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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Estes dias que passam 102

d'oliveira, 31.03.08
Eles estão de volta

Eles tremem mas não caem. Às vezes o escândalo público fá-los vacilar mas eles sabem que isto de jornais é sol de pouca dura, uma notícia abafa a outra e isso conforta-os. Escondem a cabeça por um momento mas apenas para a voltar a erguer logo que a trovoada passa.
Refiro-me, obviamente aos do “eduquês”, aos do Rousseau mal entendido e pior praticado, aos desculpabilizadores, aos “todo o poder ao povo bom e inocente”. Enfim a uma seita que tem desgraçado este pobre país que já não sabe a que santo se votar.
A história, claro, é a da “escola” Carolina Michaelis (pobre senhora, se ela soubesse...). Depois de, por um momento, se terem calado, entupidos, pela bestialidade do filme risível que se viu, eis que voltam com passos de lã.
Um cavalheiro do Público, Pacheco de seu nome, vem opinar que as queixas na Procuradoria da professora agredida fazem o processo entrar numa espiral de violência que poderá ter terríveis consequências. Pacheco, deveria ser obrigado a dar umas aulas, receber os competentes tabefes, as correspondentes humilhações, a acusação gratuita e canalha de poderes públicos, de pais extremosos e de criancinhas apenas um pouco traquinas para saber o que é bom. Mas Pacheco, com uma conselheiral prosa vem dizer que assim também não, que é demais, que as criancinhas... enfim o habitual chorrilho de uma pseudo esquerda de baratas tontas que não percebeu nada, não aprendeu nada e quer perpetuar esse feliz estado de cretinismo agudo no país que a atura.
A senhora directora da DREN esforçou as meninges. Agiu, que remédio, mandando a aluna telefonista para outra escola que vai ter de a aturar. Prometeu rigor, pudera!, e para coroar esse ingente esforço intelectual, mandou que na “escola” (raio de nome!) professores e alunos meditassem no ocorrido entre cinco minutos ou uma inteira hora. Já estou a ver os coleguinhas da criatura agressiva, à semelhança de Pacheco, a entenderem que o mundo está a ser demasiado duro com eles. E os professores a terem de “dialogar” sobre um Estatuto do Aluno que é não apenas aberrante mas imbecil. E criminoso.
Corre, entre os palermas como eu, que ninguém está verdadeiramente interessado em apurar responsabilidades, verificar a razão que nos fez chegar a estes extremos que vêem sendo denunciados há anos.
Há anos!
Alguém daí viu os pais da turbamulta filmadora e gozadora, dizer uma palavra? Por exemplo: “desculpem lá qualquer coisinha?” Viram? Viram os pais da menina agressora a dizer que estão aborrecidos pelo que a filha fez? Que lhe vão tirar o telelé ou deixar de lhe pagar as chamadas e as mensagens e as músicas que descarrega? Alguém viu a inexistente Ministra da Inducação dizer duas a abater à professora? Alguém viu aquela subsecretariante criatura, Valter não sei quê, dizer coisa que se ouvisse e, uma vez sem exemplo, defender a verdadeira parte fraca nesta história de faca e alguidar, perdão de telemóvel e encontrão?
Alguém acredita, visto isto que se vê, e visto sobretudo o que se não vê, porque os professores calam, as escolas escondem, as Direcções de Educação ignoram e o Ministério olímpico não avalia, que as crianças, os adolescentes saem das “escolas” a saber qualquer coisa que valha a pena, que os ajude a ser cidadãos, pais e educadores?
Todos os anos em chegando as tais provas de aferição ou lá como se chamam o discurso é aterrador. Cada vez sabem menos, cada vez as coisas estão piores, cada vez se gasta mais dinheiro e cada vez os resultados são mais tristes.
Quando os jornais publicam as listas de escolas é um ai Jesus! Que as privadas isto, as privadas aquilo. Só se esquecem que as privadas são caras. Sendo caras não estão para brincadeiras. Menino mal comportado sai logo. O pai extremoso que pagou um balúrdio, sente-se onde lhe dói: na carteira! E nesse caso age, é mesmo capaz de enfiar um par de estalos no abencerragem esparvoado. Que obviamente não repete a graça. Esse é o primeiro segredo das escolas privadas. Não estão pelo eduquês, ignoram educadamente o Rousseau traduzido em calão nacional e ministerial, e dão ao demo as digressões alcoólicas por Lloret de Mar.
