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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário político 136

mcr, 31.01.10

A ver se nos entendemos...

 

 

 

 

Todos os regimes precisam de justificação. E de celebrações. Portugal não foge à regra e também não é por isso que o gato vai às filhoses. convirá porém, justificar o justificável e celebrar com tento e bom senso. Quando há algum tempo se começou a falar do centenário da República, fui assaltado por um receio. Lembrei-me, não sei porquê, dos famosos “centenários” (1140, 1640 e 1940) a que não tive a honra de assistir por uma razão simples mas definitiva: ainda não nascera. Tenho, todavia, uma copiosa documentação dessas festividades e isso me chegava para justificar os meus receios quanto ás festas “republicanas”. Quando soube que tudo começaria pela glorificação do 31 de Janeiro (a que pomposa mas tolamente se chama “revolução”) fiquei esclarecido. O 31 foi um pronunciamento, sem pés nem cabeça, uma imprudência sem justificação e uma derrota previsível. Nem o Partido Republicano defendeu aquilo. Uma dúzia de mortos, uns centos de presos, algumas poucas condenações para um fogacho que durou, se não erro, três horas.

Mas deixemos a pobre e deslavada efeméride e vamos às celebrações. Hoje o jornal “Público” trazia duas largas páginas sobre um primeiro balanço da “República” (a de 1910-1926). Recolhia as impressões de um punhado de historiadores, dos mais em vista, sobre o período. Descontando, desde logo, Rui Ramos que desafina do coro geral de louvores babados mas que não se contém e acha que os primeiros anos do regime foram obra da extrema esquerda jacobina, o que me parece manifesto exagero, os restantes depoentes lá dizem que sim e que não. Ora vejamos o lado do não porque, como se verá o sim limita-se a bem pouco. Toda a gente condena a violência da perseguição à Igreja (e como poderia ser de outra forma?) ou o reinado de terror das “milícias populares que, às ordens do Partido Republicano (“Democrático”) perseguiam com firmeza todo e qualquer opositor a Afonso Costa.

Com a excepção de Amadeu Carvalho Homem, todos criticam a exiguidade do corpo eleitoral, a falsidade do sufrágio universal, limitado a uma meia dúzia de burgueses das cidades, afastando não só as mulheres mas a maioria esmagadora dos homens por analfabetismo ou falta de recursos. Só ACH, segundo o Público acha que o regime republicano garante o sufrágio universal (mas não aquele regime de 1910-1926, supõe-se). E só ele acha que a entrada na guerra foi um sinal de colaboração com as potencias democráticas. Não sei onde meterá o desastre que foi essa intervenção, a impreparação das tropas mandadas para o matadouro, o desprezo a que foram votadas, para não falar de um outro sinal bem preocupante (foram para a guerra apenas os que se não puderam escapar, coisa aliás evidente pelo exemplo a contrario de Jaime Cortesão e mais alguns republicanos notórios que assumiram a causa do combate e marcharam para os campos da Flandres. O resto, nem piou e ficou a guardar a retaguarda...).

Manuel Loff que critica Rui Ramos pela sua tese anti Republica, não deixa de acentuar que a Republica “não fez as reformas sociais e económicas nem a reforma agrária, não promoveu um desenvolvimento industrial significativo e não mudou a natureza das  relações sociais em Portugal”. Reconhece aliás que “a entrada na guerra agravou a situação económica”. E critica a politica anti-operária dos dirigentes da 1ª Republica, referindo as deportações de sindicalistas para as colónias. Fernando Rosas, admirando as figuras da 1º República e sobretudo os que resistiram ao Estado Novo refere que a Republica “não democratizou o país”, alem de cometer os dois erros fatais: atacar a Igreja e meter o país na guerra.  

