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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

O voto que decide a mudança

José Carlos Pereira, 30.09.15

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Encontramo-nos a escassos dias do final da campanha eleitoral para as eleições legislativas do próximo domingo. Joga-se o tudo ou nada nestes instantes finais, em que a maior parte das sondagens vai sugerindo uma vitória da coligação PSD/CDS. Os valores, contudo, são de tal modo próximos que tudo parece estar em aberto, reforçando a importância de conquistar o apoio dos eleitores indecisos e dos habituais abstencionistas.
O comício do PS na cidade do Porto, no passado sábado, a que assisti, foi uma forte manifestação de apoio a António Costa e ao PS. Não se sentia euforia, já que os dias não têm sido fáceis, mas via-se uma firme vontade de galvanizar apoiantes e de partir para a conquista do voto dos desencantados com as políticas seguidas pela actual maioria, dos que se costumam abster e dos que, à esquerda, colocam em primeiro lugar a viabilidade de um governo alternativo à coligação PSD/CDS. António Vitorino, que entrou na campanha precisamente no comício do Porto, carregou na tecla do voto útil para construir uma alternativa a Passos Coelho e Paulo Portas (sim, eles não aparecem nos cartazes, mas são eles que estão lá!).
É verdade que nem tudo correu bem na campanha do PS, houve alguns erros de principiante que foram desgastando a imagem muito positiva que António Costa tem junto dos portugueses. A hora, contudo, não é de avaliar campanhas eleitorais e performances comunicacionais de candidatos. A hora é de avaliar os quatro anos de governo PSD/CDS, o estado em que o país se encontra, as políticas e os programas apresentados para governar Portugal na próxima legislatura. A hora é de ver quem está em condições de corporizar uma alternativa e de procurar governar de forma diferente daquela que tem sido seguida. Quem tiver apreciado a política levada a cabo pela coligação PSD/CDS e pretender seguir no mesmo caminho, pois deve votar em Passos Coelho e Paulo Portas. Quem estiver efectivamente interessado em derrubar a maioria neoliberal que nos tem governado e viabilizar um executivo alternativo deve votar no PS e em António Costa.
O voto que decide pertence a cada um de nós. Como disse António Vitorino no Porto, no dia 5 de Outubro não haverá lugar para arrependimentos.

As artes mágicas de Passos Coelho

JSC, 23.09.15

Andaram meses a tentar vender o Novo Banco. Colocaram o Regulador no papel de vendedor e o Regulador fez de tudo para levar a carta a Garcia.

 

No fim o negócio falhou. Talvez o Regulador não tenha assumido bem o papel de vendedor.

 

Como se notou a estratégia era deixar o Governo de fora. O Governo nada tinha a ver com aquele negócio. Os lesados protestavam? Era lá com eles e com o governador/vendedor do Novo Banco, o governo só lamentava que os reguladores não se entendessem.

 

Quando tudo parecia que ia bater certo, o negócio faliu e com isso deixou de haver encaixe financeiro, o que pôs a nu a fragilidade das políticas adotadas.

 

Finalmente, a venda do Novo Banco deixou de ser apenas um problema do Governador/vendedor e passou a ser um problema para o Governo. O défice subiu para 7,2%. Número impensável, que abate todo o discurso do governo e da coligação.

 

Só que, por artes mágicas, Passos Coelho descobriu que o falhanço da venda do Novo Banco acaba por ser uma coisa boa. Garante ele que "quanto mais tempo demorar a vender o Novo Banco mais juros o Estado recebe desse empréstimo". Esta foi mesmo tirada da cartola.

 

Este Passos é espantoso, não é? Só não se percebe por que razão eles tinham tanta pressa em vender o Banco se o mesmo estava a render juros abundantes para o Estado.

Acusam para nos fazer esquecer as patifarias que fizeram…

JSC, 22.09.15

A campanha enredou-se na questão do corte das pensões. Não é a segurança social que se discute. É o corte nas pensões que a dupla mentirosa Pedro&Paulo asseguram que António Costa tem escondido. Inventado o corte, exigem que António Costa explique. Costa explica. A dupla mentirosa diz que não percebeu nada. E assim sucessivamente, um dia após outro. A comunicação social e os comentadores encartados vão repetindo e repetindo…

 

Não deixa de ser irónico que os líderes do Governo que mais duramente cortaram nas pensões, nos ordenados, no subsídio de férias e de natal venham agora esconder a sua prática governativa a acusar o adversário de querer fazer um milésimo do que eles fizeram. Acusação que nem faz sentido.

