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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

o leitor (im)penitente 76

d'oliveira, 30.09.14

 

 

 

Jean Jacques Pauvert, a liberdade inegociávelo

 

 

Aos oitenta e oito anos JJP retira-se de cena. Pela porta grande, claro. Escritor, editor e polemista, este intelectual nunca cessou de ser um guerrilheiro. Desafiou os poderes conservadores, arriscou pesadas multas, proibição de livros, asfixiados pela interdição de os colocar em vitrina ou simplesmente à vista do público.

Tudo começou pela publicação das obras do Marquês de Sade. Um desafio, um escândalo, várias condenações. Sessenta anos (talvez mais) depois Sade está em toda a parte e, neste exacto mês, “Le Point” publica na sua série “les maîtres-penseurs” um volume de cem páginas com o título “Le mystère Sade” (acabo de o comprar mas já lhe dei uma olhadela: para já não desaponta bem pelo contrário).

Mais tarde organizou (com Lo Duca) a extraordinária “Biblioteca internacional de erotologia”,  25 ou 26 volumes hoje disputadíssimos no mercado de “segunda mão” na autoria de excelentes estudos sobre o erotismo na literatura

Todavia JJP não se ficou pelas publicações sulfurosas. Uma das suas mais importantes colecções (importante, lindíssima e barata) tinha por título “libertés” e custava, nos mimosos anos 60, três francos.  Livros entre 150 e 200 páginas  num formato  “poche” retangular 2:1, capas castanhas claras,  com uma escolha que ia desde Sade, claro (o excelente “Français encore un effort) a Vallés, Courier, Chateaubriand, Taine, d’Holbach (o delicioso d’Holbach portatif) Sempé, Voltaire, Breton, Stendhal, Péret ou Benda (“La traison des clercs: Tout un programme!) Muita da minha formação pré-68 vem daí, desses livrinhos, dessa espantosa liberdade de espírito.

A perseguição censória teve os seus efeitos: a editora não resistiu ao contínuo cerco de multas, processos e interdições à publicidade à exposição. JJP refugiou-se no estudo e publicação de textos seus nomeadamente antologias (entre elas uma monumental antologia de textos eróticos que é uma referencia internacional.  Imprescindível também, é a sua troca de correspondência com Guy Debord, um dos grandes nomes da Internacional Situacionista.

Não sei bem explicar mas Pauvert, com Maspero e com uma escassa meia dúzia de outros foi um exemplo ea honra da edição francesa da segunda metade do século XX. Parece 

Uma vitória retumbante

José Carlos Pereira, 29.09.14

António Costa teve ontem uma vitória retumbante nas eleições primárias do PS. Ao obter mais de 118.000 votos, correspondentes a cerca de 68% dos votantes, Costa saiu destas eleições com uma legitimidade redobrada perante o país e os portugueses.

Apoiei publicamente António Costa, tendo decidido inscrever-me como simpatizante para lhe outorgar o meu voto. Acreditava na sua vitória, naturalmente, mas confesso que esperava uma disputa mais equilibrada, face a um secretário-geral em exercício de funções há cerca de três anos e que sempre se esforçou por estar muito próximo do denominado "aparelho". Contudo, a onda de apoio a António Costa varreu o país e atingiu números inesperados.

No Porto, por exemplo, apesar do presidente da Federação Distrital ser um forte apoiante de António José Seguro e de todos os presidentes de Câmara do PS apoiarem o secretário-geral socialista, ainda assim António Costa venceu de forma expressiva, com cerca de 53% dos votos.

Nunca se saberá qual foi a distribuição de votos entre os militantes e entre os simpatizantes, mas é claro para mim que as eleições primárias, o recurso usado por Seguro para ganhar tempo face à disponibilidade anunciada por Costa para lhe disputar a liderança, vieram aproximar mais o PS daquele que era o sentimento generalizado entre os portugueses: Costa é melhor candidato a primeiro-ministro do que Seguro e reúne melhores condições para derrotar a maioria de direita no poder.