No texto em questão, fala-se na “mobilização do proletariado fabril” convenhamos que a coisa há-de ser lida com mais cuidado. As organizações sindicais nunca deram um aval pleno à agitação republicana. Os socialistas criticavam a base social republicana, mais lumpen por um lado e pequeno burguesa por outro. A tropa de choque republicana era constituída por o que Fernando Rosas chama a “plebe urbana de Lisboa , artesãos, pequenos comerciantes, caixeiros, lojistas, modestos funcionários públicos, estudantes, marinheiros, cabos e sargentos operários oficinais e fabris”.

As centrais sindicais depressa entraram em confronto directo com o regime do Partido Democrático e, sinal claro, mantiveram-se impassíveis quando ele caiu.

Boa parte do imenso apoio que a Ditadura do Estado Novo teve deve-se justamente ao rosário de falhanços da 1ª República. Falhanços esses que tiveram outro sinal evidente: o desastre das intentonas contra o Estado Novo. O “reviralho” conseguiu organizar uma boa dúzia de conspirações e levantamentos. Todos faliram com relativa rapidez não só por que reflectiam as divisões entre os caciques do deposto regime mas sobretudo a sua inata e indelével desorganização, a sua incapacidade em mobilizar as massas populares, o seu atávico conservadorismo.

Salva-se desses dezasseis anos de fraca memoria um punhado de leis e medidas desde o divórcio à educação que, em certos caso, foram posteriormente  amputadas pelo Estado Novo.

Não deixa de ser curiosa esta súbita febre comemorativa de uma época que pouco ou nada trouxe ao pais e muito menos à enorme massa dos seus habitantes. E digo habitantes, porque não foi a 1ª República quem lhes deu o estatuto de cidadãos, a não ser no papel. O que é escasso. Demasiadamente escasso.

Não se confunda, contudo, o sentido do que vem de ser dito. A monarquia em 1910 não existia. Estava morta e à espera de uma certidão de óbito. Que lhe foi passada por um grupo de revoltosos entrincheirados na Rotunda, ás ordens de Machado Santos (que seria assassinado por pistoleiros a soldo sabe-se lá de quem). Ainda hoje há quem se espante com o êxito da revolta. Parece que a ninguém ocorre que a tropa monárquica nem se mexeu. Mais tarde Paiva Couceiro nas suas correrias mobilizou mais gente e mais aguerrida do que os inexistentes defensores do trono de D Manuel II. 

E em 1926 repetiu-se o sainete. Não houve um tiro, um gesto, um desafio contra a marcha pacífica de Gomes da Costa. A 1ª República morria num silencioso chilique, atacada por todos lados e desprezada pela inteligentsia.   

 por d'Oliveira, republicano não praticante

Au bonheur des Dames 219

d'oliveira, 31.01.10

 Intolevel!

Os direitos dos trabalhadores da TAP, ia dizer dos esforçados trabalhadores da TAP, estão a ser alvo de uma violentíssima repressão que urge denunciar.

Os factos tal qual foram relatados num jornal serão aproximadamente os seguintes: um senhor comandante tomou um avião da TAP (como passageiro) mas ninguém o convidou para ir para a primeira classe, coisa que, ao que parece, ocorre sempre que nesta há lugares e na mais popular há comandantes.

Inconformado com o desprestígio que tal medida discriminatória lhe acarretou, o senhor comandante terá deixado no Facebook algumas observações altamente civilizadas, presume-se, sobre os maus hábitos recentemente adquiridos pela companhia.

Oito ou nove colegas do senhor comandante entenderam dar uma achega às palavras deste e deixaram no mesmo local os seus corteses comentários sobre a prepotência da companhia.

A empresa entretanto, num mesquinho sinal de vingança convocou estes senhores para um curso de formação! Sobre ética!

Convenhamos que se começa a chegar a extremos na guerra social que se trava em Portugal. Um curso de ética para pessoal navegante! Como se este precisasse de lições sobre o tema. E ainda por cima quando, um colega, fora relegado para a classe turística a que o seu bilhete correspondia em vez de executiva, mesmo se como passageiro, ou sobretudo como passageiro, ele tinha o direito de não aturar a gentinha que se apinha nos aviões que por vezes ele pilota!

