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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames 260

d'oliveira, 31.12.10

A dr.ª Helena anda com falta de imaginação?

 

Imagino o transe por que passa quem nos jornais detém uma página fixa. É que, de vez em quando, não há assunto ou, havendo-o, não se consegue decentemente pegar nele. E sem assunto, não há artigo. E sem artigo, não há pagamento. E  sem o cacauzinho, o pão fica sem manteiga.

É uma angústia! Já Eça justificava, num texto miraculoso, um qualquer arraial com que brindara o bey de Tunes. A página branca, a maldita página virgem, ali especada e a inspiração (como a erecção...) longe, nos antípodas, a banhos...

Deve ser por isso que volta que não volta (cfr au bonheur 222) a dr.ª Helena Matos puxa do chinelo vingador e aí vai disto: porrada na geração de sessenta! É o mal de já não haver um bey em Tunes.

À falta de tão repugnante quão exótica criatura, HM resolveu armar-se na viva reencarnação da Padeira de Aljubarrota e destroçar a já minguada hoste da geração de sessenta.

Eu que atingi a maioridade no ano de 1960 sempre tive uma dificuldade para saber quem é que pertence aos “sessentas”. É que não é assim tão óbvio. Os sessenta, uma década no papel, podem ser mais ou menos anos. Por exemplo: entre nós poderiam ter começado com as eleições de Delgado em 58 e terminado com o advento de Caetano. Ou com o 25 de Abril, por exemplo. Noutras latitudes as coisas poderiam ter outras fronteiras. Na França talvez tenha sido o fim do conflito argelino aunciado por De Gaule a começar um tempo que vai morrer em 1968.  A década de 60, na Tchecoslováquia morre exactamente nesse mesmo ano, esmagada pelos tanques russos. E na China? Terá começado com o grande salto em frente e morrido na hecatombe da revolução cultural? E na Itália, os atentados, a violência, o caso Pirelli, as brigadas, a morte de Moro? E na vizinha Espanha? Será o franquismo enovado pelo Opus, o começo da violência da ETA ou o bunker final do regime que definem as suas fronteiras?

Em todos os restantes domínios, as coisas passam-se da mesma maneira, falemos de Saussure, de Levi-Strauss, de Marcuse ou do estruturalismo.

Deixemos, porém, estas questões e passemos aos fantasmas que atormentam a alminha gentil da dr.ª Helena.

A excelente senhora estará mesmo convencida de que todos os males que afligem a pátria, a mátria, o mundo e arredores se devem aos cavilosos agitadores façanhudos que em sessenta calcorreavam apressados ruas e praças das cidades universitárias tentando subtrair os jovens e frágeis lombos às coronhadas da polícia de choque? É que, caso ela não saiba, aquilo era mesmo uma minoria. Por cada Manuel Alegre que surdia num poema ou numa emissão da rádio clandestina, havia um quarteirão de Cavaco Silva, para já não falar de idêntica proporção de Freitas do Amaral e restante comandita. Isto para não falar sos senhores Américo Amorim, Belmiro de Azevedo e outros pais da pátria e capitães da indústria. Claro que a dr.ª Helena não se lembra. Não viu, não viveu esses penosos anos. Alguém lhe disse, vingativa e solenemente: Leninha, aqueles ali são bolchevistas. Comem crianças ao pequeno almoço quando não conseguem ferrar o dente num prato de caracóis. São ateus e embusteiros. Querem levar o país mimoso à desgraça e venderam as colónias aos americanos, aos russos, aos cubanos, aos chinocas e a mais um par de criaturas sinistras que agora são associados à cleptocracia dominante naqueles cafundós por via dos bancos, das companhias petrolíferas da diamang e sei lá do que mais.

