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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Marco de Canaveses comemora 158 anos

José Carlos Pereira, 30.03.10

O concelho de Marco de Canaveses, a minha terra natal, assinala amanhã 158 anos sobre a data da sua fundação, em 31 de Março de 1852. A autarquia local promove algumas iniciativas para assinalar esse facto, entre as quais a conferência "O Marco de Canaveses e a República".

Essa conferência decorrerá amanhã à noite, no salão nobre dos Paços do Concelho, cabendo-me a tarefa de partilhar com o Prof. Jorge Alves, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, algumas reflexões sobre a evolução do concelho nestes cem anos da República e a sua realidade actual e futura.

Au Bonheur des Dames 225

d'oliveira, 29.03.10

Desengoma-te!

Ai leitoras gentis isto está fraco. Fraco? Fraquíssimo! É o PEC que ameaça os portugas de mil descontos no já descontado ordenado, na descontadíssima reforma, no subsídio que mais parece um sub-subsídio, enfim, em tudo em que “eles” puderem deitar a mão.

Merecemos isto? Que mal teremos feito a Deus ou aos deuses, sobretudo a estes, para que a coorte luciferina ou as Erínias fossem atiçadas contra o povo miúdo, de que Vocês e eu fazemos parte, o povo que rosna mas paga os impostos (se calhar por que não consegue fugir com o rabo à seringa, mas paga e é isso que importa sublinhar), o povo que vai perdendo se não perdeu já toda as parcas expectativas de ver “isto” andar para a frente.

Disse expectativas porque já não me atrevo a dizer esperança. Esperança é palavra nobre (como amigo, laranja ou mar) e não pode, não deve, ser usada neste pântano lúgubre para onde uma elite dessorada e absolutamente incapaz nos conduziu.

A resposta à pergunta lá de cima é: merecemos! Fomos nós que votámos nesta quadrilha de incapazes. Fomos nós que aceitámos como boa a mentira do deficit “ligeiramente” acima do previsto. Fomos nós que acreditámos quando eles disseram que a crise, embora grave, estava praticamente ultrapassada. Fomos nós, ou alguns de nós, que fechando os olhos à realidade ensurdecedora, que acreditámos que as medidas eventualmente constantes dos manifestos eleitorais eram, apesar de tudo, medidas socialmente justas, economicamente ajustadas e politicamente democráticas.

Haja, daí, desse lado do ecrã, alguém que consiga explicar este facto simples e incontroverso: um partido “socialista” a levar a cabo, com inabilidade, insensibilidade e ignorância, a política que os seus opositores de “direita” provavelmente executariam com mais cuidado, rigor e credibilidade.

A Primavera entrou, dizem. Deram conta? Acaso as chuvas pararam, o sol brilhou, o tempo melhorou? Esta Primavera que bate à porta mas não entra, que chama por nós mas foge, que hesita e retrocede, é bem a metáfora deste tempo que nos é dado viver.

E a esperança? Onde para essa cada vez mais rara virtude teologal? Estará de férias como a fé? Desertou deste país à beira mágoa, como a caridade?

Olho para a esplanada deserta, para o jardim encharcado, para o gato cinzento recolhido da borrasca numa cadeira à espera dum fugaz raio de sol. Nem as cachorrinhas do costume lhe ladram. Adiaram o instinto para melhor altura. Poupam forças para o que confusamente sabem que pode ainda vir. E não é a esperança que lhes fará arrebitar as orelhas ou abanar a cauda.

Hoje, o jornal traz a notícia de um prémio cinematográfico atribuído a Susana Sousa Dias. Pelo filme “48”, uma longa entrevista a antigos perseguidos pela polícia política de que só se ouvem as vozes enquanto pelo ecrã desfilam milhares de fotografias dos arquivos do Registo Geral de Presos (de frente, de lado e de través). E por que é que falo disto? Ora por uma simples e clara razão. Nesses tempos, nesses duros, amargos, tempos as coisas corriam mal. Muito mal. Vivia-se no quarto escuro, com quotidianas dificuldades, no cinema a preto e branco, no mundo a branco sujo e preto forte. Mas vivia-se. Com raiva, com lágrimas, com fome de tudo e, para alguns, não tão poucos, com fome de comida. Mas tinha-se esperança. Uma esperança persistente, como o musgo, uma esperança renovada como a volta das andorinhas, uma esperança simples que se alimentava da solidariedade dos companheiros e amigos, partilhada em sítios tão improváveis como uma cela em Caxias, um banco de faculdade em Coimbra, uma banca de oficina numa fabriqueta, um banco de jardim num encontro clandestino, uma mesa de café de província, uma lota clandestina à beira-praia.