Gente, notoriamente a soldo da administração da TAP, rosna pelos cantos que o pessoal de voo (mas não só!) paga uma ninharia pelos bilhetes que o resto da população paga a preço de oiro. Mentiras, claro. E que não fossem. Então o pessoal de voo que se arrisca (ao contrario dos passageiros?...), que faz tudo para manter a nave no ar, que tem de dormir em hotéis luxuosos nas escalas, que ganha um salário modesto ou, pelo menos, modesto se o compararmos com o presidente da Microsoft, é ainda obrigado a viajar em turística e a frequentar cursos de ética?

A mesma gentuça de cima, murmura cavilosamente pelos cantos do costume que o curso de formação é para todos (e que seja!) e que em todas as empresas incluindo a TAP sempre houve acções de formação de resto previstas no contrato colectivo.

O pessoal de voo é que não parece disposto a engolir mais esta afronta. A greve está no ar, diz-se. E os aviões, no caso dela ir para a frente, em terra, claro. Para o efeito já houve uma assembleia que, ao saber das ofensas continuadas da administração, já lavrou enérgico protesto. Seguir-se-á para muito breve outra assembleia extraordinária onde se espera que os pilotos lavem, com serenidade e mãos caídas, a afronta. Por outras palavras, nunca uma greve parece ser tão justa e adequada aos tempos que correm, como esta. A TAP tem de aprender a respeitar os comandantes, os sub-comandantes, os vice-sub e todos os restantes sub-sub-sub qualquer coisa. Até que aprenda!

Aos passageiros apeados e aos cidadãos em geral recomenda-se paciência, compreensão pelas justas reivindicações do proletariado aéreo e, last but not least, que pague do seu bolso os prejuízos que seguramente serão importantes. É para isso que existem os paisanos. Se pagam para o BPN, para o BPP, para tudo e para nada por que não pagar para manter no ar a TAP e os seus gloriosos trabalhadores?     

 

O Bom, o Mau e o Défice

Castro, 30.01.10

 

  Conhece este homem? Não? Mas devia! Este homem decide o seu futuro!

 

  Tenho que começar por alertar que não sou economista, bem pelo contrário. Não que seja mau com números, mas já percebi que números e economia são algo que já não anda de mãos dadas.

  O Orçamento de Estado é algo que me intriga profundamente, principalmente o défice, de que tanto se fala. Sinto-me muitas vezes com vontade de me colocar, como muitos da minha geração, numa posição de desinteresse e usar o discurso do "são todos iguais" e continuar com a minha vidinha. No entanto, felizmente ou infelizmente, ensinaram-me a ter interesse por política. Que amarguras isso me traz.

  Porque me apetece desinteressar por política? Porque penso que os políticos (pelo menos os mais "visíveis") fazem-nos passar por estúpidos. Querem fazer de nós ignorantes. Esta questão do défice é uma delas. O défice é-nos apresentado como um problema isolado e a ser resolvido por si só. Um grande saco onde todos os nossos problemas cabem e as responsabilidades se esgotam. Na minha humilde perspectiva, a questão do défice está a ser mal colocada, pois quanto maior o PIB, menor o défice. Logo, apresentarem-me o défice como o Problema faz-me sentir desanimado no que toca a um futuro melhor para o nosso país.