O caso Carolina Michaelis poderia dar azo a uma discussão fecunda. Poderia... Para isso era preciso pôr em questão um par de tretas inauguradas pelo ministro Veiga Simão, ainda no tempo da outra senhora, valha a verdade. Foi com esse pai da pátria, um homem para todos os regimes, desde Salazar e Caetano a Cavaco e Guterres, que tudo isto de facto começou. Não com este aspecto e muito menos com esta gravidade, está bem de ver. Nem o autoritarismo conservador do Estado Novo lho consentiria. Mas de facto foi com ele que a Educação Nacional foi realmente mudada. A pedra de toque foi o ciclo, o famoso ciclo básico e que daí se seguiu. A destruição das Escolas Comerciais e Industriais que não seriam exemplares mas que garantiam um ensino profissional que hoje não existe. E a dos Liceus que eram “elitistas”- Provavelmente é verdade. Hoje, pelo contrario, elites não se enxergam a menos que se tente ir procurar pelas Escolas privadas.
O que estes pobres espíritos tão radicais e tão igualitários não percebem, coitados, é que a rasoira por baixo condena os filhos dos mais desfavorecidos. Os filhos das classes altas vão aprender em escolas exclusivas, rigorosas, caras. E saem daí para as melhores escolas superiores, seja em Portugal seja no estrangeiro. Esta “escola” condena os filhos dos escassos proletários que subsistem, os da pequena burguesia à vulgaridade permissiva e geradora de ignorância que a actual escola pública fomenta.
O Público há dias traçava o retrato de seis professores no topo da carreira, carregados de louvores e apreciados pelos colegas. Vão embora! Estão pelos cabelos! Não aguentam mais! Sabem que vão perder dinheiro, quer porque, mesmo com os 36 anos de serviço, ainda não têm a idade necessária, quer porque já com mais de 60 anos ainda lhes faltam um, dois ou três anos. Perderão 4,5% por ano em falta. A média daqueles seis professores/as, era, se bem recordo, entre 9 e 13,5% de ordenado a menos. Antes isso que endoidecer, dizia um. Antes isso que apanhar porrada, replicava outro. Antes isso do que viver esta vida merdosa, triste, medrosa ser ainda por cima apontado a dedo, dizia um terceiro. Estes seis professores não estão sós. Há muitos mais na calha, dispostos a arriscar, a perder para ganhar. O movimento é aliás geral em boa parte da administração pública. E são os melhores, os mais capazes que se vão que os outros, os tais que a opinião acusa (e com que razão!...) estão na maior. Não chegarão a titulares, o que lhes evita bastante trabalho. Ninguém os vai despedir porque são “uns gajos porreiros”. Não ensinam mas também não agridem os alunos. Muito menos os paisinhos que só querem da escola um lugar onde ter os filhos a salvo das drogas (boa piada, esta...) e dos restantes vícios e perigos da rua(!!!...)
Um último ponto: parece que há pessoas (e entre elas algumas cuja opinião muito prezo mas que, neste caso lamento dizer que não têm razão) que acham que um telemóvel é um bem de tal modo pessoal que o seu confisco temporário pelo professor é além de uma violência uma atentado aos direitos humanos mais elementares. Mesmo que o tal telefone perturbe a aula que é paga pelos impostos de todos, mesmo que isso perturbe o desejo de aprendizagem de um só aluno entre trinta...
Faço parte de uma associação tonta que fornece material escolar para os cafundós africanos. Uma lousa, algum papel, umas bics, dinheiro para um pobre almoço, mais mandioca que outra coisa, enfim tudo muito rudimentar. Os meninos e as meninas andam quilómetros por picadas infames, sob um sol abrasador, ou uma rara chuva diluviana. Não têm sapatos e as carteiras de dois acolhem três e não chegam para todos. Os resultados são notáveis ao que me informam. As aulas são disciplinadas não só porque ninguém tem dinheiro para telefones mas porque eles sabem que a saída da miséria e do subdesenvolvimento passa por aprender a ler, a escrever, a contar, a pensar, a ser cidadão, a ser responsável, a ser adulto. E sabem que a sua permanência ali e não no campo a cuidar das lavras pobre ou do rebanho magro é um privilégio. E que talvez eles, ou os filhos deles, possam viver um pouco melhor, um pouco mais do que os pais.