E aqueles eram apenas a minoria, os que apanhavam na tromba, os que desertavam e os que não, os que andaram pelas áfricas a morrer e a matar e ainda hoje sentem na pele o ardor das chanas quentes, das lânguas pútridas, do mato espesso e traiçoeiro, da morte e do medo. Mas a Leninha, nova, felizmente para ela, nova e mulher, idem aspas, não está para estas coisas. Os maus são esses que se calhar nunca falaram em “escola inclusiva” e nas bacoquices com que um post-modernismo bem mais recente parece fascinar alguns meigos espíritos todos muito posteriores à década dos Beatles, dos MAnfred Mann e dos Beach Boys. E dos Dylan, dos Brell, dos Brassens. Ou do Zeca Afonso e colegas.

As modas culturais e políticas de que HM fala, com ou sem razão, com ou sem azedume, foram-se criando e madurando em tempos bem mais longos, atingiram o auge bem mais tarde, têm adeptos e defensores da idade da adorável senhora que, à falta de um infiel ismaelita e truculento, entendeu recomeçar a nova cruzado do ocidente contra o inimigo interior que vai, pela lei da vida (e da morte, claro, sobretudo da morte) desaparecendo.

D. Leninha, queriducha, vá bater no Sócrates que bem merece, no Passos coelho que é igual, no Santana que adora violino, no dr. Cavaco que não tem dúvidas nem hesitações, nos jovens troublions do BE que em sessenta nem projecto eram e deixe-nos morrer em paz. Já nem somos assim tantos. Conceda-nos, como às baleias, ao lince, e aos rinocerontes, o estatuto de espécie protegida.

Vai esta para Mª José Carvalho, Vítor Miragaia, José Correia Pinto João Vasconcelos Costa, António Horta Pinto, José Mattoso e Maria Assis, leitores a amigos e testemunhas desses anos de vinho e rosas, de chumbo e suor, de mágoas e esperança.

E bom ano, quand-même.

* na gravura: conspiração campestre a favor da música inclusiva, digo da escola...

Diário Político 156

mcr, 31.12.10

Ai o torrãozinho de açúcar!

 

Dois amigos a quem reconheço inteligência e espírito critico mandam-me uma espécie de decálogo de coisas boas portuguesas recomendadas por um embaixador do Reino Unido em Portugal.

Dando de barato que a estulta declaração poderá não vir do citado diplomata, eis-nos diante de um chorrilho de banalidades em tom menor e fadista que relembram irresistivelmente todas os narizes de cera piegas que ornamentavam os nossos livros escolares em uso no tempo do Estado Novo. Ponhamos que a toada é acompanhada pela “é uma casa portuguesa con certeza” e vejamos.

S.ª Ex.ª, ou algum cómico por ela, descreve o torrãozinho assim:

os jovens falam com os velhos, há intenso dialogo inter-geracional;

a paisagem é variada, muito variada, desde o vale do Douro até às falésias algarvias;

há no povo luso doses infindas de tolerância para com os estranhos;

os cafés são muito acolhedores e não há nada melhor do que um pastel de nata quente;

a inocência jorra impetuosa em qualquer rincão e a prova disso é um par de adolescentes a dançar o malhão (ou o vira) em Vila Real;

o espírito de independência é forte e a prova é sermos independentes da Espanha;

as mulheres portuguesas são o fim da picada de tal modo que S.ª Ex.ª até casou com uma lusitana;

os tugas são infinitamente curiosos de povos, de costumes e culturalmente;

o dinheiro não é tudo, não há nada que substitua um peixe grelhado acompanhado de um copo de vinho.

 

Deus fez-nos assim, terá pensado o enviado da Rainha a esta confusa e remota região cujos nativos, mesmo se pitorescos, são felizes na sua parcimoniosa miséria, nos seus batuques folclóricos, nas almoçaradas em família pontuadas pela babada contemplação das egérias do lar e da paisagem circundante!

Que a paisagem portuguesa, toda montanha e mar, factor de dificuldade para qualquer invasor que, ainda por cima, não encontra grande pitança no território a conquistar, é variada e mesmo, em muitos casos, bela, não há dúvida. Que dessa beleza nunca se viveu, também. A atestá-lo a persistente emigração do interior para o litoral e do país para fora, inclusivamente para a Grã Bretanha onde hoje existe uma apreciável colónia emigrante portuguesa.

