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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

O Mercado desalinhado com as leituras macroeconómicas do Governo

JSC, 24.05.12

Há dois ou três dias foram conhecidos os dados do boletim de execução orçamental, a mostrar a degradação de todos os indicadores, que traduzem a paralisação da economia e o consequente aumento do desemprego.


Como não podia deixar de suceder, em consequência da opção de paralisar o funcionamento da economia, o aumento do desemprego desencadeia três efeitos imediatos nefastos para o erário público, que o boletim da DGO evidencia:


a) Redução em 2,8% das contribuições e quotizações para a da Segurança Social;
b) Aumento em 21,4% da despesa com subsídios de desemprego e de apoio ao emprego, que, em termos absolutos, cresceu 150 milhões de euros;
c) Diminuição das receitas fiscais, nomeadamente  IRS e IVA.


O boletim de execução orçamental mostra a dimensão da degradação das contas públicas, observada nos primeiros quatro meses do ano, tendo o défice orçamental do Estado e da Segurança Social atingido cerca de 1.900 milhões de euros, em consequência da diminuição da receita (se a economia pára não há arrecadação de impostos e outras receitas públicas) e do aumento em 4,1% da despesa efectiva.


 Em síntese, o défice do Estado nos primeiros quatro meses do ano foi 3,1 mil milhões de euros, mais 25% do que no mesmo período de 2011.


Apesar do peso e da evidência dos números vertidos no Boletim da DGO, o hipotético futuro ministro das finanças, Miguel Frasquilho conseguiu ver nestes números "boas notícias" e revelar-nos que "o défice está claramente controlado", procurando convencer-nos de que "os sacrifícios dos portugueses estão a valer a pena”.


Quem se recorda de intervenções públicas de Miguel Frasquilho, num passado muito recente, certamente que constatará que as leituras deste potencial ministro das finanças não primam pela coerência, uma vez que agora consegue ver um quê de positivo em números igualmente maus ou ainda piores dos que então comentava tão causticamente.


A mostrar que o mercado também não vai nas leituras actuais que Miguel Frasquilho faz tem-se o brutal aumento dos juros da dívida que, no dia imediato ao conhecimento dos número da DGO e da OCDE, dispararam 43%. Ver aqui.

Au Bonheur des Dames 319

d'oliveira, 24.05.12

A prisão é uma chatice e ainda por cima come-se mal

3 Memória de amigos e companheiros

Abílio Vieira, Alberto Mendonça Neves (Alah), Alberto Pinguinha, Alfredo Fernandes Martins, Alfredo Soveral Martins, António Bernardes, António Ferreira Guedes, António Jacinto Rodrigues, António Lopes Dias, António Manuel Lecquoc,  António Mota Prego, António Teles Grilo,  Carlos Mac-Mahon, Carlos Ferreira Bento, Eduardo Casais, Francisco Delgado, Irene Namorado, Isabel Duarte Reis, Jaime Cortezão, João Gargaté, Jorge Ormonde Aguiar, José Augusto Rocha, José Martins Baptista, José Ferraz Alçada, José Monteiro (“bagacinho”), João Quintela, Judite Cortezão, Luis Bagulho, Luis Nogueira de Lemos, Manuel Balonas (Manekas),  Manuel Cassiano, Manuel Lima, *******, Margarida Cabral Lucas,  Mário Silva, Octávio Ribeiro da Cunha,  Pedro Mendes de Abreu, Pedro Nogueira de Lemos, Raul Franco, Raul Sobral, Rui Fernando Moura, Rui Namorado, Uriel Oliveira, por onde andam vocês, amigos, companheiros, cúmplices meus, “band of brothers”, teimosos, excessivos, imprudentes, impenitentes, incapazes de perceber a “táctica” e, mais ainda, a “estratégia”, a negociata, o compromisso, solidários mas não solitários, quarenta e três nomes (fora o meu)  que, em boa verdade representam mais duzentos ou trezentos, entre eles o inolvidável e fugidio “Zé dos pregos” que, adivinhando a chegada iminente da policia, se escondeu no sótão e aí permaneceu mais um inteiro dia, como se fora  o infante D João (futuro segundo rei do nome) que, diz a lenda e quiçá a história, guardou o campo de Toro durante três dias tentando mostrar que as armas de seu pai não tinham sido derrotadas, todos os outros, entre eles o “Toninho” Mendes de Abreu, rejeitado pela PIDE por demasiado novo e “imberbe” e Octávio Correia Ribeiro, meu irmão que, eventualmente se terá safado por o confundirem com o Octávio Ribeiro da Cunha, então liceal e estreante nestas fitas mas que num ápice aprendeu tudo, foi presidente da AAC uns anos mais tarde e expulso de todas as universidades portuguesas por várias malfeitorias entre elas a de rasgar a nota de castigo e atirá-la aos focinhos do Reitor, coisa que este qualificou de agressão, e outros, tantos outros que a pide deixou escapar por os não conhecer ainda ou por, erro fatal!, os julgar ingénuos e inocentes?