O cronista insiste que não é professor nem está ligado a qualquer pessoa com tão extravagante profissão

Au Bonheur des dames 118

d'oliveira, 29.03.08











Mais uma de carreirinha...

As escassas leitoras gentis que fazem o favor de me aturar (isto de escassas que, no meu caso, é uma ociosa verdade está a espalhar-se. Para que se saiba uso esta deprimente verdade há uma boa dúzia e meia de anos. Há mesmo um livrinho que cometi em anos mais verdes onde a expressão virá consignada se é que ainda me lembro do que escrevi. Agora leio por aí esta mesma lenga-lenga. Assim não vale. Já tenho tanto que me espremer para aviar meia dúzia de linhas e vem aí um curioso e zás!, mete o mesmo paleio...) sabem, ou desconfiam que eu sou um profundo admirador de Paul Lafargue, o imortal autor do “Direito à Preguiça” (melhor diria ao ócio que é do ócio inexistente naquele tempo que o genro de Marx falava).
De vez em quando ponho-me diante do computador, agora até o levo para a esplanada, e vou debitando nem eu sei bem o quê. De vez em quando aparece alguém, interrompo o que estou a escrever, ponho-lhe um título qualquer, esqueço-me e encontro-o dias mais tarde, gloriosamente inútil porque perdeu oportunidade, porque não consigo repegar no que escrevi, eu nunca consigo, escrevo de carreirinha, detesto corrigir, aliás não corrijo, quando muito umas vírgulas ou alguma palavra repetida. Se algum estilo tenho é este: não o ter. O que saiu, saiu e quem vier atrás que feche a porta.
Nessa torrente de palavras vou deixando constância de algumas angústias, muitas perplexidades e mesmo um par de espantos. O mundo, este mundo, que é o nosso, o meu, pelo menos, não deixa de me surpreender. Uma pessoa pensa que depois dos sessenta já não há novidade que a abale e, pimba!, toma lá que já bebes...
Convenhamos: não me sinto especialmente confortável neste lugar e neste agora. De resto nunca me senti. Se calhar é porque nasci canhoto, canhoto que nem um calhau, só a escola e as diárias palmatoadas, ou a ameaça delas, me levaram a usar a mão direita para escrever. O resultado, durante anos, foi uma letra que variava entre o gatafunho irreconhecível até mesmo por mim e o linear b dos saudosos cretenses. Foi preciso chegar ao fim do liceu para começar a desenhar as letras. Com a prática, aliás adquirida ao copiar integralmente os dois volumes de poesia de Rilke (tradução Paulo Quintela, se fazem o favor, directinha do alemão, rugosa, áspera, genial...) comecei a ganhar este cursivo que agora tenho e que é gabado por conhecidas e amigas. Ou melhor é gabado pelas amigas que me conhecem e que entendem, misericordiosamente, afagar-me o maltratado ego.
Lá me perdi! Estão a ver? Comecei a discorrer sobre a minha ineficiente escrita, atribuí-a à minha desconformidade com o mundo, que atribuí, por sua vez ao facto de ser canhoto e por aí fora.
Claro que, a talho de foice, também poderia acusar a rapariga que está à minha frente, ligeiramente à direita diante de um marmanjolas novo mas careca, bem feito!, feio como uma sexta-feira da paixão, mal embiocado numa vestimenta de mau gosto. E ela a jovem que bem que está! Que bem que é! Se eu fosse um grosseirão como o finado Camilo José Cela, diria que a rapariga era “boa de ver e melhor de apalpar”. Mas não sou, pelo que farão o favor de ignorar o que o Cela diz aí por cima.
A rapariga que está aí à minha frente, apareceu há umas semanas. Como só a vejo em dias úteis presumo que trabalhe em algum dos escritórios aqui do bairro. Será estagiária em algum dos advogados da zona? É que se veste com um cuidado muito clássico e tem a pose de uma menina bem comportada. Dava para estagiária... É bonitinha: um rosto muito sereno, bonitos olhos, cabelo liso e apanhado com fingida despreocupação, enfim não está mal, nada mal.
É claro que daí alguém perguntará porque é que um gajo já tão entrado em anos se mete nestas contemplações. Porque não, reponta o dito cujo. Aliás “a boi velho erva tenra” como dizia o meu inolvidável pai que acrescentava “olhar não tira bocado”. Sempre desconfiei que isto era dito com uma certa tristeza, mas os mortos não têm defeitos. E já agora os vivos, este vivo, mansamente voyeur, também não. Pior seria se me pusesse a admirar os marmanjolas... Meu Deus, o que fui dizer! Esta pode parecer homofóbica... se é que o não é mesmo. Se é, paciência, nasci assim, fui assim educado, já não mudo, nem sequer me apetece mudar.
Deixemos, porém, a jovem ali da frente, sossegada a ouvir o rapaz careca (bem feito! ) mas jovem como ela (grande sacana!) e se calhar simpático e bem disposto. Se calhar, há muitos, muitos anos, um gajo com a idade que agora tenho, olhou para mim a fazer-me ao piso de uma rapariga igualmente boa de ver etc..., e achou que eu tinha ar de parvo. Se calhar tinha, mas quem estava em jogo era eu e não ele, o grande invejoso!...
Já me perdi outra vez, onde é que eu ia, mãe de Jesus, que cabeça a minha, ah já sei, a solidão do escrevente num mundo que lhe parece incompreensível.
Convenhamos: o mundo é sempre incompreensível. Excepto para os cinzentões sem imaginação. Esses fazem ginástica sueca, respeitam os poderes constituídos e a igreja oficial e dão ao demo as inquietações. Provavelmente não são canhotos.


na gravura: Mondrian, uma admiração que já dura há mais de cinquenta anos

- 1%

JSC, 27.03.08
O Governo vai reduzir em 1% a taxa de IVA, que passará a ser de 20%, a partir de Julho próximo. Quanto vale esta medida governamental?

