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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

A justiça que não se faz (por cá e por lá)

José Carlos Pereira, 31.03.16

Decidi há muito não me pronunciar sobre o que vem a público da investigação que envolve o antigo primeiro-ministro, José Sócrates. Prefiro esperar para ver em que resulta essa investigação e os dados que vão, presumivelmente, suportar a acusação. Isso não impede, contudo, que vá fazendo os meus juízos de valor sobre o trabalho desenvolvido pela investigação, os respectivos timings, as fugas de informação e a cruzada de singulares assistentes do processo.

Soube-se entretanto que a investigação reclamou um prazo de mais meio ano para formular a acusação a José Sócrates. Prazo esse que poderá, eventualmente, vir a ser prorrogado em caso de justificada necessidade. Facilmente se percebe que uma investigação que se prolonga por mais de três anos nunca fará justiça em tempo útil a nenhum cidadão, muito menos a alguém que exerceu funções tão relevantes como as de primeiro-ministro.

Do outro lado do Atlântico, o Brasil está em chamas, com o derrube da presidente Dilma Rousseff na mira de vários sectores políticos e económicos. A recente divulgação das escutas telefónicas envolvendo a presidente e o ex-presidente Lula da Silva foi um dos elementos marcantes do processo em torno do impeachment da presidente, da investigação sobre Lula da Silva e da sua nomeação como ministro.

Perante a repercussão pública dessas escutas telefónicas, o juiz que as revelou veio agora apresentar um pedido de desculpas (!) ao Supremo Tribunal brasileiro. Diz o juiz que não teve motivações político-partidárias. Pois não. Isto depois de já termos sabido que o juiz que suspendeu a tomada de posse de Lula como ministro foi um participante activo nas manifestações políticas contra a presidente Dilma Rousseff…

Cada país tem o seu sistema e as suas regras. Como cada país tem o seu povo e os seus políticos. Mas, cá como lá, é evidente que o comportamento da justiça deixa muito a desejar com estes exemplos e esta conduta.

au bonheur des dames 414

d'oliveira, 24.03.16

Dr Nurlufts & Mr Sowinds

O sr. João Soares é, segundo consta, Ministro. E ministro da Cultura, mesmo que isso pareça extraordinário a quem por aqui anda.

Desconhecem-se os motivos que terão levado o dr. Costa a requisitar os serviços da criatura.

Desconhece-se, de resto, que motivos terão contribuído para que o sr. João Soares tenha feito carreira política, seja qual for o significado que a tal termo se dá.

Por junto, esmiuçando na biografia da criatura, temos que JS é filho do dr. Mário Soares. Todavia, nem sempre os filhos saem aos pais em inteligência, visão política, urbanidade e cultura.

É triste mas é assim mesmo. Há disto em todas as famílias: uma criatura que por muito que a eduquem, a ensinem ou a promovam, não passa da cepa torta.

O sr. João Soares apareceu vagamente na cena política nos finais do antigo regime. E apareceu, desde logo, como o filho de um político que dava a cara e o corpo pela democracia.

Das suas proezas, nesse tempo obscuro, sabe-se pouco e mesmo esse pouco é de uma irrelevância política total.

Nos primeiros momentos post 25 Abril, eis que o promissor filho aparece na arena política como um dos dirigentes de uma espécie de facção do PS que se chamava, pomposa e tolamente, GAPS (grupo autónomo do partido socialista). A sigla não cobria nada e descobria ainda menos.

Da sua proclamação política podem extrair-se enormidades como a de “considerar o exército português como um verdadeiro exército popular” (sic!!!) e outras parvoejadas do mesmo género. Se aquilo fosse levado a sério, teríamos que o fantasmático GAPS se posicionava muito mais à esquerda do que o MRPP.

De todo o modo, este “grupo” irrisório e risível esfumou-se ao fim de uma dúzia de comunicados e nunca foi considerado pela Esquerda Revolucionária como mais do que uma bravata enquanto o Partido Socialista o sofria como uma mera cólica. Supõe-se mesmo que Mário Soares, que conheceria o filho, não lhe atribuiu qualquer espécie de importância nem sequer o terá achado interessante para fomentar qualquer diálogo à sua esquerda.

O GAPS morreu sem ter vivido e provavelmente hoje não haverá do que uma meia dúzia de cabeçudos que o recordem.

Depois desta aventura teórica, o jovem Soares teve dois momentos importantes na sua vida política (isto se abstrairmos da sua inconspícua passagem pelo parlamento onde não consta que se tenha notabilizado por qualquer ideia, qualquer intervenção qualquer aparte). Foi Presidente da Câmara de Lisboa por um único e apagado mandato tendo perdido a reeleição. A Câmara tê-la-á ganho graças ao antecessor (Jorge Sampaio) de quem foi vereador mas a sua arrogância e a incapacidade notoriamente demonstradas urbi et orbe entregaram o oiro ao bandido, sendo batido sem apelo nem agravo por Santana Lopes.

A sua aventura autárquica levou-o de novo a uma estrondosa derrota em Sintra frente a Fernando Seara.

