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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

O Reverso da Credibilidade

JSC, 31.01.11

 

  

Teresa Ter-Minassian, a especialista do FMI, que há cerca de 30 anos tem andado por aí, a ver como tratar da saúde de nossa economia, diz agora que as medidas tomadas pelo Governo são boas mas… falta credibilidade e o mercado precisa de sentir essa credibilidade.

 

Quem é que garante a credibilidade às medidas tomadas pelo Governo? O FMI, obviamente. Ou seja, ela própria, bastando para tanto que o Estado contratualize com o FMI, pague e aplique as medidas que o FMI decidir, as quais, segundo a própria, não andarão muito longe das que já estão a ser aplicadas.

 

No mesmo dia, no mesmo Jornal, Silva Lopes, que há muitos mais anos anda também a reflectir sobre a economia portuguesa, aprofunda a posição da especialista do FMI: Diz ele, “ sem ajuda externa Portugal não consegue resolver os seus problemas”.

 

Quando um político pretende dar credibilidade a um projecto ou sustentar uma determinada posição pública o que faz é contratar uma entidade credível, sempre bem paga, para emitir um parecer, fazer um estudo ou projecto, enfim, avalizar a opção política em causa.

 

Admitamos um projecto urbanístico de iniciativa local ou um loteamento privado, apresentar tudo com a assinatura de um gabinete consagrado é meio caminho andado para suster qualquer contraditório público, calar a oposição e garantir a aprovação, por muita volumetria que tenha, por muita densidade, por muito que seja notória a falta de espaços do domínio publico.

 

O mesmo sucede se pretendem defender em tribunal um determinado ponto de vista. Obtém-se um ou dois pareceres de altos especialistas e com isso conforta-se a opinião pública e os Tribunais.

 

Idem, no caso em que as administrações são confrontadas com factos complexos, a exigir esclarecimento público. Contrata-se uma Universidade e anuncia-se que a Universidade já está a investigar o caso. Aliás, as Universidade estão cada vez mais a aparecer como fornecedoras de diversos serviços, o que é óptimo para elas porque facturam e desse modo minimizam os cortes orçamentais.

 

Tudo isto para concluir que a postura da especialista do FMI, a exigir credibilidade, é desde há muito uma prática da nossa administração pública, razão para Silva Lopes, também ele, pedir a intervenção de uma entidade externa que nos ajude a fazer o que de qualquer modo será feito.

O economicismo da CP

JSC, 31.01.11

Um administrador da CP disse que os cortes previstos na oferta no serviço regional, no âmbito de um esforço de racionalidade económica da empresa, resultará uma poupança anual de 7 milhões de euros para a CP. Ler aqui

 

Tudo dito numa entrevista, sendo que ninguém terá perguntado ao Sr. Administrador se a poupança que a CP obtém é superior aos prejuízos que poderão advir para as economias locais e para os utentes das linhas que irão ser eliminadas. É que o que é bom para a empresa pública CP pode não ser bom para o país.

Prescindir ou não prescindir, eis a questão...

José Carlos Pereira, 30.01.11

Nos últimos dias, o país despertou para o suposto desprendimento do Presidente da República relativamente a reformas e vencimentos. Segundo dizia o site da presidência, "Nos termos da legislação aprovada pela Assembleia da República, o Presidente da República decidiu prescindir, a partir de 1 de Janeiro de 2011, do seu vencimento, no montante ilíquido de € 6.523,93."

Pois bem, o que sucede é que esta declaração é enganadora e desvia-se da verdade. O Presidente da República não prescindiu olimpicamente de qualquer remuneração. Não, Cavaco Silva foi obrigado a optar entre as suas reformas de mais de dez mil euros e o seu vencimento de Presidente da República, na sequência de legislação que o Governo de José Sócrates aplicou aos funcionários públicos, com vista a terminar com a acumulação de pensões e vencimentos do Estado. Depois, o PS fez aprovar no parlamento legislação que estendeu esse princípio aos detentores de cargos políticos.

