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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames 105

d'oliveira, 31.12.07

mcr não tem emenda
e sai do ano assim

Um ano sai, outro entra ou, pelo menos é isso que dizem. Como se os anos, o tempo, soubessem entrar e sair. Nem nós sabemos. Convencionou-se todavia que daqui a um par de horas muda tudo. A esperança, que é a última a morrer, faz-nos acreditar nesta pia mentira que acaba por não ser especialmente grave porque, no fundo, ninguém acredita que as coisas mudem assim de um pé para a mão.
Aliás as pessoas precisam de balizas destas no seu percurso. Bom seria que as usassem com algum discernimento. E nelas incluo-me também, não pensem que me ponho de fora, era o que faltava. Também eu acabo por fazer um balanço a estes últimos trezentos e sessenta e cinco dias, embora, confesso, me tenha esquecido pelo menos de trezentos deles. A nossa memória não é elástica, convém não a sobrecarregar demasiadamente, ninguém viveria com tanta recordação, mesmo que só se tratasse dos últimos trezentos ou quatrocentos dias.
Como me dizia alguém que viveu pouco, muito pouco mesmo, bastam alguns momentos raros de felicidade para iluminar esta monótona sucessão de dias que nos cai em cima.
Por isso, na hora do balanço, que não irei fazer, já bastam os jornais, a televisão, quiçá a rádio, lembrei-me de meia dúzia de coisas que me deram algum prazer, esqueci penas desventuras, uma que outra aflição, ofensas intoleráveis porque pequeninas (e vindas de gente pequenina...) e dei por mim a pensar um amanhã que cantasse.
E já me estampei. Isto de escrever de carreirinha, sem rei nem roque, sem guião, pensando quanto muito a frase seguinte, como quem conversa, à soleira da porta com dois ou três amigos desenfastiados, dá nisto. Nos “amanhãs que cantam”, citação que vem de uma idade das trevas demasiado recente para ser usada sem corar. Os amanhãs não cantaram para ninguém antes se mostraram tal como eram: vazios, feios e desumanizantes. Não que do outro lado as coisas fossem muito melhores, que não foram, mas porque estas promessas incumpridas e incumpríveis esmagaram o melhor de várias gerações de gente tão generosa quanto ingénua.
Quando oiço presidentes, primeiros-ministros e outras criaturas do mesmo jaez a desejarem solenemente boas festas ou bom ano aos paisanos como nós (ou pelo menos como eu) entra-me logo uma fúria demolidora e, se eu tivesse algum poder demoníaco, garanto que o fura-vidas que gargareja na tv votos e promessas caía logo ali fulminado. Ou seja, sou um homicida que se conhece. De ginjeira! Só não malho com os ossos na choça porque a minha raiva morre entre impropérios e palavrões escandalosos que fazem fugir as gatas e alvoroçam os vizinhos de ouvido mais sensível e atento. Cosmopolita por feitio e porque já não vale a pena mudar, murmuro as mesmas ameaças e blasfémias contra os chefões alheios e estrangeiros. Como os velhos anarquistas do século XIX, não tenho deus nem mestre, nem pátria nem rei. Qualquer um serve para o efeito fatal de ser convertido em cadáver vingando assim multidões inteiras de sem voz que penam por este mundo baço e feio. Bakunine e Kropotkine guiam-me a mão justiceira, a bomba artesanal, a pontaria que nunca tive, o revólver que nunca disparei ao som da Internacional. E sob as bandeiras negras e vermelhas que Leo Ferré tão bem cantou. Senhoras e senhores, apresenta-se perante Vexas, e numa única sessão, mcr o último abencerragem da extinta Sociedade do Raio. Ah ça ira, ça ira, ça ira...
Isto vem de uma canção dos tempos da revolução francesa que, obviamente prometia um futuro pouco atraente às classes dirigentes: les pretres on les pendra, les aristocrates a la lanterne e que terminava admiravelmente com
Et quand ont les aura tous pendus
On leur fichera la pelle aux c(uls?)
E o mais engraçado disto tudo, acabo agora de o saber, é que o seu autor se chamava Ladré, nome pobre, claro, e franciú mas que, entre nós, tem ecos de ladrar. Bem lhes ladraram aos pescoços os sans-culottes, enraivecidos. E pensando bem, provavelmente se eu lá estivesse, o meu rico pescocinho também teria marchado que aquilo a certa altura era imparável.
Mas isto descambou para o sanguinário, coisa que, para fim de ano, me parece excessiva, mesmo se dirigida só contra os de cima, os que mandam, os que vão salvar alguns dos mareantes desta nau, do terrível cancro do pulmão por via da proibição do tabaco. Eu que já não fumo há uma boa dúzia de anos, estou para aqui cheio de pena do Carteiro, da Sílvia, do JCP que aviava charutos cubanos do tamanho da Sierra Maestra com guerrilheiros castristas e tudo. A partir de amanhã vão fumar envergonhadamente para a rua, desconhecendo-se ainda se podem levar a xícara do café na mão... eu não me atrevo a dizer que estamos perante uma nova lei seca (que teve as consequências que se sabem e que, nos seus bons tempos, Al Capone agradecia...) mas dadas as características da nossa industria hoteleira, temo bem que das duas uma. Ou ninguém fuma, ou tudo estará como hoje daqui a um par de meses... Já sei que algum leitor me chamará nomes mas eu não consigo perceber porque é que um patrão de café ou de bar não pode ter um estabelecimento só para fumadores. E não me falem dos empregados. Basta que sejam também fumadores. E não me falem de despesas de saúde, sabido como é que no que diz respeito às drogas duras se gastam balúrdios em clínicas de acompanhamento, em salas de chuto e outras bizarrias.
Daqui a pouco, esta sanha higiénico-salvífica desagua na proibição de fumar em casa. Não se riam. Em vários Estados norte-americanos estuda-se essa hipótese. E não se admirem que noutros tantos do mesmo país se proibia até há pouco tempo, e sempre dentro da casa de cada um, actos de sodomia, de cunilingus e outras derivas do mesmo teor. Numa cidadezinha do Massachussets estava mesmo regulamentada a posição do coito: a de missionário. Proibiam-se outras posições sob pena de multa e num caso, de prisão: a que supunha o homem em decúbito dorsal e a mulher por cima de frente para ele. Parece que isto tornava as pilgrim mothers demasiado libertinas.
E por aqui me fico: aproveitem o ano que finda e o que por aí vem enquanto algum governante mais pundonoroso não resolve também ele, legislar sobre o kamasutra lusitano.