A resposta vai depender do posicionamento partidário de cada um. Para Meneses, que já defendeu a baixa de impostos, trata-se de uma medida incoerente, eleitoralista, que vai ser reforçada com nova descida de impostos no próximo ano, a mostrar que o governo apenas segue um calendário eleitoral em vez de governar, o que irá implicar maiores dificuldades no controlo do défice público (mas não têm sido todos assim?).

Paulo Portas já vai dizendo que descer 1% não chega. É preciso descer mais e não só o IVA. Também tem de descer o IRS, o IRC. (mas onde estava Paulo Portas quando o IVA passou dos 19 para os 21%? E qual foi a descida de impostos que ocorreu ao tempo em que foi membro do Governo? Quem é que pode acreditar num Paulo Portas que agora quer dar tudo a todos?

Francisco Louça não diz que é bom nem que é mau, antes pelo contrário. É uma medida que não acrescenta nada nem dá confiança a ninguém. O Governo procura tirar dividendos de uma medida que não tem grande significado para a economia…

O curioso é que apenas o PCP aparece a elogiar a medida como favorável por dar mais poder de compra, ainda que insuficiente, mas a politica tem de seguir nesse sentido, dizem.

Nos próximos dias (meses) vamos assistir a grandes debates, artigos de opinião, entrevistas, tudo a girar em redor da descida de 1% na taxa de IVA, cujo efeito, como bem lembra a DECO, não mexe no preço dos bens essenciais.

A partir de agora, pelo período de dois-três meses (Abril para dissecar a medida aprovada e Junho para preparar a sua entrada em vigor), nada de mais interessante haverá para debater na política nacional. Tudo se vai curvar perante o peso e a importância deste 1%.

Missanga a pataco 47

d'oliveira, 26.03.08

Quando me casei pela primeira vez, a minha mulher e eu recusámos qualquer espécie de festa grandiosa um pouco por convicção ideológica e muito porque achávamos uma tolice gastar um balúrdio numa coisa que só a nós dizia respeito.
Mais tarde quando repeti a dose fui ainda mais “forreta”. Um casamento é algo que só interessa a quem se casa e bonda.
Entretanto tenho assistido, surpreendido ou nem isso, a esta febre de casórios onde os desgraçados pais dos noivos se empenham até ás orelhas. Tenho visto, mais enojado que espantado, essas mostras de absoluto mau gosto que consistem no leilão de peças íntimas da noiva. Ainda havemos de chegar à venda de bilhetes para a noite de núpcias ao vivo...
Mesmo assim, parece-me extraordinário que o Estado transfira para o pagode a investigação sobre as contas do casamento para efeitos fiscais. Acaso o Estado subsidia os casamentos? Não? Então que trate de mandar a sua bufaria fiscal à boda e deixe os endividados noivos e mais familiares descansados. Ou também aqui está prestes a haver um convite à valsa das facturas falsas? Relembremos apenas a questão da sisa nas compras de casa e os preços de fantasia que são sistematicamente declarados. Será que esta malta não aprende?
Estou de acordo que se taxem as empresas casamenteiras que ganham balúrdios. Parece-me, todavia, que para isso há outros meios do que esta devassa à contabilidade dos nubentes.
Porém pedir imaginação ao Fisco é o mesmo que pedir a um elefante velho que ponha ovos de Páscoa. Ou de Fabergé como parece ser o caso...

Na gravura: um ovo de Fabergé: custa mais do que um casamento chique!

Missanga a pataco 46

d'oliveira, 26.03.08

Experiência?