 

A mentira norteou a campanha que levou Passos ao poder em 2011. A mentira foi instituída como prática governativa. A mentira só podia continuar a nortear a campanha da dupla Pedro & Paulo.

 

Deve ser por mentirem tanto que eles se escondem tanto. As sondagens dão o que dão. Mas apesar das sondagens parecerem mostrar que eles têm o apoio da população, apesar disso, eles escondem-se, não têm coragem de virem para a rua, de andarem pelas ruas e praças em contacto directo com as populações. Eles escondem-se, só aparecem rodeados de bandeiras, com jovens aos gritos, entram e saem apressados dos carros, dos teatros, dos recintos. Fogem.

 

Deve ser por medo que lhe chamem mentirosos que não aparecem nos fóruns abertos ao público, que não vão aos directos nas rádios, que não colocam as suas caras nos cartazes de campanha.

 

Eles têm medo. Um medo que os tolhe. Por isso só parlam e sorriem entre os seus apaniguados. E porque agem assim? Porque sabem que a comunicação social fará o resto, espalhará a mensagem que eles querem passar, sem ter a oportunidade de os confrontar com o que fizeram nem com o que escondem.

 

Apesar disso, apesar do Pedro falar e do Paulo falar e de serem dois a passar a mesma mensagem enquanto nos outros partidos apenas fala um e apesar das TVs (o que conta é o que passa na TV) escolherem sempre uma mensagem dos outros partidos a bater no PS, apesar disso, a esquerda ganha e ganhará com grande segurança.

 

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 Gráfico retirado do Blog Ladrões de Bicicletas

O leitor (im)penitente 192

d'oliveira, 22.09.15

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Vítor Silva Tavares

 

Leio no jornal a notícia da morte deste (grande, enorme) editor, deste animador cultural no verdadeiro sentido da palavra, deste Senhor rebelde e inconformado que escrevia com uma elegância rara mesmo se a sua escrita estivesse marcada pela rareza e pela discrição.

Acabo de saber que algumas fulgurantes edições ainda dos anos 60 se devem à sua intervenção de director literário da Ulisseia: alguns surrealistas, o Luís Pacheco ou, mesmo se dramaticamente ultrapassado e datado, o Franz Fanon.

E recordo com uma intensa alegria, ainda que tintada pela nostalgia, a revista (ou jornal ou o que quer que seja) “& etc.” de que fui comprador e, logo de seguida, assinante desde o primeiro ao último número. Burramente, nunca me lembrei de comprar as capas “de editora” que me dizem ter existido. A (ou o) “& etc.” é um dos grandes monumentos literários dos anos 70 (mais propriamente de Janeiro de 73 a Outubro de 74). De certa maneira, a revista quinzenal anunciava a revolução (enfim o que se convencionou chamar revolução) e terá morrido um pouco atropelada por esta. Os tempos não estavam para este belíssimo quinzenário, as pessoas tinham outras e mais absorventes ocupações e, mesmo com leitores, a revista não sobreviveu.

Ou melhor: sobreviveu enquanto projecto editorial graças a VST que continuou o mítico título na sua casa. A editora continua a existir (e agora? Como será?) ao fim de quarenta anos brilhantes. Poucas, muito poucas, editoras terão conseguido um percurso tão extraordinário, tão rigoroso quanto a do Vítor. A “Hiena” do Rui Martiniano, meu amigo e meu alfarrabista que mensalmente me força a mão e me convence a comprar livros nos sábados da Rua Anchieta, acabou. Ainda se conseguem adquirir livros editados por ela na banca do Rui. A “frenesi” do também amigo e alfarrabista incontornável Paulo da Costa Domingos está temporariamente encerrada por via de um complicado processo. Outras pequenas casas ainda resistem, publicando livros que as “grandes editoras” não querem, não sabem ou não podem editar. Ao entrar numa livraria, cada vez mais me pergunto se aquelas montanhas de livros, com capas berrantes, publicidade enganosa, más traduções conseguem ainda enganar tanta gente. Devem conseguir pois, mês após mês, saem catadupas de livros inúteis, desinteressantes, num ramerrão tristonho e medíocre que alimenta a incultura indígena.