Que ainda há jovens que convivem com os seus familiares mais velhos é igualmente possível mesmo se, como ocorre em geografias próximas, se comece a verificar cada vez menos o citado dialogo inter-geracional. Se o distinto diplomata quer mesmo ver esse fenómeno, que vá até África e perceba quão longe estamos desse relacionamento que ele exalta. Por cá os “cotas” são-no cada vez mais no olhar pouco sensível de uma juventude com poucos horizontes.

Os cafés portugueses já foram. Há, mesmo se S.ª Ex.ª não percebe, cada vez menos cafés. E piores! E os que há, os tradicionais (que ainda resistem) estão cada vez mais transformados e snackbarizados. À hora do almoço (que extraordinariamente Sexa vislumbra em casa) é ver (nas grandes cidades, onde se amontoa 70% da população) as mesas e balcões atulhados de gente a comer à pressa a tal sopa e o tal prato quente exaltadamente cantados pelo enviado do Foreign Office. O pastel de nata quente diz tudo do gosto do nosso visitante pelo que piedosamente não se comenta.

Ainda no capítulo culinário-económico, só um espírito simples, demasiado simples (!) é que acha o “peixinho grelhado” ao alcance de qualquer um e a qualquer hora. É verdade que nisto nos diferenciamos dos amadores de fish and chips embrulhado em papel de jornal. Mas não chega. É verdade que somos ainda um dos principais povos consumidores de peixe. É verdade que, em certas épocas do ano, há peixe não direi barato mas pelo menos não demasiado caro. Partir disso para concluir que o peixe grelhado num restaurante está ao alcance de todos é miopia ou astigmatismo feroz. E partir disso para concluir que no imaginário português o dinheiro vem “depois”, muito depois, de outras preocupações será prova fatal que o diplomata precisa urgentemente de ir a casa refazer os óculos. Tirando a Espanha, aqui ao lado, somos quem mais investe em totolotos e quejandos; temos uma densidade de casinos alarmante; falamos de dinheiro a cada momento, emigramos por falta dele e quando o ganhamos gastamo-lo com a exuberância e a sofreguidão de um novo rico.

É provável que, aos olhos de um britânico,  sejamos tolerantes. A tolerância nunca foi prática e, muito menos, virtude, aos olhos dum povo que se quis isolado, ilhéu e imperial. Nós, mais modestos, andámos mar fora e, fazendo das nossas fraquezas força, optámos por nos miscigenar nos cafundós para onde a miséria e a ambição nos atiravam.  Mas inventámos uma escala de cores (mulatos, cafusos e cabritos) para provar que branco é branco e preto é preto, ou parecido. E quando o império ruiu e a debandada trouxe ao “continente” os retornados e os refugiados, a proclamada tolerância amansou. E com a actual emigração, as coisas não melhoraram, bem pelo contrário. Os bairros ghettos à volta de Lisboa e arredores, as notícias exaltadas sobre gangs escurinhos superam até a tradicional ojeriza pelos ciganos. Ultimamente, para além do preconceito contra emigrantes brasileiros (e sobretudo brasileiras) a antipatia começou a alcançar os oriundos do leste (uma vez mais os ciganos, desta vez romenos, e depois os outros).

Não estamos no patamar odioso de países em que a emigração atingiu números expressivos e por isso mais ameaçadores. Não temos, entre nós, como em boa parte da   Europa, minorias muçulmanas pelo que ainda não é público nem notório o novo espírito de cruzada que anima franceses, suíços ou alemães. Por cá as mesquitas são discretas e os seus frequentadores vem sobretudo da África e da Índia portuguesas. O grupo é tão restrito que não suscita alarme nem reacção significativos.

Que levará um representante diplomático (se de um diplomata se trata) a usar um argumentário tão pueril e primitivo? Será que agora recrutam estes cavalheiros entre a população menos culta ou, por ser para Portugal, bacalhau basta?

