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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

O passeio de Marcelo e o fim de Cavaco

José Carlos Pereira, 25.01.16

images.jpgAs eleições de ontem consagraram, sem surpresa, Marcelo Rebelo de Sousa como o novo Presidente da República, atingindo logo à primeira volta um resultado que veio dar razão à estratégia de campanha que levou a cabo ao longo dos últimos meses.
Marcelo quis distanciar-se dos partidos que o apoiaram “por interesse e não por amor”, e apostou numa campanha frugal, sem os grandes meios que nos habituámos a ver nestas ocasiões. E os portugueses corresponderam com um voto massivo na sua candidatura. Apesar de uma abstenção substancialmente mais elevada do que a registada nas últimas legislativas, o que era de esperar, Marcelo conseguiu ainda assim quase 325.000 votos a mais do que PSD e CDS registaram em Outubro passado. E teve mais 180.000 votos do que Cavaco Silva na sua reeleição em 2011.
Sampaio da Nóvoa perdeu, mas teve uma prestação e um resultado honrosos. Sendo um estreante nestas lides, e não contando com o apoio declarado e mobilizador do PS, Nóvoa teve um resultado francamente melhor do que Manuel Alegre em 2011, alcançando mais 228.000 votos. Com todas as debilidades próprias de quem nunca tinha intervindo a este nível político, resta a dúvida se um apoio explícito e empenhado do PS poderia ter sido o bastante para obrigar à disputa de uma segunda volta.
O resultado quase humilhante de Maria de Belém (menos de 197.000 votos), que foi presidente do PS na liderança de António José Seguro, foi uma machadada nesse propósito (algo distante) de provocar uma segunda volta. Como escrevi anteriormente, Maria de Belém foi empurrada para vestir um fato que não era o seu e teve uma campanha em plano decrescente. Creio que, mais do que Maria de Belém, devem ser interpelados no seio do PS os dirigentes que deram corpo a esta candidatura, que mostrou desde o início grandes fragilidades e passou boa parte do tempo com as setas apontadas a Sampaio da Nóvoa.
Bloco de Esquerda e PCP tiveram resultados muito diferentes nestas presidenciais. Enquanto Marisa Matias consolidou os resultados e a penetração eleitoral do BE nas últimas legislativas, mesmo recuando quase 82.000 votos, já Edgar Silva foi um desastre para os comunistas. Com surpresa minha, face às expectativas iniciais que nele depositava pelo seu elogiado trabalho social na Madeira, o candidato apoiado pelo PCP não foi capaz de acertar o discurso e a pose para esta corrida eleitoral – perdeu 118.000 votos em comparação com Francisco Lopes em 2011 e, pior, ficou 263.000 votos aquém do resultado da CDU nas últimas legislativas. Estes resultados, bem diferentes, podem vir a ter consequências no suporte ao Governo do PS, já que o PCP será tentado a corrigir o seu posicionamento para estancar maiores perdas de eleitorado.
Dos restantes candidatos não rezou grande história, com excepção de Vitorino Silva, erigido em herói por alguns meios de comunicação e descontentes com o sistema. Foram estes descontentes, aliás, que usaram Vitorino Silva como um escape para as suas críticas, garantindo-lhe uma votação superior a 152.000 votos, próxima das de Edgar Silva e Maria de Belém (foi o segundo candidato mais votado em Penafiel, a sua terra, e o terceiro nos municípios vizinhos de Paredes e Marco de Canaveses). Um resultado que deve ser percebido pelos partidos e agentes políticos, mas que não traz nada de muito novo, pois já em 2011 o madeirense José Manuel Coelho conseguira uma votação superior até à de Vitorino Silva.
E agora, que presidente será Marcelo? O conciliador e agregador que se apresentou na campanha eleitoral e que actuará livre de quaisquer espartilhos político-partidários? Ou o político ziguezagueante – o “catavento” de Passos Coelho – que ao longo de 40 anos fez e desfez alianças, avançou e recuou, jurou fidelidades e atraiçoou ao virar da primeira esquina?
O tempo se encarregará de avaliar o Marcelo Presidente. Contudo, de uma coisa estou convicto: para pior não vamos. O fim político de Cavaco Silva é mesmo a grande notícia destas eleições!