A "magnanimidade" de Cavaco Silva, afinal, decorre de iniciativas legislativas do PS e do seu Governo. A bem da verdade, o comunicado da presidência da República deveria rezar assim: "Nos termos da legislação aprovada pela Assembleia da República, o Presidente da República, a partir de 1 de Janeiro de 2011, deixará de poder acumular o seu vencimento, no montante ilíquido de € 6.523,93, com as pensões de reforma de professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa e de quadro superior do Banco de Portugal, no montante de € 10.042. De modo a responder às novas condições, o Presidente da República passará a receber o vencimento correspondente às suas pensões de reforma."

Esta clarificação, que seria muito útil, não nos impede de continuar a pensar que não fica nada bem ao Presidente da República comportar-se como um qualquer funcionário público, ao optar pelos proventos mais elevados. Ao Presidente da República, independentemente da letra da Lei, exigir-se-ia que fosse fiel às regalias associadas à função de mais elevado magistrado da nação, contribuindo desse modo para a sua dignificação. Não creio que o estatuto (e o vencimento) de aposentado seja o mais indicado para quem está no exercício do cargo de Presidente da República.

O Regresso do Senhor Compromisso

JSC, 30.01.11

O DN titula que “Carrapatoso abre as portas sociedade civil a Passos”. Nem mais. O ex-presidente do Compromisso Portugal e que há poucos anos andou na berlinda por causa de uma dívida ao fisco, na ordem das muitas centenas de milhares de euros, que até deu origem a processos disciplinares, cujo desfecho desconheço, resolveu começar a desbravar caminho para os tempos que se avizinham.

 

Começa bem, homem de grandes desafios é bem capaz de escancarar portas por onde possa entrar o pessoal do Compromisso e outros que entretanto se foram aconchegando. Para já não se sabe bem o que pretende, para além de abrir as portas. Diz que quer ajudar a impulsionar um novo projecto para Portugal. “Um novo projecto”? Alguém se lembra de qual foi o projecto anterior que o grupo Carrapatoso impulsionou? Outra ideia carrapatosiana é que isto não vai lá só com os partidos, é necessário “uma cidadania activa”.

 

Tinha para mim que os partidos são estruturas organizadas pela sociedade civil para desenvolver a acção política. Pelos vistos não é assim, os partidos são células fora da sociedade civil donde a necessidade de existirem homens, como o Senhor António Carrapatoso, para levar a sociedade civil até eles.

 

O que estas movimentações mostram é que esta gente está a sentir que o poder vai mudar de mãos, logo há que se posicionarem. Quanto ao “novo projecto” que diz ter para Portugal, o projecto é sempre o mesmo, olhar pela vidinha, basta ver o percurso liberal dos senhores do Compromisso e o resultado obtido, para se perceber qual é o projecto que tem para Portugal.

 

Aguardam-se novas falácias. É que dentro de dias Carrapatoso vai anunciar as linhas gerais do seu novo projecto para Portugal. Agora foi só o pré-anúncio.

Frases Que Ficam

O meu olhar, 25.01.11

"Não vamos continuar a financiar privilégios nem lucros de algumas instituições que constroem psicinas, que oferecem golfe, que têm equitação, porque isso é um nível que o ensino público não pode assegurar e não continuará a financiar"

Isabel Alçada, Ministra da Educação
Janeiro de 2011

Para quando as respostas que faltam?

JSC, 25.01.11

Os últimos dias da campanha foram tão desinteressantes que nem me despertaram para comentar o que se ia passando. Agora que a feira se desmontou parece-me ainda mais óbvio o engano a que nos submeteram. De tudo quando foi dito pelos candidatos não sobrou uma única ideia para o país. Boa ou má. Enredaram-se nas coisas do costume, um a fazer-se de vítima, outro a querer ser o dono dos cidadãos, um outro a querer repetir a história de outras campanhas e mais três, a jogar em tabuleiros próprios, sem margem nem golpe de asa para grandes voos.

 

Ganhou quem sempre pensei que ganharia. Não importa a margem da vitória nem o número de votos que recolheu. Recebeu os votos suficientes para ter a maioria absoluta dos votos expressos, descontados os votos brancos.

 

Ganhou porque foi mais eficaz na captação do interesse das televisões. Como as alternativas não eram muito consistentes nem precisava de fazer campanha mas lá teve de ser. Para não estragar o pecúlio amealhado nem precisou de apresentar um programa ou ideias força para o país. Bastaram umas tantas frases, que foi repetindo insistentemente e que as televisões, insistentemente, ecoavam. Depois, sempre que era questionado sobre factos e factos ou sobre actos próprios da função presidencial optou pelo silêncio. E foi com o silêncio que respondeu a muitas questões. Como alternativa ao silêncio vinham palavras engasgadas, nervosas, para convencer o povo de que estava a ser alvo de uma campanha negra. Como se vê é fácil ganhar eleições.