A segunda vez em que João Soares foi notícia relaciona-se com a actividade de Jonas Savimbi.

Concentremo-nos por um breve instante neste individuo que de nacionalista angolano em breve foi arregimentado pela tropa portuguesa que lhe fornecia protecção e algum armamento para atacar as posições do MPLA no leste de Angola. Por fas ou por nefas, o mesmo Savimbi conseguiu o estatuto de dirigente político da “3ª força” nacionalista em Angola (UNITA) mas, incapaz de sair do círculo tribal onde sempre esteve, foi derrotado e morto pelas forças do Estado angolano. E se é verdade que conseguiu, com vários apoios suspeitos, liderar uma espécie de resistência aos “marxistas angolanos”, não menos verdade é que o movimento do galo negro foi sendo paulatinamente escorraçado para os confins da Jamba até o líder ser descoberto e executado graças ao imoderado uso de um telefone que o denunciou. O sr. João Soares não só foi o embevecido editor duma espécie de poesia de Savimbi como esteve presente num congresso da Unita (1991) e teceu, por várias vezes, rasgados elogios ao movimento e ao seu líder. Foi aliás no decurso de uma das visitas ao QG da UNITA que João Soares foi vítima de um acidente que o pôs à portas da morte. Salvou-o a medicina sul africana do regime detestado do apartheid e, eventualmente, as orações da sua mãe que viria em seguida a converter-se ao catolicismo.

Soares, João, também foi deputado europeu não constando que tenha deixado obra por Bruxelas ou Estrasburgo.

De todo este percurso vale a pena notar que sempre que ele vai sozinho a umas eleições perde, coisa que não ocorre quando a sua presença é discreta dentro de um grupo mais amplo escolhido partidariamente: aí os eleitores não têm remédio. Ou votam na lista da sua preferência política ou terão de a preterir devido à pouca qualidade de algum (alguns) dos seus membros.

Fora isto, consta que João Soares terá perpetrado uns livrinhos vagamente eróticos sob os blandiciosos pseudónimos de Hans Nurlufts (nur –só e lufts –ares) e John Sowinds (idem para a composição do nome). Não ganhou o prémio Nobel e também não consta que essa sua cerebral prosa tenha sequer arranhado a fama do celebrado “A marca dos Avelares”. Bem que procurei os livrinhos mas não consegui pôr-lhe as mãos em cima. A última notícia deles é que estavam “indisponíveis” no editor. Terei perdido duas gargalhadas mas seguramente poupei dinheiro.

Quando Costa anunciou o nome de Soares para a Cultura, agora elevada a Ministério, tremi. Não que a cultura portuguesa ou outra qualquer dependa da burocracia da Ajuda mas quand-même!

Os resultados, e ainda só passaram cem dias, começam a estar à vista. Soares promete tudo para ficar com uma colecção de segunda ou terceira escolha de Mirós, e numa ânsia de gastos para o parco orçamento do MC entendeu correr com o Prof. Doutor António Lamas do cargo de Presidente do CCB. Já antes tinha declarado no tom pomposo que usa que discordava absolutamente do plano estratégico para Belém. Razões aduzidas? Nenhumas.

A maneira como tratou um alto funcionário que no campo da intervenção cultural se tem continuamente distinguido seria no mínimo considerada boçal mas nem vale a pena caracteriza-la assim. Lamas exerceu com singular competência os mais altos cargos dentro do departamento da Cultura (foi aliás presidente do IPPC/IPAAR) e nos últimos tempos tinha sido altamente elogiado pelo seu programa para Sintra onde inclusive conseguiu o milagre de rentabilizar os investimentos feitos no parque além de ter restaurado os palácios e monumentos da zona. Foi isso que terá levado o Secretário de Estado Barreto Xavier a nomeá-lo para Belém onde a anarquia, o despesismo e o desperdício andaram de mãos dadas.

Soares não gosta do professor catedrático (consta que desde Sintra onde apagadamente foi vereador) e além disso acha que o cargo assentaria como uma luva no senhor Elísio Sumavielle, um seu companheiro de sempre que tem feito uma relativamente modesta carreira nos ínvios trilhos da “cultura”. Curiosamente este “socialista de sempre” que até fora episodicamente responsável político sob a tutela da senhora Canavilhas, foi também nomeado para um alto cargo por Francisco José Viegas episódico Secretário de Estado de Passos Coelho. Digamos que Sumavielle é a man for all seasons mesmo que ele não seja (nem de perto nem de longe) Thomas More.

Um dos mais curiosos argumentos de Soares é o da idade. Lamas tem 69 anos e Sumavielle menos dez. Convenhamos que nenhum deles está na sua mais tenra idade mas com bem mais anos o pai, Mário Soares, foi candidato à Presidência da República e o seu oponente, Manuel Alegre também já passara os setenta...