  Eu sei que pode ser um bocado simplista, mas as famílias portuguesas encontram-se na mesma situação do Estado, não entra dinheiro suficiente para cobrir as dívidas e as despesas em geral. Para mim, o que o estado está a transmitir é muito simples, pois, se dissermos às famílias para adoptar a mesma postura do governo e partidos em geral, seria algo ridículo. Não procurem obter mais receitas, não procurem melhores salários, não invistam na educação dos vossos filhos, não invistam na vossa formação, não procurem melhorar a vossa qualidade de vida, procurem cortar tudo o que foi referido anteriormente que assim vão resolver todos os vossos problemas. Mas o que transmite, na minha perspectiva, é ainda pior, vendam as poucas coisas que têm (em altura de crise!) que apesar de o venderem a metade do preço terão o vosso principal problema resolvido... o Défice! Basicamente e na minha simplista forma de olhar para este particular problema é isso que o estado está a fazer. Não investe para desenvolver o país, não investe para ser um país mais competitivo. Pelo contrário, vende o que tem a metade do preço de mercado e adia o desenvolvimento do país para o dia de S. Nunca à tarde. Esse dia obviamente nunca chegará pois entre os períodos da "tanga" e os períodos da crise nunca sobra tempo para investir e trabalhar para um país melhor.

  Perguntam-se vocês, quem é afinal o indivíduo que aparece na foto, e onde é que ele entra no meio disto tudo? Pois bem, no meio desta Oligarquia em que vivemos, ele é um dos que dita o nosso futuro, dizendo que temos que cortar nos salários e adiar investimentos públicos, porque esse dinheiro é preciso para estabilizar o sistema financeiro. Ele é presidente de uma das muitas agências (corporações!) de "rating" que ditam o nosso futuro. Ele é Stephen Joynt, CEO da Fitch ratings, muito conhecida por, apenas 24 horas depois de sair o orçamento, já estar a ameaçar aumentar o rating português. Curiosamente, na foto aparece a dar explicações ao senado norte-americano pelo recente colapso financeiro.

22@Barcelona

José Carlos Pereira, 30.01.10

Tive a oportunidade de participar ontem na conferência realizada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte subordinada ao tema da regeneração urbana, clusters e competitividade. Como caso de estudo, esteve em debate o magnífico projecto 22@Barcelona, apresentado pelo respectivo CEO, Josep Miguel Piqué.

Quando ensaiamos por cá uma nova discussão a propósito da regionalização do país, com muitos intervenientes a reconhecerem, mais de dez anos depois, que de facto só regionalizando poderemos promover um desenvolvimento sustentado e harmonioso, vale a pena colocar os olhos neste projecto de Barcelona e da Catalunha.

Só uma estratégia bem gizada por um poder político forte permite pôr de pé um projecto de inovação ancorado na sociedade do conhecimento, que envolve transformação de área urbana degradada e uma forte aposta nos meios universitários, empresariais e culturais, como este da capital catalã.

A grande Mentira de Blair & C.ª

JSC, 30.01.10

A Inglaterra está a obrigar o Sr. Blair a ter que justificar a participação dos britânicos na invasão do Iraque. Como já é comummente aceite a invasão assentou numa monstruosa mentira. E é isso que os ingleses querem ver esclarecido. Blair lá vai insistindo nas mesmas ideias e justifica-se dizendo que foi uma decisão política do governo e parlamento.

O problema é que os inquiridores não parecem muito convencidos e Blair ainda vai ter muito que explicar, até porque já há (ex- militares mandados para o Iraque e familiares de militares mortos no Iraque) quem exija o seu julgamento por crimes de guerra.

Blair não actuou sozinho. O nosso vizinho Aznar e o Durão Barroso também estiveram nesse filme, que ficcionou a grande mentira das armas de destruição maciça que Saddam possuiria e que, diziam-nos, estava em condições de usar.

A invasão do Iraque nada trouxe de bom para o resto do mundo e causou a maior desumanidade, gerou violência inimaginável e sem fim à vista, com uma imensidão de mortos e estropiados. Milhares de jovens que foram mandados para essa guerra também acabaram por sucumbir ou regressaram com ferimentos e sequelas de que não mais se livrarão.

É por isso que me parece muito justo o inquérito a que o Sr. Blair está a responder. Até pode não dar em nada, mas pelo menos, à luz da opinião pública, Blair já está em pleno julgamento.