E agora? Onde para essa esperança que nos salvava, que nos animava, que nos aquecia?

Respondam, se puderem.

 

* a gravura de hoje: um Cristo desse sublime Georges Rouault pintor cristão de que não consegui encontrar a composição “demain il fera beau disait le naufragé” da série Miserere, vista no Porto há uns bons cinquenta anos na companhia da Alcinda, do Jorge e da João Delgado.

** o título recorre a um velho dichote coimbrão que significa desenrasca-te, que estás mais só que uma brisa no deserto.

Diário Político 141

mcr, 25.03.10

Lutos, enganos e outras bizarrias

 

O Senhor Mário Lino era ministro do senhor José Sócrates. Ministreava nas Obras Públicas e, já agora, na Recuperação de Desertos. Foi ele quem abriu uma rota segura para os raros palmares e escassíssimos oásis da Margem Sul, ao aceitar (à ponta de cimitarra no roliço pescocinho...) um aeroporto para lá do Tejo.

Fora isso e umas vagas imprecações em francês nada mais distinguia este ex-comunista da linha dura e armada (há quem o ligue à ARA como se sabe), não constam do seu curriculum vitae especiais qualidades que o habilitem sem mais a ser o manda chuva da Cimpor. Ou melhor: dos pontos de vista político e ético, há as mais sérias reservas a vê-lo, ainda de luto pela perda do posto ministerial, a assumir um cargo deste tipo, numa empresa ora dependente da CGD, dependente, como se sabe, por sua vez do Governo.

Não que seja ilegal, nada disso. É deselegante, surpreendente e sabe a postiço. Já antes se sentira idêntica sensação com a rápida ascensão da senhora doutora Lurdes Rodrigues à presidência de uma fundação para a qual não se descortinava nela qualquer específica vocação. Mas com essa senhora tudo é possível depois do estrondo com que governou a desastrosa 5 de Outubro. Claro que sempre se poderá dizer que, depois, de tanto cimento auto-estradal nada mais adequado para Lino que passar de comprador a fornecedor do mesmo material...

2 ainda a propósito dos grandiosos projectos babilónicos deste singular cavalheiro, eis que no Porto, um colóquio que reúne especialistas em transportes e território, condena sem apelo nem agravo a ideia de ligar o Porto e Vigo por TGV. Condena, é pouco: arrasa! A nível de custos, a nível de utilidade, a nível de tudo. Alvaro Domingues relembra as auto-estradas existentes (e escassamente frequentadas, acrescento eu, usuário habitual da Porto-Valença) e por piada até fala em pôr-lhes carris por cima!...

O economista António Figueiredo põe o dedo na ferida ao denunciar o embuste do transporte de mercadorias e os restantes afinaram pelo mesmo diapasão excepção feita a Braga da Cruz, excelso presidente da Fundação de Serralves que lembrou oportunamente que o projecto estava apenas adiado.

Eu, modestíssimo opinante e obrigado pagador de impostos já aqui disse, e por várias vezes, quão bizarro e violento me parecia esta patetice ferroviária. Um comboio rápido custa dez vezes menos e mesmo assim seria preciso saber se valia a pena.

Sempre no âmbito do Norte profundo, eis que Luis Filipe Meneses, entusiasta dos aviõezinhos sobre o Douro vem agora dizer que a corrida combinada entre os presidentes das edilidades do Porto e de Lisboa (de cujos bolsos infelizmente não sairá nunca um tostão para o caso mais previsível da corrida dar prejuízo) não tem o “agrémente” de Gaia. LFM, depois de ter uivado impropérios sobre a trasfega da Red Bull para Lisboa, não consegue disfarçar o mal-estar de não ter sido ele o autor desta proposta apaziguadora. O homem é, sempre foi e será sempre assim.