 

Quem no dia 19 de Maio reocupou a sede da Associação Académica de Coimbra sabia perfeitamente que “aquilo” já não ia ser um passeio, uma graça de estudantes inconformistas, e isso mesmo foi sentido pelas centenas de outros estudantes que, ao mesmo tempo, se manifestavam nas  ruas da “baixa” coimbrã perseguidos pela policia de choque que nesse dia “arreou” forte e feio, como, pouco depois, voltaria a fazer num Académica Sporting, o último jogo do campeonato.

 

Na cadeia de Caxias, nas semanas em que lá nos mantiveram “detidos à ordem do Ministro da Educação” como asseverou alguém, depositados numas casamatas miseráveis, tendo a honra de ter por companheiros um grupo de camponeses alentejanos da zona de Évora, outro de ferroviários grevistas presos na onda das grandes jornadas do 1 e 8 de Maio de 1962 e ainda de um terceiro, presos da revolta de Beja, com quem conseguimos chegar á fala, fizemos em tempo curto um curso inteiro de “oposição política ao regime salazarista”, em discussões e conversas que, como também algum de nós confidenciou, faziam voar o tempo.

 

Na prisão de Caxias, aprendemos o valor da amizade, da solidariedade, da lealdade, do respeito pelos que se batiam sem nada excepto a miséria (os nossos amigos alentejanos que cantavam da cela ao lado e que nos ofereceram um punhado de cerejas em troca de comida que em excesso nos traziam amigos e familiares, namoradas e colegas de Lisboa, alguns dos quais entrevíamos nos parlatórios colectivos durante o escasso tempo das visitas).

 

Na prisão de Caxias aprendemos, os menos afortunados, os que bisaram, “trisaram” e voltaram a bisar a estadia naquela sórdida cadeia, que “à policia e aos costumes se diz nada”, meu lema de uma inteira vida, meu desafio, meu orgulho (desculpem lá, isto hoje é uma lamechice pegada, mas que querem, foi desta farinha que me fiz, que se fizeram outros bem melhores do que eu, que continuam a indignar-se, a não aceitar, a preferir um não quixotesco á gamela do poder).

 

Milhares antes de nós, outros tantos depois de nós, passaram por ali, cantaram cantigas, sussurraram mensagens de apoio, ás vezes só o nome, esperaram ansiosamente a notícia de uma saída, respiraram de alivio pelo fim de um interrogatório, ouviram gritos, gemidos ou simplesmente os passos arrastados de alguém que regressava á cela depois de uns dias em Lisboa, nos quartinhos do último andar da António Maria Cardoso.

 

Voltei a Caxias, mais uma vez como turista involuntário, no ano de 71, já licenciado em malas artes jurídicas, depois de um outro estágio longo, demasiado longo, nos calabouços infectos do Tribunal de Coimbra que foi onde a Judiciária encarcerou os presos da crise de 1969.