O processo de substituição da liderança não devia ter sido tão longo, o que apenas serviu para criar fracturas entre os socialistas e agudizar antipatias e rivalidades que as redes sociais vieram empolar. As próprias eleições primárias, pese embora todo o cuidado colocado na sua organização, estiveram longe de ser exemplares. O acto de participar e votar, que devia ser voluntário e individual, dispensava o arrebanhamento de votantes e a disponibilização de carrinhas de transporte por empresários que já tiveram responsabilidades políticas, como sei que sucedeu. E logo da parte de quem proclamava, alto e bom som, contra a promiscuidade entre a política e os negócios…

Segue-se agora um período de alguma fragilidade interna no PS, sem um líder formal em funções até às próximas directas para secretário-geral e com órgãos dirigentes periclitantes, mas António Costa saberá, por certo, agregar os melhores quadros e unir o PS na caminhada rumo às próximas legislativas. É isso que lhe exigem todos os que se revêm na esquerda democrática.

Diário Político 203

mcr, 28.09.14

Um dia como os outros

 

Sem surpresa Seguro perdeu, e por forte percentagem (calculo), as eleições para (pasmemos!) “candidato a Primeiro Ministro”.

E comecemos por aí: houve muitas criaturas a babarem-se com a democracia desta consulta.

Eu, desculparão, sempre tive por certo que o candidato a 1ª Ministro é o dirigente do Partido. Agora, podem coexistir (o que não vai ser o caso) um candidato a 1ª Ministro e um Secretario Geral. Imaginam a confusão?

Em Portugal, é perigosamente habitual copiar as modas estrangeiras, os costumes políticos de fora sem haver, previamente, um claro estudo da sua adequação ao nosso sistema político.

No caso vertente, a aceitação do voto de “simpatizantes” (que, para o provar, apenas basta inscreverem-se sem ter de provar esse entusiasmo e amor ao Partido que os aceita como eleitores de pleno direito) leva a este incongruente resultado de haver um peso fortíssimo de “simpatizantes” face aos militantes.

Um militante pode, doravante, interrogar-se seriamente sobre a sua função no Partido. Anda por ali a pagar quotas, a assistir a chatíssimas reuniões de secção, a perder tempo a encher salas de comício, a gastar solas e tempo a colar cartazes, a fazer arruadas e depois aparecem uns cavalheiros que durante esses penosos momentos de militância estiveram repimpados em casa, no bem bom, sem sequer abrir os cordões à bolsa, mesmo se a espórtula é irrelevante.

Conheço muita boa gente que correu a inscrever-se como simpatizante sem ter no seu “histórico” uma contínua votação no PS. Aliás, toda a gente conhece.

Claro que pode sempre dizer-se que os militantes ainda são (serão?...) os únicos que podem participar nos congressos onde se define o programa politico, se elegem os órgãos dirigentes e, de certo modo, os candidatos a deputados e a edis camarários.

Mas se a teoria é eleger o “candidato a 1º Ministro”  com a mais ampla participação popular, que razão haverá para, com muito mais facilidade e “democracia”, se eleger o presidente da Junta, o da Câmara e até o deputado ?

E, nesse caso, onde fica a utilidade do partido?

O rapazote  Seguro abriu esta caixa de Pandora. Ele que a feche. Mas não fecha porque, neste momento esmagado pela maior derrota que em Portugal se registou, já não é ninguém, ou, pelo menos, muito pouco. Deputado, se é que não leva até ao fim a sua vis demissionista. Não leva, claro. Este é o seu emprego, o seu ganha pão e não será Costa quem lho tirará. Dá-lhe jeito ter Seguro pela trela parlamentar, à mercê, à sua mercê.