Era, neste panorama desolador, nesta “terra sem vida”, que se distinguia o trabalho do Vítor Silva Tavares. Edições cuidadas, textos raros ou diferentes, capas feitas amorosamente, tudo indicava o homem que gostava de livros, de literatura e tinha bom gosto.

Foi ainda há pouco, muito pouco tempo, provavelmente a meados de Agosto, que o encontrei na “Letra Livre” (olhem aqui está uma livraria a sério e diferente: vão por ela. Fica na Calçada do Combro em Lisboa e podem comprar-se lá livros velhos (a preços sensatos) e novos. Nesse dia, VST estava imparável: Debitou um pacote de historietas, de anedotas literárias, sobre já não sei quantos temas à volta de um projecto que espero se concretize. O livreiro e eu, estávamos, como de costume com VST, rendidos àquela verve, àquela sedução, àquela “liberdade livre”. Mal sabia eu que era a última vez que o via.

Vítor Silva Tavares deixa um enorme vazio e um exemplo ainda maior. Do primeiro não há remédio. Quanto ao segundo, esperemos que haja quem o siga.

 

(PS: ao falar de editores rigorosos e que antepõem o livro ao mercado, não posso deixar de referir dois “reformados” da edição que continuam – e com que alegre liberdade! – a animar a ediçãoo. Refiro-me, obviamente a dois amigos: Carlos Veiga Ferreira (“Teodolito”) e Nelson de Matos (edições com o mesmo nome)

* As edições “& etc” (e outras do mesmo teor) têm no Porto um modesto abrigo na livraria “Utopia” (Rª da Regeneração). Em Coimbra apanham-se coisas destas e surrealismo q.b. na bela livraria do Miguel de Carvalho (Adro de Baixo). No primeiro andar até há umas poltronas para ler antes de comprar, para conversar, para usar o computador. E os preços não são escandalosos.

 

A varapau 24

d'oliveira, 21.09.15

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Tsipras – 1, Bloco – 0

 

Faço parte dos que se surpreenderam com a vitória folgada de Tsipras. Depois de ter lido dezenas de artigos que demonstravam “cientificamente” que o abandono da ala esquerda do Syriza e a consequente fundação de um partido que observava religiosamente o credo primitivo da formação inicial, tudo parecia indicar que a dramática saída de tanto deputados, de vários dirigentes de primeira plana (entre eles Varufakis) iria encostar Tsipras ( este Tsipras subitamente reconvertido à realidade dos factos) à parede. Depois, convém lembrar, havia umas sondagens que davam à Nova Democracia de Meiramakis, o milagreiro, desbocado e provisório líder, um resultado quase idêntico ao de Tsipras, mais me convenci que iríamos assistir a um empate.

Pessoalmente, devo dizer, era-me indiferente o resultado desta disputa eleitoral: com ou sem Tsipras, há um longo caminho a percorrer e, mesmo admitindo que algo possa correr bem, a Grécia tem muito “caminho das pedras” a fazer.

A minha convicção baseava-se ainda noutro factor, este nacional, nosso. Ao contrário do vizinho “Podemos”, as amiguinhas do Syriza e os amigalhaços do mesmo mantiveram-se, desta vez, mudos e quedos como penedos. Nada de nada. O BE na sua página nem falava das eleições gregas. Aliás, não falava sequer da Grécia. Para quem ainda há pouquíssimo tempo corria velozmente para Atenas, enchia a boquinha mimosa de loas ao Syriza, esta omissão era estrondosa. Por boas ou más razões o BE já não se solidarizava. À uma, não lhe interessava agitar o fantasma (“um fantasma percorre a Europa”...) do radicalismo em época de eleições. O BE namora alguns descontentes do PS e outros sem partido flutuantes.