Ainda no Norte, ah o norte..., eis que um repolhudo grupo de arquitectos vem denunciando as eventuais transformações de um Mercado (o mercado  do Bom Sucesso) que vegeta na mais indigna e vil tristeza. Sei do que falo porque lá vou de quando em quando. Aquilo é tristonho, os vendedores vendem pouco, mal e caro, os produtos são poucos, os espaços vazios dão um toque de abandono e pouca higiene ao conjunto.

Eu não sei se o projecto de reconverter aquela quase montureira é bom ou mau. Tal como está, e está assim há muitos anos, não presta, é um espectáculo degradante que, decerto, só aos olhos dos famosos arquitectos protestários, será evocador do casticismo reles da Invicta cidade. Eu gostaria de os ver propor alternativas interessantes, um verdadeiro mercado como o de Barcelona onde até de passeio se pode ir, uma orgia de cores, de aromas, de produtos, de alegria, de conforto, de limpeza de gulodice. Mas o Porto não é nem nunca será Barcelona, sequer um dos seus mais desinteressantes arrabaldes.

E relembro, para os esquecidos, uma polémica de há trinta ou mais anos sobre um outro mercado emblemático do Porto: o Mercado da Fruta, belíssima construção de ferro que se reabilitou. Ninguém permitiu que lhe dessem uma utilidade qualquer que valesse o esforço financeiro e o preço pagos. Vegetou miseravelmente anos a fio. Degradou-se tragicamente pelo mau uso, pelo não uso, pelo abuso. Agora vai ser um night club ou algo do género, privado, cedido por tuta e meia.  No Porto é assim. Obra que se faça à custa do erário municipal para uso público cedo morre de morte macaca. Aconteceu com um restaurante junto da praia do Molhe, repetiu-se e muito mais gravemente com um “Edifício Transparente” encomendado por uma negregada e generosíssima Porto 2001. Nunca se percebeu para que é que aquilo servia. Foi soçobrando na imundície e no abandono até ao que se vê. Basta entrar. Basta saber a ridicularia que agora, e por favor, uma empresa paga para dar uso àquilo. Um uso ao arrepio de qualquer eventual ideia (se sequer isso tivesse ocorrido aos da 2001) que levou a encomendar aquele elefante branco ao arquitecto Solá Morales.

E terminemos, que isto dói mais do que fede, e fede muito. O partido que ganhou as eleições legislativas garantiu aos votantes um défice e uma situação que não eram verdadeiros. Ganhou as eleições. Agora o Governo vem com o PEC e com o défice que se sabe. E jura que não aumenta impostos. Ou seja, a dedução específica que desaparece no IRS não é nada. E o IRS não aumenta!...

Vivemos num pais onde a mentira grassa, onde o desperdício é a lei natural, onde as obras se fazem apenas por que sim. Os cidadãos pagam. Os políticos riem-se, os ministros reformam-se em administradores de empresas onde o Estado tem posição hegemónica, os estádios estão desertos de espectadores mas crivados de dívidas e o futebol excita paixões sórdidas.

Mas descobrimos a Índia, fizemoso Brasil e  inventámos o fado... e temos turismo barato e de pé descalço.

 

(In)justiça desportiva

José Carlos Pereira, 25.03.10

O Conselho de Justiça (CJ) da Federação Portuguesa de Futebol deu provimento aos recursos apresentados na sequência dos castigos impostos aos jogadores Hulk e Sapunaru, do FC Porto, pela Comissão Disciplinar (CD) da Liga Portuguesa de Futebol Profissional. O internacional brasileiro viu a sua pena reduzida de quatro meses para três jogos e o internacional romeno viu a pena reduzir-se de seis meses para quatro jogos, com as multas pecuniárias a serem agravadas, ainda assim de valor pouco significativo para os jogadores. Ambos estavam afastados das competições nacionais desde 20 de Dezembro, perdendo três meses de competição.