Se Portugal e a Espanha fossem democracias autenticas, com a carga histórica e cultural da democracia britânica, acredito que também Aznar e Durão Barroso estariam a ter que justificar iguais decisões e, submetidos ao mesmo tipo de julgamento.

 

Passadeira Vermelha...

Castro, 29.01.10

 Boas Noites!

  Gostaria de começar este meu primeiro contributo  em forma de agradecimento pois tinha em mente ir directo ao assunto e falar de um tema que me tem, no mínimo, intrigado que é o Orçamento. Pareceu-me quase descortês falar de um assunto tão  desenxabido como este, depois de uma recepção tão amistosa e calorosa como a que recebi. Dito isto, e não me querendo alongar (o que será difícil), resta-me dizer que não pretendo entrar em grandes apresentações pois, num espaço como este, as apresentações serão feitas com o que escrever, aí cada um terá de mim a impressão que entender.

 Tenho que fazer uma ressalva relativamente a algo que foi dito... a idade! Quero desmitificar qualquer ideia de "frescura" que pensam que eu possa trazer! Eu penso que cada um é tão "fresco" quanto quer, independentemente da idade. Infelizmente também tenho os meus momentos à velho do Restelo. Espero sim que, não a minha juventude, mas sim a vossa (...) "sábia" idade me ajude a responder a algumas questões. Pois penso trazer mais dúvidas que afirmações, como idealizo que um espaço destes deve ser. 

  Em nota de rodapé, alertar apenas que quem me conhece diz que não sou um comunicador, por escrito, muito eloquente. Dizem que escrevo como falo. Faço este aviso apenas para dizer que posso não estar à altura de tão proeminentes escritores. Dito isto, espero encontrar aqui um espaço para discutir o que me apoquenta, principalmente a nível de política, pois acredito que liberdade de expressão não se esgota em poder falar livremente, mas também encontrar com quem falar... e isso é algo que escasseia nos dias de hoje, pelo menos com um mínimo de sanidade e conteúdo. 

Au bonheur des Dames 218

d'oliveira, 29.01.10

Mais um!..

 

Que um rapaz de vinte e seis anos, quase um mancebo, enfim também não exageremos, mas um rapaz, apesar de tudo, a uma distância respeitável de idade de quase todos nós (nem digo de mim, mas de nós, mesmo do JCP que é o mais novo da equipa, isto sem falar das três almirantes que não têm idade ou se a têm bem que a escondem, ou não a notam  - e nós com elas - ) queira integrar a tripulação do incursões, eis algo que me espanta, maravilha e comove. Será que temos algo a dar-lhe, a dizer-lhe. que o interesse? Será que se sente interpelado por nós e por isso tentado a responder-nos e a explicar o seu ponto de vista?

Mistério! Mistério que a partir de agora se irá solucionar graças ao que ele quiser dizer-nos. De qualquer maneira é bom que alguém claramente de outra geração (e mesmo nós não somos todos da mesma, nada disso, andam por aqui duas gerações em desatada conversa, em amável conversa, de acordo em desacordo, claro, como compete a gente diferente, que se foi juntando nesta esquina vagamente etérea e que só um ano depois de aqui escrever é que fisicamente se juntou à volta de uma mesa almoçante (claro!...) e desde então pontuamos a nossa aventura incursionista e bloguista com outras mais nutricionais e risonhas: dá-se ao dente, sugerem-se pequenas alterações e até mais ver.

Claro que o jovem preopinante entra por baixo: grumete a tempo inteiro e a recibo verde como manda a lei e é hábito no país das maravalhas (eu escrevi maravalhas. Quem não souber o que é tem bom caminho: dicionário de português. Servem todos menos o da Academia que é um emplastro. E, nesses todos, cabem dois magníficos e brasileiros: o “Aurélio” e o “Houaiss” que não são inferiores ao excelente Moraes ou ao José Pedro Machado para citar outros dois aqui também presentes, mesmo atrás de mim, como os primeiros.)