As leitoras gentis não negarão que até agora tenho sido tão silencioso quanto possível no que toca à corrida dos candidatos democratas nos Estados Unidos. Isto não quer dizer que não tenha a minha preferência mas tão só que entendi desinteressante a discussão dos méritos comparados de Hillary Clinton ou Barak Obama.
Melhor dizendo, tenho de há muito uma certa desconfiança do casal Clinton. Detestei, é o termo mais suave, a insistência de Clinton nos bombardeamentos ao Iraque. Acontece que boa parte deles foram perfeitamente injustificados e apenas ocorriam quando o escândalo Lewinsky voltava à cena. Nessas alturas era certo e sabido que lá vinha a ordem fatídica para largar mais umas bombas. E quando as bombas caíam havia sempre um par de vítimas “colaterais”, traduzindo: umas dezenas de mortos civis. Convenhamos que o para esconder os desvarios da braguilha presidencial há outros meios menos imorais.
Também não recordava nenhuma excepcional actividade da senhora Clinton nesse conturbado tempo, ou até depois, quando ela, já senadora, achou por bem apoiar a guerra de Bush (e, ao que parece, do senhor Pacheco Pereira, mas isso é com ele, coitado...).
De Obama recordava apenas um extraordinário discurso na convenção democrata que nomeou Al Gore. Já nessa altura se falava num possível candidato negro (enfim, mulato) às presidenciais próximas. Convenhamos que também não chegava, pese embora um percurso politico surpreendente, brilhante e remetendo para a velha tradição dos Stevenson, Eugene Mc Carthy, H Humphrey, isto é para os grandes mitos da esquerda democrata americana. Vivi os dois últimos, claro, e senti a derrota quase como um americano. Justamente por isso, por esse hábito perdedor, achei melhor cuidar-me e assobiar para o lado. Tinha a ideia de que ao apoiar Obama apoiaria uma vez mais um looser e isso, aos sessentas e tais, já não é ingenuidade, é vício.
Todavia comecei a interessar-me, a tentar perceber, a ir aos discursos, a surpreender-me com a intensa mobilização para as primárias.
Convenhamos que comecei a irritar-me contra alguns golpes baixos do ex presidente Clinton que obviamente pensava que lhe bastaria assobiar para juntar as tropas. Juntou notáveis, é um facto, e as grandes fortunas, mas ficou-se por aí e sobretudo, despertou no campo adversário uma actividade e um entusiasmo que já se não via desde os anos sessenta. Uma vez mais a elite intelectual americana e a as massas jovens mostraram o que se pode fazer com imaginação e entusiasmo. A começar pela recolha de fundos. Pequenas somas mas muitas pequenas somas! Só isso já dá uma ideia de como as primárias foram uma vez mais “democratizadas” pelos pequenos votantes, pelos anónimos, pela gente que está fora do aparelho. E o resultado está à vista. Obama tem o dobro dos Estados, vai à frente em delegados e só perde nos grandes Estados (Califórnia, N Iorque etc...). Com uma segunda mostra de elegância: não fez campanha nos Estados que, como a Florida, entenderam modificar (com que motivos e com que finalidades?) as datas das primárias. Pelo contrario, Hillary, mesmo sabendo disso, entendeu, contra as decisões da direcção do partido democrata, fazer campanha aí o que é, pelo menos, surpreendente, para não usar uma expressão mais forte.
Durante grande parte do debate foi posto em evidência a “experiência” de Hillary contra a inexperiência de Obama. Singular discurso! Sobretudo quando, repentinamente, os adeptos da primeira declaram que Obama seria um excelente vice-presidente! Obama precisaria de mais uns anos para amadurecer!...
O drama de Hillary resume-se num só: tem sessenta anos ou seja é a sua última oportunidade, dizia-me o Onésimo da Silveira. Talvez, mas John McCain tem setenta e cinco e ali está firme como candidato republicano. Será que os republicanos ligam menos à idade do que os democratas?
E agora regressemos à experiência, essa arma incessantemente brandida contra o “jovem” Obama. A senhora Clinton teria tido enormes e importantes conversas com tudo o que era líder mundial durante anos. Teria afrontado as balas malignas dos snipers sérvios numa visita às tropas americanas na ex-Jugoslávia.
Eu mesmo a vi, na televisão descrever, comovida mas determinada, essa gesta do desembarque, a corrida sob as balas, enfim, o desembarque possível na Normandia moderna.
Agora, cai fatal nas redacções um desmentido, ou melhor, uma correcção que aliás também vi: afinal tudo não passou de um lapso da memória. As balas terão sido noutra ocasião não especificada ou nem isso. De facto a senhora Clinton saiu calmamente do avião, acompanhada pela filha, passeou pela pista, recebeu flores de uma menina nativa que estava acompanhada por mais uns tantos civis e quanto a tiros estamos conversados.
Neste momento, à minha frente, um comentador pergunta-se se estas balas inexistentes não serão idênticas ás conversas importantes, aos contactos diplomáticos e a outras provas da experiência multifacetada da senadora por N Iorque.
Nestas discussões eleitorais as regras são poucas mas são draconianas. Os maus passos são punidos e a mentira é para os eleitores algo de insuportável. Nem tudo serve para vencer.
Ou: os fins não justificam os meios.

Na gravura: a Senhora Clinton desembarca na bósnia sob uma chuva de balas e recebe flores envenenadas de uma sniper juvenil...

Na Hora da Despedida

JSC, 26.03.08
O Prof. Oliveira Marques na sua despedida de Presidente da Comissão Executiva do Metro do Porto fez um rasgado elogio ao trabalho desenvolvido, concluindo que “o balanço positivo superou as minhas expectativas”. Depois culpou o Estado (aquela coisa geral e abstracta) por o resultado final da sua gestão não ser "perfeito". No essencial, a crítica consistiu no facto do Estado não ter disponibilizado os recursos necessários para o investimento realizado, o que obrigou a empresa a recorrer ao crédito bancário. Não disse quem avalizou a dívida e quem vai assumir os correspondentes encargos. É bem provável que seja o mesmo Estado, mas tudo bem.

