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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Um desafio exigente para o PS

José Carlos Pereira, 30.06.14

Um eleitor português que se situe na esquerda democrática, vinculado, por assim dizer, à matriz social-democrata de inspiração nórdica, não tem em Portugal alternativas válidas ao Partido Socialista. Por essa razão, o que se passa no interior desse partido interessa não apenas aos seus militantes mas também à massa mais alargada de simpatizantes e eleitores, ao fim e ao cabo os que verdadeiramente decidem as eleições quando aderem às candidaturas apresentadas ou apoiadas pelo PS e lhes confiam o seu voto.

O que se espera de um partido de poder como o PS é que apresente aos portugueses lideranças competentes e preparadas para governar o país, mobilizadoras dos melhores quadros e das melhores propostas, capazes de construir soluções de estabilidade governativa que permitam aplicar essas políticas.

Após as derradeiras legislativas, o PS viveu uma disputa pela liderança entre António José Seguro e Francisco Assis. Enquanto eleitor do espaço da esquerda democrática não tive dúvida, então, sobre qual seria a melhor solução para o PS e para o país. Uma convicção que não resultava apenas da maior proximidade a Francisco Assis, mas antes do conhecimento da sua solidez e coragem política, do facto de ter dado excelentes provas em funções executivas, como autarca, da combatividade que sempre mostrou e do suporte que deu no parlamento aos últimos governos socialistas. Tudo o que não encontrava em António José Seguro.

Os militantes do PS fizeram uma escolha diferente no Verão de 2011 e hoje, três anos volvidos, é conhecida a situação em que está o partido e a esquerda em Portugal. As eleições europeias apenas vieram confirmar aquilo que todas as sondagens deixavam antever: o PS não se afirma como uma alternativa clara e indiscutível à maioria PSD/CDS e António José Seguro não é reconhecido como o líder capaz de construir uma verdadeira alternativa às políticas da maioria de direita. As razões encontram-se tanto nas debilidades intrínsecas do próprio secretário-geral do PS como nos erros e omissões cometidos ao longo destes três anos.

Seguro, aliás, foi o primeiro a admitir as suas fragilidades quando, perante a disponibilidade de António Costa, aceitou ir a votos em eleições primárias e colocar em causa a sua permanência à frente do PS. Um líder forte, seguro de si, das suas ideias e das suas equipas, não admitiria colocar tudo em causa ao primeiro desafio.

Aqui chegados, parece-me claro que António Costa está mais bem preparado para guiar o PS e a esquerda democrática numa nova etapa de governação. Faltar-lhe-ão, porventura, mais qualificações no domínio do “circuito da carne assada”, mas o país que está fora das sedes do partido reconhece-lhe as qualidades, a tarimba e o carisma necessários para liderar o PS e o futuro governo. O seu percurso na autarquia da capital e no governo, onde abraçou pastas exigentes, a forma como soube constituir equipas preparadas e qualificadas, o gosto assumido pelo risco ao invés de apostar no calculismo de salão, a capacidade de gerar compromissos e de negociar com outras forças políticas falam por si.

Os militantes do PS, entretanto, embrenharam-se numa luta sem quartel, em que parece que vale quase tudo para defender o respectivo candidato. Uma disputa que traz ao de cima o pior que têm os partidos, quando se transformam em meros clubes de apaniguados. As eleições primárias, que poderiam ser um elemento aglutinador do eleitorado socialista, exigiam mais tempo de preparação para a definição de regras claras e transparentes. Assim, correm o risco de ser apenas mais um foco gerador de turbulência.

Apesar disso, admito vir a registar-me para participar nas eleições primárias e dar o meu voto a António Costa. Desde que essas primárias tenham regras que se coadunem com a minha forma de ver e de estar na política e seja razoável o compromisso exigido aos não militantes para que possam participar. Veremos o que este (longo) processo ainda nos reserva.

