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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

Bloco promete moção de censura para quarta-feira de cinzas

José Carlos Pereira, 10.02.11

O Bloco de Esquerda aproveitou o debate quinzenal de hoje no parlamento para anunciar que vai apresentar uma moção de censura ao Governo, precisamente de hoje a um mês, no primeiro dia útil após a tomada de posse de Cavaco Silva. O Bloco quis antecipar-se ao PCP no seu duelo particular e atira a decisão para cima do PSD.

Independentemente do direito constitucional e democrático que assiste ao Bloco, o país precisa neste momento de passar o teste da execução orçamental e da estabilidade política para proporcionar confiança aos mercados financeiros. Os empresários e as famílias sabem bem a dificuldade que sentem em aceder actualmente ao crédito e uma perspectiva de crise política agravará seriamente esta realidade, com repercussões sérias também ao nível da dívida pública.

Tem a palavra em primeiro lugar o PSD, já que os partidos à esquerda do PS mais não querem do que reforçar a sua representação política. Interessa-lhes lá que o governo vá direitinho para as mãos da direita... 

Ainda há dois dias era ouvir a proclamação do líder parlamentar do Bloco, José Manuel Pureza: "Não nos colocamos na posição de facilitar a vida à direita portuguesa"!

Exportar, exportar, exportar

José Carlos Pereira, 10.02.11

Participei no Congresso das Exportações, que reuniu na terça-feira perto de 1.500 empresários e gestores no Europarque, em Santa Maria da Feira. No centro do debate esteve a necessidade imperiosa de criar condições favoráveis ao reforço das exportações, a única forma de Portugal diminuir o seu endividamento externo e de contrabalançar a retracção do mercado interno.

O congresso deu particular destaque à análise de sectores como as energias renováveis, a indústria florestal, a construção, o sector agro-alimentar, a indústria automóvel e aeronáutica, têxteis, vestuário e calçado. Também áreas transversais como o financiamento, a logística e as infra-estruturas, o empreendedorismo e a inovação e a análise dos novos mercados emergentes mereceram a atenção de especialistas reputados.

O Governo, através do primeiro-ministro e do ministro Vieira da Silva, deu testemunho da sua determinação e disponibilidade para colocar os instrumentos financeiros, a AICEP e a diplomacia ao serviço da "agenda das exportações", uma prioridade para os próximos anos. Sócrates teve um discurso afirmativo, que foi bem acolhido pelos presentes, lançando o desafio de aumentar a curto prazo as exportações dos actuais 32,5% para 40% do PIB.

Os empresários tiveram oportunidade de apresentar as suas razões de queixa e de exigir maior celeridade nos processos e um reforço dos apoios à exportação. O Governo respondeu com novas medidas, dirigidas sobretudo às empresas com ciclos de produção mais longos. Tudo isto no mesmo dia em que o INE revelou que as exportações cresceram 15,7% em 2010, totalizando perto de 37 mil milhões de euros.

Faço um balanço muito positivo do que ouvi em Santa Maria da Feira e gostei de ver as muitas centenas de empresas determinadas a reforçar a sua capacidade exportadora e preparadas para ultrapassar as fragilidades que ainda encontram. Como também me entusiasmou constatar as boas práticas de empresas e infra-estruturas de nível internacional. Fiquei a saber, por exemplo, que o Porto de Leixões, um verdadeiro caso de sucesso, é o porto mundial que movimenta mais carga para Angola e que opera directamente para 172 portos de 168 países. Dados encorajadores para a região Norte e para o país.

Há, pois, razões para confiar no futuro e para não baixar os braços.

diário Político 158

mcr, 08.02.11

 

o que dizem os cartazes

 

Eu nunca consegui perceber inteiramente o PCP. Ou, então, percebo-o bem demais. Ou, ainda, é a sua linguagem simplista, redutora, a sua “langue de bois”, a cassete, que me arrepela o bom senso, a pouca gramática que aprendi e o gosto pelo português claro e escorreito.

Durante a passada eleição presidencial, apareceu um cartaz que rezava assim: “Confiança nos trabalhadores; confiança no povo; confiança nos portugueses”. Isto, assim mesmo, com uma fotografia (se bem recordo) do candidato Francisco Lopes.

Ora atentemos.