Au bonheur des dames 413

d'oliveira, 25.01.16

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"Trigo limpo, farinha Amparo"

ou

Branca de Neve e os nove anões

 

(declaração de interesses: o meu candidato perdeu claramente as eleições. Sem apelo nem agravo. Falo e um homem bom, de um cidadão corajoso de um combatente contra a ditadura: Henrique Neto.

Poucos dos seus adversários, ou quase nenhum, se podem gabar duma biografia tão clara e tão afirmativa. Desconhecem-se as biografias de boa parte dos candidatos, alguns dos quais nem sequer conheceram os tempos de chumbo. O que não é vício deles. Atrevo-me, todavia, a dizer que em democracia tudo é mais fácil. Belém, Marcelo, Neto ou Edgar Silva ainda conheceram os tempos difíceis. Deles conhecem-se as posições excepção feita de Nóvoa que passou entre os pingos da chuva sem ninguém notar  a sua milagrosa visão da luz! Marcelo, convém lembrar, teve o casamento vigiado pela PIDE e foi criticado pela mesma gente. O resto é malta jovem o que não agrava nem desculpa o seu caso)

As eleições para a Presidência da República são simples. Alguém ganha e o resto perde. Ponto final. Marcelo ganhou e os outros todos perderam. Por muito ou por pouco. Perderam e acabou-se.

Marcelo ganha não apenas porque é conhecido (o que é verdade) mas porque nem sequer respondeu ao coro dos vencidos que, na sua ansiosa e tola corrida, perderam tempo a criticá-lo. Disse aqui, e repito, que essa continua e obsessiva campanha anti Marcelo era um erro crasso e uma tolice política. Marcelo teve a inteligência de não responder deixando bem clara a ideia de que “a caravana passa e os cães ladram”. O que enfureceu e deixou mais alucinados os adversários. O que só prova que ele, além de ser a personalidade que mais falou da constituição e do papel do Presidente da República, foi o que menos flanco deu. Os outros andaram por aí numa ladainha de protestos e afirmações que nada tinham a ver com o cargo em disputa.

Dizendo isto não posso deixar de pensar, desculpem lá, que Vitorino Silva é um dos grandes vencedores da noite. Sozinho, sem nada, desprezado pelos media e atacado pelos bem pensantes (ai a nossa “inteligentsia” quão pequena ela é! E quão estúpida! E quão preconceituosa!) angaria uma bela percentagem dos votos dos portugueses.

Quem foi severamente derrotado, digam o que disserem, foi o cavalheiro do PCP. Ficamos sem saber se estes pobres 3, 4% representam a real força do PCP sobretudo se recordarmos que o voto comunista nunca falha, nunca se perde, nunca admitem deserções. Será que o PC começa realmente a morrer como morreram os seus congéneres na Europa?

A derrota de Maria de Belém é dramática: digamos que uma esquerda do PS  mostra a sua medonha perda de influência. Alegre, Martins ou Vera Jardim são velhos combatentes da liberdade e da democracia que verificam que as novas gerações socialistas  perderam já a bússola socialista e apenas querem lugares e mordomias. É esse o segredo deste Governo que nenhuma chama alumia. Vai morrer na praia e vai dar uma segunda vida à Direita.

Belém levou a cabo uma campanha desastrada, desde o momento em que declarou que votaria em Nóvoa se ele  fosse o mais posicionado para uma ilusória 2ª volta. Depois, os erros repetiram-se em declarações demagógicas como a de receber presidentes num lar de 3º idade. Pior, alinhou na campanha anti-Marcelo não percebendo que aí estaria sempre aquém dos ataques frenéticos dos outros candidatos mormente os do PC e do BE.

Finalmente, foi vítima do escândalo do subsídio vitalício dos políticos que estiveram no parlamento. Vítima, digo e repito. Só um par de descerebrados  populistas é que pode afirmar que tal subsídio é imoral. Querem deputados de qualidade e, depois, negam a esses mesmos políticos os meios de exercerem com dignidade e independência financeira o seu múnus político. Ou seja, querem uma espécie de país de bananas ainda mais sujeito à tentativa de corromper os representantes do povo.