Au bonheur des Dames 366

d'oliveira, 29.06.14

 

Esta gente queima livros...

 

Sou um vulgar leitor de livros ou, pelo menos, isso pretendo ser. Tive a sorte de sempre ter podido comprá-los, editá-los escrevê-los e traduzi-los. E oferecê-los, já agora.

Quando era pequeno, se me davam a escolher um presente, pedia um livro. Mais velho mas adolescente era aí que sumia o pouco dinheiro que tinha. Ou quase: também gostava de cinema e não perdia uma patuscada. Mas os livros, ai os livros, eram a minha bênção: carreguei, primeiro uma mala, depois duas, mais tarde centenas de caixotes de cartão atulhados de livros. Dei muitos e até à data, só vendi livros por conta de uma editora que com mais amigos ajudei a fundar (“Centelha”) e de uma malograda livraria (com mais outros amigos) de que fui sócio (“A erva daninha”)

Se me desfaço de algum livro, ou o dou, ou(sempre com prejuízo meu)  o troco.
Nunca roubei um livro. Nunca. Aqui para nós que ninguém nos ouve, a coisa não obedecia tanto a conceitos morais elevados mas ao abjecto medo de ser apanhado.

Sou um frequentador de livrarias e há cidades que conheço por esse vasto mundo de Deus onde as livrarias são os meus primeiros pontos de referencia. Quando, por ventura, regresso a algum desses sítios que aprendi a amar (Paris, Roma, Veneza, Madrid, Amsterdam, logo me oriento pelas livrarias: a de Amsterdam – se  ainda existe chama-se “Athenaeum” e está perto da Beguinage, do Spui e de uma generosa e animada cervejaria: ah que prazer comprar um livro e seguir para uma bela esplanada e abri-lo já com uma Heineken na mão! Na Figueira da minha longínqua infância era a Havanesa. Chegava e a primeira, notem bem, a primeira paragem era a Havanesa, com a Maria Helena Alves ao balcão, sempre sorridente.

Agora nem a Maria Helena é, nem, tão pouco, a livraria. porra de vida!  Ao longo destes últimos trinta anos fiz o luto de múltiplas livrarias, desde a Atlântida de Coimbra, à Joie de Lire  - e à Librairie du Globe- de Paris. E à Divan, já agora.

Todos os meses passo quatro dias em Lisboa: aí é nos alfarrabistas que me perco e que a minha algibeira se me esvazia.

Ora, tudo isto vem a propósito de um eventual renascimento do espaço da “Sá da Costa”, ao chiado. Desta vez está lá temporariamente instalada a “Castro Silva”, alfarrabista vigorosa (e careira, valha-me Deus!). Talvez lá fiquem definitivamente, disseram-me. Assim seja, repliquei. Antes vocês careirões que mais uma merda muito mais cara para turistas chineses e angolanos.

Na minha primeira visita, deparei-me com uma edição da “Fauna e flora do Brasil no sec XVIII”, um livro que recolhe ilustrações do Landi e que foi amorosamente montado e editado por um grupo de gente brasileira de primeiríssima água. Aquilo está repleto de gravuras admiráveis e, até para nós antigos colonizadores, tem o perfume de uma época em que de cá ia gente de alta valia intelectual para explorar o Brasil, sobretudo o norte. As gravuras de Landi batem-se com as do Dr Alexandre Rodrigues Ferreira, o enorme cientista que durante dez anos explorou mais ou menos as mesmas regiões.