 

Hoje, o que resta desta campanha é o mesmo PR e a ressonância das questões não respondidas. Por todos os lados se ouvem analistas e comentadores a debitar estratégias, preocupados com as próximas eleições legislativas, que parece que gostariam que fossem já para a semana. Até parece que são os actos eleitorais que alimentam as tsfs ,as rdps e os canais televisivos. O não respondido na última campanha é que já passou para o lado das questões arrumadas. Não está certo.

 

Como não está certo o tom ressabiado, agressivo, com que o vencedor das eleições brindou o pessoal no acto de encerramento das eleições. Afinal de contas muitas foram as coisas de que não gostei nesta campanha. Não gostei de ouvir Cavaco Silva a dizer que outros tinham de nascer duas vezes para serem mais honestos que ele. É estranho que tenha que ser ele a vir proclamar a sua honestidade na praça pública, com a mesma força com que proclama que é o melhor preparado. Não gostei, incomodou-me mesmo, o silêncio com que lidou com os temas simples e claros que lhe colocaram. Não gostei que tivesse incitado a mobilização do pessoal contra políticas contidas em leis que ele próprio promulgou. Não gostei do tom que Fernando Nobre imprimiu à sua campanha, não percebi porque raio é que ele entendia que os cidadãos estavam com ele, mesmo que com isso não quisesse dizer que com os outros estavam os bandalhos da corte. Não percebi o que é que ele entendia do exercício da função presidencial porque todo o seu discurso se aproximava mais de uma candidatura a presidente de câmara ou mesmo de junta de freguesia, que é onde funcionam as CLAS- Comissões Locais de Apoio Social.

 

Pensando bem, os únicos momentos inovadores da campanha vieram do candidato das ilhas, que não é tão bacoco quanto o quiseram fazer passar nem tão inocente quanto ele se mostra.

Estes dias que passam 225

d'oliveira, 24.01.11

Perdi!

 

Costuma dizer-se que, na hora da derrota, o perdedor está sozinho. Nem sempre. Neste caso, o Manuel Alegre sabe bem, com um saber de cinquenta anos de amizade, que ao lado dele, sem ser visto, estava este inútil cronista. Se ele perdeu, eu também perdi. Perdi porque o apoiei. Perdi porque não tive a força, nem a coragem, nas diversas vezes em que nos encontrámos, de lhe dizer, cara a cara, coração nas mãos, que o nosso tempo se esgotara. Que as condições da primeira eleição nunca se repetiriam.

Claro que, desde o dia em que nos reencontrámos, depois da primeira eleição, na morte de um amigo querido e comum, o Rui Feijó, muita coisa mudou. Se por essa altura ainda era crível uma segunda oportunidade, ela foi consumida pela voragem dos últimos dois, três anos.

Não quero, agora, revolver a faca na ferida mas é mister que se lembre a todos, a todos mesmo, que o apoio titubeante de uma parte do P.S. (por ventura a mais forte mas a menos influente em termos de país e povo) não trazia nada de novo ou de mais ao candidato que sozinho ficara a 30.000 votos de uma segunda volta.

Identicamente, o apoio do Bloco não trouxe nada de diferente ou de substancial à candidatura. Na primeira vez, em quem é que poderiam eles votar? Em quem votaram?

Eu, sem querer culpar o bloco, sempre adianto que o seu apoio a Alegre poderá ter funcionado para muitos moderados como um revulsivo. Refugiaram-se em Nobre? Votaram em Defensor? Em Coelho? Abstiveram-se? Foram dar um passeio à hora de votar?

Não sei. Sei que não votaram em Alegre, como os números e os mapas distrito a distrito, concelho a concelho amanhã mostrarão (escrevo às oito horas da noite deste domingo que não gostarei de recordar).

