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Incursões

Instância de Retemperação.

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Estes dias que passam 172

d'oliveira, 04.07.09

As sereias, Alegre e o novo curso político

 

Ouvirá as sereias e passará adiante

Navegará até ás margens do inferno

(Manuel Alegre: um barco para Itaca)

 

Os jornais noticiam com grande destaque uma campanha, comandada por Sócrates em pessoa, e destinada a trazer Alegre para as listas de deputados a apresentar ás próximas eleições.

Antes de aprofundar esta jocosa novidade, convirá fazer a habitual declaração de interesses. Sou amigo de Manuel Alegre desde 1960, apoiei-o na sua tentativa de conquistar a presidência da República, não pertenço a nenhum movimento politico fundado ou dirigido por ele mas estou absolutamente disposto a assinar as listas do novo movimento que se está a constituir (e nisso comprometendo o meu voto no caso de se apresentar a eleições gerais ou autárquicas, este ano e só este ano). Não me filiarei, obviamente em tal movimento mesmo que me pareça saudável aparecer uma alternativa de área socialista ou social-democrata, no verdadeiro e tradicional sentido dessa expressão. Para esse peditório já dei mais do que o suficiente para voltar a cair na ingenuidade de me filiar seja no que for.

Dito isto, vejamos então o estado actual desta dança com lobos.

Alegre, bateu com a porta, há um par de meses, por razões claras que ele mesmo explicou e que foram prontamente aceites com claríssimo alivio por parte dos seguidores e admiradores do secretario geral do PS. Aqui mesmo, neste blog pluripartidário, houve quem acusasse e quem defendesse Alegre (basta ir ler os textos e os comentários referentes ao caso e publicados em Março).

Todavia, no estado maior do PS, há quem deva ter a memória curta e já nem recorde as acerbas criticas feitas a Alegre e os velados ( e não velados, por exemplo José Lello) convites para o deputado sair e não “chatear mais”.

Alegre não saiu. Declarou que não se recandidataria, que ficaria na base, que não calaria nenhuma das críticas feitas mas que não abandonaria o PS. O suspiro de alivio foi ouvido em todo o lado. Mesmo quando, por trás dele, em surdina, se continuaram a ouvir vozes que pediam a cabeça do poeta ou pelo menos a expulsão.

Agora, pelos vistos, esqueceram-se todas as queixas, todos os agravos, todas as acusações. Corre, solta e impetuosa, uma só voz pedindo o regresso de Alegre às listas de deputados.

Pratiquemos sobre este súbito volte face: será que o partido se descobriu, repentinamente, uma costela masoquista e deseja ardentemente uma “vox clamantis in desertu”, um azorrague, um grilo da consciência, um cardeal diabo, que lhe recorde rancorosamente os erros, os desvios e a negregada margem esquerda? Será que Sócrates e respectivos coleguinhas entenderam voltar ao b-a-bá escolar e primário e resolveram chamar o negregado professor Alegre para, entre palmatoadas e censuras lhes ensinar de novo o que é o socialismo mesmo na versão moderada e nacional que foi a do PS?

Ou, mais simplesmente, entenderam aquelas pequenas luminárias que, perdida já toda a farronca, esboroadas as esperanças de maioria absoluta (e quiçá relativa…), há que recorrer à figura do seu detestado ícone de esquerda para minorar o desastre anunciado, dar uma demão de rosa pálido ao amarelo espúrio do rumo, numa manobra que, em qualquer clássico da politica se chama “oportunismo”? 

Referem os jornais que, até ao momento, Alegre não parece estar disponível para este regresso entre folares e cavalhadas. E percebe-se.

À uma, se é verdade o que os jornais dizem no que toca ao argumentário usado (a derrota do PS e a respectiva saída do Governo), não é razão suficiente, politica e ética, para fazer tábua rasa do que disse e do que criticou.

Depois, mesmo que se atribua, como foi o caso, a Alegre toda uma série de cálculos políticos tenebrosos onde entra a presidência da República, não se percebe como é que ele poderia, sem mais, esquecer a sua posição, solenemente proclamada, para vir engrossar o caudal de candidatos  às legislativas.

Finalmente, estou curioso por saber como é que esse regresso seria vivido por outros próceres socialistas que obviamente também serão candidatos (mais uma vez, e por todos, Lello).  Aceitarão o filho pródigo? Matarão, biblicamente, o seu cabrito mais gordo, para celebrar  o reencontro ou rasgarão as vestes e retirar-se-ão ofendidos com o novo rumo esquerdista do partido?

Incidentalmente, também tenho alguma curiosidade quanto aos comentários que este facto irá provocar. Imagino, tenho quase a certeza, que haverá quem venha falar de uma nova situação politica, objectivamente diferente da de Março Abril (coisa que raia o delírio mas enfim, a politica à portuguesa está carregada de exemplos semelhantes) como se os pressupostos teóricos da governação politica não tivessem sido exactamente os causadores da actual situação desastrosa.