Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário Político 191

mcr, 14.11.13

 

 

 

O papelinho

Ou o papelucho, ou a inutilidade cintilante, ou os humores do ex jovem Portas, ou outra coisa qualquer.

De facto, vir a terreiro, falar sobre o guião da reforma do Estado a que isto chegou só por bizarria ou falta de tema que interesse ao menos um leitor.

Mas, que querem?, chove que Deus a dá, o dia está feio, já não se vê uma réstia de sol há sei lá quanto tempo, rangem no corredor as botas do rapaz da tipografia (ou algo no género mas quem tiver problemas por favor consulte o Eça ou o bey de Tunes, já nem sei bem).

E este vosso criado (un servidor... como diria Cela, ou “servus” como se diz no Tirol numa despedida tão cerimoniosa quão antiquada) sentadinho na esplanada, diante de mais um café e o ritual copo de água, não tendo mais em que meter o dente, entreteve-se a ler aquela “vaguidão” que se chamou pomposamente documento Portas.

Recordar-se-ão os sofridos leitores de há uns dias as televisões pararem (ou parirem?) todas ao mesmo tempo, para mostrar um Portas ufano a debitar inanidades desirmanadas sobre o Estado e a sua possível reforma.

Aquilo parecia, tal o cerimonial, a ultima corrida de toiros em Salvaterra em modo post moderno ou mais modestamente o apogeu do carnaval de Veneza.

Portas todo penteado (já repararam que ou a criatura usa capachinho ou então passa horas diante do espelho a puxar os escassos cabelos de um lado para o outro da cabecinha pensadora?), abalroava a lógica, o bom senso e a eventual inteligência de quem o ouvia com uma torrente de inanidades, ideias feitas, rebuscadas, frases soltas e descosidas sobre a reforma da pátria, ou do Estado ou de qualquer coisa parecida com isto ou nem sequer.

Vai-se a ler, a espremer aquele arrazoado e logo se dá conta que não há naquilo nada que permita fazer o ponto da situação de partida e, muito menos, de chegada. Não há um número, um gráfico, uma certeza, sequer uma real concordância entre os diferentes “capítulos”.

Não é, porém, um manifesto eleitoral da Direita, como uma diligente senhora do BE se apressou a vir dizer. Aquilo é tão só um rosário de intenções para propostas que conviria serem discutidas, mesmo se, como documento, a coisa pareça  (e é) medíocre.  Mas mal ou bem, elencam-se (horrenda palavra!) um par de questões a que teremos, muito mais depressa do que pensamos) de dar resposta, enquanto comunidade organizada.

Vivemos tempos ásperos, difíceis, cruéis mas não será por isso que se deve sonegar uma solução.  Olhando para a “contribuição teórica” prestada pelos diversos partidos na Assembleia também não se vislumbram sequer “extintos raios de luz” (ai Antero, que falta fazes) mas mesmo uma asneira pode permitir correcção e propostas saudáveis.

O “guião” tal qual foi apresentado é uma mixórdia, uma coisa feita à pressa, sobre o joelho e com poucos pés para andar.  Todavia, como nada mais foi produzido, pelos arredores, poderemos, mesmo com um prudente dedo a apertar o nariz, começar por ali a partir pedra, desbravar terreno, mostrar ao pobre redactor como ele é fracote, censurar-lhe a parvoeira e a tentativa de fazer pouco de nós, e mostrar-lhe como de um monte de estrume mal amanhado se pode fazer uma horta. Dá trabalho? Claro que dá trabalho mas não é a política algo de difícil, não tem ela mesma algo de pedagógico, sobretudo no areópago onde é dever ser discutida e melhorada?

Quando alguém, aqui ao nosso lado, profere um dislate no meio de uma conversa deveremos levantarmo-nos e abandonar a mesa e o café  (e o copo de água) ou com alguma calma, paternalmente puxar a metafórica orelhinha do néscio e explicar-lhe, devagar e soletrando, a estupidez que debitou?

Eu posso perceber a falta de paciência de algumas pessoas, a irritação crescente com que recebem, em catadupa, as más notícias sobre o país e sobre o estado lastimoso das nossas finanças (e, a propósito: como é que um mau ministro das finanças que, apenas em 2009 permitiu um aumento da despesa pública à volta de quatro mil milhões, sai do cantinho onde se acolheu para vir cagar sentenças de professor laureado? Que Portas pudesse chumbar logo na escrita, não me dói nem me surpreende. Que um cavalheiro a quem a República deve muitos dos seus actuais males venha agora, esquecida a sua medonha e incompetente trajectória pela res publica, figurar de justiceiro é que me arrepela.), o desnorte notório do Governo, as más novas que nos chegam dos nossos “amigos” europeus ou africanos, enfim a “catástrofe iminente” que nos ameaça. Todavia, isto não o jogo dos quatro cantinhos, nem nós somos os eleitores de uma quadrilha de meninos rabugentos que subitamente declaram que já não querem brincar.

Quem anda pelo Parlamento e arredores, quem solicitou, e de que maneira!, o nosso voto, quem perora horas e horas sobre a “salvação da pátria” e a felicidade do povo, deve aguentar firme esta artilharia de pólvora seca de Portas, ir a jogo e mostrar-lhe a ele, e a nós que assistimos, o engano, a toleima, a burrice e o desserviço da Nação de que o acusam. 

Preferir o chinfrim, a abstenção é apenas um estado de recusa que ninguém de bom senso pode compreender.

De resto, em escassos dias, alguém mais bem dotado do que o mau aluno Portas (aliás pouco diligente se não mesmo preguiçoso) agarrava naquilo, naquelas folhecas  que pouco passam do quarteirão e com quatro números, dois gráficos e escrita escorreita punha-lhe a incipiente careca à mostra. 

E que gozo isso daria à malta!

E que serviço se prestava à comunidade!

E que prova de bom senso e de patriotismo!

 

(nota como se verifica pela referencia meteorológica este texto foi escrito há um bom par de dias e andou perdido nos escaninhos da internet.  Mesmo que o dia esteja solarengo entendeu-se publicá-lo tal e qual, quanto mais não seja para registar, após o aluvião de críticas, uma posição contra a corrente).


d'Oliveira14.XI.13



 

4 comentários

Comentar post