Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames 172

d'oliveira, 28.02.09

Eiswein ou Jeropiga,
that's the question

Tenho um amigo de há mais de quarenta anos que é a coisa mais parecida com um original que conheço: desistiu de guiar há cerca de vinte anos e portanto usa transportes públicos e táxis de noite ou quando não consegue fazer os seus percursos a pé. Abandonou o velho casarão familiar, logo que se divorciou, comprou um T1 espaçoso que lhe funciona de biblioteca. Vive num hotel onde além de lhe fazerem preços escandalosamente baixos ainda lhe tratam da roupa. Também lhe fazem óptimos descontos ao jantar visto que almoça sempre fora. Contas feitas, garantiu-me que nunca viveu tão bem e com tanto dinheiro disponível. “E também tenho desconto no bar”, acrescentou num sorriso malicioso.
Nada predispunha este abencerragem a tão extraordinária vida. Nem a família, classe média abastada, moderadamente conservadora, nem o seu percurso que foi aliás o percurso de quase toda a geração ainda que em allegro moderato. Fez as greves da praxe enquanto estudante, ajudou alguns amigos mais conspirativos, trocou o Direito pela consultadoria (o que lhe permitiu viajar bem mais do que a maioria dos amigos), casou e descasou duas vezes, tem um filho gerado em terras estranhas que é actor mimo, músico ambulante e veterinário (!!!) ou seja, é mesmo mimo, toca em pequenos grupos de jazz e ostenta um título de veterinário que lhe permite dar consulta aos cães e gatos das numerosas amigas. Pai e filho reúnem-se duas vezes por ano, na Primavera (lá) e no Outono (cá). Cumpre acrescentar que o filho vive numa roulotte nos terrenos de uma quinta da mãe.
Tudo isto para situar a carta que há dias recebi (eu já disse que K. é um original, não disse?, pois ainda escreve cartas num papel espesso e creme, num elegante cursivo que a caneta Aurora -sempre canetas Aurora, italianas e caras, vício que me transmitiu – acentua numa tinta entre o castanho e o azul que ele jura ser também italiana de uma pequena loja de Milão) onde ele me perguntava pelo P.S.
Depois de referir os nomes de vários contemporâneos nossos (cumpre dizer que ele fez grande parte do curso em Lisboa com um intervalo de dois anos estroinas em Coimbra), diz-me “... e esses gajos eram tão, tão esquerdistas, tão dogmáticos, tão cheios de nove horas e agora estão às palmadinhas ao José Sócrates? Então, naquele tempo, diziam-me as últimas por eu achar o sistema sueco uma coisa maravilhosa com a sua social-democracia, o seu Ingmar Bergman e o rei a passear de bicicleta entre o povo e agora essa social democracia, o rei, a princesa que vai casar com um plebeu e o fantasma do Ingmar estão a milhas à esquerda deles?
... Lembras-te que me quiseram forçar a ler o George Politzer, “O Materialismo e o empirocriticismo” e uns romances horrendos do Amado (os subterrâneos da liberdade, a seara vermelha e o cavaleiro da esperança!!!, credo que atentado ao pudor!,) e que me chateavam por eu usar umas gravatas herdadas do meu tio e que além de inglesas eram lindíssimas? E o que me criticavam por eu usar blaser azul escuro, pago e oferecido, de resto pela minha mãe quando descobriu que eu desviava o dinheiro para comprar roupa em livros, copos e cinema usando e abusando de uma coisa informe que em tempos teria sido casaco mas que até puído na bainha das mangas estava?
Estás a vê-los agora, no parlamento, todos enfatiotados, engravatados (convenhamos que com escasso gosto, escassíssimo até...) a trocarem banalidades com a oposição ou em infindáveis e insubstanciais berreiros que soam a falsete? E foram eles quem me exprobaram o facto de logo depois do 25 A eu votar socialista? Votar, nota bem, que não caí na asneira de me filiar... Para esta gentinha eu estava à direita, quase mancumonado com o Freitas do Amaral (que agora é um dos compagnons de route deles!..., ministro e tudo!) e com o ELP...
Quando apoiei (foste tu que me meteste nessa) o Bochecha Mimosa para Belém andavam eles todos enfrascados no pintasilguismo. Ouvi poucas mas boas, como tu também terás ouvido. E por aí fora. Agora estão unha com carne – ou isso parece – com a moção vitoriosa do querido líder proto-coreano que exerce de secretario geral do P.S.. Eu poderia pensar que neles a ideologia se transmutou na palha da mangedoura política. Quem quer bolota “atrepa” e quem quer benesses e vida parlamentar, mete a viola no saco e canta missa com os outros. Se calhar com mais força para que se veja bem a profundidade da conversão.
...Custa-me isso, apesar de tudo. E sinto-me incómodo nesta posição de crítico. É que tenho medo de ser confundido com o bloco de esquerda ou até, sabe-se lá, com o partidão. Logo eu que nunca dei para tais peditórios! E agora, em quem voto? Já sei que me vais falar do papelinho branco mas eu, caríssimo M., tenho uma certa fobia ao vazio. E branco só em paredes. Para poder pendurar quadros ou rechear de estantes com livros. Ou em certos vinhos, de preferência do Reno para não falar de um certo Eiswein que recordarás o velho Prum JJWehler que agora deve andar pelos 900 eurinhos a garrafa, se os preços que tenho ainda são os mesmos.
...Os rapazes da esquerda do nosso tempo meteram a viola no saco e politicamente em vez de vinho branco inclinam-se para a jeropiga. Lá terão as suas (deles) razões. Que lhes aproveite.