O livro que encontrei estava num estado comatoso: a lombada presa por um fio, sinais evidentes de ter apanhado água, uma boa vintena de folhas manchadas, meia dúzia delas coladas, até. Todavia, com alguém capaz e amador de livros, aquilo restaurava-se e ficava não direi como novo mas com um belo aspecto. Perguntei pelo preço. Não tinha preço. O livro, ao que me informaram,  tinha sido propositadamente estragado com um bom banho nada lustral para, com mais umas pinturecas horrendas, uns sofás paraplégicos cobertos por uns lençóis de duvidosa limpeza, mostrar a potencia criativa de um “artista” plástico vagamente chamado Colaço! Provavelmente, o livro já não estaria impecável mas o banho e as restantes eventuais intervenções infamemente artísticas que sofreu não o melhoraram em nada. Portanto a coisa não era para venda mas apenas para mostrar urbi et orbi o inexistente talento do “criador” de monstruosidades que o adquirira ou herdara.

Não foi a primeira vez que me deparei com semelhante aberração. Já há algum tempo, desta feita no Porto, encontrara uma megera que tentava comprar livros antigos meio “estragados” para a partir daí mostrar de que farinha era feita. Também ela, feia criatura de resto e com ar de pouca amizade pela água e sabão, se intitulava “artista plástica”.

Uns cavalheiros, redentores da humanidade, dos arianos na sua feição mais germânica, também se deram a práticas semelhantes. À falta de autores para aprisionar nos seus campos de concentração, pilharam-lhes os livros para queimar em medonhas e alucinadas manifestações de “deutsche Kultur”. Deus foi servido, posteriormente, ao converter-lhes as cidades e aldeias em idênticas fogueira purificadoras.

Agora vem esta gentinha, aluada pelos filisteus da “cultura” reclamar a sua quota-parte de fama e de falta de senso, vingando-se num livro que apenas ali está para ser lido por alguém com curiosidade. Arre!

 

(post-scriptum: nada disto tem a ver com a historieta imbecil de outro candidato a artista, igualmente plástico” que entendeu pôr uma bandeira portuguesa numa forca. Parece que tal obra era o resultado de um ano de intensa elucubração intelectual de um aluno de uma vaga universidade de província. Por isso algum diligente zelota o terá levado a tribunal acusando a criatura de traição ou desrespeito a símbolo nacional.  Ai Jesus que estão a atacar a liberdade intelectual! Aqui para nós, o que vi em fotografia não merece duas linhas. Nem traição, nem atentado à Bandeira nem nada. Aquilo é apenas uma merda. Uma merda pequenota entre a de gato e a de cão, vá lá a de cavalo deixada ao deus dará num local vagamente público e pouco cheiroso. O que me espanta é o dinheiro que se gasta com o julgamento. E, já agora, com os ordenados dos agentes da autoridade, juristas incluídos que levam ao pretoria aquela ridicularia. Ou melhor: o processo em si, os embaraços do Ministério Público, do Juiz e das restantes autoridades policiais é que, em conjunto, me parecem merecer o título de “obra de arte”. Não nos bastava a selecção, as batalhas do PS, os delíquios de uma direita ultra e banqueira para ainda por cima nos virem com esta bambochata. Que mal fizemos a Deus (e ao diabo)?

 

 Na gravura: uma das muitas ilustrações de "Fauna e flora brasileiras no século XVIII" (a Editora é a Odebrecht uma fundação de obra mais que reconhecida e apreciada

 

 

E lá se foi o Mundial!

José Carlos Pereira, 27.06.14

 

E pronto. A goleada frente ao Gana, que calaria todos os males, não surgiu e Portugal saiu do Mundial pela porta dos fundos, vítima das suas próprias debilidades e da teimosia (incompetência?) do seleccionador nacional.

Passando ao lado das questões técnicas da preparação e do planeamento da fase final do Mundial, por incapacidade para me pronunciar sobre as mesmas, é para mim evidente que Paulo Bento tinha a obrigação de conhecer, de fio a pavio, a condição física e técnica dos jogadores antes de publicar a convocatória. Apostar num número elevado de atletas com sérios problemas físicos ou com reduzida competição ao longo da época e em outros sem qualidade para estar na selecção só podia dar no que deu.