Claro que a crise, o desempenho governamental nela, os sacrifícios impostos aos portugueses, a desilusão pela prestação dos socialistas nas instancias de poder, poderão (puderam, seguramente) afastar forte percentagem de eleitores. Alegre, quisesse ou não, estava colado ao Governo do seu partido, às acções e omissões e erros desse Governo, coisa que, há cinco anos, e em circunstâncias substancialmente melhores, não ocorreram.

Claro que a inventada candidatura de Fernando Nobre, um ex-apoiante de Cavaco, tornado mediático pela AMI, “roubou” votos. Não só de socialistas, e é conhecido o empenhamento de Maria Barroso e dos dois medíocres descendentes de Soares nela, mas consta à boca cheia que o ex-Presidente da República, Mario Soares (ao contrario da coerente e digna intervenção de Jorge Sampaio) mobilizara todos os seus amigos para a candidatura de Nobre. Pena foi que, já agora, não lhes tivesse oferecido um par de ideias. Nobre, fora a patética mensagem contra os “políticos” e o “sistema” nada mais trouxe. Como pensamento político fica atrás de Coelho ou Defensor de Moura, esse pitoresco político municipal que se tomou por um mons parturiens. Pariu o seu ratinho e para mostrar coerência, mas não educação, muito mesmo qualquer apregoada virtude republicana, entendeu não cumprimentar o Presidente eleito... Feitios...

Consta, também, e em Portugal os boatos são mais evidentes que as certezas, que os Presidentes que disputam a reeleição nunca perdem. Como verdade científica, a coisa parece-me duvidosa mas até agora foi sempre assim. Façamos de conta que é um “costume constitucional”.

Cavaco Silva, conseguiu ainda uma outra extraordinária proeza. O actual PSD/PPD tem pouco, ou nada, de cavaquista. Boa parte dos seus antigos companheiros de jornada estão fora por boas ou más razões, ainda que todas elas reconvertíveis à mesma causa.

A sua magistratura “de influência” foi quase sempre irrisória ou passou despercebida. Esteve com o Governo na imperícia com que este lidou com a crise. Não apoiou sequer, a fiel governanta que nos primeiros tempos tentou salvar o que restava dos escombros do governo Barroso- Santana Lopes. Deixou-a cair (ou ser derrubada) sem um suspiro, uma palavra, uma mágoa. A criatura Passos Coelho não é por si criada ou teleguiada e não se percebe no vago e confuso discurso desta qualquer referência aos temas fortes do cavaquismo.

Todavia, viu o partido unido atrás dele e conseguiu que o mesmo acontecesse com o CDS. Longe vão os tempos em que Portas, então jornalista influente, “cadilhava” sem descanso (e muitas vezes sem qualquer réstea de razão...) o consulado absoluto de Cavaco.

Também, ó fraca memória cidadã!, ninguém veio explicar essa verdade incómoda que foi o segundo mandato de Cavaco como Primeiro Ministro e a política despesista que praticou. Era preciso ganhar uma terceira vez mas Guterres (que também não foi avaro, valha a verdade) estragou-lhe os cálculos. Também, ninguém veio recordar, a extraordinária maneira como, subitamente, Cavaco saiu do Governo e deixou o pobre Fernando Nogueira entregue aos bichos, isto é ao voracíssimo apetite dos barões social-democratas e a outras bichezas menos recomendáveis, enquanto os socialistas pacientemente afiavam as facas e Soares, em fim de mandato presidencial, alimentava voluptuosa e conscienciosamente as famosas “forças do bloqueio”.

Os comentadores já anteciparam todas as explicações para a vitória de Cavaco. A famosa estabilidade, o medo do desconhecido, o perigo duma aliança entre as esquerdas mais façanhudas sob a égide do poeta (um poeta? Por Deus, já bastou Pessoa ter a chave do cofre...), do romântico (?), do votante desalinhado que trazia amargos de boca aos colegas de bancada, as hesitações e o arrastar de pés de muitos próceres socialistas (lembrem-se Campos ou Vital para não ir mais longe. Esta gente é adepta da famosa máxima “morra Sansão e quantos aqui estão”.

Há na política indígena, mas não só, uma ideia tremenda de “Götterdamerung”: já que é previsível uma derrota então que arda tudo.

(Por alguma razão, nas europeias, não levaram o voto, Não são de confiança!).