De vez em quando um blogger tem de descansar. Sobretudo se, de entre um vasto leque de amigos, puder pescar algo que lhe aproveite. O que é o caso. Resta-me apenas situar o "Eiswein" citado, um JJ Prum que bebemos num dia memorável na Alemanha, à conta de uma namorada dele e de uma garrafa de Porto (Alcino Corrêa Ribeiro, 1946, uma pomada de que o Fernando Assis Pacheco dizia valer um inteiro livro de poemas) por mim trazida para um tio de um amigo nosso que, além de Junker era um notabilissimo vinicultor. Os vinhos de gelo são colheitas ultra-tardias estilo Sauternes que valem o que pesam em metais raros e nobres. São feitos com uvas colhidas á mão, antes do sol raiar, uma a uma, ou quase e o deus que rege estas coisa do vinho dá-lhes um toque, uma cor, um perfume que trinta anos depois ainda recordo com intensa emoção. Como K que obviamente não se chama K. mas que é, garanto, um gajo porreiro. Saravah, mano!

Diário Político 102

mcr, 27.02.09

Muito barulho para nada
ou
o congresso de berlin(de)


congresso (s. m.): reunião de pessoas
que deliberam sobre interesses comuns



O título shakespeareano que dá entrada a esta conversa tenta traduzir não só a leveza do acontecimento mas também é uma piscadela de olho a um par de amigos que, desde há anos, me acompanha no apoio discreto mas regular ao ps. É que, apesar de tudo,tenho pelo partido da rosa uma opinião idêntica à de Alexandre O'Neil: ele não merece mas voto ps.

Reparo agora que ao utilizar a palavra leveza poderei suscitar nalgum leitor mais sarcástico (são poucos os que me lêem mas muito dados à ironia...) o imorredoiro título de Kundera A insustentável leveza... ou mais comesinhamente alguém poderá tomar leveza por leviandade coisas que eu, claro, não quereria suscitar...

Eu venho, como o sr eng Guterres já afirmou, falar de política que é uma arte nobre e não tenciono perder-me por essas azinhagas do diz-se que diz que faz a glória e o lucro de tanta revista semanal. Não referirei portanto a performance de um jovem presidente de junta que para uns foi a estrela do congresso e para outros o motivo parvo para rir. Esse esforçado congressista disse alto e sem papas na língua o que quase todos calaram.