Seguro no seu patético discurso da derrota não deixou de mencionar as vitórias que obteve. Até nisso foi mal aconselhado. Bastar-lhe-ia lembrar a carreira de Ferro Rodrigues, um politico absolutamente melhor que ele, e com melhor currriculo e melhor história política ( o homem tinha sido um dos líderes da revolta estudantil dos anos finais do marcelismo...) que foi esmagado dentro do mesmíssimo Partido Socialista por um arrivista, vindo da Direita e chamado Sócrates.  Nem na saída, o Tozé acertou.

E agora, Costa.

Desta feita, a coisa não vai ser como na “quadratura do círculo” onde Costa estava placidamente sentado a ver a disputa entre os dois restantes membros desse círculo. Bastava-lhe estar calado e depois dos dois se tentarem trucidar, ele, Costa, tirava as castanhas do lume.

Agora isto vai ser mais sério.

Au charbon, monsieur Costa, au charbon.

Agora, há que mostrar ao país a nova política, o novo empenho, a nova via. Convenhamos que a seu favor tem a novidade, mas Passos não lhe vai fazer a vida fácil. Quem governa pode sempre fazer uns malabarismos, baixar um imposto, alargar um benefício e aproveitar o estado de guerra civil latente do PS. Costa teve uma maioria esmagadora mas os vencidos não irão perder as suas últimas oportunidades. Tiveram três anos para se entrincheirar e mesmo se é provável que haja deserções ainda podem dar alguma luta. Costa tem, no máximo, dois meses para arrumar a casa e começar a mostrar as suas alternativas e a sua “verdadeira” oposição ao Governo.  Convenhamos que a tarefa parece ser ciclópica.

De todo o modo, boa sorte!

 

d'Oliveira fecit 28.09.14

 

 

As perguntas que continuam sem resposta

José Carlos Pereira, 28.09.14

"Uma longa viagem de automóvel permitiu que ouvisse hoje grande parte do debate no parlamento. Catarina Martins (BE) foi ao cerne da questão e deixou Passos Coelho sem resposta. Os mais experientes sabem bem que era prática comum nas empresas, nos anos 80 e 90, remunerar os trabalhadores através da apresentação de despesas. Era uma prática corrente. Pelo que percebi nas entrelinhas, terá sido isso que sucedeu com Passos Coelho. Contudo, como Catarina Martins referiu, é preciso saber de que montantes estamos a falar. Eram valores certos todos os meses? De que montante? Eram exclusivamente despesas de serviço efectuadas pelo próprio? Ou as despesas estendiam-se à família e à aquisição de produtos e serviços? Entregava os comprovativos das despesas? Eram emitidos recibos?"

 

Comentário que publiquei no Facebook após o debate quinzenal no Parlamento com o primeiro-ministro e que se mantém plenamente actual nas dúvidas então reiteradas.

Diário Político 202

mcr, 20.09.14

 

 

 

 

 

 

Quem perde ganha ou as ironias da História

Agora que mais de 10 pontos separam os adeptos do Não e do Sim na Escócia convém relembrar o que  se dizia em cada campo.

É fácil perceber que os independentistas queriam sol na eira e chuva no nabal. A começar juravam que o país, graças ao petróleo, iria ficar rico e distribuir um maná absoluto pelo povo. Não é bem assim, nunca foi bem assim, como largamente se sabe. Por outro lado os independentistas juravam que a libra permaneceria, bem como a monarquia (?) actual. Obviamente, a libra (como aliás alguns dos principais bancos que, rapidamente o anunciaram), várias grandes empresas geradoras de emprego, desapareceriam da Escócia.

Conviria dar um salto atrás no tempo e relembrar o que era a Escócia independente, melhor dizendo o protectorado escocês. A independência não só dependia da boa vontade inglesa (inglesa e não britânica, fique claro) como também e sobretudo da errática política dos mais poderosos clãs. Os ingleses (outra vez, os ingleses) tiveram sempre para lá do Clyde os seus agentes e os seus numerosos aliados.