 

Em ambas as vezes estava só, imensamente só, mas solidário, tão solidário como da primeira vez. Devo isso, um certo bom humor, a capacidade de me rir, do que via lá fora (tive a felicidade incomparável de ocupar uma cela com vista para a auto-estrada e uma nesga de Tejo, de poder espreitar as visitas que vinham ver os familiares e que, provocadoramente se recusavam ou fingiam ignorar a circulação obrigatória junto às paredes. Desse modo, podia-se reconhecer gente e assim saber de companheiros de infortúnio. Na vida  de um preso, isso era  (é) extraordinário.

 

Melhor do que isso só sair dali e poder olhar de frente, olhos nos olhos, sem vergonha, amigos, colegas e camaradas. Significar-lhes que, por inépcia da polícia, sorte nossa, pudor, e alguma coragem que diabo!..., não tínhamos traído, não tínhamos delatado, não tínhamos confirmado suspeitas, rumores, intuições dos investigadores, dos torcionários, dos defensores armados do regime.  E isso também começou há cinquenta anos em Caxias, numa sórdida casamata, cercado de amigos, desses amigos citados aí em cima. Desses amigos alguns já mortos mas vivos na recordação. Desses amigos, muitos dos quais gostaria de saber onde param. Haja um, muitos leitores a dar-me novas deles.

 

Somos como diz o bardo, a little band of brothers, que tiveram o azar e a sorte de estar juntos num momento incerto e difícil, em nome de uma duvidosa e não menos árdua batalha e que não sabiam que, para todos ou quase, aquilo era apenas o começo de uma longa carreira de insucessos políticos, de mais dificuldades, de mais prisões, de expulsões das faculdades e de todo um ror de mesquinhices e de represálias que só acabaram doze anos depois. Não somos um grupo de happy few porque a cadeia não alegra ninguém, não individualiza ninguém nem sequer é berço ou cama de heróis. A prisão como reza o título geral destas crónicas é uma chatice e come-se sempre mal.

 

(continua)

 

na gravura: desenho original de Mário Silva, tinta azul sobre papel. Saravah, querido Amigo!

 

 

estes dias que passam 274

d'oliveira, 20.05.12

O meu último jogo de futebol, ocorreu no Jamor, em 1989, numa final da taça perdida para o Benfica.

não sou academista, mas apenas um infiel e distraído adepto da Associação Naval 1º de Maio.

Todavia. lá em casa. meu Pai, Marcelo como eu, minha Mãe felizmente ainda viva e cheia de azougue, meu Irmão eram todos da Briosa. 

Os primeiros festejaram a 1ª Taça e ensinaram-nos desde pequeninos a cantar

 

"São horas de emalar a trouxa

boa noite ó Ti Maria

que a malta ganhava a taça

já toda a gente sabia!"

 

 

Por eles, por muitos velhos e queridos amigos, pelo Iduíno Lopes, pelo Pedro Mendes de Abreu e por muitos outros, também hoje me junto ao grupo e canto a velha cantiga. ainda por cima a "académica" mereceu plenamente esta vitória. quiseram ganhar, suaram para ganhar e ganharam. Boa malha, malta.

viva a Naval!  


 

 

 

 

 

au Bonheur des Dames 318

d'oliveira, 20.05.12

A prisão é uma chatice

 

( ainda por cima come-se mal)


1

 

 

 

 

 

We few, we happy few, bando f brothers

 

 

 

No dia, melhor dito na tarde de 19 de Maio de 1962, depois de uma tempestuosa Assembleia Magna, no Campo de Santa Cruz, um pouco mais de duas centenas de estudantes, entenderam reocupar as instalações da Associação Académica de Coimbra (AAC), entretanto encerradas pela policia na sequencia de uma numerosa série de incidentes provocados pela reacção da Academia coimbrã aos acontecimentos que mais tarde se chamariam “a crise académica de 62”.