As minhas leitoras permitirão que dedique estas prosas bárbaras (bem que o queria!...) a alguns velhos velhíssimos amigos que fazem o favor de me ler: João Vasconcelos Costa, António Pinguel, Manuel Sousa Pereira, A Horta Pinto e mais um luzido grupo que dá por citado. De repente lembrei-me deles e deu-me para a ternura.
A gravura de hoje vem da (agora puritana) Índia, do templo de Lakshman mais precisamente.

Sonhos

O meu olhar, 31.12.07

“Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de Verão. No fundo, isto não tem muita importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.”
Shakespeare

Que 2008 seja a concretização de muitos sonhos já sonhados e que seja também o início de novos sonhos. É o que desejo a todos os Incursionistas.
Um Bom Ano!

Fim d’ano

José Carlos Pereira, 29.12.07
Este final de ano tem sido marcado por vários acontecimentos com grande importância para o país e para o mundo. Fico-me pelos factos a nível nacional para comentar a crise do BCP e concomitantes diatribes de Luís Filipe Menezes.

Quanto ao BCP, as últimas notícias dão conta de que Miguel Cadilhe solicitou o adiamento para domingo da entrega das listas concorrentes aos órgãos sociais. Quando se previa que a lista de Santos Ferreira (ex-presidente da CGD) fosse a única a apresentar-se à Assembleia Geral, merecendo o consenso de alguns dos principais accionistas, parece que Cadilhe vai apresentar uma lista alternativa. Mais do que uma resposta dos sectores afectos ao PSD, vejo aqui a oportunidade de alguns saudosos do BPA procederem ao ajuste de contas com os protagonistas de uma fusão que foram obrigados a aceitar, vencidos mas não convencidos. Lembram-se dessa novela? Esperemos pelos episódios que vêm aí.