Em primeiro lugar não me parece que deva ser o candidato a ter confiança nas pessoas mas estas nele. Claro que a mensagem era tão ambígua que não é seguro que fosse Lopes a proclamar essa confiança. Mas se não era, então o texto peca por mal escrito.

Mas há mais: Será que os trabalhadores não são do povo? E que ambos não estarão entre  os portugueses? Ou sendo tudo redutível á nacionalidade, para quê meter o povo ao barulho? É que povo é toda a gente que habita um certo território (o “povo português”...). Já é mais fácil pensar que nem todo o povo é constituído por “trabalhadores”, palavra fetiche do PCP que parece envergonhar-se da antiga, “proletários”, mais evidentemente revolucionária, pelo menos em teoria, já que na prática bem se sabe que não houve regime fascista ou reaccionário que não visse uma boa fatia do proletariado nas suas hostes. Claro que sempre se poderá retorquir que o PC fala apenas nos proletários com “consciência de classe” um dos seus mais duradouros mas injustificados mitos.

É que trabalhadores é quase tudo. Até o presidente do BCP (ou outro, ou outro...) trabalha. E reclama-se desse estatuto, dos descontos que faz para a Segurança Social para acautelar a sua reforma. Os estudantes “trabalham”, ou isso é afirmado,  dado que hoje a Educação deixou de ser uma aprendizagem para ser qualquer outra coisa esquisita que entretém rapaziada, ministra, funcionários do ME, uma multidão de professores e mesmo os ideólogos do “eduquês” (e são tantos...) que devem achar que as suas extraordinárias elucubrações são trabalho meritório e revolucionário.

Eu, adepto de um português mais fácil, preferiria dizer confiança dos (e não “nos”). Isso seria um pedido ou mesmo, por que não?, uma afirmação forte. O candidato na sua humildade (revolucionária) vinha pedir aos eleitores a dita confiança ou, desafiando os adversários, vinha garantir que, ao contrario dos outros, gozava dela.

Mas deixemos estas águas passadas e vejamos o novo mote: “Mais produção, melhores salários”, sentença que corre o país em cartazes (outdoors, que é mais fino).

Em primeiro lugar, seria bom interrogar que produção se pretende aumentar, dadas as nossas limitações fabris e industriais. É que, como se sabe, ao longo destes difíceis trinta últimos anos, muita da produção tradicional foi à vida. E foi-o porque se passou dum ciclo antiquado e atrasado, de mão de obra intensiva para outro em que é o capital que tem direito ao adjectivo. Os salários miseráveis de outros tempos foram-se mas obviamente o número de trabalhadores dessas industrias tradicionais diminuiu. Isto quando não foram mesmo as indústrias que emigraram em peso para países de mão de obra mais barata e menores direitos políticos e sociais.

Mas suponha-se que a “produção” está definida, é moderna, necessária e tem escoamento garantido interna e externamente. Melhores salários? Claro que sim, se...

E este se é um se dos diabos. Um se difícil sobretudo se (este sem ser a negrito) houver como há uma taxa de desemprego que ultrapassa os 10%.

São essas centenas de milhares de trabalhadores sem salário que têm de ser socorridas em primeiro lugar. Um salário, mesmo o mínimo, por favor. Um salário pela sobrevivência, pela dignidade, pelo amor próprio, pela justiça social. E, ai, pela paz social.

Falar em “melhores salários” pressupõe apenas que se pretende proteger, beneficiar quem já tem emprego.

Desde há muito que se verifica, sobretudo a certo nível sindical, esta ideia. O sindicato protege quem está empregado, quem cotiza para ele e não os outros, os deixados para trás, os desprotegidos, como se essa gente sem eira nem beira nem ramo de figueira, fosse pestífera, incapaz, sem direitos.

Este cartaz, na sua fria crueza, no seu erro palmar e indecente, é insuportável.

Ou, então, e mais uma vez, anda por aí muita gente que precisa de aprender a falar português. E um português que seja compreensível pelos portugueses todos, pelo povo, pelos trabalhadores e pelo raio que parta quem não consegue sequer criar uma mensagem solidária, leal, e...verdadeiramente revolucionária... Mas isso é outro falar...

 

*na gravura: slogan do tempo da guerra civil na União Soviética: "presente vermelho para um ricaço "branco". Brancos eram, como se sabe, os contra-revolucionários, apoiados aliás pelas potências ocidentais em dinheiro, armas e soldados.