Esta disparidade no julgamento pelas duas instâncias de justiça desportiva é negativa para o desporto profissional em Portugal e resultou num autêntico escândalo, com prejuízo claro dos jogadores e do FC Porto, manchando desse modo a honorabilidade do presente campeonato da Liga. Tudo porque a distinta CD decidiu considerar que os stewards (seguranças contratados a empresas privadas) agredidos eram “agentes desportivos”. Não o eram, não o são e todos sabem que assim é. Se fosse ao contrário, ou seja, um steward a agredir um jogador, será que ele era atingido por alguma sanção desportiva? Claro que não, já que esse segurança não estaria sob a alçada da justiça desportiva, mas sim dos tribunais comuns.

O segurança de recinto desportivo não é um actor, um agente desportivo, pelo que nunca fez qualquer sentido a moldura penal aplicada a Hulk e Sapunaru. Os castigos aplicados aos jogadores do FC Porto, designadamente a Hulk, um atleta fundamental para a equipa e que tinha acabado de ser chamado à selecção do Brasil, mais pareceram uma operação deliberada de alguém apostado em diminuir um contendor da competição. Naturalmente em benefício de outrem. E como o assistente universitário de Direito Ricardo Costa, presidente da CD, já tinha mostrado ao que vinha no famigerado caso “apito dourado”, todas as dúvidas se transformam em (quase) certezas…

estes dias que passam 202

d'oliveira, 24.03.10

Dizer o quê?

 

Uma leitora amabilíssima e um leitor que lhe não fica atrás escreveram-me perguntando a razão do meu silêncio sobre o que se passa no seu (deles) partido, o PSD. Pelos considerandos, deduzi que não estavam satisfeitos com aquela balbúrdia e que pertenciam ao verdadeiro universo social-democrata, isto é à corrente menor e mais esquecida do PSD.

Em abono da verdade quase diria que estariam melhor no P.S. se este estivesse um pouco mais à esquerda. Mas não lhes recomendo a transferência por motivos que a seguir tentarei explicitar.

Começando pela resposta: raramente falo do PSD porque não pertenço a essa “guerra”. Sempre entendi que o partido fundado por Balsemão, Sá Carneiro e Magalhães Mota (vale a pena recordar os fundadores) chegara tarde e a más horas. Deveria, e poderia, ter-se fundado (e legitimado) antes do 25 de Abril. Razões de vária ordem terão impedido estes três homens, de cuja coragem nunca duvidei, de dar esse passo. Alguém me confidenciou que eles apostavam muito num P.S. menos esquerdista. Que tinham a esperança de que, uma vez democratizado o país, a carga marxistóide do P.S. se diluísse num programa semelhante ao do SPD alemão em vez de macaquearem o PSF de Miterrand. Foi assim? Ignoro-o. De todo o modo perderam uma hipótese única de se apresentarem como formação do centro esquerda. Dir-se-á que com isso impediram a formação de um grande partido de Direita. É provável. Mas destruíram a chamada opção “social-democrata” e converteram-se numa federação de caciques locais, de tecnocratas marcelistas, de órfãos liberais de Marcello, de populistas onde, de longe em longe, aparecem os tais sociais democratas. Actualmente, o PSD é (como o actual P.S.) um partido desideologizado. E isso vê-se cruelmente neste sobe e desce de candidatos e putativos candidatos que disputam a liderança.  Assim sendo, compreende-se que não só nunca me tenha atraído mas até me irrite mais do que convém a uma pessoa da minha idade.

Portanto, amigos leitores, desculpem mas tratem vocês disso. Eu, para carnavais desses, nunca dei, não dou e não darei.

E voltemos ao P.S. Também aqui, cada vez vale menos a pena falar. O P.S. tornou-se numa espécie de partido coreano. Anda tudo à volta de um líder de desconhecidas qualidades, ideologicamente neutro, detentor de todo o poder e capaz, como os eucaliptos, de criar o deserto à sua volta. O P.S. é Sócrates (est5e, não o glorioso grego) e não se vê nada para além dele.

Ou vê-se e é a isso que vimos.