Quanto ao senhor Nóvoa, o candidato vindo do nevoeiro e da não política, ficando num segundo lugar a larguíssima distância do primeiro (menos de metade dos votos deste), mostrou que nem o apoio de Costa e de várias personalidades agora fundamentais na actual Situação disfarçavam a sua absoluta mediocridade revelada desde o primeiro dia.

Em último lugar, parece que os votos de Marisa Matias significam uma grande vitória. Convenhamos...

Marisa nunca pensou em ganhar mas apenas em lançar  achas para uma fogueira que nunca tentou ser uma contribuição para a ideia da função de Presidente da República.

Se virmos bem, os votos dela são os que faltaram ao PC de outros tempos.

Finalmente, uma nota para boa parte dos políticos: Costa apareceu redondo e como primeiro ministro delegando para uma conspícua senhora o rol de tolices que, parece, constituiu o testamento presidencial do PS, Jerónimo perdeu a cabeça e inventou uma outra eleição e um outro resultado, uma paranoia que mete dó. Catarina Martins disse mais do mesmo mas apesar disso foi melhor do que a porta voz do PS. Portas e Coelho bastante cautelosos conseguiram dizer o necessário sem se perderem na habilidade da “Segunda volta das legislativas”. Negando-o, acabaram por deixar, implícita essa ideia. O que não deixa de ter alguma consistência.

Costa que se precavenha!

Nota final: um querido e respeitado amigo meu ao saber do meu voto (via este blog) achou-o "inútil" e bizarro. E comparou-me  com os apoiantes de Tino de Rans. Comparou-me com um homem do povo que provou que um modesto calceteiro pode aspirar á mais alta magistratura. 

Venho, sem malícia, recordar-lhe que todos os votos que não caíram em Marcelo foram igualmente inúteis. Nesta eleição só há um vencedor, o resto é paisagem.

o título refere um slogan de há muitos, muitos anos.

o subtítulo pode(ria) remeter para uma história infantil não fora dar-se o caso de tentar relembrar para algum leitor curioso um excelente livro de Jesus del Campo (Los diários clandestinos de Blancanieves, Madrid, 2001) que se lê com prazer. Sempre distrai das tristonhas eleições a que se assistiu.

A gravura representa um dos oito Marcelos santificados. Este tem igreja em Roma, foi papa e sofreu o martírio sob Maxêncio (sec IV).

 

   

 

Um voto sem destinatário presidencial

José Carlos Pereira, 21.01.16

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Está prestes a terminar a campanha eleitoral mais aborrecida e desinteressante de que há memória. O país vai eleger o seu novo Presidente da República por sufrágio directo e quase não se dá por isso. O número de candidatos anormalmente elevado, com repercussão num desdobramento repetitivo de debates televisivos, acabou por ter um efeito contraproducente e afastar ainda mais os portugueses destas eleições. O longo debate de terça-feira à noite – quantos portugueses terão estado sintonizados na RTP 1 do princípio ao fim? – não veio trazer nada de novo.
Além dos candidatos que lutam pela vitória, pela passagem à segunda volta ou pela consolidação do eleitorado dos partidos de que são dirigentes, temos nestas eleições mais cinco candidatos que fizeram uso dos seus direitos de cidadania, pessoas estimáveis certamente, mas que surgiram sobretudo para afirmar agendas ou caprichos pessoais. As sondagens antecipam que esses candidatos vão registar votações mínimas, sem qualquer correspondência com a exposição pública de que estão a beneficiar.
A circunstância de os principais candidatos terem fugido a um debate mais ideológico e programático, o próprio perfil dos candidatos e a tímida campanha que levaram a cabo, nos meios e nas ideias, tudo isso esteve na origem do alheamento de muitos portugueses normalmente empenhados nas disputas eleitorais.
Marcelo Rebelo de Sousa, o político omnipresente nos últimos 40 anos e que conseguiu adormecer a concorrência na área do centro-direita, sabia que o percurso que escolheu era o que mais o beneficiava e não saiu desse registo insípido, tirando partido da transversal popularidade que alcançou ao longo dos anos na TV. Curiosamente, as críticas mais incisivas que tem recebido, nomeadamente ao seu carácter, provêm da direita mais conservadora.
António Sampaio da Nóvoa surgiu quase do nada nesta corrida eleitoral como bandeira de uma geração inquieta e insatisfeita, mas nunca soube encontrar o seu azimute. Sem saber se estava mais próximo do PCP ou do PS, quis muito o apoio do PS, muito embora apoiasse sem hesitações os candidatos do PCP ou do BE numa hipotética segunda volta. O tempo novo que anuncia é pouco propício, a meu ver, para experimentalismos em Belém.
Maria de Belém Roseira chegou tarde à eleição presidencial numa área socialista órfã do seu candidato natural. Deixou que se colasse à sua pele a imagem de uma candidatura de facção, de uma parte do PS contra outra. Pareceu empurrada para um papel que não era o seu, já que nunca se vislumbrara antes que a fragilidade e a falta de espessura de Maria de Belém pudessem dar origem a uma candidatura presidencial.
E assim, pela segunda vez consecutiva, chego a umas eleições presidenciais sem ter a quem confiar o meu voto. Considero que numa eleição unipessoal de tamanha importância tem de haver uma identificação completa com o percurso cívico e político, os valores e os princípios programáticos defendidos por um candidato para lhe poder conferir o meu voto. O que não sucede nestas eleições, infelizmente.