 

Não vale a pena relembrar os factos mais conhecidos (estamos no ano do cinquentenário e os jornais – e aqui mesmo – já noticiaram o assunto) mas convirá saber-se que os efeitos do incidente lisboeta do Dia do Estudante provocara fortes ondas de choque em Coimbra. Proclamara-se uma greve de solidariedade, havia já numerosos processos em curso contra estudantes, nomeadamente contra a Direcção Geral da AAC, sucediam-se as manifestações, suspendera-se a praxe, decretara-se o luto académico, decidira-se anular as festas da Queima das Fitas e, em sucessivas Assembleias Magnas, votara-se a desconfiança nas autoridades académicas e sobretudo no Reitor (que não era de facto Magnífico) Braga da Cruz. A sede da AAC fora encerrada. Como já se disse, fora ocupada por uma multidão de estudantes a 9 de Maio e depois de uma saída negociada dos ocupantes fora novamente selada pela policia com o beneplácito do Senado Universitário.

 

As negociações para a saída da crise marcavam passo e, a cada dia que passava, tornava-se evidente para a minoria mais activista e mais solidária com a greve ininterrupta de Lisboa, que o saldo final do movimento estudantil se encaminhava para uma forte derrota.

 

Não vou polemizar sobre o bem ou mal fundado desta opinião que era a minha também. Professores com boa vontade, alguns lideres estudantis de segunda linha e eventualmente a maioria dos estudantes já cansados, sem festas da Queima e com os exames à porta inclinavam-se para um armistício com as autoridades que preservaria, segundo eles, o essencial, mesmo se isso significasse penas disciplinares para uns tantos, uma menor autonomia da AAC e uma paz académica podre.

 

A ideia de levar a cabo uma “acção exemplar” (a reocupação das instalações estudantis) de modo a tentar renegociar uma saída mais airosa para a crise, combinada com a tradicional ingenuidade e entusiasmo estudantis, levou esta pequena multidão à AAC.

 

Hoje em dia, é fácil descobrir os pontos fracos deste raciocínio. O corpus estudantil fora até onde era possível ir sem arriscar um ano de estudos. Aceitara não fazer a Queima, apanhara no lombo as bastonadas policiais, coisa, aliás, corrente na irrequieta Coimbra, aturara as recriminações da família longínqua mas pedir-lhe mais era difícil. Perder um ano, ser eventualmente (no caso dos rapazes) chamado para a tropa e malhar com os ossos em África onde se combatia numa duvidosa guerra (pouco ou nada contestada pela esmagadora maioria da população) nas matas do norte de Angola, já era algo mais, muito mais, sério.

 

Portanto, a ocupação. Desta feita, quem foi, foi conscientemente. Quem foi sabia que seria muito difícil sair dali como dez dias antes saíra. Não sei se alguém se sentia como um dos “happy few” bando de irmãos de Henrique V. Nem sequer sei se algum de nós teria lido Shakespeare. Mas, de certo modo o espírito estava lá. Sabíamo-nos poucos contra muitos, contra uma esmagadora indiferença, contra um pais embiocado, contra um sufoco que nos acompanhava desde sempre, longe da Europa que apenas conhecíamos pelo cinema, pelos raros turistas, pelos romances devorados com avidez. Pelas notícias cortadas por uma censura desajeitada e pela repressão sempre presente desde os inspectores dos isqueiros (que careciam de licença!) até ao cabo do mar que, nas praias, exigia decoro no traje de banho. Já não tenho bem presente se os homens na praia ainda eram obrigados a usar uma coisa chamada peitilho e que vagamente cobria parte do peito masculino numa ânsia desvairada de pudor que nos tornava risíveis e ridículos aos olhos dos primeiros turistas que lentamente descobriam um pais de bárbaros envergonhados. Aliás foi o turismo emergente que acabou com essa pundonorosa peça de vestuário e não a revogação da lei ou regulamento que a tornava obrigatória (às tantas ainda está em vigor...)

