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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Estes dias que passam 217

d'oliveira, 30.10.10

E pronto!...

Aí têm o acordo que se previa, o orçamento por que suspiravam Cavaco, os banqueiros, a oposição inerme e que (abusivamente) se reclama da esquerda, os assustados e o Governo incompetente que de há seis anos a esta data tem precipitado o país na triste situação que se conhece.

A telenovela de mau gosto de que, nos últimos dias, fomos forçadas testemunhas chega ao fim sem glória nem alívio. Os actores eram medíocres, o enredo um mero dramalhão de faca e alguidar e a plateia estava aturdida e anestesiada.

Cumpre-me, aqui, enquanto envergonhado eleitor (da primeira vez!..., não desta) do senhor J. Sócrates pedir desculpa pelo facto e prometer que nunca mais me apanham. Confesso, aliás, que esse meu voto não foi tanto nesta medíocre criatura mas mais, muito mais, contra Santana Lopes. Mal eu sabia que o substituto tinha os mesmos defeitos mas não as mesmas parcas qualidades. Culturalmente é ainda pior, o que já é difícil, e politicamente pertence à mesma espécie de acrobatas de feira.

Também devo, enquanto comentador, penitenciar-me pelo facto de, algumas vezes ter referido com sobranceria a dr.ª Manuela Ferreira Leite. A pobre senhora não suscita simpatias, tem ar de catequista, mas –há que convir – não se enganou no diagnóstico económico-financeiro que, desde o primeiro dia no seu posto de presidente do PPD, teimou em fazer. Pode ser uma criatura do mais pernóstico que há mas disse, contra ventos e marés, no meio de desmentidos governamentais infames, algumas verdades. E escreveu por várias vezes sombrios diagnósticos no “Expresso” (basta ir ler...). A gentuça do seu partido em alegre e destemperada sintonia com as autorizadas vozes governamentais escarneceu da pitonisa da desgraça. Conseguiram arredá-la do poder, despediram-na como quem despede uma criada de servir desleixada e crapulosa. Agora, é o que se vê. O pobre diabo que a substituiu, mesmo que tenha um penteado mais artístico e cuidado, nem de economia percebe. Alanzoou basófias e ao fim e ao cabo teve de ceder no essencial, isto é no orçamento. Venha daí quem me consiga convencer que entre a proposta original e esta ora acordada, depois de insultos (O senhor ministro até chegou a chamar mentiroso ao enviado do PPD...) há alguma diferença essencial. Tudo se resumiu a uns parcos 0,2% que aliás ainda vamos ver consumidos na mesma voragem do anteriormente.

A paisagem depois desta incruenta batalha é a mesma de antes. São os mesmos cem ou duzentos figurões nos mesmos postos, xcom as mesmas mordomias a vampirizar um pais anémico. Pessoalmente preferia o FMI. Pelo menos essa gente é competente. Já cá estiveram e o resultado é conhecido. Travaram a incompetência e conseguiram umas ligeiras melhoras neste corpo moribundo a que teimamos em chamar pátria.

Mas as carraças voltaram e é o que se vê: a internet e os jornais estão cheias de denúncias de benesses, de números astronómicos de negociatas de ordenados faraónicos. Ele é as parcerias público-privadas, a multiplicação de lugares de direcção de institutos  de unidades de missão de altas autoridades numa estapafúrdia concorrência com a administração pública que como de costume acaba por ser a ré.

Os jornais trazem as cartas de repúdio destas criaturas quando se apontam negociatas, veja-se uma lamentável carta ao Expresso de um ex-ministro todo poderoso agora metido na privada parlapateando do seu amor à pátria, dos inúmeros serviços a ela prestados sem sequer corar e lembrar-se de algumas ocorrências desastrosas nos ministérios  a que presidiu.

As televisões trazem-nos outros excelsos servidores públicos que agora mostram o seu valor nas grandes empresas para onde foram nomeados depois de nada, rigorosamente nada, os afiançar como competentes. Os melhores não estragaram ou estragaram pouco e os restantes é o que se sabe...