No que diz respeito à lista de Santos Ferreira e à indigitação de Armando Vara para vice-presidente do BCP, não posso acreditar que isso resulte de uma intromissão do Governo e do PS. Esse seria um erro demasiado primário em que os governantes e os accionistas não podem incorrer. Para mau, já basta os muitos erros (e crimes?) cometidos pelas anteriores administrações e que fizeram cair sobre o BCP uma avalanche de acontecimentos pouco dignos de uma instituição que tinha marcado pela positiva a evolução da banca em Portugal e que tinha constituído um case-study a nível internacional.

Luís Filipe Menezes não resistiu e veio falar sobre o BCP, trazendo este tema para a arena político-partidária e esquecendo que estava a falar de um banco com accionistas privados nacionais e estrangeiros, cotado nas bolsas de Lisboa e Nova Iorque. Disse Menezes, de forma despudorada, que agora é a hora da CGD ser entregue a gente do PSD (e parece que o Governo até vai nesse sentido…).

A propósito, Menezes disse numa entrevista ao “Expresso” que ia duas vezes por semana à Câmara de Gaia. Fátima Felgueiras, quando estava “ausente” no Brasil, não ia vez nenhuma por semana à Câmara de Felgueiras. Ferreira Torres também tinha longos períodos de ausência quando presidia à autarquia de Marco de Canaveses. Contudo, todos recebem ou receberam o ordenado de autarcas por inteiro. A lei e o legislador não sabem como responder a estes chico-espertos, mas com a revisão da lei eleitoral das autarquias talvez se pudesse corrigir também estes buracos da lei.

Diário político 71

mcr, 29.12.07

 

Chamaram-lhe “uma morte anunciada” mas, para mim, foi uma surpresa. Claro que sabia que estava ameaçada. Ela e todos os outros candidatos, há que dizê-lo, Musharraf incluído. Aliás terá já escapado a oito atentados, o que é obra.

Mas continuo na minha: foi uma surpresa. Benazir Bhutto deveria estar, mais do que prevenida, protegida. Não pelo actual poder mas pelas suas conhecidas milícias. A tropa, ou a polícia, vem a dar no mesmo, isolou o local do comício de modo eficaz, dizem os jornais. E não foi aí que Benazir foi morta mas já no caminho do regresso. Saiu do parque onde realizou o comício e de um grupo de transeuntes saiu alguém que conseguiu aproximar-se do carro (não blindado!!!) disparar contra ela e suiicidar-se seguidamente accionando uma bomba sob as roupas. Assim, de fácil.

Convenhamos que isto raia o inacreditável. No Paquistão, país que nunca se distinguiu pelos brandos costumes e onde a morte violenta parece fazer parte da cultura popular, tradição antiga de que os colonizadores ingleses sempre se queixaram com sobejos motivos, não passa pela cabeça de ninguém com responsabilidades políticas como as que Benazir tinha, deslocar-se tão “à vontade”.

Benazir, herdeira política de Ali Bhutto, ex-presidente e ex primeiro ministro, derrubado por um golpe militar e posteriormente enforcado, era a dirigente do que só por falta de termo adequado se pode chamar partido, o partido do povo paquistanês e que de facto é mais uma coligação de clientes da poderosa família Bhutto.

Duas vezes primeira-ministra num país muçulmano, Benazir foi afastada do poder por demissão presidencial (da primeira vez) e derrotada nas urnas (na segunda vez) não se podendo dizer que qualquer dos seus mandatos se notabilizasse por especiais medidas em prol da democracia. Da segunda vez, aliás, esteve aliada a um partido extremista e foi o seu governo quem reconheceu o regime dos talibans a quem aliás forneceu armas, mantimentos, apoio logístico e informações.