Passemos pois à parte substantiva do ajuntamento socialista. E em primeiro lugar há que tirar o chapéu ao joker eleitoral do secretário geral: candidatar Mário Soares ao parlamento europeu é conseguir, à cabeça, reforçar extraordináriamente, a lista. Para efeito interno é um golpe de génio. Externamente só terá consequências interessantes para Portugal se houver uma maioria no parlamento que leve Soares à sua presidência. Resta saber por que razão corre Soares. O parlamento europeu tem sido até hoje uma espécie simpática de verbo de encher: enche os deputados de dinheiro e os governos nacionais de conselhos. A comissão europeia tem ligado pouco a este babélico grupo de preopinantes: irão as coisas inverter-se agora? Só assim se compreende que um velho leão da política aceite ir para Estrasburgo ouvir discursatas chatíssimas em flamengo ou norueguês...

A segunda grande questão do congresso era a da participação das mulheres socialistas nos órgãos nacionais do partido. Convenhamos que aquí a solução tem consequências pesadas tal a leviandade com que se construiu: havia que meter 25% de mulheres e, ao mesmo tempo, não ofender os cavalheiros que desde sempre pastavam naqueles viçosos secretariado, comissão política e outras instâncias. Aumentou-se o número de lugares até caber toda a gente. Como malabarismo é grosseiro e como reconhecimento do direito das mulheres é infantil. Ainda tive a esperança de ver alguma militante recusar o bodo aos pobres. Nada disso: numa coisa as mulheres do ps já são iguais aos homens: aceitam tudo e depressa...

Foi de resto comovedor contabilizar as intervenções femininas no congresso: nem dez por cento...Continuem assim, companheiras que o futuro é vosso!

Um congresso sem confronto não é congresso nem é nada. Não que eu proponha a instauração da bagunça generalizada como método de discussão política mas convém sempre para efeitos externos contar com dois ou três frissons e um par de gritos para não parecer que se está num congresso do pc onde já tudo está convenientemente decidido graças ao centralismo dito democrático e a outras balivérnias do mesmo teor.

Havia porém um problema: a moção do secretário geral já tinha ganho tudo o que havia a ganhar pelo que tudo concorria para um duvidoso unanimismo que o governar sem oposição mais e mais suscitava. Sem discussão um congresso não tem direito de antena ou, tendo-o, arrisca-se ao zapping velocíssimo dos espectadores. Pediu-se pois aos militantes o sacrifício de uma oposição. Coube a Manuel Alegre o papel de contrincante na festa do Coliseu.

Nasceu assim a moção "Falar é preciso" muito embora se ignore qual o sentido a atribuir à última palavra: quereriam os subscritores dizer "necessário" ou subitamente desconfiados do parlapié da moção abrangente do secretário geral propuham ao ps reunido "rigor sóbrio de linguagem"? Ou finalmente queriam significar "urgência, necessidade"? Isto porque, apesar da cada vez maior langue de bois dos próceres socialistas, ainda não chegámos à "carência do que é necessário ou útil". A língua portuguesa é muito traiçoeira, dizem, e um poeta como Alegre pode usar as palavras só para confundir o pagode.

Com a entrega de mais esta moção esfregaram as mãos todos quantos se sentiam responsáveis: finalmente uma discussão, votos, vencedores e vencidos, separar das águas etc...Esfregaram depressa demais que logo alguém avisou contra os perigos temíveis de aquilo se transformar num duelo direita-esquerda, insensatez absoluta tendo em vista os próximos actos eleitorais, a penosa conquista do centro e mais quantos solecismos políticos se lembraram.

Unidade bradaram, unidade é o que é preciso neste momento crucial da vida nacional. Ai querem unidade respondeu-lhes o engenhoso secretário geral: pois assinam-se a duas moções e votam-se não uma contra a outra mas uma mais a outra. O partido é assim: muito plural de ideias e verdadeiramente singular na maneira como resolve as suas contradições internas!