Depois, a perspectiva de se associar a um partido perdedor (e desde há semanas que o Syriza parecia isso) é sempre ingrata. Finalmente, é possível que algumas boas almas bloquistas se sentissem traídas por Tsipras e fascinadas pelos dissidentes do partido.

Eu não sei (são onze da manhã ) o que é que hoje o BE vai dizer. Acredito, todavia, que a dizer algo, vai reivindicar os laços profundíssimos que o ligam ao Syriza. O oportunismo internacionalista (à falta de outros, e mais políticos, internacionalismos) é intrínseco a este tipo de formações políticas que apanham todos os comboios em andamento desde que a ocasião seja boa.

 

Nova liderança nos trabalhistas ingleses

José Carlos Pereira, 15.09.15

A Europa prosseguiu nos últimos anos uma caminhada asssente numa política de sentido único, sem ponderar alternativas. O controlo férreo da dívida e do défice dos estados membros, a austeridade sem freio, com o reverso do desemprego e da degradação dos serviços públicos, entre outros aspectos fulcrais para a vida das pessoas, fez esquecer que a sociedade não é monolítica e acaba por encontrar formas de manifestar o seu "desvio à norma". Em termos políticos, já tivemos a emergência do Syriza, na Grécia, do Podemos e do Ciudadanos, em Espanha, e de outras forças mais extremistas em vários países.
eleição no passado fim de semana de Jeremy Corbyn para a liderança dos trabalhistas ingleses, com o programa mais à esquerda que este partido conheceu nas últimas décadas, é só mais um sinal de que os cidadãos eleitores estão fartos de que lhes ofereçam mais do mesmo e procuram vias alternativas, que assumam as rupturas no discurso e na acção.

A comunicação social ao alcance da mão

José Carlos Pereira, 11.09.15

A política local continua a surpreender-me, nomeadamente na terra que me viu nascer, Marco de Canaveses. Com efeito, há hábitos que ficaram arreigados de outros tempos e custam a ser ultrapassados. Falo, por exemplo, do conúbio poder autárquico/comunicação social.

Nos tempos de Avelino Ferreira Torres (CDS) tudo era claro: os órgãos de comunicação social locais foram criados pela sua estrutura com o objectivo de se tornarem instrumentos ao serviço do poder autárquico. Assim se passou durante mais de vinte anos, em que a direcção desses órgãos coube invariavelmente a pessoas da confiança do poder político.

Com a actual maioria PSD, que governa o município desde 2005, o fenómeno tem ramificações diferentes, mas a tentação de cair nos mesmos procedimentos parece ser grande. Há poucos dias, a tomada de posse dos dirigentes locais da JSD, que se transformou numa iniciativa da pré-campanha eleitoral da coligação PSD/CDS com a presença do "todo poderoso" Marco António Costa, do presidente da Distrital do Porto do PSD, do presidente da JSD, de deputados, dos presidentes da Câmara e da Assembleia Municipal, entre outros, teve como apresentador o director da única rádio local com sede no município.

Foi pena o eurodeputado Paulo Rangel não ter integrado a comitiva que se deslocou a Marco de Canaveses para a aludida cerimónia, pois podia partir desse caso concreto para divagar, como gosta, sobre…asfixia democrática!