Uma equipa nestas condições necessitava de ter jokers super motivados pela época que tiveram ou pelos resultados que alcançaram, que ajudassem a compensar a menor disponibilidade física de alguns jogadores e surpreendessem os adversários. Antunes, na defesa, Tiago e Adrien, no meio campo, e Quaresma e Bebé, no ataque, poderiam ser alguns desses nomes. Bento preferiu fechar-se no seu grupo habitual, incapaz de lidar com a irreverência de que Portugal tanto necessitou neste Mundial. Mostrou também inabilidade para lidar com a retirada de Tiago, ao invés do que fez em tempos Scolari, que convenceu Luís Figo a regressar à selecção depois de uma primeira renúncia.

Temos de voltar a página e dentro de pouco tempo surgirá já o apuramento para o Europeu de 2016. Em meu entender, não faz qualquer sentido manter Paulo Bento em funções depois deste inêxito. Será, aliás, a primeira vez que um seleccionador português se mantém no lugar depois de fracassar numa grande competição internacional. Paulo Bento ficou “manchado” por este mundial e não parece talhado para conduzir a renovação de que Portugal necessita. Não se entende como é que a Federação decidiu renovar-lhe o contrato antes da fase final do Mundial, sem cuidar de avaliar os resultados nessa competição. Ou será que a FPF dá-se por contente com os apuramentos “à rasquinha”?!

Au bonheur des Dames 365

d'oliveira, 18.06.14

 

 

Sobre a Casa dos Estudantes do Império

(desfazendo erros)

No jornal Público, a propósito do encerramento da Casa dos Estudantes do Império, refere-se que a famosa fuga de 102 estudantes “ultramarinos” ocorrida no Verão de 1961 foi planeada na “CEI” e organizada pelo aparelho de fronteiras do PC.

Não é verdade e só um descuido do jornalista que não fez os trabalhos de casa poderia fundamentar tal notícia. Se é verdade que cabe ao PC a organização da ex-filtração de Agostinho Neto e de Vasco Cabral (que chegaram a ser seus militantes mesmo se uma posterior “história oficial” africanizada o negue) não menos verdade é a história deste maciço êxodo de estudantes africanos (desde Chipenda a Chissano) ser obra de outros actores.

Bastaria ao jornalista ignorante compulsar o excelente livro de Dalila Cabrita Mateus “A luta pela independência (a formação das elites fundadoras da FRELIMO, MPLA e PAIGC)” editorial Inquérito, Lisboa 1999, para ler toda a crónica com nomes, datas, testemunhos (por todos Tomás de Medeiros).

Eu próprio, na altura estudante em Coimbra e cabide eterno da República “1000-y-onarius”, tive conhecimentoquase imediato da história rocambolesca das fugas de grande número dos seus membros e amigos da casa, desde o “Beto” Traça até  ao Chip (Daniel Chipenda) com quem privei intensamente. Se bem me recordo o “Beto” tentou várias vezes fugir e contava-se que numa dessas frustradas saídas foi reconduzido a Coimbra onde o inspector Sachetti o recebeu com a seguinte frase ”Bom dia senhor Traça, o seu quartinho está pronto e a cama feita de lavado!” E ala para a cela.

Ora então passemos aos factos.

Os fugidos de 1961 (num mínimo de 102) saíram (“lancetaram” na frase impressiva do Orlando “Raposo” Rodrigues) em dois ou três grupos e, já em Espanha ( se é que não o foram logo em Portugal) tiveram a assistência de gente ligada ao Conselho Mundial das Igrejas (organização protestante) que teve apoio da CIA – pelo menos dois agentes – e, em França, foram recebidos e hospedados pelo CIMADE, outra organização protestante. Sabe-se até que um dos grupos ao passar a fronteira hispano-francesa teve a assistência de agentes americanos que mesmo diante dos fugitivos mostraram à renitente policia espanhola as suas credenciais. Há finalmente, e isso até constaria de relatórios posteriores da PIDE (apanhada de surpresa mas posteriormente recomposta e informada) notícia da ajuda de gente ligada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros francês, na época chefiado por Couve de Murville que conheceria perfeitamente processo. 