Estes dias que passam 227

d'oliveira, 07.02.11

 

Não, caro JCP. Não e não.

Caro Amigo e remador desta “barca dos sete lemes”, tripulada por gente livre que dá a cara e não teme estar em desacordo.

Discordo, permita-me a repetição, do seu texto sobre as eleições. E discordo tanto que, em vez de lhe apor um comentário, entendi escrever um post inteiro com as minhas razões.

Vejamos então.

Diz o meu Caro Amigo que a vitória de Cavaco (cavalheiro de que ambos não gostamos...) foi uma vitória de Pirro. Nem tanto, JCP. Nem tanto. Pirro afirmou, depois de uma vitória que lhe custou um inteiro exército, que o seu fim estaria próximo, querendo com isso dizer que as perdas no terreno hipotecavam dramaticamente o futuro do seu reino. E, claro, acertou.

Cavaco já não travará mais nenhuma batalha presidencial. A idade, por um lado e a Constituição, por outro, não lhe permitem senão estes próximos cinco anos.

Poder-se-ia dizer que, além de Presidente, é uma figura de importância vital para o PPD. Já não é. E a idade (outra vez!...) junta com os cinco anos que começam, afasta-o, mais e mais, de o voltar a ser. A hora, JCP, pertence a esta geração que trouxe, por misteriosa razão, um Passos Coelho à liderança.

Mas, talvez, V. se quisesse referir ao facto de “Cavaco ter perdido meio milhão de votos” e de a precipitadamente anunciada taxa de abstenção ter sido gigantesca.

Vamos por partes. A abstenção imprudentemente anunciada foi muito menor porquanto o Tribunal Constitucional já abateu ao exagero tolo e irresponsável dos não sei quantos milhões de eleitores cerca de quinhentos mil. Aliás, boas contas, fáceis de fazer, remetem mesmo, este novo número para patamares ainda menores. É provável, se não absolutamente certo, que anda por aí ainda outro meio milhão de eleitores fantasmas. Se for assim, e tudo indica que é assim, a percentagem de Cavaco sobe meteoricamente, o papão dos eleitores faltosos diminui drasticamente. Mesmo se, como é hábito, as segundas eleições serem menos excitantes que as primeiras e mobilizarem (pelo menos pelo lado do vencedor) menos gente.

Cavaco ganhou, pois, por uma forte percentagem. A primeira pessoa a lamentá-lo sou eu que, aqui, e onde me foi possível, dei a cara por Manuel Alegre.

A segunda questão que V. suscita é a da “falta de legitimidade”. Diz o caro Amigo que com 60% dos votos, Cavaco teria outra e melhor legitimidade. Convenhamos que o argumento, aliás conhecido, usado e glosado ad nauseam, é pobre e anti-democrático. Na democracia ganha-se por um único voto! Ponto final, parágrafo! Quem ganha tem toda a legitimidade. Mas nem sequer é este o caso. A anterior diferença (devido ao balão dos eleitores fantasmas) já era suficientemente expressiva e forte para arrasar o argumento que V. (e outros, aliás) defenderam.

Cavaco não foi condenado a “remeter-se à condição de espectador” bem pelo contrario. E ele, anunciou-o sem esconder a mão. Fingir que não se vê isto, desculpe, é apenas um argumento para uso interno partidário, uma espécie de pacho quente para pôr em cima do inchaço da derrota.

Sócrates que se acautele porquanto, Deus não o queira!, à primeira hesitação “vai de vela”. Resta-lhe navegar à vista da costa. E esperar pelo milagre das rosas: juros mais baixos, aumento das exportações, resignação dos portugueses perante os sacrifícios de que ainda não tivemos sequer uma pálida ideia, boa vontade do eixo franco-alemão (melhor: germânico-francês!) e por aí fora.

Em segundo lugar, V afirma que “Sócrates não sai penalizado das eleições porque sabia que nem no P.S. a sua opção por Alegre reunia consenso”. Essa agora! Então se não reunia consenso, porque tomou esse imprudente comboio? E se a sua opção não mobilizava (como não mobilizou...) o partido como é que a reteve? Houve ou não uma desautorização por parte de uma expressiva parte dos militantes (e de dirigentes, claro)?