Por muitos e maus filmes que correram nos nossos cinemas (no tempo em que os havia...) que se tenham produzido, a verdade é que nunca houve uma vitória estratégica das tropas escocesas. Nunca.  Eu sei que as boas almas, cândidas e ignorantes, choram desabaladamente com a Rainha Maria Stuart e com Braveheart. Outras, mais cultivadinhas, apelam a Rob Roy como se de uma figura histórica se tratasse. Não que não tenha existido um modelo para ele, um homem do clã MacGregor que, depois de ter sido um partidário jacobita, terá acabado como uma caricatura de Robin dos Bosques, aventura que o levou à cadeia. Graças a um texto de Defoe, foi amnistiado pelo Rei e morreu tranquilamente na cama. Mais tarde, Walter Scott escreveu o romance (que não vale Wawerley ou Ivanhoe) e criou-se mais uma lenda.  Mas não é caso único: Durante algum tempo, a história escocesa viveu de outro balão literário, “Os cantos de Ossian”, uma burla de medíocre valor literário e poético, imaginada por um cavalheiro de escasso talento chamado Macpherson. Curiosamente, foi mesmo essa fraude que tornou o homem conhecido e admirado. A aldrabice foi descoberta há pouco mais de um século, o que não travou a sua popularidade. Assim se constroem os mitos e se faz a história...

Não tenho qualquer simpatia especial pela Grã Bretanha, sinto-me mesmo alguém que, desde o tratado de Methuen, não saiu da cepa torta. Trocar vinho vendido a baixo preço por têxteis bem mais caros não só não foi bom para Portugal mas, sobretudo, impediu a industrialização nacional. Começou aí a nossa lenta descida ao estatuto de protectorado da Grã Bretanha de que, aliás, muita gente escocesa beneficiou. 

Todavia, se fosse escocês e eleitor,  teria votado não sem pestanejar. Detesto os nacionalismos serôdios e a mentira que os alimenta, para já não falar na campanha do Sim e do vitimismo que o sustentava.

De todo o modo, o voto Não conseguiu para Escócia um estatuto de quase independência sem as desvantagens inerentes e com uma soma de benefícios que vai acabar por tornar o auto-demitido Salmons em mais um enganoso mito da “liberdade escocesa”: se o homenzinho tivesse ganho é provável que a História futura não lhe perdoasse o mau passo e a imprudência. Vencido será veneravelmente recordado como um benfeitor da terra pátria. Assim se faz a História, como diria o meu querido amigo (tão estupidamente desaparecido) Eduardo Guerra Carneiro

 

d'Oliveira fecit 19.9.014

 

na gravura: tartan do clã Mac Gregor (a que peretenceu Rob Roy)

 

 

Diário Político 201

mcr, 17.09.14

 

 

 

os filhos da pátria que os pôs 

 

Comecemos pelo risível, sub-secção “desprezível”. Um rapazola vagamente porta-voz da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito (de Lisboa) entendeu falar sobre praxes e a campanha do Ministério da Educação sobre essas aberrações.

 

Em primeiro lugar, releve-se que a dita associação não divulgará nem apoiará a campanha ministerial. Parece que as criaturas que a constituem consideram que isso seria um acto de vassalagem e um serviço feito ao Ministério. E elas não são criadas de ninguém. Ora toma lá!

 

Ignoro se esta associação recebe do Ministério subsídios, ajudas, sequer se ocupa instalações cedidas pela Universidade e mantidas com dinheiros públicos. Se, porventura isso acontece, aqui temos um salutar exercício de rebeldia bem paga.

 

Todavia, o ponto não é este. Parece que a AEFDL entende que a praxe é uma coisa boa, óptima e demonstrativa de uma consciência cidadã notável.

 

Por junto,  o rapaz que depôs perante as câmaras acha que terá havido aqui e ali um ligeiro exagero, por exemplo as mortes do Meco ou o suicídio de Braga para nem falar dos espectáculos repelentes de praxistas e praxados pelas ruas e praças de Lisboa onde o soez convive com a mais genuína cretinice universitária.