Vê-se um pobre diabo distrital, o senhor Renato Sampaio, conhecido localmente por ter averbado no seu mandato a mais vergonhosa derrota eleitoral para a Câmara do Porto. Desconhecendo-se na criatura qualquer lampejo de teoria, poder-se-ia pensar que estava apenas a cumprir calendário. Mas não. O homenzinho mexe-se, agita-se, estrebucha, cavila e eructa. Agora entendeu apoiar um qualquer congénere para a concelhia da Trofa. Ao contrário de outros, que acham que “de minibus non curat praetor”, Sampaio vai à luta e e entendendo que a actual presidente da Câmara da Trofa não tem qualidades (apesar de a contra-corrente, pelo seu esforço, ter conquistado esta câmara ao PSD) resolveu dizer que a dita senhora é “um caudilho de saias”. E que “não foi para isso que o PS foi fundado”. Temo  bem que Sampaio não consiga alinhar duas frases sobre as razões por que o P.S. foi fundado mas isso já não é surpresa no pantanal ideológico em que florescem muitos dos mais preclaros dirigentes socialistas nortenhos. O que me preocupa é o machismo grosseiro e ordinário da expressão: “Caudilhos de saias”! À uma porque as mulheres usam mais vezes calças do que saias. Depois por que a burrice recobre aquela velha pergunta “quem é que aqui usa calças?”, tomadas estas como símbolo da autoridade. Depois por que é deselegante como discurso, sexista como afirmação e cretina como constatação. Afinal foi a senhora Joana Lima quem, ao contrario de Sampaio, provou, no terreno, ter capacidade e carisma suficientes para conquistar uma câmara ao PSD.

Deixemos entretanto Sampaio que já se gastou demasiada cera com tão ruim defunto, e passemos ao extraordinário deputado Ricardo Rodrigues.

Tal como os ananases, vem dos Açores mas é menos útil. E a razão é simples. Enquanto o ananás serve para imensas receitas culinárias, RR só serve para “dizer coisas”. E não se veda. Agora veio com essa extraordinária exigência de chamar Manuela Ferreira Leite à Comissão que investiga o caso TVI. A que título? Será a senhora Ferreira Leite, titular de algum órgão de soberania, terá ela tido alguma influência nos acontecimentos, será que da sua decisão, ou não, resultariam negócios desta monta? Ou, RR, sempre desnorteado, a resolveu tornar Primeira Ministra alternativa, agora que a piedosa senhora quaresmalmente se retira da cena política?

Eu não sei se a proposta de RR foi recebida com uma gargalhada ou apenas com estupor. É que há coisas que, de tão incongruentes, deixam uma pessoa transida de pasmo, em estado comatoso, incapaz de responder a algo que, aliás, nem resposta merece. No P.S., pelos vistos, as posições de RR não merecem crítica. Será que o mal não é dele, mas dos que o aturam e apoiam?

E para terminar esta romaria ao “dégoût”, regressemos, desanimadamente, ao sempre eterno senhor Lello. Parece que a criatura não gosta que os jornalistas saibam  qual o uso que ele dá ao computador que o Parlamento lhe fornece. Da última vez que tive notícia da sua computação, Lello, o opinante, mandava para o twitter esta pérola literária: “Que seca!

Referia-se, como é evidente (nele, claro, sempre nele), à quase unânime homenagem que o Parlamento prestava a Manuel Alegre no seu última dia na Assembleia.

Presume-se que os jornalistas terão sentido curiosidade em ver a que mais aventuras computacionais se dedicará este esforçado pilar do parlamento. Joga o gamão no aparelho?  Vê as meninas despidas no “sologatitas.com”? Lê o circunspecto “The Times” na página respectiva? Troca e-mails com anedotas com os colegas de outros parlamentos? Ou pesquisa na internet as últimas novidades literárias desde um recentíssimo Cioram (“Aforismos”, Letra Livre, ed) e outro não menos recente  Semprun (“Au creux des nuages”)? Convenhamos que esta última hipótese é meramente académica, mas enfim, merece de todo o modo ser considerada quanto mais não seja para aviso a leitores desprevenidos.