E que levará os meus dois inteligentes e sensatos amigos a reenviar-me este texto bacoco? É para se rirem de mim, infeliz destinatário? Endoidaram? Combinaram-se? Estarão a fazer a limpeza dos ficheiros, seguindo aquela velha tradição de fim de ano de deitar janela fora todas as inutilidades, todos os trastes, todas as quinquilharias e inutilidades que subrepticiamente lhes invadiram a casa? E eu sou o caixote dos lixos deles? Ah, miseráveis, hei-de vos apanhar a jeito!

 

d'Oliveira fecit 31.12.2010

Au Bonheur des Dames 259

d'oliveira, 29.12.10

 

Ano vai, ano vem

Há datas que dão para isto: balanços do ano, do mês, do século, contas e mais contas, declarações congratulatórias de conspícuos cavalheiros, mormente os políticos que, consoante estão na oposição ou no poleiro, assim nos dizem dos males futuros e passados ou da bondade de medidas que se tomaram.

E o público segue o cortejo. A começar pelos media que precisam de qualquer coisa para encher páginas e noticiários. A propósito: já repararam nos noticiários da RTP 1, da SIC e da TVI? Na sua absurda e descocada extensão? Será que os seus responsáveis entendem dever informar a multidão de coisas que nem ao menino Jesus interessam ou é mesmo assim? Haverá espectador que não se sinta ofendido com a torrencial quantidade de notícias anódinas, desinteressantes, pirosas quando não claramente tontas?

Eu nem sequer ponho em questão os boatos e mexericos sobre o triste jet-set nacional onde cabe tudo, ou melhor, onde cabe, sobretudo, um punhado de criaturas ridículas, carregadas de botox e várias incapacidades funcionais (para já não falar na pobreza intelectual e ética que normalmente e justificadamente se lhes associa). Será que a Finfinhas, filhinha espúria da Tatá, perdeu os pobres três com o Quico Burrié ou o infausto acontecimento sucedeu durante uma festa na quinta do Mitó Vasconcellos com dois, ou mesmo três “l”? E o novo noivo (agora noivo é o namorado com mais de três meses de casa e pucarinho) fará a Xana Sáa (com dois ou três “a”) atingir orgasmos hollywoodescos ou a coisa fica por uns pacatos estúdios do Lumiar? Amanhã se saberá na edição especial da revista do coração mais à mão.

O fim de Dezembro (antigamente apenas o décimo mês de um calendário bem mais adequado à nossa percepção do tempo: o ano começava com a primavera que é sempre algo mais festivo do que os tristes e frios dias que se avizinham) serve para isto e para a contabilidade... Nos próximos três, quatro dias a imprensa maravilhar-nos-á com records, com balanços, com previsões, com fotografias já vistas mas agora em série, de tudo e de nada. Mais de nada do que de tudo, mas os políticos estão em casa com as amantíssimas esposas e filharada carinhosa q.b. a tirar as fotografias da praxe para uso (e abuso) nos meses que se seguem. Vêm como somos tão portugueses como vocês? Vêm como somos simples, amáveis, bonzinhos e ajudamos a patroa a lavar a loiça?

Ai, leitoras gentis e prezados leitores, isto cheira a esturro a dez metros de distância! E o mundo na mesma. Berlusconi pode perder em Itália mas as suas empresas ganham espaço em Espanha, A Costa do Marfim está à beira da guerra civil, ou melhor continua em guerra civil, bem como o Zimbabué onde um gangster preto e doido rebenta com o pouco que resta. Como é que um pais próspero cai no fundo não se percebe. Como é que os dirigentes africanos da vizinhança nada dizem, eis o que não se percebe. Ou se percebe demasiado bem... As Coreias lá andam, verdade seja dita que a do Norte é francamente pior, aquilo tornou-se numa dinastia chulesca que rebenta com a população e está disposta até a rebentar com tudo, incluindo-se ela própria, num Göttdämerung gigantesco que nem Hitler se atreveu a sonhar. A Venezuela soma e segue graças a um ex-golpista que apostou (e vai ganhar) em a deixar mais pobre e mais desamparada. Um dos seus países de referencia, Cuba, mantém-se na mesma vil pobreza e no mesmo desastre que a teimosia dos seus líderes criou com a ajuda desinteressada do amigo americano.