Dalila Mateus entrevistou alguns desses fugitivos que confirmaram esta versão. Aliás, uma vez no estrangeiro, França e Suíça, foram homens ligados aos americanos desde emissários de Holden Roberto a Eduardo Mondlane em pessoa quem primeiro contactou os fugitivos e os tentou arregimentar. Até Savimbi apareceu tendo sido nessa altura que ocorreu o convite aceite a Jorge Valentim para integrar a sua organização.

Este foi um segredo de Polichinello e na “Casa” toda a gente o conhecia ou pelo menos conhecia detalhes da operação mesmo se, obviamente, a acção da CIA não fosse conhecida. Contava-se a história de dois futuros fugitivos (eventualmente conhecidos por Gringas e André) que combinavam encontrar-se em Paris (que desconheciam) marcando a reunião para todos os domingos de manhã no Arco do Triunfo à esquerda de quem desce os Campos Elíseos   até, de facto, se encontrarem.

Convirá, finalmente, explicar a razão do envolvimento do Conselho Mundial das Igrejas neste apoio aos nacionalistas africanos. Na verdade, boa parte das elites de Angola e Moçambique foi educada por missões protestantes alvo, de resto, de contínuas acusações da PIDE. As poderosíssimas organizações irmãs dos Estados Unidos constituíram um fortíssimo apoio à causa da libertação africana. Pressionaram constantemente, e com êxito, o governo americano que terá concordado em enviar especialistas da CIA.

Espero que durante este longo e justo período de festividades à volta da Casa dos Estudantes do Império se possa definitivamente fazer a História dela, dos seus membros, dos portugueses que a frequentaram e apoiaram. Para já uma boa notícia: irão ser reeditados todos os livros publicados pela CEI.

Entretanto, um pedido pessoal: emprestei há muitos, muitos anos, uma série de livrinhos de uma “colecção de autores ultramarinos” edição simpática da CEI. Eram já os substitutos de outros levados pela PIDE por altura da minha última prisão por aquela policia. Nessa altura, essa gentuça levou meia dúzia. Recomprei-os com muito esforço e, já depois do 25 de Abril, umas criaturas que se intitulavam (e intitulam) especialistas de literaturas africanas de expressão portuguesa pediram-me aqueles exemplares para uma exposição. Parvo e forrado do mesmo, acedi generosamente. Lá foi uma boa dúzia de livros. Até hoje. 

(e já agora: as pessoas que têm em seu poder “O amor em visita” e "Electrónicolírica” ambos de Herberto Hélder (primeiras e únicas edições compradas contando todos os tostões no final de 50 e durante os primeiros anos de 60, época em que o cacauzinho não abundava) poderiam devolver os livros ao seu legítimo (eu) proprietário. Era bonito, lá isso era...)

 

 

diário Político 198

mcr, 17.06.14

Perder um jogo e perder a dignidade

 

 

Os leitores  espantar-se-ão: geralmente não falo de futebol. Por várias e boas razões:  não sou um especial aficionado; não quereria, por nada deste mundo, imitar aquelas empertigadas criaturas que povoam a nossa televisão falando horas a fio sobre os jogos, as tácticas, a bola mostrando bem mais a sua doentia preferência clubista do que algum eventual resquício saudável de amar o desporto; acho malsão e perigosamente estúpido endeusar os rapazes talentosos (como o correcto, alegre e inteligente Cristiano Ronaldo) atirando para cima de um único jogador a responsabilidade da salvação da pátria.