Mas há mais. V. diz que Alegre tentou a “quadratura do círculo”, expressão estafada que não diz nada politicamente. Alegre, que se saiba, apresentou-se à eleição. Era seu direito e, como se sabe, a eleição para a Presidência da República  é individual e não partidária. Que o BE o tenha querido apoiar não significa nem pode nunca significar que isso impeça o P.S.. Fartas vezes tem o BE apoiado (no Parlamento) o P.S. contra a Direita e nem por isso, V. (ou qualquer outro simpatizante de Sócrates) disse ou pretendeu que isso suscitava a quadratura seja do que for. Nem, nessa ocasião, isso fez impressão aos delicados socialistas (ou que por tal passam e são agraciados, v.g. Correia de Campos ou Vital Moreira, deputados europeus eleitos nas listas socialistas...) que agora vieram, em ofendido e virginal coro, chorar essa espúria aliança.

Se, acaso, o P.S. depender dos votos do BE e/ou do PCP numa qualquer futura e dramática moção de censura apresentada pela Direita, virá V. (ou os pudicos socialistas que não “engoliram” a candidatura de Alegre...) bradar contra essa quadratura negregada e ortorrômbica?

Adiante:

As eleições presidenciais, mais do que uma derrota de Alegre (que o foram, obviamente.) traduzem uma derrota do P.S. frente à Direita. E isto porque o PCP se limitou a fixar os seus votos e Coelho ou Defensor de Moura não contam ou contam pouco. Já Nobre, candidato inventado por quem se sabe, apoiado por quem se sabe, ao reunir muitos (se não todos) dos socialistas extraviados, foi uma pedra no caminho de Alegre. Mas mesmo que o não tivessem atirado para a arena, mesmo que Defensor não tivesse, sabe-se lá por que razão, tentado um voo para o qual não tinha asas, sequer penas, mesmo assim, Alegre perderia. E com ele, os que o apoiaram. Chamem-se Louçã, Sócrates ou muito simplesmente Marcelo Correia Ribeiro, este seu criado que já por aqui declarou ser um derrotado mas que está vivo, pronto a mais uma, que não se envergonha (como Alegre...) de perder e que perdeu ao longo da sua vida muitas e muitas eleições. E que eventualmente, por má cabeça, piores fígados e coração à esquerda, perderá outras mais.

Um abraço

 

Um olhar sobre as eleições presidenciais

José Carlos Pereira, 04.02.11

Quase duas semanas depois, é certo, mas respeitando a respectiva data de publicação, transcrevo o artigo que publiquei na edição de Fevereiro do "Repórter do Marão" sobre as recentes eleições presidenciais:

 

"As eleições do passado dia 23 de Janeiro puseram fim a uma das campanhas eleitorais mais desinteressantes da democracia portuguesa, o que acabou por ficar reflectido na enorme abstenção, no elevado número de votos brancos e nulos e na própria votação alcançada por candidatos provenientes de fora do sistema político-partidário.

Cavaco Silva teve aquilo que se pode chamar uma vitória de Pirro. Ao ser eleito com a menor votação de sempre e ao perder mais de 500.000 votos face à eleição anterior, Cavaco averbou um resultado que lhe retira o domínio que gostaria de ter sobre a sua área política no futuro próximo. O Presidente recandidato não foi capaz de gerar uma onda de apoio que lhe garantisse um registo próximo dos conseguidos por Mário Soares e até por Jorge Sampaio aquando das respectivas reeleições.

O seu infeliz discurso na noite eleitoral, ao qual faltou a magnanimidade dos vencedores, mostrou o espírito de quem não sabe ganhar. Os casos sobre a compra e venda de acções não cotadas do BPN e o processo de aquisição, licenciamento e construção da sua casa no Algarve deveriam ter sido cabalmente esclarecidos por Cavaco Silva. Em qualquer democracia do mundo estes assuntos seriam escrutinados pela comunicação social e pela opinião pública.

Cavaco agregou os seus indefectíveis, mas não conseguiu mobilizar os portugueses para estas eleições, para o que muito terá contribuído o seu discurso errante. Faltou-lhe a coragem para criticar no tempo certo as opções do Governo de Sócrates e, ao invés, sobrou-lhe a indisfarçável vontade de dar palpites sobre o que deve ser feito no futuro, imiscuindo-se na esfera de acção governativa. Da proclamada cooperação estratégica passou em pouco tempo à promessa de uma “magistratura actuante”, seja lá isso o que for.