E a  Europa? Segundo um distinto juiz da nossa praça, a Irlanda não cede ao desvario feminista  do aborto a la carte, mesmo se as mulheres morrem e os filhos também. S.ª Ex.ª regozija-se em recente artigo por uma decisão judicial europeia não pôr em causa a aberrante lei irlandesa. A Irlanda não sofre só de economia mal parada... E depois há quem se queixe das críticas aos nossos magistrados! Outro pais europeu prepara uma bela censura à imprensa e/ou aos cidadãos que se atrevam a pôr em causa a maviosa paz social que lá se goza e a boa opinião que os íncolas têm de si mesmos e das suas instituições. No Kossovo, os autoproclamados libertadores do povo e da nação negoceiam em vísceras várias dos patifes dos prisioneiros sérvios. E A OTAN a ver... Em vários otros países europeus, estimula-se a democracia na Turquia, apoiando o regime islamista, mesmo se, com este no poder, sejam cada vez mais prováveis os atropelos à democracia e aos desnecessários direitos civis e laicos. Não vale a pena falar dos países árabes, uma ficção mal-humorada de tudo o que é repelente e religioso. A China lá vai com uma mão dando e com a outra reprimindo. Mas é um país responsável e vai comprar dívida soberana dos pobres europeus. Assim, bem que se pode prescindir dos uigures, dos tibetanos e dos prémios Nobel da paz. E por aí fora.

Os que corajosamente até aqui chegaram dirão que acabei – também eu – por fazer um balanço. Talvez. E que nada mudou desde o ano passado. Também. Ou melhor: algo mudou e este ano vamos amargá-las. Mesmo se, como também leio nos jornais, se verifique que a lusa e fera gente tenha gasto em compras natalícias mais 10% do que no ano passado!

Tout va bien dans le meilleur des mondes!

 

Perdi-lhes o respeito!

José Carlos Pereira, 29.12.10

Estes últimos dias foram pródigos em tomadas de posição excêntricas de sectores que deviam ser um garante de estabilidade e um factor de confiança para o cidadão comum.

Primeiro foram os juízes, através da sua associação sindical, que admitiram o recurso à greve e decidiram apresentar queixa contra o Governo ao Conselho da Europa e manifestar-se publicamente aquando da abertura do ano judicial. Como se isso não bastasse, o líder sindical veio ontem perorar contra o PS (!), dizer que a equipa ministerial que tutela a justiça é um "erro de casting" e, a propósito da redução de vencimentos e regalias, atacar com um populismo despudorado os "mexias" e os "zeinais". A corrente mais ortodoxa da CGTP não teria um discurso muito diferente!

Depois, vieram os senhores procuradores da República, pela voz do seu sindicato, anunciar que vão recorrer aos tribunais para impedir o corte dos salários, medida que não visa apenas o Governo mas também a Assembleia da República, já que foi esta que aprovou o orçamento de 2011 que incluía aquele pressuposto.

Finalmente, a associação sindical dos polícias exigiu ontem, pela enésima vez, a demissão do ministro da Administração Interna, tomando como pretexto o processo de aquisição dos famigerados veículos blindados.

Juízes, procuradores e polícias decidem assim caucionar as suas estruturas sindicais para se envolverem na disputa político-partidária e porem em causa deliberações do Governo e do Parlamento, achando-se no direito de opinar sobre quem deve ou não deve integrar o Governo e também sobre as políticas prosseguidas por aqueles que receberam o mandato democrático pelo voto.

Com que legitimidade actuam estes agentes do Estado e titulares de órgãos de soberania? Se querem ir a jogo e entrar na política a sério, António Martins e João Palma deviam seguir o exemplo italiano do juiz António Di Pietro, que criou o partido Itália dos Valores e concorreu a deputado para defender as suas ideias. Essa é a atitude correcta para os magistrados que se querem envolver na política. Caso contrário, perdem o respeito dos portugueses. O meu já se foi há algum tempo...