O senhor Lello ainda não se terá dado conta que está num parlamento. Poderia ter lido, com proveito apesar do esforço de meninges, algum texto de Eça sobre o Parlamento e ele há-os de excepcional graça e estilo. Deveria saber que, já que pagamos essa sua voluptuosa sinecura, temos o direito de saber o que faz durante as longas horas das sessões em que é suposto estar atento e pronto a intervir para melhorar a situação da pátria mal amada.

Alguém me disse que Lello se considera um veterano, um dos “últimos”. Terá com isto querido significar que era dos bons, dos da primeira carrada, dos de que valia a pena falar. Erro dele, e forte: Lello, na sua antiguidade, é um dos primeiros, um dos que nos fazem olhar para o parlamento com algum rubor nas faces e seguir apressadamente em frente, sem nos determos. Por receio de que nos tomem como mais um deles.

Mesmo na Páscoa est modus in rebus...

 

 

Cinco mil Estágios

JSC, 24.03.10

O Governo vai cumprir a promessa de criar 5.000 estágios para jovens licenciados até 35 anos. É uma boa notícia, apesar de alguns sindicatos já terem reagido a dizer que é uma forma do Governo cobrir a falta de pessoal em algumas áreas com remunerações mais baixas.

 

De qualquer modo é uma boa notícia para todos, m particular para os cinco mil jovens até 35 anos que vão ter direito a estágio remunerado (840€). O que me espantou foi o peso de licenciados em direito com acesso a estes estágios para jovens até 35 anos. 26% dos estágios serão preenchidos por licenciados em Direito.

 

É certo que não foram divulgados os critérios que presidiram ao levantamento das necessidades de pessoal nos diversos organismos públicos e que terão determinado a escolha das áreas académicas. Mas parece-me excessivo que mais de um quarto das necessidades de pessoal na administração pública sejam recursos com formação jurídica.

 

Há escassos meses tive de tratar de um assunto num organismo do Ministério da Agricultura. Cheguei pelas 10 horas e logo me disseram para ir da parte de tarde porque já não tinham condições para atender as pessoas que se encontravam à espera. Regressei às 14 horas. Pelas 16,30 informaram que apenas atenderiam mais uma ou duas pessoas, pelo que os outros teriam que regressar no dia seguinte. Os outros tinham feito viagens de dezenas de quilómetros e um deles mais de 100 Km. No dia seguinte lá me apresentei pelas 8,45 horas e consegui ser atendido cerca das 10,30. Comentei o caso com o Engenheiro que me atendeu, que não conhecia, e que me pareceu um bom profissional. Em resposta disse-me que desde há muitos anos que os governos vêm desinvestindo nos serviços agrícolas. Disse que entrou para aquele serviço há 23 anos e que é o funcionário mais novo no serviço, porque depois dele mais ninguém foi admitido. Como vê, disse, isto vai-se extinguindo à medida que nos formos aposentando, é que não temos a quem transmitir conhecimentos nem como estas coisas se tratam.

 

Referi-lhe que me tinha espantado o estado de degradação das instalações, em particular da entrada. A isto respondeu que há uns dois ou três anos havia um funcionário na entrada, que fazia a triagem e encaminhava as pessoas para os diferentes serviços, mas chegaram à conclusão que não era necessário e transferiram-no para outros serviços, agora as pessoas chegam e andam por aí perdidas a perguntarem umas às outras onde é que se trata disto ou daquilo. Foi exactamente o que me aconteceu, disse-lhe.

 

Lembrei-me deste caso quanto ouvi que nos 5000 novos estagiários que o Governo vai admitir apenas 1 (um) se destina ao Ministério da Agricultura. Ainda pensei que era para o serviço a que tive de recorrer. Mas não. Segundo li é para os Serviços Veterinários da Região Centro. 

Mais um Estudo notável

JSC, 23.03.10

Sempre achei piada a estes estudos, que dão títulos bombásticos, mas que se apagam no dia imediato. Se um em cada cinco portugueses sofre de perturbações psiquiátricas, então, estão explicadas todas as maluqueiras que por aí vão, a começar pelas comissões de ética, de inquérito e mesmo pelo campus da justiça.

 

O estudo diz que 20% são quase inimputáveis, próximos dos Estados Unidos, que são "o país com maior prevalência de perturbações de psiquiátricas no mundo", como se prova pelo que vão expandindo pelo globo adentro.

