Au Bonheur des Dames 241
A moda, as modas
Escrevi um post que por azar só foi publicado dias depois. E digo por azar porquanto usei nele uma expressão “humor merencóreo” (que por acaso já utilizara antes, e aqui, por duas vezes) que tem honras de coluna no último JL. De facto, o Eugenio Lisboa, fala, e bem!, de Alberto de Lacerda e serve-se da mesma expressão, relacionando-a, de resto, e como eu, com o esse grande e melancólico rei que foi D. Duarte. Ou seja, o recurso à mesma expressão num órgão de indiscutível importância cultural e num modesto post da minha lavra podem fazer pensar que me aproprio das ideias de outrem em benefício da minha dispensável prosa. Não é a primeira vez que verifico coincidências entre o que escrevo aqui e o que, tarde ou cedo, leio noutros lugares. Estando fora de causa ser eu o pirateado (quem é que leria um blog entre mil, e logo este, para depois, dizer de sua justiça num jornal?) há que concluir ou por (des)agradáveis coincidências ou por o que, à falta de melhor, chamarei modas efémeras. Todavia o merencóreo não cabe neste caso. D Duarte é injustamente desconhecido. O público, mesmo o mais estudioso, enche a boca com o infante D Henrique, fala do D Pedro, o das Sete Partidas, apieda-se com o Infante Santo mas cala o nome do rei. E, todavia, D. Duarte merecia melhor sorte. Não tanto pelo tempo, relativamente escasso em que efectivamente reinou mas antes pelo outro e mais longo período em que, de facto, substituía o pai assegurando a administração do reino. Tanto e tão bem terá cumprido a sua função que até a juventude perdeu. E daí o seu humor melancólico a sua propensão para o stress e para a depressão, de que terá sido vítima, a sua imensa tristeza que só tem paralelo na sua erudição e cultura. Duarte é, os medievalistas que me perdoem tanta ousadia, o grande construtor da dinastia. O mito dever-se-á a Fernão Lopes, outro intelectual brilhante, escritor de mão cheia, pai da historiografia portuguesa. Mas os anos de Duarte, primeiro como “segundo” de seu pai, depois como rei, consolidam a aventura improvável dos de Avis. Poder-se-ia, já que da geração tratamos, e dever-se-ia, falar de um outro infante, de nome João, Mestre de Santiago, político habilíssimo cuja morte prematura o terá tornado “invisível” aos vindouros. Ou de Isabel, duquesa de Borgonha e mãe de Carlos o Temerário que o astuto Luís XI venceu, ao que parece sob o olhar estarrecido do nosso Afonso V que excursionava por França.
Quando estudei História, primeiro na escola e depois durante cinco anos, no liceu, D. João I, por Aljubarrota, D. Afonso V (pelas inúteis e custosas conquistas africanas) e D. Manuel I eram as estrelas da dinastia. D João II carregava com uma pouco lisonjeira fama de matador de primos e nobres e D. João III aparecia como um beato que ainda por cima “importara” a Inquisição. Demorei anos, muitos e igualmente inúteis, a perceber que este rei praticamente fundara a verdadeira Universidade de Coimbra. Basta passar pela rua da Sofia (assim a chamávamos) para dar com uma boa meia dúzia de colégios que o rei mandou construir de raiz e dotou. O próprio Paço das Escolas foi por ele dado à Universidade. Se isto não é prova de visão, de amor pela inteligência e pela cultura, então não sei o que será.
Comecei por falar de acasos e coincidências, tentando tirar o cavalo da chuva, por via do merencóreo, e já vou na história da universidade de Coimbra (de que o Infante D Henrique também foi protector, diga-se de passagem. Até há feriado escolar no dia em que se celebra uma missa pela alma dele...). Ora, e já não por coincidência, o mesmo JL, acima citado, dedica duas páginas a Maria Helena da Rocha Pereira, grande senhora dos estudos clássicos em Portugal, glória da Faculdade de Letras coimbrã onde se doutorou nos idos de 50. Assisti, entusiasmado e grato, a um bom par de aulas de “Cultura Clássica” dadas por essa excelente senhora. Tenho por aqui, lidos e relidos, vários livros, imprescindíveis e notabilíssimos, de MHRP. Já dela aqui falei por, também, duas vezes mas sem coincidências de qualquer espécie. Com ela, Portugal e a UC, conquistaram um lugar cimeiro nos estudos clássicos. Dá gosto verificar que, desta vez, as homenagens ainda vêm a tempo. Agora, só falta uma instituição que reedite alguns milhares de páginas da autoria desta Professora que só se podem compulsar em bibliotecas especializadas de tão esgotadas que estão as publicações primitivas.
Senhores mecenas, deixem o efémero por uns tempos e lancem-se a uma tarefa digna, justa e, de certeza, mais duradoura. E muito, mas muito, mais útil.
* Isabel de Portugal e Filipe o Bom, seu marido, duque da Borgonha. Pilhado num blog monárquico a quem se agradece. E não diga que este republicano o tentou espoliar mas a gravura era boa demais para a deixar sozinha consigo.