Almeida Santos

José Carlos Pereira, 20.01.16

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A morte de Almeida Santos retira do nosso convívio um dos fundadores da democracia constitucional portuguesa e uma das figuras maiores da história do PS, tendo sido candidato derrotado a primeiro-ministro em 1985, facto que os mais novos não recordarão. Este texto do ex-director do "Expresso" Henrique Monteiro é uma bela evocação do governante, legislador, parlamentar e advogado. Este outro texto de um dos netos dá-nos a dimensão mais pessoal de Almeida Santos.
Se a memória não me atraiçoa, creio que a única vez em que convivi de perto com Almeida Santos foi em 1983, era ele ministro de Estado do Governo do bloco central e foi a Marco de Canaveses a um comício da coligação PSD/PS, no extinto Cine-Teatro Alameda, em plena campanha eleitoral das autárquicas intercalares que se seguiram ao derrube do executivo minoritário liderado por Avelino Ferreira Torres (CDS). Para um jovem de 17 anos envolvidíssimo nessas autárquicas e apoiante do Governo do bloco central foi um privilégio privar com Almeida Santos nos bastidores desse comício. Aliás, vários outros ministros e dirigentes de PS e PSD viriam a Marco de Canaveses nessa campanha eleitoral, mas infelizmente isso não bastou para mudar o rumo que então já se adivinhava. Mesmo assim, Almeida Santos não deixou de dizer presente.

 

 

Estes dias que passam 332

d'oliveira, 19.01.16

António de Almeida Santos

 

Desculpem mas não vou falar do político, do legislador, do ministro.

Quero, apenas, referir o amigo do meu pai, num Lourenço Marques já longínquo, na Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra. Os dois eram cantores de fado de Coimbra, unia-os uma forte solidariedade de "coimbrinhas" que ultrapassava eventuais diferenças políticas ou percursos profissionais obviamente diferentes. 

Quero, somente, mencionar, comovido, e grato enquanto cidadão, enquanto pessoas comprometida com a luta anti-colonial nos anos duros, a presença de Almeida Santos no reduzido e corajoso grupo de advogados que nas margens do Índico defendiam a democracia, os africanos e a honra dos habitantes brancos de Moçambique que, mesmo escassos, não alinhavam na política colonial.

Gostaria de citar, a par de António Almeida Santos, Antero Sobral e Adrião Rodrigues. Estou, provavelmente a omitir outros homens de bem mas, em minha defesa, apenas recordo que na altura eu era um rapazola e os anos, muitos anos, passaram. 

Na única vez que o vi, depois desses anos, tive oportunidade de falar desses tempos e, paralelamente, lhe comunicar a morte do meu pai. "O seu pai foi um João Semana no norte de Moçambique e foi uma das poucas pessoas que tentou melhorar a sorte dos negros". E cantava bem..."

Não me atrevi a dizer-lhe que o fado de Coimbra me era indiferente ou quase insuportável. 