 

Depois, sempre num tom apatetado, foi revelado que este ano os “dótores” irão levar a caloirada ao Banco Alimentar para eles lá fazerem qualquer coisa.

 

O palerminha parece ignorar que o voluntariado é voluntário e não é uma caravana de miúdos atormentados e desejosos de se integrarem na faculdade, guiados por uma cáfila de praxistas que faz a diferença.

 

Aliás, não contentes com esta palhaçada que o Banco Alimentar deveria imperativamente recusar por meras razões de decência, parece que também querem levar os caloiros a dar sangue. Obrigatoriamente! Isto é puro vampirismo.

 

Os senhores parlamentares, os senhores governantes e restantes responsáveis políticos e académicos assobiam para o lado.

 

Pudera!  Vem das mesmas tristes universidades, dos mesmos grotescos rituais, da mesma miséria intelectual e cívica.

 

Não podem, muito menos querem, perder o favor da jumentude e das jotas, elas próprias, apanhadas gozosamente na armadilha das praxes e dos votos dos praxistas.

 

O que há cinquenta anos, e, Coimbra, era apenas um furúnculo tratável e só visível em certo meio edurante algum tempo lectivo, alastrou com mais força que o Ebola, mais feio e, se não é tão virulento, é incomparavelmente mais ridículo e demonstrativo de uma perigosa e contagiosa estupidez colectiva.

 

A praxe académica, juntamente com a violência das claques de futebol, tem de ser contida, desmascarada, e submetida à lei e ao respeito pelos direitos humanos. E denunciada como um atentado à inteligência.

 

Caso contrário, convém que a sociedade portuguesa se prepare para mais e maiores Mecos e mais e maior cobardia moral e cívica. Não é isso que provoca os escândalos bancários, a corrupção generalizada e imunda entre meios dos negócios e da política, os favores de ministros e ministras a amigalhaços políticos e familiares mas podem ter a certeza que a tolerância perante a primeira se repercute e engrandece perante os restantes.

 

 

 

Faz tudo parte da mesma ausência de valores, do mesmo chico-espertismo, da mesma caverna de Ali Babá.

 

d'Oliveira fecit

 

 

 

 

 

Diário Político 200

mcr, 11.09.14

 

 

 

 

Esta criatura não sabe o que diz

 

Nunca tive boa opinião de Seguro. O rapaz é fraco, fraquinho e só as alucinações da derrota justificadíssima de Sócrates é que podem ter levado os militantes do PS a alcandorá-lo a Secretário Geral.

Isso e a certeza reconhecida de que os líderes da Oposição só servem para atravessar o deserto. Aproximando-se a hora da verdade, o partido (seja ele qual for) entra em convulsão, defenestra o pastor que o guiara até ali e escolhe alguém com mais carisma, mais força e mais inteligência para tentar a sua sorte nas eleições.

Seguro, ou Tó Zé, como parece gostar de ser tratado, passeou a sua inexistente capacidade política pelo PS socrático, mudo e quedo como um penedo. Daquela boquinha austeramente fechada nem uma palavra saía. Só um bocejo. Aliás três: um dele e dois de cada um de nós.

Durante os primeiros dois anos de “oposição”, só o ouvimos dizer não sem nunca, mas nunca, explicar porquê, como é que faria, se é que faria.

Depois inventou um rol de piedosas declarações que Costa, magnânimo, reduziu a seis e meia. Nem isso, em boa verdade: são quatro e já implícitas em declarações políticas vindas de vários quadrantes. 

Quando ouviu Costa reduzir a tão exígua porção o seu estafado brilharete, ei-lo que proclamou que o adversário apoucava “contributos de milhares de pessoas”. Parecia um responsável comunista de segunda linha a cumprir a cassete habitual dos relatórios preliminares a congressos. Por aquela banda, há sempre milhares de contributos, de grande valia, que vão sendo peneirados graças ao centralismo democrático até se chegar à “linha justa” e geral. Seguro que nunca deve ter sequer pensado no PC (e que bem que lhe faria, apesar de tudo) achou que com isto calava a objecção de Costa. Não calou apesar da choraminguice que usa.