 

Claro que aquele estudo pode ter a valia daqueles que anunciavam milhões de mortos, só em terras lusas, com a esquecida gripe A. De qualquer modo algum interesse deve ter, quanto mais não seja para estarmos de alerta, de sobreaviso, para não nos deixarmos influenciar por gente que pode sofrer de “perturbações psíquicas”, que em linguagem mais corrente deve querer dizer qualquer coisa menos estimável, como por exemplo, “apanhado da bola”.

 

O melhor é cada um munir-se de uma declaração médica, a provar que não sofre de perturbações, antes que fique apanhado pelo clima.

Au Bonheur des Dames 224

d'oliveira, 19.03.10

mcr à solta na Torre do Tombo

Pois é, queridas leitorinhas, fui pelos meus processos políticos (ou pelos processos com que me quiseram armadilhar) à Torre do Tombo. Devo dizer que fiquei satisfeito com o serviço prestado e com a qualidade dos funcionários com que contactei.

Já o mesmo não posso dizer do alvo das minhas pesquisas. De facto por lá jaziam cinco processos, um boletim e dois RGP. Sabia de um outro que está na minha mão, e que foi saqueado na Delegação da PIDE do Porto pelos meus amigos que quiseram entregar-mo em mão. Será brevemente entregue à Torre do Tombo.

E aqui começa a incongruência: como é que um processo iniciado em 71/72 no Porto não tinha a competente cópia em Lisboa? E, já agora, como é que nos elementos de informação constantes nesse processo faltam notícias de outros processos anteriores?

A PIDE, já aqui o disse mais de uma vez, era uma organização tentacular mas muito mal estruturada. Aquilo era um labirinto onde se perdiam peças processuais importantes mas nunca as pequenas se iniciais. Um exemplo: no ano de 1961, um punhado de estudantes enviou à direcção do jornal “O Templário” (de Tomar) um manifesto protestando contra a suspensão do seu suplemento literário “Labareda”. Nesse documento pueril e inocente, avisava-se a direcção do jornaleco, que “o povo lhes pediria contas pelo seu acto censório e anti-cultural”. Nada, pois, de importante. Ora ocorre que, em todos os processos que consultei e mandei digitalizar, esta facécia está citada, com forte acompanhamento de fotografia, informações sobre a morada etc.

Por algumas vezes fui intimado a ir à Delegação da PIDE de Coimbra onde me fizeram pequenos interrogatórios que, se bem recordo terão sido reduzidos a escrito. Que é deles?

O mesmo ocorre aliás com uma busca e consecutiva intimação para a PIDE do Porto? Onde está?

De uma prisão em 1969 há uma pequeníssima menção onde se explica que depois de mais de uma centena e meia de preopinantes, estive preso à ordem da Polícia Judiciária (que foi o organismo designado para reprimir a greve académica de 1969) mas nada mais consta.

Todavia num outro processo é referido o meu nome e é reproduzido com assinalável exactidão uma discursata minha numa Assembleia Magna. E as outras?

De uma prisão em 1971 (que é referida) só há notícia das datas de entrada e de saída da cadeia de Caxias. Onde estarão os autos de perguntas, a ordem de prisão, as informações que a motivaram, a transferência de Coimbra para Lisboa, o auto de busca em minha casa, o auto de apreensão de quase uma centena de livros e documentos etc, etc.?

Num processo de 1973 (em meu poder) referem-se diversas recolhas de informações sobre a minha pobre pessoa. Por onde andam já não digo as informações da bufaria civil que nos traía, mas, pelo menos, o restante tipo de conclusões do agente ou da brigada onde elas terão forçosamente sido recolhidas?

Sei que diversas reuniões clandestinas da malta da Centelha foram delatadas por uma pessoa que a elas assistiu na qualidade de familiar de um dos membros da editora. Onde pára isso, o respectivo processo e as restantes averiguações a latere?