No dia grande aconteceu o que se previa: Guterres abriu os trabalhos debitando para as massas não o discurso da sua moção mas sim o da contrária que aliás já não era contrária mas complementar. Alegre diria a seguir que, se na moção, Guterres tivesse defendido o mesmo que agora defendia sempre lhe teriam poupado a maçada de apresentar a sua moção. O povo socialista presente uivou de alegria pois entendeu as palavras de Alegre como um certificado de esquerdismo passado a Guterres. Guterres abraçou Alegre, Alegre abraçou Guterres, Vitorino abraçou Coelho, Sócrates acenou a Carrilho, este amuou e um anónimo das bases apalpou uma menina da JS que não se deu por achada.

Faltava ainda votar mas Almeida Santos achou que estavam todos numa boa pelo que despachou a maioria das votações com uma íntima convicção de que todos estavam de acordo com tudo. Parece que ninguém protestou pelo que, no que me toca, também não protesto.

As moções ditas sectoriais foram deixadas para melhor oportunidade, mais concretamente, para uma reunião da comissão nacional onde finalmente se votarão. A pergunta que se faz é se sequer os senhores conselheiros as discutirão ou se esfogueados pelo entusiasmo e pela vitória próxima que se adivinha as passarão directamente para o rol das inutilidades que se ignorou com o congresso. Assim, pelo menos, terão tempo para uma partida de matraquilhos ou, se preferirem, por um jogo de berlinde. Berlin(de) que como sabem todos é uma cidadde onde em 1884-1885 se realizou um célebre congresso a dividir África. Assim se prova que nos congressos há sempre qualquer coisa a dividir por quem se porta bem: continentes ou jobs for the boys... And for the girls, digo eu que também falo inglês.


“ Não trocem das minhas contradições: o homem é por natureza inconstante..."
(“Muito barulho para nada”, acto Vº, cena IVª)




* o cronista sabe que já ninguém se lembra deste congresso do PS realizado em pleno tempo da governação de Guterres. Todavia, o estado actual dessa formação política e as perspectivas que o seu congresso próximo futuro trazem são de tal modo desinteressantes (para não utilizar uma palavra mais apropriada e necessáriamente contundente) que ressuscitou esta crónica do desgraçado limbo onde jazia e resolveu publicá-la: como se fosse um comentário... a uma realidade que é, como de costume bem pior do que a que se descreve.


d'Oliveira


O FRÁGIL DESTINO DOS SOBREIROS

JSC, 27.02.09
Como se sabe Portugal tem milhares e milhares de sobreiros. Os sobreiros são tão importantes para a economia do país que há uma lei que os reconhece como “espécie protegida”. Contudo, esta lei conflitua com uma outra que, caso a caso, reconhece a actividade de abate de sobreiros como de “utilidade pública”.

Deste conflito legislativo, materializado em decisões político-administrativas, vão surgindo processos judiciais que, como não poderia deixar de ser, demoram muito tempo a decidir. Tanto tempo que entretanto já cresceram outros sobreiros e abateram-se muitos mais.

O momento actual, em matéria de abate de sobreiros, caracteriza-se, por num lado, a actividade de abate de mais umas centenas de sobreiros estar suspensa da decisão do Tribunal, noutro lado, o tribunal suspendeu, melhor, adiou “sine die” o desenvolvimento do processo que julga o abate ilegal de 2,0 milhares de sobreiros, que corre os seus trâmites desde 2005, e que agora vai ficar a aguardar melhores dias. Porque? Ler aqui .

A ter em conta o peso dos processos que a notícia diz que estão “em mãos” do mesmo juiz instrutor – Portucale, "processo Isaltino, Operação Furacão e Freeport – ainda irão ser abatidos muitos sobreiros e muitos outros processos nascerão, que por sua vez dificultarão a resolução de processos mais antigos e assim sucessivamente.

Madrid com Bacon

José Carlos Pereira, 26.02.09
Ir por estes dias a Madrid permite que nos reconciliemos com uma certa forma de viver a cidade. Madrid está nas suas ruas e bares, nas lojas e nas esplanadas. Não há horas de encerramento generalizado das lojas e, noite dentro, é possível ver os passeios cheios de gente. E não são só os turistas. São os madrilenos que vivem a cidade, frequentam-na, defendem-na. Também não se vê prédios a cair, mas sim uma recuperação continuada das fachadas e dos edifícios, pelo menos nas áreas nobres da cidade. É claro que não é alheia a esta forma de viver a cidade, ainda para mais na capital de um país perseguido pelo terrorismo, a permanente presença da polícia nas ruas, que aí está e se insinua na vida das pessoas, transmitindo-lhes tranquilidade.