Finalmente, e para não gastar mais cera com tão ruim defunto, fiquemo-nos por aquele grito de alma: No caso de ter de aumentar impostos, demitir-se-ia! Isto, caros leitores, brada aos céus e, mais ainda aos infernos. Em que país vive a criatura, que espera ela dos eleitores, que força lhes transmite, que esperança?

Nenhum candidato a candidato (outra supina cretinice!...) a Primeiro Ministro pode dar-se a este luxo. Sabe lá ele, Seguro, como será a próxima legislatura,  o próximo Governo, o mundo, a Europa e Portugal, já agora... Um Primeiro Ministro, todos os PMs, não gosta de aumentar impostos, sequer de manter os existentes. Se pudesse, o dr Coelho teria diminuído impostos, taxas, derramas, muitas tudo. Teria oferecido bacalhau a pataco, canecas de cerveja ao preço de finos, com tremoços e camarões incluídos. Só que..., só que o mundo é o que é e não aquilo que candidamente Seguro quer.

Se por fatal desgraça, ele vier a governar este desgraçado país e esta sofrida gente, é perfeitamente provável que algum imposto terá de aumentar para cumprir apenas metade das promessas que já fez e pagar a anulação de cortes nas despesas praticadas pelo actual Governo.

Nesse caso, o homenzinho demite-se! Demite-se, vejam bem. E precipita o poáis numa nova crise de governabilidade, em mais tempo perdido, enfim, naufraga clamorosamente depois de ter deitado fora o cinto de salvação.

 E nós, com ele!

Mal por mal, antes os jihadistas do Califado: matam mais depressa!

 

d'Oliveira fecit, 11.9.2014

 

estes dias que passam 323

d'oliveira, 09.09.14

“Onde está, ó morte, a tua vitória?”

 

Morreu o Carlos Furtado. Provavelmente, a maioria dos meus leitores, não sabe quem é. Ou quem foi. Nestes tempos que vão correndo, cada vez mais se esbate a história pregressa do punhado de pessoas (e era mesmo, apenas, um punhado) que se foram batendo contra o Estado Novo.

O Carlos Furtado pertencia a esse pequeno grupo e começou o seu percurso combatente ainda na Faculdade, no início dos anos 60. Esteve em todas e, particularmente, na greve académica de 62. Em Coimbra, onde nos conhecemos quando caloiros. No CITAC, na AAC e em todo  o lugar onde havia uma trincheira resistente. Calado e sólido, leal e solidário, sem perguntas desnecessárias, sem vaidade nem ousadias supérfluas. Inteiro, como sempre viveu, desde os plenários onde defendeu os anti-regime até à honrada advocacia que sempre praticou.

Há uns meses, pouco tempo depois de envivuvar, caiu redondo num transporte público: AVC grandioso mas não (infelizmente) fatal. Sobreviveu, debilitado, uma sombra do que era, um insulto à vida que merecia. Um calvário que se arrastou de um hospital para outro, uma luta sem esperança contra todas as maleitas que cruelmente lhe foram roendo o quase cadáver que já era: infecções atrás de infecções, dor sobre dor, até que uma pneumonia caridosa o encontrou e levou. Ontem.

Este homem que enfrentou tanta coisa, que resistiu a tanta coisa, que lutou contra tanta coisa, não teve o fim rápido e misericordioso que merecia. 

Deixa uma filha, netos,  amigos inconsoláveis, uma trémula lembrança luminosa e um exemplo de vida.

E o habitual silêncio noticioso próprio de quem, por escolha e por carácter, nunca quis ser notícia. E, todavia, quantos noticiáveis cabem na sua ignorada sombra!