Para dizer a verdade, eu não queria ver o jogo, não queria ficar nervoso. Preferia, no fim ver o resumo os golos com uma secreta e pouco sólida esperança na vitória dos portugueses. Porém, a MQT (mais que tudo) uivou, vociferou, pediu, chateou e claro, lá se pôs a televisão a mostrar aquela inacreditável xaropada. O desastre! Alcácer Quibir em versão post-moderna. A anemia contra a alegria, onze vencidos antecipados contra uma “equipa” (A “Mannschaft” que quer dizer isso mesmo), aquilo era uma equipa de futebol a jogar contra um grupo desses de solteiros e casados destroçados pela idade e pela incapacidade.

Mas perder, coisa em que, lá fora, era aposta certa e, cá dentro, um indisfarçado temor (contra a Alemanha temos perdido sistematicamente) temperado pela mais louca esperança, é uma coisa. Perder daquela maneira, à Pepe, é outra.

E é disso que quero falar. Desse cavalheiro que entendeu naturalizar-se português e agora nos cobre de vergonha. De vergonha: a sua imbecil sarrafada no teutão é uma burrice supina, mesmo antes de ser uma canalhada. A sua cabeçada (encosto de cabeça berram alguns mais exaltadamente míopes) é  a cereja no bolo. A má criação, a selvajaria, atingiu o seu clímax. Expulsão sem apelo nem agravo, justíssima. Com aquele gesto inexplicável, o senhor Pepe pôs a equipa, que já estava naufragada, ainda mais fundo. Foram quatro mas podiam ter sido seis. Ou mais. Valeu-nos o facto dos alemães resolverem descansar. Tinham o jogo ganho, os adversários dominados, e bastava-lhes aguentar sem grande maçada a segunda parte. Foi o que fizeram. Arrasaram-nos e, pior do que isso, deixaram que o sentimento de vergonha nos destroçasse.

Quando o senhor Bento veio falar ainda esperei dele um assomo de dignidade e uma clara e contundente condenação do gesto de Pepe. Alguém viu isso? Se bem me lembro até disse que o árbitro (sempre o árbitro, claro) fez e aconteceu e estava contra nós,  e que até nem via especial razão para o cartão vermelho. Que este lhe parecera “forçado” ou algo no mesmo género.

Quando se esperava do indivíduo uma declaração a explicar que para honra da equipa e sobretudo do pais, o senhor Pepe já tinha as malas feitas para Lisboa, nada!

Poderei estar enganado mas creio que o tal Pepe, conhecido, aliás, por estropícios do mesmo género no Real Madrid onde depois de “abater” um adversário lhe “pôs” suavemente a delicada patinha no rosto e com isso ganhou umas prolongadas férias (terão sido doze jogos?) já não jogará, por castigo nenhum dos jogos desta fase. Com as anunciadas baixas de Coentrão e Almeida, a coisa, complica-se bastante. Que seja, perder ou ganhar é natural. Perder com cenas destas envergonha todo um país, um povo e um futebol que até é cotado. Perder em dois minutos uma reputação ou ganhar outra bem pior é que é (mesmo que isto só seja futebol) dramático.

Estou a ver, a adivinhar, muitos filisteus a vozearem que faço disto um caso tremendo. Os mais ignorantes, que os há, dirão sem saberem o conceito que isto é “tremendismo”. Não é, não é.

Nem sequer é exagero.

É apenas pudor, sentido da realidade, noção de honra e de vergonha.

Vergonha, que é uma coisa que se vai perdendo aceleradamente à medida que, também, com crescente rapidez, se aceita a corrupçãozinha, o carreirismo, a espertalhice saloia e a insensibilidade.

 

d'Oliveira fecit 17.06.14

 

(fique claro que, condenando o acto de Pepe, de modo algum sigo a corrente que o quer de volta para o Brasil. Nenhum português, mesmo naturalizado, deve ser privado da nacionalidade. Deixemos isso para os estalinistas e os fascistas que privaram milhares de cidadãos soviéticos e alemães desse direito.)  

O 2.º mérito dos vistos Gold criados pelo PP

JSC, 05.06.14

Os investigadores desconfiam que estejam a ser cobradas comissões ilegais entre 5 e 25% do valor total dos investimentos que os estrangeiros têm que fazer em Portugal para conseguirem o visto dourado.