Por outro lado, ir por estes dias a Madrid torna obrigatória uma visita ao Museu do Prado para ver a exposição de Francis Bacon, comemorativa do centenário do seu nascimento. Instalada na parte nova do museu, uma ampliação muito feliz projectada por Rafael Moneo, a exposição percorre a obra do pintor, falecido em Madrid em 1992, a evolução das suas técnicas e as suas obsessões sobre o homem e a natureza humana. Uma exposição que nos revela as facetas de um artista que marcou o século passado.


Na foto, uma das variações de Francis Bacon sobre o Retrato do Papa Inocêncio X, de Velásquez.

estes dias que passam 144

d'oliveira, 23.02.09

A propósito de um comentário

Copiei aqui abaixo um texto inspirado e inspirador da autoria de uma dignitária do regime. Pequena dignitária, mas dignitária apesar de tudo. Recebi-o com outra forma que denotava a sua origem e só não publiquei assim por não saber passá-lo tal e qual para o blog.
Tive o cuidado de verificar a sua autenticidade não só porque quem mo enviou é pessoa honrada (e ainda por cima militante com quotas pagas do P.S.) mas também porque tendo lido mais prosa da mesma criatura logo verifiquei (ou não tivesse exercido durante uma boa década crítica de livros) que o estilo se mantinha em todo o seu formidável esplendor.
Um amigo e leitor perguntou-me se eu garantia a veracidade do texto. A pergunta é legítima mesmo que me surpreenda. Eu ando nesta lide vai para três anos, tenho aqui publicados cerca de quinhentos posts, tenho alguma coisa publicada em diferentes jornais e revistas nos últimos cinquenta anos, e nunca me deu para, em casos deste género que podem envolver polémica, falsificar sequer uma vírgula. A palavra escrita permanece e a batota sempre vem ao de cima.
Nisto e no jogo. E em ambos é igualmente repelente.
Para mim estas croniquetas são, mais do que algum putativo dever cívico, um prazer simples e descomplicado que, para o continuar a ser, tem de se basear na simples verdade. A menos que me dê para a ficção (e já deu) e por isso me permita um toque álacre de fantasia sobre a nudez forte da verdade, como aconselhava Eça.
Todavia, quando me dou ao desagradável trabalho de criticar os poderes constituídos, sejam eles quais forem, como já terão reparado, tenho o cuidado de investigar as fontes. Por mais de uma vez, não escrevi o que me apetecia por duvidar destas. Ou, como há bem pouco, e sobre o FRIPÓR, defendi com unhas e dentes uma criatura de que não gosto, digamos mesmo que me suscita uma certa repugnância quando não algum desprezo, apenas por que não vi até agora indícios suficientes para a acusar. Alguns meros pontos circunstanciais não fazem um acusado. Defeitos da minha formação jurídica, se calhar. Mas defeitos de que me orgulho porque me evitam linchar alguém só porque não me agrada.
Dito isto, e porque a dúvida expressa por um leitor pode ser extensiva a outros, poucos ou muitos, tenho a declarar que aqui não se serve política requentada, não se perseguem justos, não há arcas encoiradas nem lobbies de qualquer espécie. Sou um pobre homem de Buarcos, louvo-me na franqueza, dou ao demo quaisquer interesses políticos ou outros e uso a pequena liberdade que ajudei a conquistar(quando muitos, uma imensa maioria, assobiavam para o lado) para discutir como português e cidadão questões portuguesas que interessam a portugueses. Como tenho muito pouco de nacionalista, também arrisco palpites sobre outros lugares. Mas sempre com a mesma linha de rumo: “a verdade, a áspera verdade” de que falava Danton. E não vou abonar-me no brocardo de Lenin (“a verdade é sempre revolucionária”) mesmo se a prática deste nem sempre foi tão concorde com a frase que, hoje, me parece ser apenas um truque retórico que serviu a causa do totalitarismo bolchevique. Mas isso são outras histórias...
Os leitores ficam pois prevenidos. É provável que muitas vezes me engane (e se puder retratar-me-ei), mas podem ter a certeza duma coisa: aqui não se serve gato por lebre nem se cede à propaganda ou ao amiguismo.
Amicus Plato sed magis amica veritas, como bem ensina Aristóteles (Ética para Nicómaco, I,4), o que em português dará: sou amigo de Platão mas mais ainda da verdade.