Pelo menos numa coisa tem o Professor razão. É notável a obra realizada, o cumprimento dos prazos, a qualidade do enquadramento urbano da linha do Metro. Para um projecto que não evoluía ou que evoluía muito devagarinho, acredito que a grande capacidade de liderança, o entusiasmo e rigor com que abraçou o projecto constituam elementos essenciais para o sucesso do empreendimento.

Esperemos que as críticas contundentes que formulou sirvam para o Governo (este e os próximos) passarem a estar mais atentos e interventivos, quer no financiamento equilibrado e atempado, quer no acompanhamento da gestão (creio que era isto que Oliveira Marques criticava).

sobre o arbítrio

Sílvia, 23.03.08
pedra sobre a palavra
tu retrocedes e te calas

eu rio-me porque tenho a faca
encostada à garganta
e só me calo se quiser

eu rio-me porque tenho a vida
a me bater no peito
a tocar-me com todas as palavras
ou me oferecer silêncios e abismos

não fujo da minha verdade
e vou para onde quiser

silvia chueire

Estes dias que passam 101

d'oliveira, 21.03.08

A história miserável da professora da “escola” Carolina Michaelis que é praticamente agredida por uma aluna perante a passividade de uma inteira turma de estudantes que filmam a cena e se divertem, diz tudo do estado a que chegou o ensino.
Os professores são meros verbos de encher, uma espécie de criados das famílias para tomar conta dos “meninos” enquanto o papá e a mamã andam na ganhunça para poder ir oito dias para o Algarve, para poder pagar a prestação do segundo carro, para se irem embrutecer de sol em Torremolinos, no nordeste do Brasil, ou na República Dominicana (muito mais fino!!!...). ninguém quer que a Escola funcione, que aí se aprendam os valores mínimos da vida em sociedade, o respeito, a solidariedade e já agora um par de conhecimentos para singrar na vida.
Telemóveis na sala de aula são o pão nosso de todos os dias. Conversas idem. Os meninos não podem ser postos fora da sala porque o processo disciplinar é negativo para o professor, além de que corre o risco (certo, quase garantido) de ser vítima de uma agressão dos meninos, dos pais dos meninos ou das autoridades ministeriais.
Esta professora que teve medo de se queixar, que só se queixou quando viu para sua vergonha a história a correr em filme na internet, tinha muitos anos de ensino. Está no topo da carreira. Os cabelos embranqueceram-se-lhe a ensinar pequenos selvagens, filhos de grandes selvagens, protegidos pelos selvagens ministeriais que só querem ver as estatísticas lá fora a melhorar.
Repararam que um tal Rui Nunes (cito o “Público”) assobiou para o lado e disse que “deve ser a escola a resolver o assunto”?
Repararam que ninguém do tal ministério da Educação disse uma palavrinha amável, solidária á professora? Repararam que a dona Lurdes, acha que (sic) “não há clima de violência generalizada na escola”?
Isto quando se sabe que por queixa directa (e devem faltar as outras as que se não fazem, por medo, por pudor, por vergonha) há um professor agredido por dia.
Alguém aí desse lado do computador pode ainda espantar-se com cem mil professores na rua?
Alguém aí acha que numa escola em que o clima é ameno como se vê, se pode aceitar a tal avaliação quando as reprovações dos meninos podem acarretar consequências bem maiores que um par de encontrões, três dichotes grosseiros e a o rosto na internet?
Alguém por aí, desse lado do computador, pensa que é possível pôr o carro diante dos bois, pedir resultados quando o clima ameno desta escola risonha e franca é o que se vê?
Há por aí alguém que ache mal que a tal ministra do tal ministério poderia sem vergonha pegar na merda do telemóvel e dizer uma palavra à professora agredida?
Ou a tal ministra do tal ministério da tal educação que os pariu está à espera das nossas reacções para amanhã com rádios, jornais e televisões à ilharga, e esse escarro do conselho das Escolas e o outro, o da Federação dos papás que recebe grossa maquia dos cofres ministeriais (para quê?, pergunta-se) vir dar um beijinho repenicado na cara da pobre mulher que daqui a dias vai ter de enfrentar uma turma de pequenos estúpidos que a viram ser humilhada sem um gesto?
Estes pequenos de que falo são grandalhões, tem idade para ter juízo, para apanhar dois bofardos na cara imbecil e cheia de acne, dois bofardos que lhes encolha o sorriso canalha, o gozo miserável de serem vinte e muitos contra uma mulher só e indefesa.
Vamos a uma aposta? Alguém, desse lado do computador, acredita que vai haver um par de expulsões, uma dúzia de suspensões? Quem aposta que, ao fim e ao cabo, tudo passará com uma pseudo-desculpa à professora e um aviso a esta e outras como ela que deixem os telemóveis tocar, que deixem os meninos atender a chamada, mandar uns sms, perguntar a solução do ponto, enfim continuar a bagunça?
Num país civilizado, a ministra já teria sido chamada á ordem, o conselho directivo da escola já se teria demitido, os professores já teriam declarado greve. Greve!
Eu não sou professor, valha-me Deus!, não quero ser professor, mal por mal antes lixeiro que é trabalho mais limpo e menos perigoso. Mas ao ler nos jornais e ao ver na televisão estas vergonhas, sinto vontade de pegar na primeira coisa que tiver à mão e zurzir os costados dos meninos, dos funcionários do ministério, das DREN dos federados paisinhos que obsequiam as ministras e lhes sacam o dinheiro e não é pouco para fazer que andam mas não andam. Esta gente que quer a modernidade, menos Estado e melhor Estado, logo que pode arranja uma organização e vai de mão estendida pedir um subsídio de funcionamento.
Ou seja só são contra o Estado omnipresente e omnipotente quando este não lhes larga uma esmola, não os compra, não os corrompe.
Alguém, desse lado do computador, ao ver isto sente prazer, orgulho, sequer conformidade em ser português?