De certo modo, a sua morte súbita foi uma benção. António Almeida Santos morreu, pode dizer-se, com as botas calçadas: no dia anterior, mesmo adoentado, esteve ao lado da Maria de Belém Roseira mostrando que, enquanto socialista, não esquecia a sua pertença à familia política que honrou e a que permaneceu fiel. Nem todos poderão gabar-se do mesmo.

 

a varapau 22

d'oliveira, 15.01.16

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Os factos, senhor doutor, os factos!

Publicou-se entre nós, uma “história contemporânea de Portugal” (séculos XIX-XX). São cinco volumes, editados com financiamento da Fundação Mapfre (saúde-se a iniciativa, raríssima entre nós) e conta com a direcção geral de António Costa Pinto e Nuno Gonçalo Monteiro, intelectuais credenciados que reuniram um numeroso grupo de colaboradores de que genericamente só se pode apreciar a qualidade.

A publicação estendeu-se de 2013 a 2015, razão, entre outras, por só agora ter terminado o IV volume, relativo aos anos 1930 a 1960. Independentemente de nem sempre estar completamente de acordo (coisa natural) a verdade é que tenho apreciado positivamente este esforço. Não vale a pena discutir todas e cada uma das posições dos diversos autores e, muito menos, as opiniões expressas. Uma das grandes conquistas da democracia é justamente podermos verificar que nem sempre estamos de acordo mas que nem isso entorpece a nossa vontade de aprender, de discutir, de contrapor. Isso quanto às opiniões mas agora apenas venho levantar algumas críticas a um rol de factos constantes do último capítulo do vol IV, pag.s 177-210 que me parece francamente medíocre e abundantemente descuidado para não usar adjectivo mais forte.

De facto, sem sequer se estabelecer um roteiro completo temos que: ao descrever as revistas juvenis existentes no período deparamos com a gritante falta de “O Mosquito” de longe a mais duradoura. No rol ficam “O Cavaleiro Andante” e “O Mundo de Aventuras”, obviamente importantes.

fora dos parágrafo dedicado a estas revistas é mencionada com existência autónoma a “Joaninha” que mais não era do que um suplemento da revista “Modas e bordados” e não uma publicaçãoo autónoma.

Também não consta o excelente “O senhor doutor” onde José gomes Ferreira publicou a primeira versão das “Aventuras de João sem medo”. Convém assinalar que esta publicação durou quase doze anos, com periodicidade semanal e é, de facto, o primeiro jornal para os mais pequenos

No capítulo escritores que se afirmam nestes 30 anos surgem, a par de faltas surpreendentes (Cesariny ou Helder), Saramago e Pepetela. É verdade que o primeiro arriscou uma obra ainda nos anos 40 que, suponho, foi repudiada ou não reeditada( Terra do pecado). Saramago começa realmente em finais dos anos 70. Mais extraordinário ainda é a referencia a Pepetela cuja primeira obra é de 72, bem longe pois do tempo estudado.

quanto aos jornais, espanta a falta de menção ao “Diário Ilustrado” um vespertino claramente marcado à esquerda que começou em meados de 50 e acabou em 1963. A sua equipa editorial ficou famosa (Miguel Urbano Rodrigues, José Tengarrinha, Veiga Pereira, Cunha Rego, o poeta Daniel Filipe e muitos outros. Famoso ficou o seu excelente suplemento literário (Diálogo) que mesmo dirigido por Amândio César, publicou pela primeira vez em português poemas de Mao Tse Tung bem como o famoso “Mulher Negra” de Leopold Sedar Sengor. Não se entende este esquecimento.

Também se não percebe o facto da belíssima e inovadora revista “Almanaque” (dois anos, dezoito belos números) não ter direito de cidadania! Ainda hoje, “Almanaque” é procurado em alfarrabistas e vendido como “peça de colecção”. Para quem desconheça, a revista tinha uma redacção de luxo: Cardozo Pires, Alexandre O Neil, Stau Monteiro, Abelaira, João Abel Manta José Cutileiro e Baptista Bastos. O extraordinário grafismo devia-se a Sebastião Rodrigues e foi ali que Vasco Pulido Valente. A revista pertencia à grande editora “Ulisseia” que também não aparece referida !!!