Isto aqui não é o moinho da Joana, não senhor. Muita ordem, muito respeito, muita mesura, o mesmo de reverência para com os mais velhos, os mais antigos, as antiguidades (como é o meu caso, ouviu ó jovem cavalheiro? Entre, entre de uma vez, feche a porta que está frio, bata a pala como deve ser e diga lá ao que vem. Não a mim, que diabo, mas aos leitores que quem escreve, escreve para alguém, só os poetas românticos e tísicos é que escreviam para vagas almas ao luar, muito louras, muito frias e distantes.)

Um blog, é – e cito Henry Fielding roubando-lhe descaradamente a ideia – como uma casa de pasto honrada: tem por missão servir bem, abundantemente e barato que a clientela é muito volátil e levanta o cú da mesa mais depressa que um bando de perdizes em época de caça.

Portanto, e isto não é um conselho, atenção ao leitor. Não lhe sirva gato por lebre aliás por duas razões: por que eu gosto de gatos (mais de gatas, felinas ou não) e já não há lebres verdadeiras por aí. Em havendo, e em alguma leitora sabendo-a preparar, pois se quiser companhia para a mesa que há de ser risonha e farta, é só apitar, que eu vou e até levo o meu babete das grandes ocasiões. E apetite, está bom de ver.

Onde é que eu ia? Ah, no serviço porta a porta, melhor dizendo computador a computador. Os bloggers são assim: escrevem umas coisas na esperança de encontrar leitores generosos que lhes queiram responder ou, pelo menos ler. E continuam nessa ilusão de que há alguém atento do outro lado do ecrã e que são úteis a esse/a leitor(a) e, já agora, a uma outra causa: a da liberdade. Aqui fala-se do mundo, de nós, da nossa (e vossa) circunstância sem tentar vender banha de cobra ou comprar um lugar à mesa do orçamento. Por isso, como já repararam, temos opiniões diferentes, dizemos o que pensamos e ao que vimos. Livremente. Quanto mais pessoas intervierem nas nossas conversas, melhor. A opinião forma-se assim. Ouvindo todos, permitindo que todos digam de sua justiça, com cortesia e lealdade. Às vezes, encontro fisicamente leitores que, por fas ou por nefas, acabam por saber quem sou. Ah, que de conversas! E sugestões, e criticas, e encorajamentos. Saio dessas sessões contente como um cuco, envaidecido até (fraquezas!...), e isso me basta para desafiar a minha contumaz preguiça que, com a idade, dobra e redobra, e escreva, como agora, feliz por ver mais um tripulante nesta galera.

Benvindo pois, Nuno, bom vento te traga, puxa de uma cadeira, senta-te à mesa e conta lá.....     

estes dias que passam 198

d'oliveira, 28.01.10

"viva la muerte!" ou "Da pequenez indígena"

Uma coisa chamada “associação promotora do livre pensamento” organizou uma romagem às tumbas dos regicidas de 1908. Parece que os cerca de vinte manifestantes pretendiam homenagear a excelsa coragem e as cívicas virtudes dos dois assassinos do rei D Carlos.

Pessoalmente, sou republicano, laico e pouco dado a homenagens funéreas. Tenho pelo rei D Carlos pouca estima embora lhe reconheça alguns méritos, o menor dos quais não será o de entender bem a sua fraca opinião do país que governava. No resto, aparte a sua imensa curiosidade científica os seus razoáveis mas amadores dotes de aguarelista, pouco me resta para o lembrar. Aliás, se alguma coisa o lembra, é justamente esta, o assassínio perpetrado por dois tresloucados, alimentados por uma campanha de imprensa sanguinária e pouco fiel á verdade. O país, este país, vivia desde meados do século XIX num regime liberal, a monarquia era peada por uma constituição que, em seus inícios era mais republicana do que outra coisa, os partidos monárquicos davam sinais de evidente esgotamento e o partido republicano ia ganhando poder, eleitores e câmaras sem grande custo nem, diga-se de passagem, grandes propostas revolucionárias. A intentona do 31 de Janeiro, aliás, significou, mesmo para os seus mais férreos admiradores, que também os republicanos sofriam da portuguesíssima doença da impreparação politica, militar e cultural de que acusavam os seus adversários. Todavia, exacerbou os espíritos, clamou-se vingança pela repressão e esse clima não melhorou com a chegada de João Franco ao poder.