Estes dias que passam 222

d'oliveira, 27.12.10

O inverno é isto

Há um belíssimo poema do Fernando Assis Pacheco onde se diz “eu vi as putas da Avenida gelar ao griso de Janeiro...” e é isso que, repentinamente me vem à cabeça ao olhar o jardim, lá fora, aqui, da esplanada mais ou menos envidraçada vagamente aquecida por um aparelho feio e a gás. Está um griso da capadócia. Um taró, dizia-se em Coimbra, nos meus anos de menino e moço, que Coimbra naqueles tempos era fria até dizer chega. E as aulas, obrigatórias, nos “Gerais” não ajudavam nada. Imensos anfiteatros carregados de rapaziada, embiocada em capas e batinas, a ouvir (ou a desouvir) o lente que repetia numa cansada litania a sebenta que aliás fizera ou dera a fazer.

Ai, leitorinhas gentis, aquilo era um pesadelo: a malta mal acordada, que subira a todo o vapor as “escadas monumentais”, que varara a antiga e esquecida “rua larga” até à “Porta Férrea”, guardada por um archeiro transido e sofrera a chamada ou pelo menos a marcação das faltas pelo bedel, de planta da sala em punho, quase que adormecia ao som da voz monocórdica e fatigada do professor, perdão do senhor Doutor, por extenso.

Se bem me lembro, o Fernando também cumprira um penoso ano nesse claustro onde se acotovelavam os juristas em flor e alguns alunos de Ciências que tinham Matemáticas Gerais no mesmo local. Mas, desertara rapidamente para pastagens mais apetecíveis na Faculdade de Letras onde o ar era, apesar de tudo, mais respirável.

E o frio... Uma vez, lá fui, integrado numa “comissão” de alunos pedir ao director da faculdade aquecimento nas salas imensas e lúgubres. S.ª Ex.ª recebeu-nos com ar severo mas paternal mas ao nosso requerimento respondeu não. Que éramos “juristas” (ou aprendizes disso) e que tínhamos o privilégio de ter aulas num “monumento nacional”! Ficámos esclarecidos.

Às vezes penso que o rei D João III, o verdadeiro benfeitor da universidade, o homem que mandou construir uma inteira rua de “colégios maiores” (a Sofia) que ofereceu o Paço das Escolas, que, de facto, constituiu definitiva e solenemente a universidade coimbrã, melhor dizendo, a Universidade (tout-court) fizera mais pelas escassas dezenas de estudantes do seculo XVI do que as pífias autoridades políticas e académicas do meu tempo.

Mas, voltemos ao frio. Está que racha! E o céu cinzento também não ajuda. Não admira que as pessoas, as que podem,  se refugiem em casa. A “festa da família” deve muito ao frio, olá se deve...

Está frio, está feio, as árvores despem-se de tudo para hibernar, são raros os transeuntes. Devem estar entretidos a abarrotar os centros comerciais, na troca das prendas, nos saldos, a gastar mais do que deviam e sobretudo do que têm.

O inverno é também isto. Um inverno, vejam bem, que mal começou e já pôs de pantanas os aeroportos europeus mal preparados para os frios que descem da Escandinávia por via de um qualquer fenómeno atmosférico. Um inverno que terá aguçado o engenho de algumas empresas, como abaixo se pode ler, os espertalhões fazem caridade com o nosso dinheiro e ainda por cima nos põem a elogia-los. Quem quer fazer bem, dirija-se depressa não a estes ogros mas a uma ONG ou, à falta dela, mesmo que não seja religioso, a uma igreja. Encontra de certeza gente séria e capaz. Mais capaz e menos rapaz!

Mas o inverno é também outra coisa: um homem com oitenta anos, um homem que corria ruas e praças, livrarias, museus e alfarrabistas, que lia, que discutia, que sabia, que era curioso. Agora, o olhar parado, desliza sobre livros e coisas e esquece imediatamente o que viu. Um alzheimer insidioso e infame, transforma este homem, de resto saudável, numa sombra, num esquecimento, num remorso.