Alguns, mais discretos (ou mais inteligentes) tentam passar despercebidos mas, regra geral, a grande maioria não resiste aos holofotes do palco, às revistas cor de rosa que os fotografam gozosamente. À falta de aristocracia, de velhas famílias da burguesia educada,  de gente simples e modesta, eis que aparecem estas criaturas que ninguém de bom senso convidava para a sua casa ou para uma mesa de bridge. Também, neste último caso, não tem importância: eles ou não sabem ou não têm modos. Nem vergonha... mas isso já sabíamos.

Habemus "orçamentum"

José Carlos Pereira, 30.10.10

E ao fim de quase uma semana o acordo lá chegou! Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga, que lideraram as equipas negociadoras do Governo e do PSD, acertaram as bases de um entendimento que já permitiu ao PSD anunciar hoje a sua abstenção na votação do Orçamento do Esatado para 2011.

Os avanços e recuos, normais em qualquer processo negocial, marcaram estes dias e os pormenores só agora se vão conhecendo através dos relatos dos jornais. Percebe-se que Teixeira dos Santos faça questão de salientar que vai ter de acomodar os 500 milhões de euros de quebra de receita, assim como se entende que Eduardo Catroga (e o PSD) tenham querido fugir hoje de manhã à foto comprometedora. Afinal, o casamento não foi por amor, mas antes por interesse. Por Portugal.

Como sempre, foram PS e PSD os partidos que deram ao país um documento absolutamente imprescindível nos dias que correm. Há por aí muita gente que não faz a mínima ideia das condições em que se encontram os mercados e a banca nacional e admite, de ânimo leve, que é preferível não ter orçamento. O que dizer, por exemplo, da posição do CDS-PP? Vá lá que restam algumas vozes sensatas e inteligentes nessas paragens, como António Lobo Xavier, a dizer o óbvio - que Portugal tem de ter o orçamento aprovado!

Ainda muita água correrá debaixo das pontes, Cavaco pôde puxar dos galões no final do Conselho de Estado e depois das presidenciais este Governo terá os dias contados. Será a altura de tudo se clarificar, mas até lá Portugal tem de enviar uma mensagem de estabilidade e segurança aos mercados financeiros internacionais, sob pena de levarmos a economia nacional ao descalabro. Com consequências irrversíveis para o Estado, as empresas, o emprego, os portugueses...

Diário Político 151

mcr, 28.10.10

A ver se nos entendemos...

 

A senhora Merkel, de quem não sou especial apreciador, provocou uma onda de alta gritaria por vir dizer algo que todos dizem, baixinho e confidencialmente. Terá dito, aliás com várias atenuantes e contrapesos, que o multiculturalismo tem os seus dias contados na Alemanha. Que falhou redondamente; que longe de integrar os emigrantes os torna mais sós, mais isolados, num ghetto, político, social e linguístico, de que dificilmente escapam; que isso, esse isolamento (de que fui atenta testemunha na minha última e longa estadia na Alemanha) os torna mais frágeis diante dos patrões exploradores, dos racistas de todo o género e da multidão indiferente que com eles se cruza; que, por conhecerem imperfeitamente, ou muito mal, a língua do país passam ao lado de oportunidades que outros mais desembaraçados, e aliviados do peso exagerado de culturas nacionais, aproveitam.

Em França (cfr. Le Nouvel Observateur nº 2395), um sociólogo (Hugues Lagrange)  que se dedicou durante anos a estudar diferentes comunidades emigrantes lança um embaraçoso aviso sobre as dificuldades dos emigrantes do Sahel, o índice de criminalidade juvenil na cintura das grandes cidades e especialmente de Paris. A coisa provocou um forte burburinho, várias contestações entre o emocional indignado e o científico mas o facto aí está. São, sempre segundo o NO, dezenas ou centenas de quadros estatísticos aterradores ou, pelo menos preocupantes.

O “outro” sempre causou surpresa, constrangimento quando não receio. O estrangeiro foi sempre alvo de discriminação no meio para onde viaja. Na velha democracia grega um estrangeiro tinha por força que se acolher ao instituto da hospedagem para poder continuar a ser livre.  Na longa história europeia, os estrangeiros eram confinados em bairros próprios, pagavam tributos especiais e eram alvo de forte vigilância.