A quantos hoje o lembram, um abraço

 (a citação do título é tirada de Coríntios, 15/55)

 

 

Au bonheur des dames 368

d'oliveira, 05.09.14

 

 

De fariseus e outros artifícios verbais

Por vezes assalta-me a suspeita de que o “Expresso” aceita artigos de pessoas que quer ver cair no mais profundo ridículo. E, de facto, só assim se compreende a publicação de um texto do dr Marinho e Pinto, ex-bastonário da Ordem dos Advogados e actual euro-deputado por uma agremiação que ninguém conhece (e que provavelmente nem ele conheceria).

Creio que E Pinto foi eleito não tanto pela bondade do partido que o convidou, pelas intrínsecas qualidades que ao longo destes penosos mas barulhentos anos foi demonstrando mas tão só porque zurzia no Governo e não estava tão esgotado quanto os partidos da oposição.

Quem, descrendo do PS, não estando disposto a apostar na eterna palavra “não”, do PC e do BE, terá achado que E Pinto era uma boa aposta, no meio daquele policromo panorama de agremiações vagamente partidárias que disputavam um lugar ao sol..

“Entre votar nulo ou branco porque não arriscar no turbulento E Pinto?”, terão pensado. “Mal não virá ao mundo e pelo menos livramo-nos dele durante uns anos”, terão acrescentado em paz com a consciência  (pelo menos a eleitoral...).

Todavia, E Pinto estava naquela corrida por razões mais nobres (ou não) segundo ele. E Pinto ia para o Parlamento Europeu investido na tarefa gloriosamente patriótica de representar os portugueses pobres. Bem sei que todos os portugueses são pobres (já incluo no grupo os numerosos Espírito Santo, coitados, ainda bem que se treinavam na Comporta a viver frugalmente como os pobrezinhos que conheciam) mas E Pinto ia representar os mais pobres dos pobres, os que andam abaixo dos 500 euros mensais como ele aliás indirectamente refere. E

E Pinto embarcou nesta cruzada bruxelense desconhecendo as mordomias dos senhores deputados europeus. E Pinto, o virginal, deve ter nascido no dia anterior à eleição ou até mesmo depois, dado que tirando os escassos bebés que ainda nascem, os ceguinhos afectados de surdez mudez, os idiotas crónicos internados nos hospícios, os que padecem de Alzheimer avançado e os moribundos no seu leito de dor, não há quem desconheça a pingue situação retributiva do PE. Este voluptuoso (é o mínimo que se pode dizer) areópago é o sonho de 99,99% dos portugueses em idade de votar e ser votado. É o prémio apetecido para todos quantos se sentaram à mesa do orçamento na esquálida cadeira parlamentar ou numa vaga e desqualificada Secretaria de Estado.

Um amigo antigo, de Coimbra, oposicrático desde essa tenra e distante idade, tendo passado por um par de cargos públicos atingiu Bruxelas logo na 1ªvez que lá pusemos o pé. Encontrando-o uma vez em Paris (onde eu tinha ido inteiramente `minha custa, convém avisar) e almoçando na Lipp (era ele que num gesto moscovita e generoso pagava) perguntei-lhe pela sinecura.

“Olha, M,”exclareceu-me, “nós já não tmos idade para fazer sacrifícios ou viver num quartinho alugado com serventia de casa de banho ao fim do corredor. Assim sendo, calculas que não esbanjando em cinco estrelas me tenho alojado num apartamento cómodo e central. Pois bem, vivendo como viveria na pátria amada, a coisa ainda dá para se amealhar um pé de meia que nos ponha ao abrigo das necessidades até morrer. Dois mandatos então são o paraíso terrenal sem ter que aturar anjinhos a tocar harpa...”