Anos e anos, dezenas de anos, andámos por aí numa buliçosa descoberta de livros, de pequenos restaurantes, de cafés e de tertúlias, de ideias novas e menos novas, desafiando a vida e o futuro, rindo-nos das pequenas misérias do presente, encontrando-nos com prazer, tio e sobrinho, amadores de Eça, de Stendhal, de Vailland, de Cardoso Pires e Aquilino. Agora, o tio Quim jaz vivo e esquece sistematicamente tudo o que há um minuto viu e ouviu. Está morto e não sabe. Está morto e respira. O inverno é, também, isto.

 

Renascer!...

O meu olhar, 27.12.10

 

Dedico esta música ao fundador do "incursões" Lemos Costa, que agora tem um novo blogue, Renascer!...

Esta música foi retirada do seu blogue e é uma excelente versão de We Will Survive. É com especial carinho que lhe dedico este tema a partir do Incursões.

Lemos Costa, desejo-lhe um excelente 2011!!...

Beneficência à Sonae

JSC, 26.12.10

  

 

Já aqui, no Incursões, nos referimos às cruzadas de bem-fazer que algumas empresas fazem, apelando ao contributo dos consumidores. Foi o caso da EDP que pretendia reunir 3 milhões de euros para financiar uma campanha de ajuda, cuja finalidade não me recordo. Há uns dois ou três anos, numa pizaria do grupo Sonae, no momento de pagar, pediram para fazer o arredondamento, era para a AMI. Na altura achei que seria um grandessíssimo sovina não deixar fazer o arredondamento e lá foram umas dezenas de cêntimos para a pizaria, acreditando que depois os entregariam à AMI.

 

Confesso que quando saí me arrependi de deixar aquele contributo, porque, pensei, poderiam ocorrer uma de duas coisas: os cêntimos não serem entregues ou servirem para formar um bolo de donativos que a empresa entregaria à AMI, com o benefício de obter acrescidos benefícios fiscais. Desde então nunca mais deixei arredondamentos para coisa nenhuma. Na pizaria o arredondamento integrava a gorjeta, sabendo que com isso beneficiava o empregado, sempre mal remunerado.

Nos últimos meses fomos bombardeados com campanhas publicitárias de angariação de fundos. Curiosamente, as mais conhecidas são todas ligadas a empresas do grupo Sonae: Continente, Modalfa, Worten, Modelo. As notícias dizem que só as campanhas do Continente e da Modelo já ultrapassaram os 5 milhões de euros, admitindo a própria Sonae que a entrega daqueles montantes seja feita a coberto da lei do mecenato. Se tal acontecer, e pode acontecer porque nada o impede na lei em vigor, a Sonae poderá obter uma redução na sua matéria colectável de 7 a 8 milhões de euros, o que se traduzirá numa poupança fiscal assinalável.

 

Conclusão a tirar: Estes peditórios acabam por beneficiar todos. As instituições de solidariedade porque recebem no todo ou em parte os montantes recolhidos; as empresas promotoras porque acabam por ver reduzidos os impostos a pagar; a marca da empresa que, junto do grande público, sai valorizada por aparecer associada à ajuda aos desapossados da sorte.

 

 

O grande senão é alguém aparecer a fazer caridade à custa de terceiros e ainda beneficiar com isso. Só que esta parte passa ao lado da maioria das pessoas, que nem entende que se levante a questão.

Au Bonheur des Dames 258

d'oliveira, 24.12.10

Uma pessoa bem que quer fugir do básico, do hábito, do repetido. Nada feito. Em chegada a quadra, mister é que se digam duas banalidades e se  desejem as sempiternas boas festas mesmo se, em questão de festas, o país esteja onde está: num velório!