A democracia actual (pelo menos na sua versão ocidental, europeia) não admite esses constrangimentos, proclama urbi et orbe a aceitação do “outro”, tanto mais que, dadas as baixas taxas de natalidade, boa parte dos países ocidentais precisam de mão de obra barata. Precisam de gente para fazer o que os europeus já não querem fazer: varrer o lixo, servir à mesa, construir as nossas casas, aguentar o ritmo brutal das linhas de produção industriais.

Acresce, sobretudo no Ocidente, o peso de um século de colonialismo quase sempre brutal, o remorso e uma ingénua tendência em acreditar na bondade natural das culturas exógenas.

De tudo isso, e muito mais, se forjou um modus vivendi estranho e irrealista. Proibimos aos nossos filhos brincadeiras barulhentas mas não nos atrevemos a denunciar uma sessão nocturna de batuque no quintal vizinho. Achamos insuportável (e muitas vezes é-o) o sino da igreja a dar as horas, as meias horas e os quartos de hora mas o apelo do muezzin da esquina amplificado por alto-falante, cinco vezes ao dia, é natural e quase desejável. Feiticeiros, magos, bruxas e outras profissões que vivem da crendice não são tolerados ou, pelo menos, são malvistos. O mesmo não se aplica à curandeira africana que pratica a excisão das meninas quase à vista de todos. É verdade que há uma maioria de países que (graças aos protestos das ligas feministas) a não permite mas também há quem (e basta ir a Inglaterra e ao Canadá) a defenda como uma natural manifestação de certas culturas africanas. A proibição da burka tem chocado com os defensores dos direitos humanos, dos apóstolos do véu infame, veste que não consta absolutamente (e que constasse, digo eu...) do Corão.

O multiculturalismo assenta na ideia confusa de total e universal reciprocidade. E do cosmopolitismo entendido como verdade e prática universais. O que obviamente não é o caso. Ora façam o favor de tentar erguer uma igreja (de que pessoalmente não necessito) numa boa trintena de países muçulmanos. Ora vejam o que se passa quando uma ocidental anda sem véu no Irão. Ou decotada. As boas alminhas gentis europeias afirmam que isso é ofender “os costumes”, a “moral”, a “religião” desses países. Acaso a poligamia não ofenderá os da  Europa?

Um emigrante, e nós portugueses sabemo-lo bem, só se safa no país que o acolhe falando a língua local. Há até quem assevere que a nossa badalada propensão para línguas vem daí, desta fatalidade que nos empurra para fora do torrão pátrio. Um conhecido ensaísta criticava os portugueses e o seu escasso apelo ao culto das raízes dizendo que nós rapidamente nos adaptamos e integramos no pais de adopção. E lacrimejava por não termos nos Estados Unidos a mesma vigorosa presença de irlandeses, italianos, polacos e não sei quem mais. Em duas gerações, a herança portuguesa vai à vida. Já o mesmo diziam os críticos do século XIX sobre os “brasileiros”: em meia dúzia de anos, adoptam o sotaque que nunca mais perdem mesmo se regressados à pátria madrasta.

Vejamos agora, melhor, o que se passa na Alemanha: Os emigrantes são oriundos de um farto quarteirão de países. Há portugueses, italianos, cabo-verdianos, polacos e outros povos de leste, magrebinos, asiáticos sobretudo chineses mas também indianos e turcos. Os italianos brindaram a Alemanha com mais umas dezenas de palavras que já são de uso corrente (fazendo lembrar a enxurrada de termos franceses trazidos pelos refugiados huguenotes) e não consta que causem especiais problemas, mesmo se há quem diga que alguma mafia lá chegou. Os africanos, minoritários, que gozam da nem sempre merecida fama de atletas ou de músicos de rap, passam despercebidos mesmo se a cor obviamente os denuncia. As comunidades asiáticas – que tradicionalmente têm fortes dificuldades quanto à língua – são quase invisíveis. Os restantes europeus, portugueses incluídos, não despertam curiosidade. Restam os turcos. Mais de metade da comunidade emigrante é de origem turca. São três ou quatro milhões. Vem dos confins da Anatólia, de mistura com os curdos. Uns e outros estão no centro das atenções e das acusações. Que não se integram; que mantém os costumes ancestrais, incluindo ao detestável costume de castigarem impiedosamente as mulheres da família que se relacionam com alemães (o que prova que, pelo menos neste ponto, turcos e curdos reagem da mesma (estúpida) maneira; que não falam a língua; que são já tantos que vivem em comunidades fechadas com alguns dos homens como únicos intermediários; que praticam um Islão profundamente reaccionário. Etc., etc...