 

Sabíamos ,ou desconfiámos, que daquela vez, as coisas iam fiar mais fino. Que eventualmente seríamos desalojados à força, à bastonada, e que lá mais para a frente algo de pior nos poderia suceder. Talvez, até, temêssemos ser presos. Em Lisboa, dias antes, os ocupantes da Cantina Universitária, tinham sido expulsos de lá, conduzidos a um quartel onde tinham passado mais de 24 horas detidos.

 

A polícia de choque chegou como previsto em poucas horas. Em dez minutos arrombou as portas fracamente defendidas e, com surpreendente suavidade, deu-nos ordem de prisão.

 

Levou toda a gente que encontrou. E digo assim, porquanto um dos nossos companheiros (o Zé dos pregos) que já, como quase todos nós, estivera na primeira ocupação, teve o bom senso de se esconder no sótão do edifício entre duas vigas. Este “Zé dos pregos” capitaneara um improvisado bando de carpinteiros que em ambas as ocasiões pregara umas pibre madeiras nas janelas e portas da associação numa tentativa pueril mas divertida de converter aquele velho casarão, um antigo convento (dos Grilos) num bunker inconquistável.

 

Por onde andará este companheiro magnífico e louco, este artista do prego e da marreta, este clandestino dos sótãos, este companheiro dos morcegos, que aguentou a pé firme e prudente o seu clandestino poiso durante mais um inteiro dia até sair esfomeado mas livre do seu esconderijo? Onde quer que esteja, saravah!

 

E nós?

 

Pois nós, fomos conduzidos para o quartel da GNR, onde amontoados na cantina, perante o olhar ensonado deuns guardas e a vigilância mais apertada de vários agentes da PIDE fomos identificados. Depois desse passo, um selecto grupo de 38 Cavalheiros e 4 Senhoras da pior sociedade estudantil coimbrã foi separado da maioria dos seus colegas e amigos e conduzido para um destino menos lisonjeiro. As meninas recolheram aos calabouços privativos da PIDE coimbrã onde estagiaram longos dias. Os rapazolas foram metidos em dois autocarros da Policia de Choque e lado a lado com os policias armados de escopeta fizerma uma longa viagem até aos arredores de Lisboa. Era já dia quando chegámos à sinistra prisão de Caxias, onde, depois de fotografados e novamente identificados, fomos metidos durante algum tempo numa enxovia miserável. Nesse mesmo dia, separaram-nos em dois grupos desiguais e durante umas semanas de mau agoiro, estivemos metidos nas casamatas mais antigas do forte.

 

Foi a 20 de Maio que lá cheguei, há exactamente cinquenta anos....

 

(continua)

 

* nota: A História regista 40 presos masculinos e eu acuso apenas 38. A razão é simples. Os dois presos que não registei não estavam na AAC. Carlos Mac-Mahon Vitória Pereira, angolano, ex-presidente da Mesa da Assembleia Magna, depois deputado e bastonário da Ordem dos Médicos da República Popular de Angola foi preso em casa e levado a 21 para Caxias. António Mota prego, futuro advogado vimaranense e deputado pelo PS foi detido na baixa de Coimbra, onde entretanto se registavam manifestações duramente reprimidas e conduzido individualmente para a cadeia onde já estávamos. Por ironia, ele apenas ia para Guimarães obedecendo a ordens fortíssimas do pai que o queria longe daquela confusão coimbrã.  

 

 

 

  

 

 

 

Au Bonheur des Dames 317

d'oliveira, 20.05.12

A prisão é uma chatice

 

(ainda por cima come-se mal)

 

 

 

Prólogo

 

Eu sei que o título desta curta série (que, a exemplo de outras, noutros anos) celebra o aniversário do “incursões”) pode prestar-se a equívocos: muito boa gente achará “chocarreiro” ou de humor duvidoso um título  de um par de crónicas que versarão temas sérios e graves.