Todavia isso, não chegava, como se vê, para a desculpar de ser mulher, mulher ocidentalizada, ainda por cima, com ambições políticas num país que concede á mulher um lugar no lar e pouco mais.

É mais ou menos indiferente saber quem a matou. À uma a sua morte vai ser reivindicada por todos os movimentos extremistas, dada a oportuna morte do seu executor. Depois, esta morte vem inserir-se numa campanha infrene de desestabilização do Paquistão, nação já de si instável, que apenas tem servido de peão de brega de interesses vários dada a proximidade com o Afeganistão agora, e com uma União Indiana poderosa e neutral há anos. A China, por um lado e os Estados Unidos por outro apoiaram demasiadas vezes as aventuras dos militares paquistaneses sempre com um fito: controlar, dentro do possível, a Índia e manter um gendarme disponível perto do Irão e do Afeganistão.

O mundo comoveu-se. A morte de Benazir, mulher, licenciada por universidades americanas e inglesas, moderna (pelo menos num quadro tão tradicional como o Paquistão) suficientemente poderosa no seu país dadas as alianças e a fortuna familiares, deixa-lhes de novo o general Musharraf como alternativa possível (ainda o será?) frente à aliança dos descontentes e dos extremistas muçulmanos. Resta todavia saber se o general ainda pode ser o aliado seguro e forte de que os ocidentais necessitam.

Vale a pena olhar para esta família Bhutto e tentar comparar o seu destino com outra família fundadora de pátria, os Gandhi, na União Indiana: morrem de morte violenta pais, filhos, irmãos e os respectivos partidos ficam órfãos. Mais no caso paquistanês do que no indiano porque o Partido do Congresso é mais antigo tem outra cultura de base e não dependeu tanto de Indira ou de Rajiv, pese embora o facto de a viúva deste, Sónia, de origem italiana, ainda ser a personalidade mais importante da organização.  Não deixa entretanto de ser interessante verificar que mesmo em situações tão diversas se verificarem tantas similitudes. O que não é exactamente muito tranquilizador.      

Estou a Acabar o Ano Confuso

JSC, 28.12.07
Ouvi há alguns dias o líder do PSD dizer que quando for governo liquida o Estado em seis meses. Exacto, em seis meses. Na altura pensei que o actual Ministro da Saúde ficaria plenamente realizado se viesse a integrar essa fantástica equipa liquidatária do Estado. Entretanto, esqueci o assunto, apesar de mais uns tantos estabelecimentos de saúde terem sido encerrados.

Hoje os
jornais anunciam que o PSD, quando for governo, vai reapreciar o fecho dos estabelecimentos de saúde e que muitos voltarão a abrir.

Mas o que é que isto significa? Será que o líder do PSD já não vai liquidar o Estado? Confesso que esta ideia me agradava. É que acredito que num Estado extinto não serão precisos profissionais da política. Mas também isto deve ser confusão minha.

Diário Político 70

mcr, 26.12.07


Alguém tem um problema

 

 

A Drª Esther Mucznik, investigadora em assuntos judaicos, como modestamente se intitula, escreveu na quinta feira passada um artigo (mais um artigo...) sobre a questão israelo-árabe. Desta feita a distinta investigadora resolveu opinar sobre a eventual criação de um Estado palestiniano. Ela acredita pouco (tal como eu) nas hipóteses de se chegar a um acordo em Anapolis. Divergimos todavia na análise da questão concreta e por várias razões.

À uma eu não sou investigador de questões judaicas ou palestinianas mas apenas um cidadão vagamente cosmopolita quer se interroga sobre o estado do mundo.

Depois, não pondo de nenhum modo em causa a existência de Israel mesmo que entenda que o fundamento do regresso à terras dos antepassados encobre uma situação confusa na medida em que tal terra estava ocupada há cerca de dois mil anos por outra gente. Isto se acreditarmos que todos os judeus foram expulsos pelos romanos dando origem à grande diáspora. Porque se, como de resto me parece razoável, lá ficaram alguns, bastantes ou até a maioria, então a questão é mais complicada ainda. Teríamos que essa população de confissão judaica se teria convertido em massa ao islamismo sendo pois ainda menos plausível a teoria do regresso a uma terra esbulhada.