A chanceler Merkel não ignora isto. Sabe, até por vir do Leste ex-comunista, mais conservador e mais xenófobo que os antigos territórios da RFA, que a explosiva natalidade destes emigrantes os faz parecer uma ameaça. Vai daí, com uma mão, declarou o Islão uma das religiões pilar da nova Alemanha (a par do judaísmo e do cristianismo). Propõe o reconhecimento dos diplomas estrangeiros (medida que tornará mais fácil a integração das comunidades indianas) e sugeriu novas regras de acolhimento para os Gastarbeiter de que tem falta urgente. Todavia, com a outra, manteve todas as reservas ao multiculturalismo. Coisa natural numa política claramente conservadora, aliás. Mas coisa também visível em muita esquerda. Sobretudo naquela que é oriunda de países com farta emigração.

Objectar-me-ão que, por exemplo, a França foi sempre um país  que recebeu emigrantes. É verdade mas nunca em quantidades tão grandes, em tão curto espaço de tempo. Mais: durante séculos esses emigrantes não tinham outra hipótese que não fosse a de tentar rapidamente integrar-se. A lei e a sociedade à sua volta não lhe permitiam desconhecer a língua e as normas legais que regulamentavam minuciosamente a vida em França.

Só agora, pelos vistos, é que se considera intolerável exigir a um estrangeiro o mesmo que se exige aos naturais da terra. Em nome de uma cultura que não lhe evitou o exílio (que o não protegeu na própria terra...)

Desde o despertar dos nacionalismos (século XIX) e, sobretudo a partir do desmantelamento dos estados multinacionais (anos 18-20 do século passado) ou da implosão da URSS nos anos 90, para já não falar no drama jugoslavo, fortaleceu-se a ideia do coesão nacional. Que aliás tem os seus primeiros passos na Revolução Francesa, no centralismo republicano, na unificação linguística e na supressão do costume local.

É bom é mau? É assim. Pedir, agora, de lágrima ao canto do olho, a aceitação do multiculturalismo, num mundo que em boa parte lhe é hostil, releva da mais pueril ingenuidade. Como ingénuo (para não usar expressão mais contundente) foi a ideia que lhe deu forma. Sem fortíssimas políticas inclusivas, sem criar os mecanismos de regulamentação social que separem de forma clara e segura a herança cultural dos desastres da ghettização.  não há multiculturalismo que nos valha. Sem o respeito à lei do país hospedeiro, não há migrante que não esteja em risco. Por muito multiculturalismo que se assuma.

É que este, ainda por cima, é muitas vezes, senão quase sempre, a frouxa desculpa  da indiferença.  Deixem a plebe emigrada nos seus territórios fechados governar-se como entender. O isolamento e o ensimesmamento tornam cada um dos seus membros mais frágil perante a agressividade do mercado do trabalho. Se as coisas ultrapassarem o patamar do perigo, uma varredela para o pais de origem resolve o problema. E com o acordo da comunidade nacional ultrajada pela ingratidão dos recém chegados.

A resposta ao problema não pode pois ser esta condenação virtuosa e abstracta da chanceler Merkel mas apenas e só a afirmação de que os valores essenciais da “república” e da democracia são para cumprir, que os mecanismos de inclusão hão abranger obrigatoriamente todos, que contra as leis nacionais não pode haver recusas baseadas em especificidades de cariz religioso ou tradicional que claramente ofendam o que normalmente decorre dos direitos humanos a que, com dificuldade e sacrifício, as democracias europeias chegaram.

A esquerda que nasceu da incorrecção política, da dúvida, do questionar não pode agora sem mais vestir os véus da vestal da bem pensância e do rousseauismo a toda a custa.

Ou como dizia Nietzsche:

não o teres derrubado ídolos;

teres derrubado a idolatria em ti,

foi essa a tua grandeza.