Quanto à música comece-se pela novidade de situar “Menino do Bairro Negro” de José Afonso (a cujo nascimento assisti graças ao Jaime Magalhães Lima, amigo do Zeca) que é de 1963.

E para terminar também não há uma única referência À Juventude Musical Portuguesa, cujos concertos registavam enchentes e que foi um poderoso motor da cultura musical daquela época. Também a “Gazeta Musical e de todas as Artes” não consta, mesmo se iniciada por J J Cochofel em 1958.

Os exemplos de não referência de factos poderiam alargar-se mas não vale a pena. O texto pobre não merece mais notícia mesmo se desfeia gravemente uma publicação que até este volume, o penúltimo, só pode ser alvo de elogio.

(é claro que irei ler com atenção e entusiasmo o Vº volume. quanto mais não seja foi nesses anos de oiro e chumbo que começou a minha vida política).

Na gravura: capas de "almanaque"

 

O Incursões à mesa

José Carlos Pereira, 15.01.16

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No iníco de um novo ano, os colaboradores do Incursões juntaram-se ontem à noite à mesa, na Adega São Nicolau, em plena Ribeira portuense, para conviver e tratar dos assuntos correntes: o blogue, o novo Governo, as eleições presidenciais, os independentismos na Europa e a política em geral. Não faltou a boa disposição, claro, ali a dois passos de um Rio Douro pleno de fulgor.

Prossegue assim o percurso do Incursões, que em 2016 completará doze anos de vida, tendo ultrapassado já um total de 1.300.000 page views e aproximando-se das 750.000 visitas.

estes dias que passam 340

d'oliveira, 14.01.16

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Eles falam, falam, falam...

0u

tu Marcellus eris*

 

A candidata Marisa Matias descobriu a pólvora: em transporte ferroviário, a Península está isolada da Europa! Ora toma lá, que já bebes! Esta novidade que o é desde que as linhas férreas portuguesas se ligaram às de Espanha (antes tanto fazia) tem suponho mais de cem anos. A diferença de bitola existiu desde o primeiro dia por razões variadas entre as quais a militar. Parece que seria mais difícil adaptar um comboio invasor europeu à bitola espanhola.

A senhora candidata provavelmente por ser uma mulher relativamente jovem não deve nunca ter tomado o Sud Express para um saltinho para lá dos Pirineus. Veria, mesmo de olhos fechados que na fronteira hispano francesa se procede a uma pausa para trocar os rodados (julgo eu) ou para fazer qualquer outra coisa que permita ao nosso comboio chegar a Paris.

A culpa da declaração que veio em parangonas nos jornais não é tanto da criatura que a proferiu mas do repórter bacoco que, à falta de mais e melhor substância, deu aquilo à estampa.

Isto recorda-me uma grave tomada de posição ferroviária do BE aqui há um par de anos e que consistia em exigir ligação ferroviária entre todas as capitais de distrito. Eu sei que o BE é constituído por malta nova que nunca foi obrigada a decorar as linhas férreas, mai-as estações, apeadeiros e não me lembro que mais. Nesse tempo infame qualquer pobre criancinha da 3ª ou 4ª classe, além de ter de saber ler, escrever e contar perfeitamente também tinha que vozear o sistema orográfico, o hidrográfico, a história de todos os reis, a gramática elementar e o sistema ferroviário. E sabia que todas as capitais de distrito, todas, repito, estavam ligadas ferroviariamente. Mais tarde, a campanha de embrutecimento escolar e o transporte rodoviário mataram muitas dessas ligações, incluindo o facto de elas terem existido.

O novo (e menos divertido) cónego Remédios que representa as cores do “proletariado, dos pequenos e médios camponeses, dos trabalhadores em geral e da enorme maioria do povo português”, ao ser interrogado sobre a existência de democracia na formidável Coreia do Norte, rabiou, ziguezagueou, espirrou, expirou e finalmente confessou que “a “democracia não era o privilégio” da Coreia do Norte. Perceberam? Eu também não. Ou melhor: percebi que o apóstolo de Marx, Engels, Lenin, Stalin e, já agora, Brejnev tinha, in imo pectore, um facataz pelos pais, filhos e netos da pátria que vem governando a ridente e próspera Coreia do Norte onde à falta de pão para a populaça há umas bombitas atómicas a mais. Começa-se a perceber como é que Jardim governou tanto tempo. Com oposições deste jaez milagre foi não ter continuado.