António Costa vs. Passos Coelho: vitória aos pontos

José Carlos Pereira, 10.09.15

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O debate de ontem à noite nas televisões teve um vencedor claro para a maioria dos telespectadores e analistas: António Costa. Não chegou a ser uma vitória por knock-out, mas foi sem dúvida uma vitória firme, consolidada aos pontos, em todas as frentes do debate.
António Costa tomou sempre a iniciativa, imprimiu o registo que pretendeu, mostrou-se enérgico e combativo, com argumentos directos e fáceis de entender pelos telespectadores. Passos Coelho, pelo contrário, foi sempre reactivo, esteve centrado no passado, sem ideias para o futuro e com pouca capacidade de iniciativa, quase esgotada no exagero com que invocou o nome de José Sócrates, procurando incutir a ideia que António Costa é uma mera réplica de Sócrates.
O líder socialista esteve bem ao dizer que o PS assume todo o seu passado na governação, desde o primeiro minuto do primeiro executivo de Mário Soares até ao último minuto dos governos de José Sócrates, mostrando-se determinado em aprender com os erros e em corrigir o que correu menos bem nas experiências governativas anteriores. Ainda assim, creio que António Costa deve corrigir a forma como tem lidado com o processo que envolve José Sócrates, evitando que este se transforme num engulho maior do que aquele que inevitavelmente já é.
É evidente que a campanha socialista não arrancou bem e tem tido dificuldade em acertar o passo. Faltava-lhe, porventura, o suplemento de ânimo que o debate de ontem trouxe e isso fica a dever-se à boa prestação televisiva de António Costa. A campanha e os debates não são determinantes para os apoiantes e eleitores convictos dos dois blocos – PS e coligação – mas são decisivos para influenciar o voto dos habituais abstencionistas, daqueles que votaram PSD ou CDS e se sentiram atraiçoados pela governação dos últimos quatro anos, dos novos jovens eleitores e das franjas que podem estar disponíveis para concentrar o seu voto nas forças que lutam pela vitória e pela maioria absoluta. Todos estes eleitores preferem estar ao lado de quem evidencia força e iniciativa e apresenta ideias para mudar o país.
O debate de ontem à noite foi visto por 3,4 milhões de telespectadores e a performance positiva de António Costa pode ter sido o click para (começar a) ganhar a confiança de muitos eleitores que estavam indecisos ou renitentes em dar o voto ao PS. Estão aí à porta as três semanas decisivas.

a varapau 23

d'oliveira, 08.09.15

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O escândalo, o “órrivel” escândalo

 

A drª Joana Amaral Dias resolveu aceitar um convite duma revista "cor de rosa" para posar nua e grávida. Tirando o mau gosto de figurar numa publicação de escassa qualidade, nada, na atitude e muito menos na fotografia, me leva a criticar o acontecimento.

Podem acusar-me de machista mas persisto em considerar muito bela a fotografia duma barriga grávida. Podem insistir, mas o nu feminino é sempre belo. No caso em apreço, trata-se de um nu absolutamente casto e a imagem do par que se abraça é muito mais sedutora que a maioria das fotografias de casais que outras revistas igualmente “cor de rosa” publicam a ilustrar tremendos segredos íntimos que hoje toda a gente atira à cara dos leitores ou mesmo de quem só vê a capa da publicação.

Deixemos o nu inocente e passemos à segunda onda de críticas: Joana, sendo dirigente política, “não devia” expor-se deste modo. Pelo menos nesta época pré-eleitoral! Só um filisteu (e dos mais consumados...) é que poderia aduzir semelhante sacanice. Para já, é agora que Joana está grávida e não daqui a dois ou três meses. Depois, não parece que alguém vá a correr votar nela só porque lhe vislumbrou a barriga intumescida e a coxa nua.

Terceiro, porque num país envelhecido onde nascem escassas crianças, a imagem da gravidez de Joana e a promessa que se intui na fotografia de haver uma criança desejada pelos pais, é uma aposta a que ninguém deveria ficar indiferente. Bem pelo contrário!

O coro hipócrita que a fotografia levantou é mais uma amostra do provincianismo labrego que continua a infectar a sociedade portuguesa.

 

estes dias que passam 334

d'oliveira, 04.09.15

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Nessum dorma

Chamem-lhe “bons sentimentos”, parolice, o que quiserem, mas a imagem daquele menino morto à beira água, e uma acusação. Contra a Europa, contra o mundo, contra a guerra, claro , e em primeiro lugar. Como imagem, tem a mesma dramática força do menino judeu de mãos no ar ou do menino palestiniano a chorar sobre o cadáver do pai morto a sangue frio por um soldado hebreu tão ou mais nazi do que os eventuais matadores do menino judeu com o seu sobretudo infantil e a miserável estrela amarela na lapela.

Aquele menino sírio, três anos de idade, morto juntamente com o irmão de cinco e a mãe numa praia turca onde provavelmente passearão turistas ocidentais durante os meses de férias, diz tudo o que se odeia neste mundo infame.