Mas seja lá como for a verdade é que largas centenas de milhares de judeus regressaram à terra de Israel, que em tempos remotos (sempre depois do Egipto) tinham conquistado aos autóctones se é que a Bíblia está certa. E regressaram movidos pela fé, pelo sionismo, pelo imenso terror imposto por Hitler & companhia, pela memória de perseguições milenares, fugindo dos pogroms, da inquisição, dos campos de concentração, dos ghettos e da miséria. As Nações Unidas numa dramática votação em 1948 repartiram a Palestina entre judeus e árabes. Com o voto de toda a gente que mandava ( dos europeus envergonhados e arrependidos pelo seu silêncio quando não pela sua cumplicidade no massacre, dos americanos e da URSS) e com o protesto de todos os países árabes e de um punhado de aliados. Começou no mesmo dia a primeira guerra “oficial” entre árabes e jdeus. E digo oficial porquanto o clima na Palestina era pelo menos desde os anos 30 de guerra civil larvar entre as duas comunidades. E tanto assim era que os judeus constituíram desde cedo grupos armados e de auto-defesa contra a potência ocupante do mandato (a Inglaterra) e contra certos grupos árabes mais exaltados. Constituíram igualmente uns pequenos e amáveis grupos quer alguém, certamente mal intencionado, considerou terroristas (Stern, Irgun) e onde Beguin, para não ir mais longe, fez as suas primeiras armas.

Os países árabes não conformados com a existencia de Israel invadiram o pequeno Estado logo que este se proclamou. Fanfarrões e pouco mobilizados pela defesa da causa palestiniana foram derrotados brilhantemente por Tsahal um exército tipo milícia combatente que lutava pela sobrevivência do que restava do povo judeu.

E logo nesta altura se modificou o mapa de Israel que era aliás aberrante. Fronteiras foram rectificadas, zonas árabes foram incluídas para tornar mais lógico e defensável o território israelita. Ou seja a fanfarronada do mufti de Jerusalém, e dos dirigentes árabes do Líbano, da Síria, da Jordânia e do Egipto, vizinhos directos, teve essa primeira consequência da amputação de pequenos territórios.

A partir desse momento foi o que se conhece: os árabes nunca aceitaram sequer a ideia de um Estado hebraico e por culpa própria ou por caírem na esparrela israelita foram sendo derrotados sempre que foi necessário. O Egipto chegou a ver o todo o seu Sinai ocupado, os montes Golan da Síria estão ocupados, o Líbano foi ocupado parcialmente mais de uma vez até por interpostos generais de um fantasmático Exército de Libertação do Sul do Líbano, armado e pago por Israel (que entretanto denuncia os grupos libaneses armados e pagos pela Síria...) e a Jordânia que tinha ocupado ela própria os territórios transjordanos destinados ao Estado palestiniano viu-se esbulhada de boa parte deles. Com isso (devolvidos que foram o Sinai e o Sul do Líbano) tem Israel alargado, povoando continuamente com colonatos território que nunca foi seu e que só foi ocupado depois da guerra dos seis dias. É nesse território não israelita que, neste momento, está construído um muro vergonhoso, é esse território que Israel se recusa a entregar. Esta é a meridiana verdade por muito que isso custe à ilustre investigadora de questões judaicas (tarefa que suponho, partilha ou acumula com a presidência da comunidade judaica portuguesa, o mesmo é dizer que investiga pró domo sua, em causa própria, com interesse num determinado resultado coisa que não teria nada de mal se a senhora em causa o dissesse abertamente em vez de se refugiar num neutral título de investigadora.