* a gravura: "O Tempo eleva a Verdade dentre a Disputa e a Inveja", Poussin (1640-2)

missanga a pataco 68

d'oliveira, 21.02.09
Para que não fiquem dúvidas:

Exm.ª Senhora Presidente do Conselho Executivo do
AE Territorio Educativo de Paredes de Coura

A confirmarem-se as notícias vindas a publico sobre a suspensão de actividades previstas no Projecto Educativo e no Plano de Actividades dessa Escola, e na salvaguarda primeira das obrigações da esola - cumprir a sua missão de processos de socialização e de aprendizagem para os alunos, razão central porque definiu as actividades de Carnaval nos documentos de acção educativa anteriormente referidos.
Tomando por base estes pressupostos, determino:
1. o cumprimentos das actividades com os alunos previstas para esta época;
2. o envio a esta DRE de um memorando clarificador dos problemas que têm vindo a ser denunciados pelas estruturas representativas;
3. Sendo certo que muitos docentes não se aceitam o uso dos alunos nesta atitude inaceitável, acompanharemos de muito perto a defesa do bom nome da escola dos professores, dos alunos e de toda a população que muito tem orgulhado o nosso país pela valorização que à escola tem dado
Margarida Elisa Santos Teixeira Moreira

Respeitou-se cuidadosamente (e com a difícil neutralidade que se imagina) o surpreendente português em que o texto é vertido. Se de português se trata, claro.
Fica-se com a penosa sensação que já há dois países distintos neste jardim à beira mar plantado: um, aquele em que frequentámos a escola que nem sempre era risonha e franca mas que cumpria (mesmo naqueles negros tempos) com uma função essencial: socializar a criança indefesa pondo-a a falar um português aceitável , outro, o da senhora directora Margarida Elisa Santos Teixeira Moreira em que se usa esta esdrúxula redacção em que há professores que não se aceitam o uso de alunos para não referir, com uma desconsolada gargalhada, a passagem do primeiro para o segundo parágrafo.
Também parece desnecessário referir o tom ameaçador do último parágrafo e a patetice apologética da defesa do bom nome de várias criaturas que ao que parece muito tem orgulhado o país da dita senhora pela extraordinaráia valorização que dá à escola.
Eu não sei onde é que esta criatura estudou, se estudou, quem lhe ensinou português se culpados de tão nefanda acção existem ou existiram mas, pelos resultados aqui exuberantemente visíveis, seria aconselhável (se acaso ainda vai a tempo) um curso género novas oportunidades com muita insistencia na língua pátria e obrigatório exame da antiga terceira classe ao fim.
Isto que acima se lê é o retrato puro e duro do Ministério da Educação e dos seus distritais sátrapas. Isto provaria à saciedade algo de que há muito se sabe: a fidelidade partidária vence toda e qualquer outra noção de qualidade para prestar serviço público. Quando a senhora ministra refere a má vontade dos professores deveria ler estas charadas da autoria dos seus dedicados agentes para perceber o estado a que chegou a chamada Educação Nacional. E tirar daí as necessárias consequências...
Mas isso seria pedir muito, demasiado mesmo.