Mas, e não quero repetir o soturno homem de Santa Comba Dão, cuja biografia estou a ler com imenso prazer, o povo não está para tristezas: as despesas estes ano ultrapassam, e fortemente, os gastos do ano passado. O Titanic está à vista do iceberg mas a orquestra toca nos salões da primeira classe com tal entusiasmo que até os emigrantes lá no porão dançam encantados. O doutor Salazar, catedrático sem ter feito concurso, ao que acabo de saber, subido ao mais alto grau por mérito (mesmo assim um concursozito teria sido engraçado...) dizia que não há volta a dar a esta gente. Ler o que ele escreveu nos jornais durante a sua dura campanha contra Sinel de Cordes (a quem substituirá com êxito, como é sabido) parece profético nos dias de hoje.

Este Natal é o das cigarras. A família cr e associados passou-se para o lado das formigas e reduziu forte e feio nas prendas. Lembranças baratinhas e viva o velho! Livrinhos para a sobrinhada toda eis a receita mcr. Não gostam? Deitem fora. Mas ficam sem conhecer Shakespeare, Simon Leys ou os grandes poetas russos. Acabou o recreio!

Felizmente os miúdos parece que estão de acordo. Os que vão levar Shakespeare este ano apanharam com a trilogia do Calvino (Ítalo) no ano passado. Um a cada e que troquem depois de lerem. Assim se incute esse outro esquecido hábito de repartir, de co-descobrir. Este ano, são as peças históricas do bardo de Stratford. O mano O. come com uma dose reforçada de contos imorais do seculo XVIII. Uma copiosa antologia publicada pelo Laffont na excelente colecção “bouquins”. Mas, aqui, não é prenda de Natal mas de anos. Estabelecemos que os adultos não se presenteiam. Ocorre, porém, que ambos fazemos anos perto do Natal. Assim escolheu-se este dia para a troca de prendas. Toma lá pá, e vê se aprendes!

A CG teve direito a bónus: andava de asa caída por via de uma doença chata e dolorosa até dizer basta. Entretanto o tricot entusiasma-a e distrai. Toma lá uma enciclopédia de tricot e mais um grave tratado muito ilustrado sobre o mesmo assunto. Ficou esfusiante, jura que é uma (aliás duas) prenda originalíssima, já passou palavra à internacional das tricotadeiras e até (dizem-me) há quem me queira consultar sobre o sítio onde fui encontrar os calhamaços. Vai ser troca por troca: as profissionais da agulha fazem-me uns mimos e eu revelo a fonte de onde mandei vir estas “preciosidades”

Mas este tipo está a escrever ainda antes da ceia! Pois está! Abolimos a burrice de esperar pela meia noite, pela missa do galo (onde nunca pus o mimoso pé) ou até pela bacalhoada natalícia. Desde ontem que circulam algumas das minhas prendas. E não circulam todas porque os recipiendários ainda não foram encontrados.

Todavia, sem querer imitar o velho e astuto ditador, que sabia, olá se sabia, ser cínico e socarrão, sempre vos desejo ò leitorinhas e leitores meus, um bom dia, uma boa noite, uma boa semana e, mas ainda nos encontraremos antes, um bom ano. Não estou aqui para vos modificar, pelo menos para vos modificar à força, sequer pelo exemplo, que eu, bem prego mas quando me dá o vento norte, pimba, entro em parafuso e aí vai disto, mais livros, mais discos mais... (ah queriam saber? Não digo, não digo e não digo ó amantes das novas maravilhas informáticas, Lá para a frente vos contarei).

Boa noite. Boa noite, serena e passada com risos e saudades. Tratem dos vivos e lembrem carinhosamente os vossos mortos. Foram eles que vos fizeram  como vocês são e como andam a fazer a pequenada que vos rodeia. Agora ainda mais, visto que uma Mulher X se veio juntar à bela tropa dos Neanderthal para tornar mais interessante, mais variada, mais rica e mais excitante a nossa origem. Já estava farto de ser  só e apenas um homo sapiens sapiens. Com um bocado de sorte ainda descubro (para gozo e alegria do Manuel António Pina e meu)  que temos gatos entre os nossos antepassados comuns. Seremos dignos?

*a montra do meu gravateiro em Roma: Ezio Pellicano, um mestre!

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