alguma alma sensível dirá que este texto tresanda a sentimento. Tem razão. Está tal e qual se escreveu sem sequer ter mudado uma vírgula. De vez em quando é necessário deixar falar a indignação mesmo que isso nos traga futuros amargos de boca e ao lê-lo mais tarde verifiquemos que o estilo é pobre. Haja alguém que diga o que se deve dizer logo e sem rede.

Estes dias que passam 100

d'oliveira, 20.03.08

Num inglês absolutamente aceitável para espanhol cabeçudo, o senhor Aznar afirmou que “a situação [no Iraque] é muito boa.” Ora toma lá que já bebes! A situação é”muito boa” ainda que, acrescenta Aznar “não é idílica” (sic). Um cristão (ou nem isso, como é o caso do escriba) ouve estas com as pobres e cansadas orelhas que a terra há-de comer e não acredita. Até se persigna, à cautela. Fui de novo pela notícia e era mesmo verdade. Aznar disse isso, exactamente isso. A televisão espanhola confirma-o.
A minha vontade era dizer que Aznar asneia. Mas que culpa têm os asnos das asnices de Aznar?

Ao pé de Aznar, a lusa e pujante criatura socialista e nortenha que dá por Renato Sampaio é uma espécie de sombra. Ao fim e ao cabo, o pobre homem apenas quer proibir os piercings à garotada que adora estar na moda. E nem sequer todos, ao que parece. Só os mais feios, os da língua. Ignoro se a criatura autora de tão robusta ideia se lembrou dos piercings no clítoris (que os há!) nos testículos (idem) e em mais um par de locais recatados. Ter-se-á esquecido? Ou não acredita nisto? Este Sampaio a quem o santo Paio (ou Pelaio, descobridor piedoso do túmulo do apóstolo Tiago) não ensinou a descobrir a pólvora, sequer a água, enfim as ervinhas humildes da rua, andava por aí amargurado ao que presumo. O país e as suas forças vivas a salvar os portugas dos vícios, do tabaco, dos pasteis de bacalhau caseiros, das amêndoas de Portalegre, das bolas de Berlin, enfim, o pais a ficar bom e novo, pronto a correr a meia maratona lado a lado com o conhecido aluno de inglês técnico, e ele Sampaio, sem uma proposta no parlamento, ali sem poder mostrar à pátria o seu génio político... Felizmente há dias felizes: eis que o piercing a percé (esta é forçada mas relembra comovidamente a Entente Cordiale e homenageia o meu camarada Carteiro que se mete – e bem, com humor e talento - com as minhas francesices, saravah camarada!) e Sampaio atinge a imortalidade com a sua proposta ou com a proposta de que ele é primeiro subscritor.
Eu votei neste abencerragem e sinto-me portanto também ligeiramente ungido pela glória imortal que, resplendente, o aureola. É verdade que quando o votei nem sabia da sua existência. A gente aqui vota numa repolhuda molhada de criaturas e conhece, quando conhece, os quatro ou cinco da primeira linha. O resto é um pouco como os brindes do bolo rei. Vêm com o bolo, de graça. Ora aqui está como, em vez de uma fava, me saiu este Sampaio descobridor dos malefícios do piercing maldoso e provavelmente moscovita. Se formos a ver o piercing é causado pelos malandros dos professores que não só não ensinam como também estimulam as criancinhas inocentes e analfabetas ao pecado da auto-laceração.
Uma proposta ao talentoso deputado: para quando um projecto lei contra as cuequinhas fio dental?