Mas vejamos um pouco o que diz a honorável investigadora. Diz que não acredita num Estado edificado à custa de injecções de dinheiro (como, explicita, tem sido corrente com os palestinianos). Tem toda a razão e também aqui estamos de acordo. Ou estaríamos não fosse dar-se o caso de toda a gente saber que para além dos kibutzes (cada vez menos) e de outtras formas cooperativas de trabalho agrícola ou agro-industrial, Israel sempre ter tido um gigantesco apoio financeiro dos judeus americanos. Note-se e fique claro que tal apoio é legítimo: era o que faltava que não ocorresse. Mas tem sido esse apoio económico um dos pilares fundamentais da sobrevivência de Israel. Mais do que a rega gota a gota do deserto e outras coisas maravilhosas que embevecidamente se mostra ao peregrino ocidental. E mais do que isso deveria falar-se do apoio militar directo em armamento sofisticado, do escudo que Washington lançou e manteve até à data, dos créditos gigantescos concedidos pelo governo americano movido evidentemente pelo forte lobby judaico.

Convenhamos que também aqui parece haver muito e bom indício de Estado (também) construído à força de injecções de dinheiro.

Que os israelitas o tenham utilizado mais judiciosamente do que as sucessivas camarilhas palestinianas e árabes é outra questão que não impede de considerar a investigação da senhora Mucznik um pouco trôpega nesta passo.

A segunda questão levantada no mesmo artigo é a seguinte. Diz a investigadora: “só haverá paz quando os palestinianos aceitarem construir um Estado ao lado de Israel e não em vez de Israel”. Mil vezes de acordo, excelente senhora! Mas já agora conviria perguntar: dentro de que fronteiras? Israel está disposto a levantar todos os acampamentos militares vulgo colonatos instalados em terra palestiniana depois da guerra dos seis dias ou não? Ou quererá a senhora Mucznik um Estado palestiniano semeado de minas e armadilhas e colonatos judaicos militarmente defendidos e fora do seu controlo politico?

É que a ser assim não vale a pena continuar nesta piedosa ficção diplomática de Anapolis, repentinamente nascida alguns meses antes das novas eleições presidenciais americanas.  Estamos todos a perder tempo, a gastar palavras e a adiar a paz.

Shalom, Senhora Mucznik. Salaam, Bom Natal ... 

 

* não se mencionou aqui o facto de ainda hoje haver grupos palestinianos claramente enfeudados ao terrorismo (Hamas ou Hezbolah para não ir mais longe para já não falar em certas milícias em teoria organizadas na Fatah) por se entender que a direcção política dos palestinianos já não está subordinada à sua lógica terrorista e anti-sionista. Aliás se assim não fosse nem os americanos a convidavam nem Israel se sentaria com ela à mesa das negociações.

As gravuras: meninos israelitas e palestinianos sempre atrás de arame farpado. Bela árvore de Natal para uns e outros! Particularmente estou-me nas tintas para os dirigentes de Israel ou da "Palestina" mas o mesmo não se passa com as crianças....

 

         

