estes dias que passam 284
Fim de Agosto, princípio de quê?
Com tanta coisa a que meter o dente até parece mal falar deste indigesto tema. Todavia, a coisa impõe-se porquanto porque nem a dessorada “oposição” do P.S. nem, ainda menos, a gesticulação patética do PC produzem qualquer efeito, ou têm qualquer expressão no que conviria chamar-se debate ideológico.
Não se chama à colação o Bloco porque esse ajuntamento anda perdido nas conspirações da sucessão de Louçã que, magnanimamente resolveu deixar o posto indicando de passada um duo de sucessores. Como solução democrática esta designação relembra para pior e mais tonto o velho método do (antigo?) PRI mexicano one o “dedazo” resolvia o problem a da solução presidencial e ai de quem se revoltasse.
Nunca acreditei muito naquele albergue espanhol onde se juntavam stalinistas puros e duros, trotskistas de vária espécie, prófugos e órfãos do PC e algum povo de esquerda tresmalhado. Porém, la arranjaram um nicho, lá elegeram penosamente uns deputados, cresceram e decresceram rapidamente. Pelo caminho, apresentaram umas propostas “fracturantes” que só escandalizaram meia dúzia de criaturas saudosas dos velhos tempos.
No que toca a debate, a novas soluções para a longa agonia da Esquerda em que um partido socialista anémico e um comunista incapaz de se libertar do fantasma soviético, nada. Rigorosamente, nada. Se alguém, Rip van Winkle, por exemplo, tivesse adormecido a 26 de Abril de 1974 e acordasse hoje, não acharia a política partidária nacional assim tão diferente. Os mesmos estafados slogans, os mesmos temas, a mesma incapacidade de ver o mundo tal qual ele é.
Ou melhor, acharia algo diferente. Verificaria qque enquanto no seu tempo, a Esquerda detinha posições claramente ofensivas contra uma Direita ensimesmada e sepultada ao lado do féretro recente do dr. Salazar, agora era esta que marcava a pauta enquanto a outra rodopiava aflita à procura de uma (só uma...) razão de subsistir.
Vem isto a propósito de uma discussão amável com amigos depois de um almoço sem história. Alegavam os meua amigos que um dos meus mais antigos companheiros de Coimbra andava agora ao serviço do grande capital, justificando este e as soluções que lhe convinham (ao capital, claro) através de um programa de publicações sobre Portugal e os problemas portugueses de acentuado cariz “conservador”.
Confesso que poucos livrinhos dessa colecção li, que dos que li não me pareceram assim tão evidentes os cavilosos argumentos conservadores e muito menos a ideia de estar em marcha um programa de doutrinação anti-progressista. Mas, como disse, não li todos, nem sequer a maior parte. E não tenho o editor (esse antigo amigo) por um homem de Direita, mesmo se também não me pareça possível apresentá-lo como porta voz de Esquerda organizada que por aí corre. Porém, nas questões fundamentais, democracia, defesa da liberdade, do direito à opinião, da libertação dos costumes, do dialogo político e da cultura não tenho quaisquer dúvidas sobre o sítio onde está e sobre a trincheira a que se acolheria no caso aliás longínquo (por enquanto) de haver por cá algo de reacção e retocesso, político, cultural ou civilizacional.
O que, entretanto, me espanta em gente da minha geração é verificar que, contra essa alegada doutrinação conservadora, reaccionária, enfim tudo o que queiram, não haja uma contr-informação igualmente organizada, informada e eficaz.