 

 

Este texto há-de ser lido com duas precauções: não se referem judeus nem ciganos (que fartamente povoaram alguns textos anteriores...) por que entendo dever  eventualmente dedicar-lhes textos autónomos. Os (mal) chamados problemas judeu e cigano (duas comunidades que estiveram sempre na mira dos Estados, das polícias da reacção e da populaça à solta) tem séculos de existência, deram origem a perseguições infamantes e vis, e atingiram o seu clímax durante os anos 30/40 do século passado. Convirá acrescentar que no toca ao elo mais fraco, os ciganos, as coisas nunca melhoraram significativamente e podem, agora, até ter piorado. Os ciganos tem tudo contra eles desde o nomadismo até ao facto de não haver um Estado nacional que, à semelhança de Israel, os possa defender. Pior: nos países onde são mais numerosos as autoridades não só os desprezam como também os perseguem.

A segunda precaução é esta: os juízos de facto são isso e só isso. Usei toda a informação disponível para referir apenas situações conhecidas. Pessoalmente, como já terei deixado entrever, sinto-me tributário (e grato) de várias culturas, mormente as africanas (que aliás também não estão em alta nos países lusófonos...) e não me concebo cidadão de um pais sem ciganos, judeus, ucranianos, brasileiros e farta dose de africanos. Negros, entenda-se, pretos para deixar de lado o politicamente correcto que só embaraça quem é visado. E ameaça ou, pelo menos, impõe um pudico véu de hipocrisia sobre a realidade da pele.


*na gravura: máscara Epa

 

D’Oliveira fecit 18-10-2010

 

 

O roubo BPN

JSC, 28.10.10

A notícia diz que a Polícia Judiciária, apreendeu 10 carros de alta gama - Mercedes, Porsche, Ferrari, Lamborghini, Aston Martin e McLaren – adquiridos com empréstimos fraudulentos concedidos por essa instituição exemplar de nome BPN, tendo ainda apreendido um barquinho de recreio no valor de 1,7 milhões de euros.

 

 O valor desta burla, no montante de 100 milhões de euros, fica muito aquém dos 5 mil milhões de euros que o Estado, via CGD, já terá injectado no BPN, o que mostra que a PJ tem muito trabalho pela frente.

Au Bonheur des Dames 251

d'oliveira, 27.10.10

Notícia do amigo e leitor em seu leito de dor

 

Tenho um amigo vindo desses tempos antigos e inocentes em que ambos coimbrávamos pelos Gerais. Aliás, conheço-o a ele e a mais uma porrada de irmãos e sobretudo uma irmã (a Isabel) que não passava despercebida. Claro que agora é uma senhora casada com outro amigo e que não vejo há umas boas décadas. Mas que valia a pena ver, ai disso não haja dúvidas.

Todavia, da Isabel e dos irmãos, ou de alguns, que aquilo é uma tribo numerosa (e talentosa, há que dizê-lo) lembro-me bem, ainda que lhes associe uma cara menineira, ou quase, um par de quilos a menos, enfim, o “doce pássaro da juventude” mesmo a dos anos de chumbo como foi o nosso caso.

Ora, agora, pelo meu irmão, tenho notícias do amigo e leitor. Está internado no hospital a preparar-se para uma facada nos lombos por mor de uns quistos tremendos que lhe apoquentam o fígado e os rins.

Quando o meu irmão me descreveu a cena, fiquei apreensivo, que isto de ir à faca com a nossa idade é sempre uma lavoura desgraçada. Fiquei, entretanto, mais tranquilo porquanto tudo indica que ele está em boas mãos e que, apesar dos anos e do mau uso que terá feito do corpo e das vísceras , a coisa apresenta-se como uma novela com final feliz. Antes assim que não me dá jeito perder um leitor. E um leitor dos que me acompanha desde sempre, “férrinho”, como soi dizer-se.

Vai daí, lembrei-me hoje, enquanto ouvia o meu irmão dar algumas informações aos familiares dele, de lhe mandar este postal advertindo-o não só dos meus cuidados mas sobretudo, ao que tudo indica, da boa estrela que vela pelo velho C da M., assim se chama o colega, amigo e leitor. E escrevo C da M por razões várias a menor das quais não será a do C relembrar outros e obscuros tempos, coisa de que ele não tem qualquer culpa, diga-se de passagem, mas que o raio do nome lembra um figurão pouco recomendável, ai disso não se livra, a menos que abjure e vá numa corrida tola e a destempo mudar o nome.