 

Aos submarinos segue-se os vistos dourados. O que virá a seguir? Será que a PGR também carece de escrutínio democrático? Numa perspectiva de incrementar o investimento estrangeiro o procedimento nem é mau, pensará Paulo Portas, sempre são mais uns milhões a entrar. Para o bolso de quem? Não interessa, pensará o Vice, é dinheiro que entra…

Governar sem limites

JSC, 05.06.14

Como é que uma sociedade com transparência e maturidade democrática pode conferir tamanhos poderes a alguém que não foi escrutinado democraticamente", questiona o primeiro ministro e líder do PSD, sem se dar conta que os Juízes do TC foram designados, maioritariamente, pelo PSD, pelo CDS e pela Assembleia da República, que Passos Coelho controla.

 

À questiúncula do Passos Coelho, bem poderíamos colocar matérias bem mais sérias e profundas. Essas, sim, preocupam os portugueses e exigem uma resposta colectiva. Por exemplo:

 

Como é que uma sociedade com transparência e maturidade democrática reconhece legitimidade a um primeiro ministro que, apesar de escrutinado democraticamente, governa contra tudo o que disse na campanha eleitoral; afronta as instituições democraticamente constituídas; instrumentaliza o Parlamento e até o Presidente da República?

 

 Como é que uma sociedade com transparência e maturidade democrática a aceita um primeiro ministro que se prepara para aprovar leis com o único fito de “testar” a posição do Tribunal Constitucional?

 

 Como é que uma sociedade com transparência e maturidade democrática pode aceitar um Presidente da República que aceita ser instrumentalizado pelo Governo que ele, enquanto Presidente, deveria supervisionar no plano legislativo?

VIVA A CONSTITUIÇÃO!

JSC, 04.06.14

PSD e CDS estão em guerra com o país, contra os portugueses. O seu principal aliado nesta guerra é o Presidente da República. O facto de Cavaco Silva já não precisar do voto dos portugueses pode justificar que ele tenha assumido, claramente, sustentar a trupe que controla o Governo, o Parlamento, os meios de comunicação social.

 

Cavaco Silva devia estar no centro do debate político. Foi ele que durante três anos consecutivos promulgou Leis Orçamentais ilícitas, leis que violaram, sucessivamente, a Constituição. Cavaco Silva nem pode invocar que não foi avisado. Muitos foram os especialistas a afirmarem a inconstitucionalidade dessas leis. Mas ele seguiu em frente. Promulgou os diplomas. Deixou o governo desenvolver políticas ilícitas, até que o Tribunal Constitucional, ano após ano, veio confirmar o que muitos sabiam: As três Leis orçamentais continham inconstitucionalidades várias.

 

A reação do PSD e do CDS foi sempre a mesma. Responsabilizar o Tribunal o Constitucional, como se tivessem sido os Juízes a farem e a promulgarem essas leis. A reação do Presidente Cavaco foi sempre a mesma, silêncio, silêncio e mais silêncio.

 

Ou seja, o Presidente não só não cumpriu e fez cumprir a Constituição como ainda se calou perante os ataques desenfreados que o seu partido mais o aliado centrista fizeram e fazem aos Juízes do TC.

 

Hoje é claro que o país precisa de um Governo que, no mínimo, cumpra a Constituição. Mas o país também precisa de Presidente da República que, no mínimo, cumpra o que deve ser a sua primeira missão: que cumpra e faça cumprir a Constituição.