É que, nos tempos da outra senhora, o predomínio intelectual da Esquerda, verificável na literatura, na informação cultural, nas revistas de maior circulação, foi construído no meio de formidáveis riscos. Não havia dinheiro ou melhor, éramos nós que duramente nos cotizávamos para alimentar editoras (várias) três revistas (Seara Nova, Vértice e O Tempo e o Modo) o movimento cineclubista, os escassos grupos de teatro, as sociedades de concertos enfim tudo o que se mexia, para já não falar em dezenas ou centenas de associações mais ou menos populares. Agora que, dizem-me se considera um êxito um livro vender 250 exemplares estas três revistas citadas punham cá fora mensalmente mais de dez mil exemplares, só por assinatura! E vendiam ainda a público. As editoras, e por todas a minha “Centelha”, tinha um programa editorial e um público enormes. Mesmo com uma censura que impiedosamente lhe proibia dois em cada três títulos publicados que se escoavam graças a uma rede de vendedores benévolos e clandestinos, Gente que se arriscava, fique bem claro, A vida cultural portuguesa era animada pela Esquerda, sustentada por ela e pelas pessoas que essa Esquerda com a sua determinação, a sua coragem, o seu entusiasmo e as suas razões conseguia mobilizar.
Como é que chegámos aqui? Como é que nem sequer se consegue replicar a essa tal “malévola” e (consta) bem sucedida série de publicações? Como é que o público a compra? E compra, fiquem certos, que os responsáveis editoriais não andam neste mundo a atirar o dinheiro pela janela.
Eu sou mais pelas perguntas do que pelas respostas. Não tenho feitio, queda, sequer idade para maître a penser. (Credo, só a ideia disso me faz tremer!). Todavia, e à falta de melhor, ando por aqui, neste amável blog a pregar as minhas opiniões, a vociferar contra esta gentinha que nos desgoverna, nos engana, nos pede um voto e depois faz o que faz.
Por outro lado, pensando bem, durante os anos (e foram bastantes, e foram penosos) em que andei a opor-me ao Estado Novo sempre defendi que a liberdade começava nesta coisa simples: o direito de todos, e cada um, dizerem o que pensavam sem censura nem ameaças. Que agora seja uma vaga conservadora a usar o tom afirmativo, incomoda-me pouco, ou nada. O que me dói é ver os meus amigos cabisbaixos, na defensiva, sem recursos nem vontade de os reunir. O que espanta é ver, depois, do fim da URSS, esfumadas as fumaças cubanas e voluntaristas, desfeito o espantalho (o não alinhamento nunca passou disso) dos filhos de Bandung, esgotada (é o mínimo que se pode dizer) a bizarra via chinesa, a Esquerda a patinar alegremente num deserto, em que as miragens mais recorrentes são um “Estado social” que a mera quebra demográfica (para não falar da acelerada desindustrialização ocidental) torna incerto para não dizer falível.
Chorarmos a perdida fé nos amanhãs que canta(va)m, coisa que, aliás nunca ocorreu em tempo nosso, é um exercício inútil e faz-nos perder tempo. Agora a urgência, se de urgência se trata, é outra: “que fazer?”, como? e porquê?. Não se trata de um remedo de Lenin mas apenas de aproveitar o seu famoso título (que não o conteúdo ou as soluções) que além de sedutor apela a uma certa memória que convém salvaguardar quanto mais não seja para não repetir erros passados e trágicos.
E já agora, tentar dilucidar serenamente estoutra questão. Se alguém apresenta soluções diferentes da nossa isso é ser de Direita ou apenas ser diferente? A democracia constrói-se com todos, ou apenas com os que pensam como nós? Acaso não é verdade que antigas bandeiras da Esquerda se tornaram tão “normais”, “naturais” que hoje a Direita brande-as sem qualquer rebuço? E isso torna esses velhos ideais nossos em ideias da Direita?
Não quero, com isto, significar que entre Direita e Esquerda não haja fronteiras mas tão somente afirmar que essas fronteiras se deslocaram graças até às boas práticas de uma Esquerda que as conseguiu tornar universais (para não ir mais longe: um homem um voto).
Não era este o post que pensara para regresso de férias mas uma conversa com amigos acabou por o impor. Como se isto fosse um desafio a leitores habituais e eventualmente a outros (estes amigos) que à falta de melhor achem o espaço incursionista um bom local para reflectir e, mesmo com estes limitados meios, agir.
O desafio está feito. A ver vamos, como dizia o cego....
(para AB, MMV e SG agradecendo a companhia e a paciência)