A gente nasce numa família que pode não ter escolhido (não é o caso) e prantam-nos em cima um nome próprio que não lembraria ao menino Jesus. Outras vezes (e é o caso) é o raio do nome de família que, por fas ou por nefas, relembra outro. Tive, e suponho que ainda tenho, espero-o bem, um colega que se chamava Salazar.  O desinfeliz era todo da oposicrática mas à simples menção do nome, logo havia quem o olhasse de soslaio e o ouvisse desconfiado.

Eu mesmo sofri horrores com o nome que herdei do meu pai (que por sua vez o deve a uma avó, romântica e culta que, para o salvar de sair Alcino ou coisa parecida e dissonante, o baptizou Marcello, com dois ll a que eu felizmente escapei).

Aliás, nunca percebi por que raio de razão, identificavam o pobre do nome (que aliás detesto) com o ditador de segunda linha que por cá tivemos e nunca com o Proust, o Pagnol ou, glória absoluta, o Mastroiani. Recordo até uma divertidíssima festa, nos anos loucos do PREC, em que uma alta personagem da “Junta de Salvação Nacional”  me perguntou por vária e avinhadas vezes se eu não era parente de.... e lá vinha o Caetano! Eu, educadamente e dando provas de uma paciência evangélica, lá ia respondendo ao glorioso militar que não, que o meu Marcelo (e o do outro, mesmo com dois ll) eram vulgares nomes próprios pelo que excluíam, à partida, e até prova em contrário, qualquer parentesco.

Mas tudo isto vinha a propósito do meu antigo colega, amigo e leitor. Não sei se ele tem à mão o computador para se ir entretendo. No eventual caso de o ter espero que me leia esta descosida mensagem e saiba que o proíbo terminantemente de passar a arma para a esquerda (francesismo torpe !!!) e que continue a aturar-me a prosa. Mesmo se esta é assim: fraquinha e de qualidade mais que mediana. É que do outro lado pode ser ainda pior! Aguenta-te, pá!

Salut i forza nel canut!

 

*antes que alguma leitora feminista em excesso me venha criticar o boneco sempre lhe recordo que ele ali está para dar moral ao meu doentinho e que não pretende coisificar a mulher em geral ou as enfermeiras em particular. antes isso que pôr um mastronço horrendo vestido de enfermeira e a parecer uma figura do agora tão festejado Halloween...

Que se pode esperar de empresários assim?

JSC, 27.10.10

O Fórum para a Competitividade é como que uma confederação de empresários, presidido por Ferraz da Costa, que, nos momentos cruciais aparece sempre a divulgar conclusões de estudos, com a chancela superior de uma universidade, que têm a particularidade de expor teses muito particulares e do exclusivo interesse  dos mentores do Fórum.

A curiosidade no estudo que hoje divulgaram está no facto dos empresários aceitarem a subida do IVA em dois pontos, desde que a contrapartida seja a redução da taxa social única em 20 pontos, que a ser aplicada constituiria a falência da Segurança Social, coisa que não preocupa os senhores do Fórum, nem do ponto de vista material, nem do ponto de vista da tão apregoada ética empresarial.

Na prática, a proposta dos senhores do Fórum para a Competitividade consiste em reduzirem os seus custos salariais em 20%, uma vez que a maior ou menor taxa de IVA é inócua nos resultados das empresas.

Com empresários destes, que se supõe constituírem a elite do tecido empresarial, que têm por objectivo melhorar a competitividade através da redução administrativa dos custos salariais, em vez que de o conseguirem pela introdução de modernas técnicas de gestão e por alterações tecnológicas no próprio processo produtivo e nos produtos, constitui uma significativa parte para justificar o empobrecimento do país, a mostrar que nem tudo resulta da incapacidade política.

Au Bonheur des Dames 250

d'oliveira, 23.10.10

Uma notícia ligeiramente exagerada

 

Tudo sucedeu há poucos minutos. A enteada Ana telefonou cá para casa perguntando misteriosamente “se estava tudo bem”. A mãe, sem perceber bem, terá respondido que continuava constipada, com tosse e arrepios de frio. Ao que, estou a imaginar, a filha terá retorquido: “então está tudo bem!”, "Bem uma ova, (eu de novo a imaginar) que ando sempre a assoar-me, com dores de garganta de tal modo que perdi hoje um belo almoço no “Rui”. Ainda por cima era o casal Zé e Zé M quem pagava...