Todavia, tudo isto não retira o que acima afirmei. Perdi esta eleição. Perdi-a por todas as razões, incluindo o facto de ter sido membro da honrosa Comissão de Honra de Alegre. Éramos muitos? Isso diluía responsabilidades políticas? Diminuía a importância e o significado político deste órgão? Não interessa. Ao aceitar integrar esse grupo, comprometi-me a festejar comedidamente a vitória e a associar-me total e absolutamente na derrota. O Manuel Alegre não esteve, não está e não estará sozinho? Num canto suficientemente próximo tem esta mão amiga e fraterna com ele. Por tudo o que foi e é. Pelos nossos anos antigos e quase esquecidos. Pelos combates que juntos travámos. Pela esperança que sempre nos incutiu. Pela companhia que os seus versos me fizeram em aus momentos na prisão e na angústia e no medo de ser preso.

Eu perdi estas eleições.

 

 

Au Bonheur des Dames 263

d'oliveira, 21.01.11

A vida continua(rá)...

...Eis um tempo com bico de milhafre

E asas de rapina...

(Um barco para Ìtaca, M Alegre)


Acaba hoje a campanha. Ou, faz de conta que acaba. Amanhã, os jornais e as televisões continuá-la-ão de outro modo, já se sabe.

Nessa encapotada guerra, o meu candidato não será o mais favorecido, longe disso. Não o foi até agora e continuará a não o ser. É que, de facto, as hostes que se juntaram sob o seu estandarte nunca estiveram juntas. Nem, provavelmente, poderiam estar. E os seus companheiros e camaradas de há muitos anos também não se entusiasmaram. Arrastaram os pés, tanto quanto puderam.

Basta ler o jornal, o jornal que continuarei a ler, bem entendido. Não me zango com jornais mesmo se lá leio uma que outra coisa que me desagrade.  Dos numerosos comentadores raros foram os que, alegadamente do seu lado, resolveram defendê-lo. Ou defenderam-no a “despachar”. O meu candidato tinha um saco de gatos em vez de um ninho e agora, terão pensado, vai pagá-las todas juntas.

Do lado do candidato da Direita (isto mesmo se julgo que Coelho ou Nobre são tão ou mais de direita que Cavaco) as coisas fiaram mais fino. Ali, onde a diversidade e as facadas nas costas mais do que uma tradição são um dever, andou tudo a passo de ganso.

E se falo em passo de ganso não é para canhestramente vir anunciar o dilúvio universal ou o fim do mundo. Nada disso, apesar da tentativa de um jovem opinion maker da última página, vir distorcer com alguma habilidade as afirmações de Manuel Alegre quanto aos perigos que uma direita no Parlamento , no governo e em Belém se poderão prever para  o sistema. É claro que a Direita pretende alterar e profundamente várias regras constitucionais. É verdade que boa parte da modernização da constituição poderia ter sido já levada a cabo. O documento constitucional é retórico e faz profissões de fé e promessas que, por serem inatingíveis, neutralizam muitos dos que se sentem e estão na Esquerda. A Constituição é balofa, retórica e pede poda urgente. Só que com a Direita no poder a poda pode assemelhar-se a uma tala em regra.

Os porta-vozes da Direita esganiçaram-se num ai Jesus tremendo perante as acusações da Esquerda. Juraram, infundadamente, que em tempos ainda recentes, acusaram a Esquerda de querer estrangular a democracia e a liberdade tão duramente conquistadas (mas não por eles, que viveram quietos, mudos e cegos durante décadas). Agora que a Esquerda se atreve a pensar que por erros próprios e por audácias alheias alguém, à sombra da crise e do FMI,   quer mudar as regras do jogo eis que gritam contra tão patente despudor.

Deixemo-nos de fitas. A Direita não gosta do Estado Social, sequer deste minguado Estado Social, quer liberdade e movimentos, mão forte nos assalariados e remete o Estado para mero protector das grandes negociatas.

A rua, como achava o falecido marechal Spínola, não deve governar. Eu acho o mesmo enquanto rua mas penso que os cidadãos todos os cidadãos t~em uma palavra a dizer. E que essa palavra há-de ser ouvida e respeitada. E que para ser ouvida e respeitada, há-de dispor das liberdades direitos e garantias consignadas na Constituição, aliás em quase todas as constituições portuguesas, incluindo no lote a nefasta de 33 que prometia tudo com uma mão e negava tudo com leis avulsas para que remetia a regulamentação das referidas liberdades.