 

Todavia, decidi mantê-lo por razões igualmente sérias, ponderosas e graves: em primeiro lugar seria o título de um romance que não escrevi sobre algumas épocas de uma vida – a minha – temperado pelo véu ligeiríssimo da fantasia.

Em segundo lugar, valendo-me sempre de Eça, sempre entendi que a auto-ironia, e a ideia de não nos levarmos demasiado a sério, torna menos imodesto este exercício autobiográfico. 

 

Em terceiro, último e definitivo (ou provisoriamente definitivo) lugar trata-se de uma verdade insofismável: a prisão não se recomenda a ninguém e a mistela que por lá servem é pior do que o rancho da tropa (se é que ainda há tropa e ainda há rancho.

Em tempos de crise tudo é possível mesmo se ao virar de uma esquina nos cruzemos com os senhores Vasco Lourenço e Otelo Saraiva de Carvalho que, ao que parece, se julgam donos do 25 de Abril ...  Bom seria lembrar a essas lustres personagens que o 25 A apenas veio repor –para melhor, convenhamos – a situação anterior ao 28 de Maio e que entre uma e outra data, a tropa, a verdadeira, a das Escolas Militares, desfrutou de uma bela situação que, mesmo hoje ainda se prolonga.

 

Portanto esta é a história de um paisano que com outros paisanos que nunca se deram por heróis começaram o 25 A com doze anos de antecipação. Mais precisamente num Maio de 1962. 

 

A falência da democracia

JSC, 17.05.12

 

A Grécia esteve durante vários meses sem um governo eleito. O governo não era mais que um grupo de interlocutores que procuravam executar as políticas da Troika que lhes calhou em sorte. É óbvio que a classe dominante que governou a Grécia nos últimos 30 anos criou as condições que levaram à situação actual. Mas também é verdade que as autoridades europeias pactuaram com os sucessivos governos gregos e, por sua vez, os países que dominam economicamente a UE também facturaram a lucraram com a Grécia e continuam a lucrar com o descalabro financeiro que a Grécia vive.

 

Finalmente a Grécia foi a eleições. O povo votou e o resultado final não permitiu uma solução governativa estável. Para complicar as coisas, na perspectiva dos mercados, o partido que mais cresceu é tido por radical, pouco do agrado dos mandantes das bolsas, da banca e do mercado.

 

Face à crise política, incapacidade para formar governo, a Grécia vai de novo a eleições. O tal partido, de que os mercados não gostam, parece crescer  nas intenções de voto, o que deixa os mercados ainda mais nervosos. É neste quadro que nos dizem que o “BCE fecha torneira a bancos gregos”. Ou seja, o BCE, que até financiou a Grécia quando esta não tinha um governo eleito, agora que a Grécia vai a eleições e que pode vir a ter um governo legítimo, chantageia o povo grego, mostrando que se votarem no tal partido correm o risco de perder os financiamentos.


Mas o BCE não está sozinho nesta batalha dos mercados contra a Grécia. Por mera coincidência, o Fundo Monetário Internacional indicou que suspende os contactos com a Grécia até às eleições legislativas de 17 de junho próximo, o que na prática significa suspender o programa de financiamento que vinha sendo aplicado pela EU e pelo FMI. 


Como não podia deixar de ter sucedido, as posições do BCE e do FMI foram precedidas pela atitude da Alemanha que anunciou rejeitar a renegociação da “ajuda” à Grécia, sendo que na base desta posição alemã está o mesmo problema e a incerteza quanto ao resultado das próximas eleições gregas.


As posições agressivas do BCE, do FMI e da Alemanha tiveram como consequência a corrida dos gregos aos bancos, agravando a já frágil situação financeira do país e criando as condições para o colapso final.


Não deixa de ser espantoso que a Grécia, berço da democracia, esteja a ser chantageada por instituições que se tinham por credíveis, que deveriam estar acima e até supervisionar os mercados. Hoje a vontade dos eleitores de pouco vale. As eleições são apenas o simulacro  para dar o ar formal de democracia à expressão da vontade dos mercados.