuns (sempre os mesmos ou quase) a propósito das cerimónias pomposas que muito o entusiasmavam, ficou embaraçado e terá pedido a opinião do ministro Saraiva. Não se sabe o que este lhe sussurrou mas a verdade é que, atabalhoadamente, se encurtou a cerimónia pífia e toda aquela roda de individualidades fantasmáticas e rançosas do fim do Estado Novo desandou porta fora entre apupos tremendos da estudantada coimbrã.

 

Tudo teria ficado por aqui, não fora a supina burrice de mandar prender Alberto Martins. Pela calada da noite! E pela PIDE!!!

 

Pode-se não gostar da Academia coimbrã, dos fadunchos, das guitarradas, das capas e batinas ou da “cabra” mas uma coisa é (ou era) certa. Naquele meio jovem, generoso, turbulento e exaltado, a solidariedade não era uma palavra vã.

 

No dia seguinte, uma concorridíssima Assembleia Magna decretava a primeira de muitas greves que se seguiriam. Cumprida a 99% pois até a Direita coimbrã achava que a burrice ministerial não merecia o sacrifício de um apoio minoritário.

 

O Ministro Saraiva, com a tola persistência dos teimosos e dos tontos, animado por um par de Professores servis e reaccionários, resolveu usar mão dura. E começaram a chover processos disciplinares.

 

E a greve que teria esmorecido rapidamente foi avivada pela repressão cretina. A “Queima da Fitas” foi suspensa, e a agitação cresceu. A população coimbrã, apoiou a rapaziada e a imprensa, mesmo sob censura, rejubilava com pequenas notícias indirectas que, só gente experiente conseguia decifrar.

 

E o pobre Ministro, sempre na sua toleima, resolveu vir, pequenino e febril, á Televisão avisar e ameaçar. A comunicação foi recebida em profundo e incrédulo silêncio  e originou, logo depois, um monte chalaças e vitupérios. E no dia seguinte, a greve paralisava completamente a universidade.

 

E assim se chegou a um 28 de Maio (aniversário quase esquecido da fundação do Estado Novo) dia em que uma Assembleia Magna absolutamente excepcional, votou esmagadoramente a Greve aos Exames. De notar que houve cerca de oitenta a cem estudantes que votaram contra. Votaram e saíram dali sem que uma voz, uma mão ou um olhar os insultasse, amesquinhasse ou ameaçasse. Em certos momentos, a Academia sabia, ao contrário de Saraiva, ser grande e ser digna. Tenho a suspeita (eu estava lá – e sempre lá estarei) que nos pensávamos vultos históricos. E, se calhar, fomos...

 

A greve de Coimbra foi um êxito total. Mesmo se foram presos e processados uns centos de estudantes. Mesmo se uma cinquentena de estudantes tenha sido chamada a Mafra como castigo do seu activismo. Mesmo se ao lado dos processos policiais outros, disciplinares, tenham sido instaurados.

 

Perante a resistência estudantil, o Governo cedeu. Regressaram aos seus estudos os estudantes enviados para Mafra, foram arquivados os processos disciplinares, soltos os estudantes presos e arquivados os respectivos processos, a policia de choque desapareceu de Coimbra e, cereja no bolo, foi apeado o antigo Reitor e nomeado outro, “da confiança dos estudantes” (expressa em Assembleia Magna!). E o Ministro? O Ministro foi corrido, desapareceu da cena política já nem sei –e muito menos me interessa – para onde.

 

Esta foi a trajectória cambaleante de Saraiva no maior posto que alcançou enquanto homem do Estado Novo.

 

Anos depois, já em liberdade o país, ei-lo que surde do vago anonimato onde vivia para alimentar um programa televisivo onde a propósito da “pequena história”, entretinha plateias analfabetas, ou perto disso, com umas historietas de duvidoso cariz científico  e histórico local. Tudo servido por uma mímica excessiva e por um verbo fácil e palavroso. De grande comunicador, pouco!  Comunicador era Nemésio ou, antes dele, Vilaret. Saraiva era fundamentalmente revisteiro, aliciava pela facilidade, não problematizava nada e, volta que não volta, atingia o ridículo. Como na explicação para a origem do topónimo “Serra da Boa Viagem”, na Figueira. Segundo ele, a explicação era esta: ao saírem os barcos da barra do Mondego, alguém a uns quilómetros - quatro ou cinco, talvez mais –berrrava lá dos cimos serranos “Boa viagem!”. Está tudo dito.

 

Morreu pois a criatura. Que a terra lhe seja leve. Não se deve, todavia, esquecer que morre sem uma palavra verdadeira sobre a crise que suscitou. Aliás, sempre que, a contragosto, referia o assunto, mentia descaradamente, omitia sem rebuço as suas toliçadas e as suas responsabilidades. Para historiador, mesmo em causa própria, andava um pouco ao nível dos rapazolas que se creditam ou são creditados como licenciados.

 

Que alguns antigos dirigentes da AAC não tenham querido comentar esta morte, incomoda-me mas não me espanta. Saraiva era, desde aquela época que falhou, um zombie, um morto vivo, desnecessário à maquina da União Nacional e do Estado Novo que fortemente desservira. As piruetas revisteiras da sua longa passagem pela televisão não o absolvem da desastrada política que, aliás, posteriormente afirmou nunca ter compreendido.

 

 

 

 

(Deixa uma “História de Portugal” em 6 volumes, Publicações Alfa, 1983, com alguma colaboração meritória e um “Dicionário Ilustrado da História de Portugal”, 2 vol., Alfa, 1985 claramente inferior ao  (muito maior) de Joel Serrão ((completado pelos 3 tomos devidos a António Barreto e Mª Filomena Mónica)) respectivamente de Iniciativas Editoriais e Livraria Figueirinhas, 4 volumes, 1971 e ss., e 1999, Livraria Figueirinhas, também. Não refiro uma “História Concisa de Portugal” por andar desaparecida da minha biblioteca. Ao contrário das HdP de Oliveira Marques (Ágora, 1973) e  -mais recente (Esfera dos Livros, 2009) - Rui Ramos, Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno G Monteiro não me deixou nenhuma impressão entusiástica. 

 

    * na gravura Coimbra 69 (aquilo não é polícia a cavalo! Nem saraiva teve qualquer responsabilidade no que aquilo não é...

 

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