Claro que aos jovens tenores da jovem Direita nada disto interessa. Nasceram depois do trabalho feito e o dr Salazar aparece-lhes idoso, sorridente e meigo. Não pretendo ostentar a medalha de resistente mas pelo menos gostaria de lembrar (de explicar) a essas amoráveis criaturinhas que não leram sequer um manual de história pátria, que dos quarenta anos de Salazar foram desperdiçados pelo menos vinte. Os que vão de 48 a 68. Os que se viveram arrastados e penosos, com um corporativismo que nunca deu frutos, com uma inércia fatal, com uma impreparação trágica para os tempos que se viviam. O Estado Novo esgotou-se logo no fim da guerra. Portugal não aproveitou a paz (para a qual pouco ou nada contribuiu) e Salazar já não tinha mais nada a oferecer. A partir desses anos, a Situação foi subsistindo entre medos, temores, pobreza e emigração em massa. Para a África, alguma e para a Europa numa torrencial saída que terá custado ao paiz dez por cento da população. Dez por cento, entenda-se melhor: saíram homens novos e com vontade de vencer. Saíram mulheres novas animadas da mesma esperança. Ou seja, este largo milhão de pessoas representava muito mais do que dez por cento. Representava a possibilidade de regenerar, de modernizar, de incutir outro estado de espírito no país.

É verdade que mandavam as famosas remessas. Que estas se transformaram em motor (num pequeno motor) económico no interior. Mas um pais não prospera porque se constroem casas estilo “maison” em Alguidares de Baixo. Faltaram as fábricas, as indústrias, os pequenos comércios, a agricultura modernizada. Não é por acaso que as autoridades dos países beneficiados pela emigração portuguesa dizem maravilhas dos nossos pacientes e operosos emirantes. E não é por eles terem sido pacientes, calmos, pouco reivindicativos. É porque eles já quase desapareceram engolidos na grande massa cidadã desses países. Prosperaram, aclimataram-se, naturalizaram-se ou pelo menos não formaram comunidades isoladas e geradores de conflitos. Iam cheios de esperança, não se negaram a nenhum trabalho, prosperaram e as segunda e terceiras gerações são tão ou mais francesas, alemãs, luxemburguesas ou suíças do que as autóctones. É verdade que ainda mantém uns clubes, umas associações folclóricas e o gosto pelo bacalhau. E que por vezes (mas cada vez menos) regressam por férias às terras dos antepassados. Mas já não são portugueses.

Eu sei que isto vai contra a tenaz propaganda de quem quer ver a diáspora portuguesa dos anos sessenta ainda como parte da Nação. Mas é só propaganda. Vejam quantos ainda votam. Vejam se os filhos e netos falam português  ou se interessam pela politica portuguesa. Vejam se alguém, enfim um número significativo, quer regressar ao torrãozinho de açúcar.

Todavia, os mitos têm a pele dura. E as piedosas criaturas que, à esquerda e à direita, enchem a boca de povo e boas intenções tentam passar-nos a má moeda do patriotismo serôdio e dos bons velhos tempos, da revolução da Mariazinha da fonte e dos amanhãs que cantam, como bons e sólidos euros, dólares, yenes ou yuans. A Direita neo-liberal ou nem isso anda agora a pregar as virtudes do bom senso cavaquista. E sonha com a vitória. E tenta desmobilizar os que, como eu, teimosamente, preferem apostar noutro candidato e noutro clima. Vais perder, disse-me um amigo amável e conservador. E depois?, retorqui-lhe. Não era primeira, nem a segunda nem a décima vez que perdia. A democracia é isto. Votar mesmo se a derrota está no horizonte possível e plausível. E continuar a viver. Ganhando ou perdendo, ninguém me tira de ideia que domingo, logo pela manhãzinha, lá estarei na minha secção de voto, juntamente com gente velha e digna que vai a estas coisas com ar grave mas festivo.

Se perder, ficarei comedidamente triste. Porque pensarei que se perdeu um excelente cidadão como presidente. Se ganhar, ficarei, comedidamente feliz por me parecer que a esperança ainda não saiu do cada vez mais escasso dicionário de palavras e ideias com que vivemos. E por que vivemos.

Há mais vida depois das eleições...

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