O resultado de Cavaco Silva, por outro lado, foi bem recebido por Passos Coelho e José Sócrates. Uma votação na casa dos 60% daria uma diferente legitimidade política a Cavaco, fosse para condicionar as opções do PSD de Passos Coelho, por quem não morre de amores, ou para se impor ao Governo socialista. Assim, terá de remeter-se à condição de espectador e observar de longe a forma como Passos Coelho pretende guiar o PSD nos próximos meses, aparentemente sem pressa de precipitar uma crise política.

José Sócrates acabou por não sair penalizado do mau resultado de Manuel Alegre. Sabia que a sua opção de apoiar Alegre, já depois de o BE lhe ter declarado o apoio formal, não reunia consensos dentro do PS e isso ficou bem evidente na campanha e no resultado eleitoral. Dificilmente os apoiantes do Governo se reveriam numa candidatura que juntava alguns dos seus mais ferozes opositores. Alegre quis fazer a quadratura do círculo e foi vítima dessa incoerência, perdendo quase 300.000 votos em relação à sua candidatura de 2006.

Sócrates já passou adiante e procura agora tirar partido do apelo à estabilidade política, estando obrigado a salvaguardar um patamar mínimo de cooperação institucional com o Presidente da República. Sabe que todos os olhos estarão postos na execução orçamental destes primeiros meses do ano e esse é o desafio fundamental que importa vencer, em função dos compromissos assumidos perante as instâncias internacionais e os mercados financeiros. As contas com Cavaco e Passos Coelho acertar-se-ão mais à frente.

O que dizer, a finalizar, dos resultados de Fernando Nobre, Francisco Lopes, José Manuel Coelho e Defensor Moura? O ex-autarca de Viana do Castelo teve uma votação residual e nunca se percebeu a razão de ser da sua candidatura. O excêntrico deputado madeirense surpreendeu com a sua postura non sense e captou o voto de muitos descontentes com a política e com os políticos. O candidato comunista cumpriu o objectivo prioritário de segurar o eleitorado do PCP. Fernando Nobre congregou o voto de vários sectores desalinhados com os partidos, que assim protestaram contra a realidade económica e social do país. Creio que a votação atingida por alguns destes candidatos deve interpelar-nos seriamente."

Estes dias que passam 226

d'oliveira, 03.02.11


A teoria do dominó


Nos idos de sessenta, a sempre imaginativa administração americana inventou a teoria do dominó. No caso era o Extremo Oriente que estava na berlinda e a coisa enunciava-se em duas penadas: se o Vietnam do Sul caísse (nas mãos do Vietminh – ou seja do partido comunista que governava o Norte depois da derrota dos franceses), cairiam seguidamente o Laos, o Cambodja e a Tailândia. Com um pouco mais de imaginação a Birmânia (que ainda não se chamava Myamar) e as Filipinas poderiam também vir a arredondar a conta do eixo do mal. E por aí fora.

Foi nesse pressuposto que a administração Kennedy (Kennedy, reparem bem...) começou a auxiliar fortemente o viciado regime do Sul. A corrupção generalizada, a continua sucessão de golpes militares internos, a brutalidade policial, a exclusão de quase todos os restantes parceiros políticos, as exacções próprias do estado de guerra, a impreparação política do exército americano, juntamente com a crescente contestação dos civis e dos religiosos budistas deram no que deram. Os Estados Unidos saíram do Vietnam com cinquenta mil mortos (o Vietnam do Norte e as forças sulistas do Vietminh terão perdido um milhão de combatentes) e o Vietnam reunificado conheceu os horrores próprios do fim das guerras civis: milhões de refugiados, os “boat people”, uma repressão selvagem que não poupou ninguém, sequer os mais progressistas, o abaixamento do nível de vida e, coisa extraordinária, uma invasão sangrenta do vizinho Cambodja, ameaças ao Laos e guerra larvar na fronteira com a China.