  1. por irónico que possa parecer, aquele menino se sobrevivesse teria sido colhido na Alemanha da senhora Merkel que se dispõe a acolher 800.000 refugiados mais do que toda a restante Europa junta.

E depois Merkel e os alemães é que são os maus da fita para umas criaturas que, sem quaisquer legitimas qualificações, atiram contra ela e eles todas as culpas do mau funcionamento das instituições europeias e, pasme-se!, nacionais.

E se é verdade que na Alemanha um grupo ultra minoritário de Direita ataca as instituições dedicadas aos refugiados, não menos verdade é que a sua expressão política e social é reduzida (muito mais reduzida do que, por exemplo, em França) e levanta contra ela uma cada vez mais forte e decidida opinião pública que, mesmo antes das medidas governamentais, já acolhia cidadãos árabes fugidos da guerra.

Do outro lado da decência humana e política estão quatro países (todos saídos de quarenta anos de dominação soviética) cujos cidadãos em tempos difíceis obtiveram no Ocidente (e sobretudo na Alemanha Federal) acolhimento e refúgio. São eles, por ordem de antiguidade no que toca a refugiados políticos, a Hungria, a Polónia a República Checa e a Eslováquia. Destes dois últimos,antes reunidos na Checoslováquia, há ainda a lembrança do dramático ano de 1968 e da “Primavera de Praga”.

Mais do que quaisquer outros, estes países deveriam ter bem presente a memória dos seus emigrados políticos que aos milhares fugiram dos detestáveis regimes que à ordem de uma potencia estrangeira, inventora da famosa teoria da “soberania limitada” (que nunca cá vi contestada por quem agora enche a boca de “defesa da soberania” contra a Europa e o euro. Bem pelo contrário!) perseguia os seus cidadãos, encerrava a sete chaves a sua fronteira, impedia os seus nacionais de emigrar e prendia, quando não matava, quem tentasse fugir “a salto”.

Já sei que irão dizer-me que, para a Alemanha, a vinda de 800.000 novos refugiados (a juntar aos milhões de emigrados, turcos, árabes, gregos ou italianos já residentes) é um bónus num país de população envelhecida. Para já, conviria lembrar que os quatro vizinhos já referidos têm exactamete o mesmo problema e que, sobretudo a Polónia, tem no estrangeiro uma gigantesca colónia emigrante que, por alturas dos acordos de livre circulação, era o fantasma número um dos xenófobos ocidentais (o famoso picheleiro polaco que iria tirar o trabalho a ingleses, franceses, belgas ou holandeses).

Ouvir Viktor Orban declarar que a simples menção de uma quota é um convite à chegada de refugiados ou de emigrantes económicos é uma provação infame. Ouvir um bardamerdas polaco “aceitar” apenas 50 cristãos é a prova provada que na Polónia a cristandade está em alto risco. Pior se, como um alto dignitário desse país afirmou, se juntar estoutra declaração: “A Polónia corre o risco de ter de receber milhões de ucranianos em fuga da ameaça russa” (sic).

A Polónia nunca recebeu tantos ucranianos como Portugal, bem mais longe mas notoriamente mais afável e acolhedor. É pelo menos o que me diz um ucraniano fanático por bacalhau na brasa e senhor de um português invejável que aqui ganha a sua vida, aqui instalou a família, amigos e parentes, que se mantém solidariamente ucraniano mas que só vai à terra em breves férias de duas semanas que os restantes dias são para uma praia bem portuguesa de águas mornas e muito sol.

Curiosamente, quando se fala de quotas, ouve-se (nas televisões estrangeiras a que qualquer um de nós tem acesso) os refugiados afirmarem que só em casos extremos querem esses países cento-europeus que os repelem. Que nem sequer os deixam tomar os comboios para a Alemanha com a esfarrapada desculpa de falta de documentos ou de vistos. Isto depois de milhares de mortes na travessia do Mediterrâneo, de camiões carregados de cadáveres sufocados e de toda a miséria que diariamente nos confronta desde as televisões onde passam as telenovelas que, com as discussões penosas e incessantes sobre o patético futebol nacional e o “melhor do mundo” animam e entusiasmam os portugueses.

Eles lá sabem porquê.

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