Claro que há várias respostas possíveis: uma é que, em vários casos, é outro o titular do processo, e a documentação a mim respeitante (actividades e restante documentação) não foi ainda - ou nunca será? - transferidqas para os diversos processos individuais em meu nome. Outra, igualmente provável, é que no caso de actividades ocorridas em Coimbra (Editora Centelha, Associação Académica) haja dossiers próprios e que pela sua especificidade não tenham sido incluídos nas centenas de páginas que conferi.

A terceira (de que eu mesmo sou involuntária testemunha) é a do roubo de processo a esmo que ocorreu sobretudo em Lisboa.

Há também que referir que no seu último dia, a PIDE destruiu milhares de ficheiros (sobretudo de informadores e materiais conexos). E teria também destruído processos recentes ainda em fase investigativa.

Também é verdade que eu mesmo me esqueci de ler um processo cuja requisição de consulta fora entretanto mandada corrigir. Fica para a próxima se a houver.

Finalmente, quando se disponibilizou ao público o acervo da PIDE pode não ter havido um cruzamento de dados completo e eficaz fazendo ficar esquecidos, na montanha de processos, muitos dados que deveriam ter merecido cota e referenciados a um nome. Será assim?

Eu, como já disse, sempre entendi que grande parte do êxito da PIDE derivava de confissões extorquidas aos detidos fossem elas “confirmações” de outras denúncias ou testemunhos mais graves (que os houve e muitos). O trabalho de investigação propriamente dito era claramente rotineiro, vivia do acaso e da sorte (de bambúrrios) e o serviço de documentação e apoio só era eficaz no caso do peixe graúdo. E mesmo assim...

Aliás, posso também testemunhar isso, sobretudo no que toca às suspeitas que levaram à minha detenção de 1971: a PIDE pela voz grosseira e pouco eficaz de um certo inspector Tinoco, queria à viva força relacionar-me com as actividades políticas desenvolvidas em Paris por um amigo meu com quem eu me encontrara e jantara por duas vezes. Justamente porque não tinha relações políticas de qualquer aspecto com ele não se tomaram precauções conspirativas nenhumas. Pois foi isso que, ao fim de muitos e penosos dias de “estátua” e “sono”, me foi atirado à cara. Tiro na água! Respirei aliviado e a partir daí fui atirado para uma enxovia de Caxias (mas com vista para uma nesga de mar e outro tanto de auto-estrada o que já me parecia um bálsamo) onde continuei esquecido de Deus e dos homens.

Por onde param mais estas sombras do meu passado?

É verdade que, fizemos, quase todos, sempre, o possível por ocultar dos olhos intrometidos da polícia e dos seus miseráveis colaboradores tudo o que se relacionava com a nossa actividade política clandestina. Estas falhas que agora verifico podem ser a prova evidente dos nossos cuidados, da nossa diligência e, por que não?, da nossa inteligência. Mas, mesmo assim...

Refira-se também uma lei celerada que, no intuito de proteger direitos humanos, “expurga” meticulosamente toda e qualquer referencia a informadores ou, na sua impossibilidade, pura e simplesmente retira do processo a documentação que poderia identificar o “bufo”. Ou seja, essa lei protege os bandidos e consagra o dever dos perseguidos políticos continuarem sem o saber a frequentar os seus delatores!

Daqui a dois três meses terei em meu poder, devidamente digitalizados, mais um par de farrapos do meu passado. Será então altura de com mais cuidado e tempo, tentar perceber um pouco como era o monstro das mil cabeças que mitificámos e que provavelmente nos mistificou.

A latere: o “boletim” a que acima faço referência diz respeito a meu pai e ao fim de três paginas conclui que “nada consta em desabono” do excelente senhor. Pudera! Para desabono já lhe chegava ter os dois filhos perseguidos, fichados e, no caso do meu irmão, julgados em Tribunal Plenário e condenado a dois anos de prisão pena que foi suspensa embora ele já tivesse passado um ano à espera de julgamento.

E uma curiosidade: nesse boletim consta um nome como de alguém que o consultou. Não reparei se isso ocorre com os restantes documentos que já referi. Que é que a Lúcia P. quereria de mim, de nós ou do excelente médico MHCR ? No improvável caso de esta nota lhe chegar basta perguntar-me: à polícia e aos costumes disse nada mas a ela direi tudo.

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