Todavia, mesmo com os avanços dos comunistas (Pathet Lao) no Laos, com os Kmehrs vermelhos (mais uns milhões de mortos) no Cambodja, não se verificou a sinistra teoria avançada pelos mais brilhantes cérebros do Departamento de Estado, da CIA e dos diferentes think thank americanos. O Vietnam reabre-se lentamente, o seu partido dirigente vai passando do vermelho vivo para o rosa (sem porém perder o seu carácter autocrático), no Cambodja reúne-se hoje mesmo o primeiro parlamento civil pluripartidário, a Tailândia manteve-se na órbita ocidental e por aí fora.

As peças do dominó, mesmo se contíguas não caíram todas.

Agora, trinta e tal anos depois, eis que volta o dominó às conversas (e aos temores) ocidentais. Desta feita é o “mundo árabe” (como se tal mundo fosse homogéneo, social, política e religiosamente.

Agora, o medo tem outro nome: os islamistas radicais. A propósito de radicais e de islamismo, lembre-se a teoria infame e estúpida que levou à destruição do Iraque. Não que Sadam não fosse um canalha e um criminoso. Era-o, sem dúvida. Mas, parafraseando um político menos ingénuo do século passado, era o “nosso (deles, entenda-se, antes que metam no mesmo saco) canalha”. Boa parte do Ocidente, viu armas de destruição maciça onde elas não eram mais do que uma miragem (coisa propícia a paisagens desérticas...). e vai de entrar por ali fora, à bruta e sem perspectivas de médio ou longo prazo. Rebentaram com o ditador e com as suas estátuas, e de caminho não perceberam que o país e os seus frágeis equilíbrios deixara de existir. Agora chora-se o avanço dos chiitas, a intransigência dos curdos, os atentados diários, a economia destruída, a acumulada raiva dos sunitas. Ninguém se lembra de quem armou e apoiou Sadam. Ninguém se lembra do beneplácito que lhe foi dado para invadir o Irão. Também ninguém se lembra de que o  Irão é o que é porque ao apoiar, sempre e cegamente, o Xá Reza Pahlevi, apoiaram a polícia política, a perseguição aos democratas, a morte de Mossadegh e aimpossibilidade de permitir a existência de um país que não era árabe mas apenas muçulmano e de uma população que queria viver com liberdade. Vai demorar anos a sair do pântano em que a cegueira ocidental   meteu os desgraçados iranianos. Pode sempre dizer-se que farta ajuda tiveram do clero radical chiita, dos mollahs e de toda essa gentuça ultra-religiosa. Mas que políticas inteligentes (e aliás propostas e esboçadas desde sempre por minorias árabes, persas e ocidentais) tinham previsto tudo o que veio a suceder, não há dúvidas.

A Tunísia, elo mais fraco?, correu com o seu déspota de há trinta anos. Antes disso tivera outro, Burguiba, um pai da pátria e da independência, que também não fora exactamente um democrata.

Agora a febre passou para o Egipto. Um país em que 40% da população vive com menos de dois euros dia e que conheceu desde os tempos alucinados do rei Faruk, imbatível na frequência de casinos e de putas, apenas três líderes todo-poderosos, Nasser, Sadat e Mubarak, visto não se dever contar com o débil general Naguib, efémero antecessor do primeiro.

Fora a falta de democracia, de bens essenciais e de liberdade religiosa, aqueles noventa milhões conheceram tudo. Várias derrotas em sucessivas guerras com Israel, o assassínio de um presidente que tentou, apesar de tudo, modificar os termos da relação conflitiva com Israel e a esclerose anunciada e fatal do regime.

Agora, o povo está na rua. De dia para dia, cresce o número de manifestantes, atenua-se o medo (mesmo que já se contabilizem mais de cento e cinquenta mortos), a polícia vai-se esfumando e o Exército não parece totalmente disposto a morrer por Mubarak. Este jura que resistirá (para “o poder não cair na rua”!!!) e que não voltará a ser candidato (oferecendo para o penoso cargo de raïs um filho!...) e que as reformas políticas vêm a caminho.

Não há memória de nenhum ditador sair a bem. Não é crível que este venha constituir a primeira excepção. Mas, na verdade, tem aliados: há quem jure que se Mubarak cair aparece a “irmandade muçulmana” e com ela o radicalismo. Pode ser. Mas nunca será exactamente a mesma coisa. Para começar, este grupo que gozará do apoio de cerca de 20% dos egípcios terá de contar com as restantes forças que emergem lentamente dos escombros do regime. Depois, ao contrário do Irão, o Egipto não pode isolar-se do mundo que o rodeia. A sua prosperidade assenta no turismo, no canal de Suez e na privilegiada posição que detém entre o Magrebe e o Próximo Oriente. Fechar-se na cápsula de uma república islâmica de modelo radical custar-lhe-á demasiado. Finalmente, o Egipto tem, apesar de tudo, fortes minorias sociais e religiosas que eventualmente tenderão a contrariar a visão mais catastrofista de certos observadores ocidentais.