Durante uns minutos pensei em aceitar uns vagos convites para exercer política partidária na espectativa de depois de sete anos de pastor me ser concedida a ansiada mão de Bruxelas serrana bela. Todavia, a preguiça, a incapacidade (já nessa recuada época) de levantar e sentar o cu à ordem do chefe da bancada e meu conhecido mau feitio, impediram-me uma carreira parlamentar europeia que um dos meus amigos augurava boa dado falar cinco línguas da estranja com alguma ousada facilidade. Não choveram sobre mim pardaus como em Terras de Basto nem o convite veio de quem podia dar-me esse passaporte para a fortuna.  

Com E Pinto não foi assim. Pelos vistos ele acreditava que iria ganhar uns meritórios mil, dois mil euros mais uma ajudinha para ir até Bruxelas em económica e uns tostões para comer numa cantina popular, quiçá na “sopa dos pobres” lá do Reino.

Imaginem o escândalo do virtuoso representante da pobreza portuguesa quando se viu repimpado num “Mercedes topo de gama e motorista para todas as deslocações(mesmo pessoais”, com 18.000 euros mensais de ordenado, viagens pagas, mais 21.000 euros mensais para contratar quem muito bem quiser sem justificações, pagando impostos apenas sobre um terço da remuneração à taxa de 20% e tendo garantido o direito a uma reforma de 1300 euros mesmo que apenas exerça um mandato” (sic)

E Pinto pelos vistos recusa esse estatuto. Resta saber se recusa mas aguenta enquanto lá está (e refere 2015 como termo da sua sacrificada estadia) os ordenados, os Mercedes, os subsídios, a taxa de impostos, enfim aquela bolada que por baixo avalio em mais de meio milhão, que com os tais impostos mesmo assim ultrapassará os 450.000 euros.

E Pinto entende continuar o seu sacrifício pela pátria num lugar menos afastado da miséria autóctone, deputado à AR ou quem sabe, Presidente da República, não faz a coisa por menos, o seu amor exaltado pela “Res Publica” Enquanto as eleições para essas mordomias não ocorrem, sacrificar-se-á entre os desunidos belgas, terá de comer mais umas doses de moules avec frites e de beber Stella Artois ou alguma mais exclusiva biere trapiste. Coitado

Para E Pinto todos quantos se surpreenderam com esta extraordinária e sacrificada decisão não passam de “fariseus”. Vê-se que a criatura leu os seus clássicos mesmo se uma dúvida me assalte: será que este citador da Bíblia conhece verdadeiramente o que separa fariseus de saduceus, ambos de zelotas e, já agora, estes últimos dos “sicários” (os portadores da “sica”, cujo mais famoso membro se terá chamada Barrabás”) Curiosamente os fariseus eram acusados de ser formalistas respeitadores da letra da lei (no caso respeito pela Tora oralmente transmitida) e nunca do seu espírito. Todavia, convém lembrar que o farisaísmo só começou a ser atacado bem depois da vida de Cristo. São os Evangelhos, sobretudo o de Mateus, quem mais os atira para o campo da hipocrisia (ai de vós... fariseus, hipócritas pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho e desprezais e mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé... condutores cegos que coseis um mosquito e engulis um camelo Mat, 23, 23-24).  Anda nisto muito da política e dos desentendimentos dos turbulentos primeiros séculos do cristianismo.

Espanta-me, também, que E Pinto não tenha acusado os seus adversários de filisteus. Vê-se que a criatura não capinou suficientemente o campo cultural onde pescou a menção bíblica. É pena, uma menção aos filisteus (de onde vem o nome da Palestina) caía bem.

Porém, onde é que está o farisaísmo de quem critica que uma vez eleito para o PE, E Pinto já anuncie outras cavalgatas. Claro que E Pinto dispara para todo o lado e traz à colação a “falta de indignação” manifestada noutros casos que nada têm a ver com Bruxelas. A quem quiser castigar as meninges deixa-se a menção do artigo publicado no Expresso de passado sábado. E avisa-se que aquilo é uma espécie de molho de bróculos onde se mistura tudo, um saco de gatos tonitruante que exemplifica o velho axioma: atacar tudo mesmo se isso nada tem a ver com a situação em apreço.