Consternada, a filha explicou-lhe que o meu amigo Manel S. lhe teria acabado de ligar, com voz entrecortada  (sempre eu a imaginar) perguntando "se estava tudo bem”. Perante a decidida resposta da Ana, o Manuel disse-lhe que acabara de receber um telefonema de um outro amigo comum, o Luciano V.P. que, alarmado, lhe comunicava que, por seu turno recebera, uma chamada dos Açores (vejam até onde chega o meu nome imortal!) onde, preto no branco, a Amélia C. O informava da minha morte! Alguém, uma Luísa qualquer coisa, tinha, aqui mesmo do Porto, achado ser seu dever comunicar o meu óbito. Pelas minhas contas esta história do meu passamento, começou a correr cerca das nove e meia, dez menos um quarto (da noite) justamente quando eu começava a ler o prefácio da “História da vida privada em Portugal” enquanto ouvia no canal mezzo “As Bodas de Fígaro”.

Convenhamos que não me importarei de morrer ao som do genial Mozart que é para mim o absoluto em música. E se for com as Bodas não será mal embora, se é que posso escolher, preferisse para uma ocasião tão bizarra o “Cosi fan tutte” pois não me julgo digno do “Requiem”.

Fiquei, como calculam, um pouco aturdido com a novidade da minha morte. Primeiro, pensei que estava no paraíso (com um bom livro e a companhia de Wolfgang Amadeus) mas rapidamente me dei conta que o ambiente me era demasiado familiar, o escritório, a gata Kiki de Montparnasse a dormir no maple, a CG em animada conversa telefónica com uma amiga, a gata Ingrid deitada de costas no chão (raio de posição) e um calo no pé esquerdo a chatear.

Depois, sempre nesse estado de abatido aturdimento pelo óbito de que eu era o actor principal, comecei a pensar que um incréu como eu nunca terá direito a paraíso (mesmo sem Mozart, nem J. Mattoso). Faço parte de um grupo de amáveis bebedores com quem tenciono ir cervejar na próxima quinta feira (caso se confirme a notícia da minha ressurreição) para discutir politica, conspirações e um eventual complot revolucionário para destruir sem bombas nem meios violentos e sanguinários, o actual governo da república. Todos eles são da mesma laia que eu: relapsos, réprobos, incapazes de ver a santidade onde a há, a virtude no engenheiro Sócrates e qualquer chama de génio no senhor Passos. Resumindo; carne para canhão sem direito a glória eterna e coros celestiais. às tantas nem direito ao inferno teremos...

Portanto, e para abreviar, venho cumprir o relativamente grato dever de comunicar que ainda não foi desta  que passei do deplorável estado físico em que me encontro (gordo, lento, vista cansada, mau génio, azedume, e vísceras em estado mais ou menos imprestável, alem da falta de alguns dentes e do cabelo a branquear forte e feio) para outro mais hirto e imóvel. Por aqui estou e, salvo imprevisto de maior, por aqui continuarei mais algum tempo. Quanto, não sei e também não é coisa que me importe muito. Vou estando e, enquanto estiver como estou, não vejo razão especial para aspirar a outra eventual vida, digamos mais vegetativa.

Na impossibilidade de avisar pessoalmente a mensageira primeira da minha viagem sem regresso (pessoa que, pelo nome, não conheço) desde já a aviso que, quando passar ao pouco recomendável estado de defunto, virei pela calada da noite, como o fantasma da ópera, descobrir-lhe o pé. E provocar-lhe uma pneumonia que se não a levar desta para melhor pelo menos há-de recordar-lhe que, para passar uma certidão de óbito, convém, antes, ver se o defunto está mesmo finado.

No caso sempre possível, ainda que improvável, de, sem o saber, estar, afinal, já do outro lado, de todos vós me despeço até a uma eventual outra vida já que a esta não me parece possível voltar. Ressurreições, que se saiba, houve uma, há já muito tempo, mas, ao que parece, o seu feliz contemplado dispunha de poderes que, de todo em todo, me falecem (nunca um verbo  desagradável foi tão bem empregado! viram como escrevo bem?).

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