De todo o modo, tentar ajudar Mubarak sob o pretexto de que, sem ele, vem o dilúvio universal parece uma troça quando na rua cairota se acumulam mais e mais homens e mulheres que querem viver de outra maneira.

Quando se olha para o mundo árabe mais próximo, verifica-se que, mesmo sem o efeito imitação, as coisas estão, desde há muito, a mudar. Na Argélia, as esperanças da guerra de libertação foram amortecidas e devoradas pela série de medíocres ditadores saídos do partido mais forte, FNLA. Nunca resolveram os problemas da minoria berbere (que continua perseguida política e culturalmente) e também não conseguiram, por inépcia e por incapacidade, impor um limite às ambições dos religiosos radicais. A liberdade que recusaram à sociedade civil profundamente influenciada pela França, pela gigantesca colónia emigrante nesse mesmo país, teria sido fundamental para deter a vaga de proselitismo religioso. Os déspotas alimentam sempre as forças mais radicais e obscuras da sociedade que oprimem.

A Argélia corre o sério risco (“Inch Allah!) de ser a próxima pedra deste dominó.

Ou a Síria país inventado pelos franceses (que lhe retiraram o inventado Líbano) onde uma minoria alauíta, governa com mão de ferro e de pai para filho.

O finado Império Turco dividira as suas províncias numa espécie de vice-reinos onde avultavam quatro cidades Cairo, Damasco, Bagdad e Bassorá. Seriam esses (mais eventualmente  uma quinta região com Meca à cabeça) os territórios que constituiriam o embrião de nações mais ou menos homogéneas. De lado ficavam os Emiratos do Estreito e o Yemen. A opção inglesa post primeira guerra foi diferente, como se sabe, e os franceses reservaram-se o mesmo direito na zona de influência de Damasco. Aliás é dessa altura a declaração Balfour que “aceitava discutir a formação de um lar nacional judaico” na Palestina, indo assim ao encontro sãs reivindicações do então recente movimento sionista.

É ocioso perguntar o que pensavam disto, desta divisão a regra e esquadro do império turco (fora da Anatólia) os habitantes. Não contavam. Ou só contava um escasso grupo de sheiks, emires & assimilados. O resto era paisagem. Irrelevante.

Sem se perceber isto (e as suas obrigatórias consequências ao longo de um século) não vale a pena tentar ler nas entrelinhas das notícias. Todavia, quando a realidade é expulsa porta fora pode tentar voltar a entrar pela janela. E com violência! Não é a primeira vez, de resto. No auge da popularidade de Nasser houve tentativas de unificar os movimentos revolucionários laicos árabes, com ou sem comunistas à mistura. Disputas de capoeira (e outros interesses estranhos à zona e mais obscuros...) reduziram esse ímpeto pan-arabista e varreram o lixo para baixo do tapete. E enterraram a vaga ideia de democracia que poderia ter eclodido há umas largas dezenas de anos.

E o efeito dominó? Se porventura existe é duvidoso que se desenrole como previam os “iluminati” americanos. As ditaduras tem a pele dura e aprendem mais depressa que as democracias. À medida que o tempo passa, organizam-se as linhas de defesa, muda-se qualquer coisa para que tudo permaneça semelhante (eis uma invenção também mediterrânica se bem que europeia ou, pelo menos, siciliana). Para a rua árabe e para os emergentes partidos democratas o tempo é limitado. Por isso conviria apoiar com todos os meios os que protestam.

 

Frases Que Ficam

O meu olhar, 02.02.11

"O Ministério da Educação pode ser implodido sem nenhum problema e com resultados muitíssimos melhores para a educação no país. Não há nenhuma dificuldade em fazer isso, desde que seja feito desta maneira. Aliás, é outra maneira de resolver o problema do controlo ideológico e do aparelho de Estado."

Joaquim Azevedo, nas Jornadas Parlamentares do PSD

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