 

Perante os ataques soezes que PSD e CDS estão a levar a cabo contra o Tribunal Constitucional, o Sr. Presidente da República bem podia quebrar o pesado e empedernido silêncio que paira sobre Belém e mostrar aos portugueses que, finalmente, vai cumprir o juramento que fez, sair em defesa da Constituição e dos Juízes que têm como missão supervisionar a aplicação dos preceitos que a Constituição estabelece. Já não lhe sobra muito tempo para mostrar que ainda pode ser o Presidente de todos os portugueses.

estes dias que passam 321

d'oliveira, 02.06.14

Um gesto útil, necessário e compreensível

 

A abdicação hoje conhecida de Juan Carlos é um notícia que merece ser destacada e saudada mesmo por um republicano português.

Para começar pelo essencial: o Rei estava gasto, fisicamente gasto. Os setenta e seis anos que tem parecem mais e mais velhos. Via-se a olho nu. Com essa idade a grande maioria dos políticos entende dever reformar-se. E os que não o fazem, não são exemplos de grande clarividência e muito menos não mostram ser capazes de desempenhar uma tarefa que, se tem muito de decorativo, é também pesadamente política e, convenhamos, esgotante.

Depois há o peso de um par de erros que pareceram maiores por virem de quem vinham. E a constante exposição perante uns media agressivos e ávidos não ajudou (nunca ajuda) nada. A pergunta dos cem milhões seria esta: fosse Juan Carlos um paisano normal e alguém falaria de uma caçada, de algum devaneio amoroso ou de um genro que se meteu em negócios pelo mínimo duvidosos?

Todavia, tudo isso, nunca fará esquecer o homem que, com o filho pequeno ao lado, apareceu nas televisões a defender com firmeza e coragem a democracia, a incerta, nascente, difícil, democracia espanhola. 

E não faltavam na conturbada história espanhola exemplos de reis apeados mandados para o exílio, alvos de assassínio, de atentados. Até nisso o gesto é exemplar. Como exemplar foi o pedido de desculpas depois da história da caçada.

Se fosse espanhol poderia discutir o futuro da monarquia, as suas virtudes e defeitos face à república que, convenhamos, também não correu especialmente bem nas duas tentativas que se conhecem.

A Monarquia espanhola é muito menos poderosa do que muitas Repúblicas “reais”, basta atentar na francesa para não ir mais longe. 

Todavia, basta-me ser português, interessado na boa vizinhança com um pais que frequento, com uma cultura que aprecio, com uma arte e um saber viver que às vezes invejo. Não creio estar a ser sequer generoso quando afirmo que Juan Carlos foi, apesar de tudo, um Rei razoável, popular, democrata. Durante quase quarenta anos a Espanha foi um pais estável, progressivo, reconciliada consigo própria. Foram quarenta anos de progresso em todos os domínios (tomáramos nós que também não nos podemos queixar dos nossos anos depois de 25 de Abril mesmo se seja hábito recordar apenas as más horas).

Com uma idade não muito distante da do Rei ora abdicatário, recordo bem os tempos do franquismo final. Entre meados dos anos sessenta e a chamada ao poder de Adolfo Suarez, fui muitas vezes a Espanha. Assisti em Madrid às manifestações proto-fascistas desencadeadas contra a reprovação internacional pelas execuções dos últimos “terroristas” (Verão de 1975). Fiz parte dos muitos portugueses que apoiaram, alojaram e esconderam oposicionistas espanhóis que por cá andaram fugidos.

Ainda me doem os lombos de umas fugazes cacetadas apanhadas durante uma manifestação em Madrid. Quando lá regresso que diferença! Agora fala-se com um polícia, com um guarda civil como se fosse com alguém normal. A criatura está ali para ajudar e para proteger.  E isso, se não é obra exclusiva de Juan Carlos, é também resultado da sua acção.

Alguma vez ouvi e vi (na televisão) populares espanhóis chamarem-lhe “Torero!” o que por lá soa a elogio. Na hora da sua saída, espero que se reconheça que pode sair da praça pela Porta do Príncipe. Mereceu-o, apesar de tudo.

 

(na gravura Juan Carlos dirige-se ao país pela televisão contra a "tejerada": um momento quase fundador da democracia espanhola)