Estes dias que passam 88

d'oliveira, 24.12.07
Es
Xtmas time


Sentimentos diversos, melancolia, nostalgia, exasperação, alguma escondida esperança tudo isto num fundo de ternura que gostaria que não fosse piegas... Ou que o fosse o menos possível...
O Natal bate-nos à porta com demasiada força, demasiado ruído, cores berrantes e uma coorte infindável de mortos. Todos os nossos mortos! Uma lista que cresce como o deserto no coração. E, como dizia o poeta, ai de quem acolhe desertos. Cito de memória, estou fora de casa, longe dos meus livros, na (provavelmente) última casa de minha mãe, prestes a partir para a casa do meu irmão, onde já se amontoam outros familiares, familiares de familiares, algum eventual namorado de uma das raparigas mais novas, que a namorada do Manuel foi para a Figueira para casa dos avós. O dia passei-o a fazer recados, leite para o arroz doce, ovos, esqueceram-se de me pedir ovos, volta mcr ao supermercado por ovos e para uma fila maior do que a légua da Póvoa, carregar as prendas para a casa dos sogros, trazer as prendas de lá, ficam já aqui, que isto pesa e já basta o circo que nos espera em casa do meu irmão.
Já preparei o carregamento dos presentes para a tribo que nos espera mas receio-me que lá mais para a noite, a CG se lembre de um saquinho que ficou sabe-se lá em que recanto desta casa. Se ficou, vem amanhã, repontarei, mas a cara de poucos amigos da CG e a outra mais ansiosa do presenteado vão obrigar-me a sair, meter-me no carro, vir a casa, procurar desesperado por todo o lado, praguejando que nem um carroceiro dos antigos, dos verdadeiros, dos que já não há, nostalgia, nostalgia, e de repente ouvir o telemóvel com ordem de regresso, uma voz embaraçada a dizer-me quer afinal, o embrulho estava atrás de um maple, quieto e calado a ver se escapava da ânsia voluptuosa de dador e de recebedor. Nesse momento penso coisas monstruosas, fico já aqui, não volto, que venham como puderem, o Octávio tem carro que as traga que eu vou mas é ler um livro, ouvir o canal Mezzo, beber um copo de água e preparar-me para a segunda parte das festividades que começará amanhã à hora do primeiro café, cortejos alucinados de viciados à procura de um lugar onde se beba uma bica já não digo boa mas apenas decente, procurar lugar para estacionar o carro, junto de um dos poucos pontos onde há a maldita bebida, ir para outra bicha, desta vez mais pequena, que a maior parte dos fregueses só pede café e uma água fresca de preferência, que ainda estão arrombados pelas rabanadas, pelas filhoses, pelos cremes queimados, o arroz doce, o bolo rei, e sei lá mais quantas coisas que a imaginação portuguesa é neste capítulo de uma assustadora fertilidade...
Juro que só terei comido uma vaga rabanada ou nem isso, eu para doces já dei mas não dou. De todo o modo estarei contagiado pelo ar do tempo e devo ter um ar tão entupido quanto o dos que me rodeiam.
E não há jornais. E se houver, devem ser horrendos, cheios de baboseiras sobre o Natal, de menus, de ideias para prendas, de informações inúteis e erradas sobre a quadra, as tradições e tudo o resto.
E lá mais atrás alguns fantasmas amáveis mas dolorosos olham para nós com doçura e serenidade: o meu pai, a avó Aldina, o avô Manuel, outros avós quand même, o Jorge e a Alcinda que para mim foram muito mais do que sogros para não falar numa longa teoria de parentes mais longínquos mas presentes porque o Natal tem isto de bom e de mau ao mesmo tempo: convoca toda a gente e todos se acotovelam à nossa frente, prevenindo-nos que devemos, apesar de tudo, aproveitar o dia e os vivos porque o nosso tempo é cada vez mais finito.
Isto não está muito alegre mas isto é o que mais se assemelha a uma oração ateia de um escrevinhador de croniquetas que envelhece, se enternece e vos deseja do fundo do coração Boas Festas.



Feliz Natal

José Carlos Pereira, 23.12.07
Faz hoje precisamente três anos que cheguei a esta casa de escrita. Tem valido bem a pena, pelos conhecimentos e pelas amizades. Ultimamente tenho sido pouco assíduo na escrita, mas gosto muito de ver a barca continuar o seu percurso com as velas bem içadas ao vento.
Aproveito para desejar a todos os amigos incursionistas um Feliz Natal e uma quadra recheada de coisas boas, na companhia insubstituível de familiares e amigos.
À saúde de todos, tchim, tchim!

O leitor (im)penitente 28

d'oliveira, 22.12.07


mcr à solta na cidade de mármore e granito...