missanga a pataco 67

d'oliveira, 20.02.09

O corso de Paredes de Coura

Esta notícia é do mais sério que pode haver num país que apesar de oito séculos parece mais uma estouvada criação de algum deus malicioso apaixonado pela leitura do Peter Pan.
Na ridente vila (será cidade?) de Paredes de Coura, as escolas desfilam num corso de Carnaval. Parece que alguma vez um grupo de educadores terá achado que em vez da gramática, da aritmética e da leitura, as crianças deveriam mascarar-se de parvas e, ala que se faz tarde, emular as escolas de samba do Rio ou os desfiles tristonhos e moribundos de Veneza.
Entretanto, dado o volume de tarefas (e a luta dos professores contra o Ministério e as suas habituais prepotências...) o Conselho Pedagógico decidiu eliminar das actividades escolares a marcha dos gaiatos. Ai Jesus que se acaba o mundo!, terão regougado pais e encarregados de educação. “que é que se faz às pobres criancinhas assim despojadas de uma tão alta prova de futura cidadania e cultura?”
A extraordinária DREN (leia-se sem sorrir: Direcção Regional de Educação do Norte) sempre atenta ao sentir profundo das populações que pastoreia, ouviu a queixa das almas jovens, e menos jovens, de Paredes de Coura e determinou, num dos seus habituais e beneméritos ukases, que o desfile se fizesse e que nele participassem os senhores professores sob pena de processo disciplinar ao que se intui da leitura do jornal.
O cortejo ter-se-á realizado hoje, sexta-feira, e terá tido a forçada participação dos docentes.
Ignora-se se os senhores professores iam mascarados. É provável que fossem. De carneiros obedientes? De animais destinados à hecatombe em honra de um deus Momo imbecil e que pouco ou nada diz à tutelar DREN? Terá a DREN despachado para o local o seu habitual circo de informadores para verificar se tudo correu como se determinava? Terá a senhora directora da dita DREN, de sua graça Margarida Moreira, estado presente? E, estando, estaria à futrica ou ataviada carnavalescamente para escarmento dos professores rebeldes? E neste último caso que fantasia levava? A rainha madrasta da Branca de Neve? Pluto? Fantasma da Ópera? Cinderela? Ou iria simples mas bem de Margarida Moreira?
É que nesta historieta não se sabe bem o que mais devemos admirar: se os pais de Paredes de Coura, se os professores que se prestam a esta fantochada, se a distinta Câmara Municipal que também se terá dado por achada ou simplesmente essa aberração educacional que já é visita dos jornais de escândalos por via das singularidades a que dá cobertura. Refiro-me obviamente a esse cadáver que dá por DREN e que fechado, além de muito dinheiro, pouparia o país e os cidadãos ao espectáculo do ridículo. Decididamente esta gente não sabe nem aprende.

* e já agora que estamos com a mão no pífio carnaval que por cá se usa: não acham incrível a história da proibição de um magalhães com uma menina despida e censurado pela excelentíssima senhora procuradora de Torres Vedras? Eu não quero discutir com tão alta autoridade o significado da palavra pornográfico mas gostaria mesmo assim de ver a explicação...
E depois o Ministério Público admira-se com o descaso com que os cidadãos o brindam. E não haverá ninguém que telefone discretamente para Torres Vedras, para o Tribunal, para evitar que o ridículo arruíne as austeras paredes do que deveria ser apenas e tão só um local onde se aplica a Justiça?

Uma óptima ideia!

O meu olhar, 20.02.09

Texto retirado à Margem Esquerda, do nosso amigo Primo de Amarante:


A corrupção é o cancro que corrói a economia, empobrece as sociedades e destrói a credibilidade dos sistemas democráticos. Combatê-la é um imperativo cívico e moral.
Um grupo de euro-deputados lançou, agora, através da Internet, uma petição contra a corrupção.
Pretendem que a Comissão Europeia e os Estados-membros da U.E. crie legislação e mecanismos de combate à corrupção.
Estima-se, por exemplo, que, em África, se percam anualmente cerca de 25 por cento do PIB devido à corrupção.Esta petição pretende recolher um milhão de assinaturas de cidadãos dos 27 países da U.E. e pode ser subscrita aqui:

http://www.stopcorruption.eu/index.html

Pág. 1/6