O inefável dr. Meneses, esse mesmo, veio candidamente alvitrar que os partidos não deveriam cobrar quotas aos seus militantes. À uma, aquilo são trocos sem expressão que se veja na saúde financeira dos partidos. E depois, o Estado, sempre esse monstro tentacular!, paga e não bufa uma boa maquia às organizações políticas. O dr. Meneses, que noutros momentos é tão contrario a este Estado invasor, acha que isso chega. Com esta desarmante proposta terá pensado que assim tapava a boca aos seus adversários internos. Ou, se não a tapava, punha-os a abrir as beiças de espanto e isso evitaria durante momentos que eles continuassem a conspirar, a criticar, a serrazinar, a chatear, a ofender, a insultar, em suma a ser anti-partido e anti-Meneses.
De facto, tendo em linha de conta que boa parte dos militantes dos partidos do centrão só o são por razões que nada tem a ver com a ideologia do partido (se ela existe...), a ideia luminosa do edil de Gaia tem pés para andar. E até há um outro especial mérito: é que não havendo quotas a pagar deixa de haver aquelas cenas sempre pouco edificantes de cavalheiros pela calada da noite a pagar um fartote de quotizações em atraso, de militantes apinhados em casas minúsculas (lembram-se?) sempre a favor de algum candidato mais generoso mas falho de apoios.
Dizer a Meneses que um pequeno esforço pecuniário dos militantes seria uma prova, pequena mas real, de ideal poderá ser inútil. Provavelmente isso é uma teoria pateta minha, ideias de um velhadas educado nas tolices de 68...

a gravura: eu ia pôr um piercing mas os que encontrei eram ou repelentes ou pornográficos. virei para imagens de lingerie. Excelentes mas "demasiado sugestivas" e ainda me caía em cima a lei anti-vício ou outra repelência descoberta ou a descobrir pelos paios seculares deste portugal acrisolado. Fiquei-me pela que se vê: livre da censura mas tristonho. As do fio dental eram claramente mais interessantes...

IRAQUE: 5 Anos de Morte

JSC, 19.03.08

O texto que se segue é constituído por excertos tirados do artigo do Prémio Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, publicado no Diário Económico de ontem, que pode ser lido aqui.

"O custo económico da guerra para os EUA ascenderá aos três biliões de dólares e, para o resto do mundo, outros três biliões

A mentira prevaleceu sempre: da existência de armas de destruição maciça em território iraquiano à suposta ligação de Saddam Hussein à Al-Qaeda. A verdade, porém, é outra: o Iraque só se tornou num “ninho de terroristas” depois de os EUA invadirem o país.

A administração Bush disse que a guerra custaria 50 mil milhões de dólares. É este o montante que os EUA gastam actualmente no Iraque a cada três meses

Terá sido incompetência ou desonestidade? Ambas as coisas, seguramente. O facto de a administração Bush se focalizar nos custos presentes e não nos custos futuros significa, uma vez mais, que vai comprometer as gerações futuras e os cuidados de saúde que deveria prestar aos veteranos de guerra

os feridos totalizaram 15 vezes o número de baixas. Foram diagnosticadas perturbações de ‘stress’ pós-traumático em 52 mil dos veteranos que entretanto regressaram ao país.

Estima-se que os EUA tenham de atribuir pensões de invalidez a 40% dos 1,65 milhões de soldados que já serviram no Iraque. Uma despesa que tende a aumentar à medida que a guerra se arrasta e que hoje se cifra em mais de 600 mil milhões de dólares.

guerra só teve até agora dois vencedores: as petrolíferas e os fornecedores militares. O preço das acções da Halliburton, empresa de serviços petrolíferos presidida por Dick Cheney antes deste assumir o cargo de vice-presidente, dispararam

A incúria nesta guerra obriga a sociedade iraquiana a pagar a maior fatia da factura. Metade dos médicos iraquianos foram mortos ou abandonaram o país, a taxa de desemprego ronda os 25% e, cinco anos depois de a guerra começar, Bagdade continua a ter electricidade menos de oito horas por dia. Dos 28 milhões que constituem a população iraquiana, 4 milhões são deslocados e 2 milhões fugiram do país.

estudos estatísticos sobre a taxa de mortalidade antes e depois da invasão são esclarecedores: das 450 mil mortes nos primeiros 40 meses de guerra (incluindo 150 mil mortes violentas) atingiu-se recentemente as 600 mil.

Os norte-americanos gostam de dizer que “não há almoços grátis”. E eu diria que não há “guerras grátis”. Os EUA – e o mundo – vão pagar a factura nas próximas décadas. "

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