Não vale a pena dedicarmo-nos ao fútil exercício de pensar como seria o país sem regicídio. Como não vale a pena perder demasiado tempo com as extraordinárias aventuras da República e da "revolução" da Rotunda cujo êxito se deve mais à inércia do regime do que à força das suas tropas. Longe estávamos das guerras civis do século XIX mas porventura alguma da sua trágica lembrança terá decidido a tropa monárquica a permanecer no seu canto. A monarquia caiu sem um gesto que a dignificasse e a República foi-se proclamando as mais das vezes por telegrama. Depois, é o que se sabe, muita generosidade e muita burrice (a ideia peregrina de haver uma doença psiquiátrica que conduzia ao delírio jesuítico mostra bem a qualidade da discussão ideológica desses anos). Isto para não falar na perseguição aos sindicatos, no desprezo absoluto pelo campo, na entrada na guerra para legitimar aos olhos da Europa um regime oligárquico de barões e caciques republicanos que excluíam da eleição  e da vida política mais de oitenta por cento dos portugueses (das portuguesas nem se fala) e da repressão contra a esquerda. Os dezasseis anos da Primeira Republica foram um reboliço, uma série de intentonas, duas ditaduras e uma semi-ditadura (bem violenta, por sinal), a do Partido Democrático de Afonso Costa que continuaram a alegre tarefa de destruição de um país arcaico até ao momento em que um general, mais um, republicano ainda por cima, montou num cavalicoque em Braga e só se apeou no Terreiro do Paço, ou no Rossio, sem dar um tiro, um único tiro, valha-me Deus!, e zás, República para o caixote do lixo da História, bom dia, dr. Oliveira Salazar e toma lá mais quarenta e oito anos de safanões dados a tempo. E a destempo, claro.

Celebrar com espavento a República já me parece uma toleima, juntar-lhe como querem os seus vinte admiradores do regicídio (e o senhor presidente da Câmara de Castro Verde!...) uma homenagem a dois pobres diabos fanatizados releva de um desprezo absoluto pelo que é a Democracia e a Liberdade. Só os velhacos celebram os assassinos. É preciso muita falta de piedade e maior falta de coragem para exaltar um gesto que sempre, mas sempre, repugnou aos homens de boa vontade. São só vinte, diz-se. São vinte a mais direi eu que não suporto esta gentuça odienta que, agora, em nome de um qualquer pensamento que é tudo menos livre, vem para a praça pública dar vivas aos pistoleiros. Que se juntem aos admiradores de Ravaillac ou do assassino de Jaurés para não ir mais longe. Ou dos assassinos de Machado dos santos, o “herói da Rotunda”. Ou dos sicários da famosa camioneta da morte que circulou por Lisboa, arrancando políticos à família e massacrando-os. E, já agora, dos assassinos que, todos os dias, com bombas, humanas ou não, vão enchendo as ruas do Médio Oriente de cadáveres. Mormente de mulheres e crianças mas isso não os incomoda. Ontem falei aqui dos assassinos nazis. A diferença entre eles e os Buiças deste mundo é que eles viam mais longe, eram mais disciplinados e sistemáticos. Os admiradores esses, são sempre iguais no desprezo pela morte dos outros e pela vida e felicidade dos cidadãos.

“Abajo la inteligência, viva la muerte”, Milán d’Astray está vivo nos corações de muita boa gente. Arre!  

* na gravura: assassínio de Jaurés      

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