O senhor Rebelo de Sousa achou engraçadíssimo ir visitar uma sede do senhor Sampaio da Nóvoa. No fim da gloriosa incursão, quando lhe disseram que ali não amealharia nenhum voto, respondeu com ar misterioso que o voto é secreto. E nós que não sabíamos!...

E confia na profecia de Anquises reproduzida no subtítulo. Convém que não olvide o facto de Marcelo, general glorioso, ter morrido, muito jovem, em combate contra os cartagineses. Há destinos assim: muito poéticos e pouco práticos...

A minha amiga Maria de Belém quer levar, se for Presidente, os colegas estrangeiros a um lar da 3ª idade para almoçar. Porque não levá-los ao jardim zoológico? Ou ao cemitério dos Prazeres? Francamente, não era necessário...

O candidato Nóvoa arranjou três padrinhos de prestígio, todos ex-presidentes, todos enlevados no aparecimento daquele cometa que vindo do nada sideral pretende aterrar no palácio de Belém. Desconhecem-se ainda hoje os motivos que terão levado as três fadas madrinhas a escolher alguém que, até há um, dois anos ninguém conhecia politicamente. Quando digo “desconhecem-se”, devo abrir uma excepção: o senhor general Eanes confessou que vê em Nóvoa um próximo parente (político, supõe-se) de Cavaco Silva que ele, Eanes também apoiou. Concordo a 60% com o ilustre militar: Nóvoa, mesmo sem ir à Figueira, mesmo sem ter militado, mesmo sem ter sido ministro das Finanças, é também uma aparição fantamasgórica, um acaso da História pátria, um milagre anunciador da ascensão de uma certa classe muito pequeno burguesa que se fez a si própria. Não que o senhor Nóvoa venha dessa mesma pequeníssima burguesia, pois parece que que vem de outro estrato social. Todavia, vem do mesmo desconhecimento público, do mesmo não empenhamento, do mesmíssimo anonimato. Vai-se pela criatura mesmo depois do 25 A e nada. Estava onde? Foi à fonte luminosa, andou nas guerras de 25 N? Foi otelist, sá carneirista, eanista ou estava ausente e em parte incerta. Além de umas citações zeca-afonsinas (e quem não cita JA?) de outras tantas de Sofia, o mesmo é dizer, além de uma vulgata pseudo-progressista, quem é a criatura, que é que pensou todos estes anos?

Diz-se que costa se enternece com ele. Mas Costa apaixona-se por tudo que lhe não cheire a Seguro. Costa não esquece o “alumbramento” (cfr Manuel Bandeira) que lhe deu aos tenros catorze aninhos quando viu a luz numa sede do PS e se alistou imediatamente. Claro que a culpa não é só dele. É do militante que lhe entregou a ficha em vez de o mandar jogar à macaca e fazer olhos ternos a uma miúda da mesma idade. Eu sempre receei os adultos que não tiveram juventude. Normalmente farão todas as asneiras desse tempo perdido já mais velhos e com piores, muito piores, consequências, como depressa se irá ver. Quanto ao senhor Nóvoa, apesar de eu ter pouca esperança no país, creio que depois desta fogachada desaparecerá como desapareceu o partido eanista que, por acaso (ou não?) deu cabo do PS e condenou-nos a Cavaco durante uma dúzia de anos. Lembram-se?

Dos restantes candidatos, nada a dizer. Neto prega no deserto algumas incómodas verdades, o cavalheiro anti-corrupção ainda não saiu da letra C e o resto dos candidatos está incomunicável. A 3ª senhora que chegou a aparecer, uma cidadã identificada com o partido dos animais e da natureza terá descoberto que não conseguia arranjar as assinaturas necessárias. O que, infelizmente, prova que estes ecologistas (bem melhores do que os da bengala do PC) são poucos e, eventualmente, um acaso daeleição legislativa passada. É pena mas é mesmo assim.

Ainda iremos gramar um dúzia de dias nesta algazarra. A cruzada anti Marcelo (RS), continua imparável. Eu lembraria aos seus tenores que as cruzadas, todas sem excepção, foram um desastre, especialmente a das crianças (1212) cujos membros foram aprisionados e vendidas como escravos em Argel ou Alexandria.