Pois é. Eu queria muito ver “claramente visto” a nova super livraria. A “Biblos” como calculam. Só por isso já ferrei duas citações em três linhas. Para ser digno de entrar nesse Olimpo. Mesmo que (outra citação) tenha de dizer Dominus non sum dignus...
Ontem, venerável sexta feira, dia mais que santificado para uma das religiões do livro, meti pés ao caminho, ou melhor deixei o carro num parque e enfiei-me no primeiro táxi que vi e nem precisei de dizer grande coisa. O taxista disse-me logo que sim senhor que havia uma livraria nova num prédio novo, ensinou-me o curto caminho que teria de fazer a pé e eu comovido por aquele fervor literário abonei-lhe uma gorjeta choruda. Espírito natalício e entusiasmo de leitor ansioso par ir fazer correr pardaus por terras de bastos livros (esta é forçada mas hoje puxa-me o pé para a chinela...).
Ora bem. Novas das provas como diria o meu querido Zé Quitério leitor abençoado tanto ou mais que gourmet convicto? Pois fraquinhas, desculpem lá.
A Biblos é bonita, tem espaço, muito computador, é fácil de percorrer e percorre-se depressa. Faltam livros, nom de Dieu! Por enquanto aquilo é vulgar, vulgaris de Lineu.Vamos que encontrei o “Verdes e Vermelhos” da Alice Samara que uma fnaquinha me dizia esgotado. Merquei mesmo uma “História do Brasil” do Benassar (que já vi na “Leitura” a quem peço desculpa desta modesta traição) e uma “A ditadura militar portuguesa, 1926-1933” do Douglas Wheeler, edição velhinha das P.E.A.
Uma breve passagem pelas estantes de ficção e poesia não trouxe novidades. Compostinhas e bonda! A literatura em línguas estrangeiras apresentavam-se em dó menor. Coisinha mais fraca, Deus meu! Assim até a FNAC dá cartas, malta.
Claro que isto deve-se à pressa. Abrir de qualquer maneira para aproveitar a época natalícia, é o que é. Daqui a dois, três meses, a coisa deve estar melhor. Pelo menos, espero-o. Já tinha pensado o mesmo da nova “Leitura, books and living” no Porto. Muita pressa e pouca substância.
Estes dois grandes espaços (são os proprietários que insistem no termo...) pedem urgentemente recheio à altura. Por enquanto, a Bertrand do Chiado, a Lello, a Leitura (a clássica) e a Latina dão cartas. Mais livros, melhor escolha, mais aconchego e mais estrangeiros. Curiosamente ouvi dois leitores, diferentes, dizerem o mesmo: um ao telefone que até rematava condescendente, Bem eu também sou um pouco esquisito. Outro dizia para a namorada que trazia dinheiro fresco para gastar e não via jeitos disso.
Frustrado, soltei-me pelos alfarrabistas e foi um ver se te avias. Um belíssimo Larousse de la peinture (2 vol), dois sumptuosos os álbuns de fotografias de Lourenço Marques no ano de 1929,Thibault na Plêiade em belo estado, e mais uma boa dúzia de livros a preços módicos. Na pequena feira dos sábados da rua Anchieta havia um quarteirão de livros mais que apetecíveis. Aconselhei um Lorca (papel Bíblia da Aguilar!!!) a um preopinante que desembolsou 35€ com ar bem disposto. Espírito natalício, claro. E eu já o tinha, obviamente. Por meu lado aviei-me com um belíssimo “El Paris de Kiki” da Tusquets, 250 páginas carregadas de fotografias e fac-similes espectaculares, da grande época 1900-1930. E de passada comprei mais uma série de folhetos incluindo um catálogo da exposição Lorca (Gulbenkian, anos 80) lindíssimo e a 2€. O vendedor devia estar distraído. E o Jorge Silva Melo que por lá andava a fariscar também. Ou então já o tem. Ou eu cheguei primeiro. Enfim um belo dia.
Leitoras e leitores, no sábado próximo (29) há outra vez venda na rua Anchieta, aliás há todos os sábados, deitem-se ao caminho, aquilo é divertido e vale a pena. Até lá, moderem-se na comidinha que o Natal é muito traiçoeiro. Eu ainda ando a tentar perder uns quilos ganhos há anos na casa generosa e fraterna da e do Octávio (minha cunhada e meu irmão) durante o Natal. O problema é que segunda feira lá estarei para outra jornada natalícia. Assim, nunca mais vou ao sítio.

na gravura: dois belos óleos com a modelo Kiki de Montparnasse

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