*Virgilio, Eneida, VI, 883

 

 

au bonheur des dames 412

d'oliveira, 04.01.16

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he's got the whole world in his hands

(um spiritual para Jaime Azinheira)

Tinha o mundo nas mãos. Mãos de escultor, mãos seguras, mãos poderosas, mãos que num ápice traduziam volumes, cores, ambientes. 

O Jaime era o que se chama um escultor de mão cheia. E era porque já não é. Um cancro medonho e rápido levou-o em poucos meses com o seu cortejo de dor e de miséria física. 

Tenho uma boa dúzia de amigos escultores desde o decano e querido José Rodrigues até ao  Manuel Sousa Pereira, amigo de longas dezenas de anos. Desde 1962, mesmo que não nos tenhamos encontrado numa Coimbra revoltosa que celebrava um Encontro Nacional de Estudantes proibido pelas autoridades. MSP, como todos os restantes que vinham do Porto, ao ver o autocarro em que viajavam parado pela polícia não desmoralizou e terminou a sua prergrinação-manifestaçao vindo a pé uma boa dúzia de  quilómetros até chegar entre vivas e eferreás à praça da República, centro vital da comuna estudantil coimbrã. Se o cito e relembro esta historieta é por que os tempos que correm obscurecem, entre demagogia e desconhecimento da História, o que fomos, o que somos e o que queremos.

E neste "nós" está claramente e luminosamente o Jaime (e a Elsa, naturalmente. Elsa César para os que não conhecem, escultora também ela e com obra feita). 

Conheci o Jaime antes de o conhecer, ou melhor conheci primeiro uma série extraordinária de peças com que ele ganhou sem problemas a Bienal de Cerveira - a 1ª ou 2ª já não recordo nem isso importa. Eram quatro ou cinco esculturas quase em tamanho natural coloridas e carregadas de uma intensa carga crítica que não disfarçava (como é que o Jaime, a ternura feita pessoa e escondida atrás de uma brusquidão artificial iria esconder o seu amor pelas pessoas, pelos humildes, pela gente de todos os dias? ) o carinho com tratava as suas personagens. 

Está aí a iluminar este pobre texto uma fotografia do conjunto "Taberna" que poderão ver ao natural na Fundação da Bienal de Cerveira.

Do Jaime, eu esperava tudo: uma obra que desse brado, como tudo indicava, o reconhecimento do público (que dos seus pares e da crítica já estava mais do que adquirido) e até uma carreira internacional. Vi alguma escultura pelos sítios por onde andei desde Berlim a Paris ou de Roma a Amsterdão e do que vi ficou-me a ideia absurdamente portuguesa de que bastaria ele querer e as galerias abrir-lhe-iam as portas. O problema era ele querer. E o Jaime não queria, não se interessava, não acreditava. Ou acreditava muito pouco. Nele, em primeiro lugar, no nosso destino periférico depois. 

Faço parte dos abençoados que conseguiram adquirir peças dele. Uma única, aliás, pois perdi ingloriamente outra  escultura e um belíssimo acrílico que um rapazola fanfarrão arrematou e, depois, não pagou. A peça foi, sem eu o saber, para outro interessado que estava à coca e era mais espevitado e mais rápido do que eu. 

Mas mais do que isto, ou pelo menos tanto, era o facto do Jaime ser um amigo certo, um homem culto, um professor de grande qualidade que prestigiou a Escola de Belas Artes do Porto e um velho resistente. Não precisou do 25 de Abril para afirmar as suas posições de cidadão e democrata quando ambas as qualidades eram, em Portugal, mais raras 

do que o milagre das rosas. Numa altura em que a compita de cidadania e de democracia corre desavergonhadamente à rédea solta pelos jornais e pelas televisões, sabe lembrar  quem tranquila e desinteressadamente baseou a sua vida na liberdade, na cultura e na honradez.

Vai este folhetim para os amigos de Jaime Azinheira, para a família e sobretudo para a Elsa e mais ainda para a Filipa César que (como os irmãos) dos pais herdou a cultura, a beleza, o entusiasmo e o talento.