Eu percebo esta cláusula etária tanto mais que, num momento de generosidade tola e absurda, me detive por duas (duas!!!) vezes a ouvir o sr. Soares (João) na televisão em modo comentário. O espetáculo era obviamente para menores de 13 anos mesmo se não me consta que sequer essa buliçosa mocidade considerasse seriamente gastar o seu tempo a ouvir a criatura. Em minha defesa só posso alegar que aguentei aquela treta quase cinco minutos de cada vez! Jesus, que purgante!

Desta triste peripécia que é o caso Lamas pouco mais há a dizer. Mesmo tendo sobre Soares (João) a exígua (ou nula) opinião que venho manifestando, resta-me um amargo de boca, vergonha e tristeza.

Corre por aí uma petição para afastar o sr. Soares do Ministério. Assiná-la-ia se achasse que, pelo menos, ela poderia ser lida por quem manda. Mas não. Costa sabia perfeitamente os riscos que corria e não hesitou. Ao homem convém fixar no Executivo uns espantalhos que sirvam de motivo de diversão.

Enquanto as pessoas se ocupam com o desserviço na cultura, Costa escapa. Como escapa quando se vê a criatura da Educação (?) a enfiar os pés pelas mãos a propósito dos exames ou a da Economia a patrioticamente incitar os camionistas a não abastecer os veículos em Espanha. Como é que este cavalheiro foi capaz de tal dislate é algo que me preocupa. Que diabo, um tanque cheio em Espanha significa, no mínimo 25 euros a menos!...

Soares, João está pois acompanhado mesmo se, no seu caso, a coisa seja ainda mais surpreendente e arrepiante. E sobretudo, mais mesquinha. Feitios...

 *desta feita não há ilustração: seria cera demasiada para tão ruim defunto

estes dias que passam 333

d'oliveira, 23.03.16

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É o multiculturalismo, estúpido!

 

Em Bruxelas o que espanta ao não são as bombas de hoje mas apenas o terem só hoje rebentado. Como é que ninguém esperava este infame foguetório havendo, no coração da cidade, mesquitas salafistas, imãs que persistentemente fazem a apologia da sharia, do sacrifício dos terroristas, e da glória da guerra sagrada.

Esta gente move-se como peixe na água, predica, glorifica e propõe o “Califado” e a destruição violenta dos “cruzados”. com a aquiescência de muito político e intelectual europeu que acha o Ocidente horrível e a guerra santa uma saudável reacção contra um passado de excessos coloniais.

Mesmo por cá, uma criatura deputada europeia veio uma vez dizer que “compreendia” (ó alma gentil e mais burra que um penedo de granito!) estas acções. Poupo-lhe o nome porque esta gente quanto mais anónima for, melhor. Não as exaltava, mas... E neste “mas” vai todo um passado de desvario político. E houve gente que vota esta gentuça e partido(s) político(s) que não a põe entre baias e lhe tira o tapete, o sumptuoso tapete que a munificência do parlamento europeu permite.

Começa a perceber-se (mesmo que não se aplauda nem se aceite) a má vontade dos países centro-europeus que se recusam a receber um único muçulmano. Por muito que essa atitude fira os “direitos humanos” de milhões de vítimas das guerras civis que assolam o mundo árabe, uma coisa é certa: na Eslováquia, na Polónia, na Hungria e arredores é bem mais difícil acontecer algo semelhante a Paris ou Bruxelas. Ou Londres. Isto para não falar em Telavive onde a vigilância fia muito mais fino.

Toda a gente, esta gente, desvia pudicamente o olhar da Arábia saudita de onde se exportam, com o petróleo, as “madrassas”, os agentes da subversão wahabita, os discípulos de Bin Laden.

As primeiras vítimas são, obviamente, os mortos e feridos e não, como aleivosamente se pretende, as comunidades refugiadas mesmo se, sobre elas, mais e mais, se vá abatendo a desconfiança. Não se pode tolerar a propaganda religiosa radical seja sob que aspecto for. O que é extraordinário é que na “compreensiva” Europa, se criminaliza o revisionismo histórico em relação à Shoa ou à matança dos arménios mas permite-se a livre circulação do ideário radical islâmico. É extraordinário!

Como é extraordinário verificar que os diferentes serviços de “inteligência” europeus não fazem circular a informação que detêm sobre organizações ou/e pessoas com claras ligações ao Daesh. Para que servem estes funcionários da segurança?

Sabe-se já que um dos “cérebros” dos atentados de Paris viveu tranquilamente alguns meses em Moelenboeck com a ajuda de amigos, familiares e vizinhos. Não parece ser surpreendente que estes dois atentados tenham sido acelerados devido à prisão de Salah Abdeslam. O plano já estaria pronto faltava uma “boa” ocasião para o pôr em prática. O resultado está à vista: trinta e um mortos para já, fora os feridos graves e muito graves, digamo-lo com brutalidade, os que vão morrer. Hoje ainda, amanhã, nas próximas semanas. Na Bélgica ou noutra qualquer capital europeia.

Haverá quem compreenda que as diferentes “mouvances” radicais tenham um acesso tão fácil à internet e, sobretudo, que a sua propaganda não seja eliminada? Como é que países com tantos recursos tecnológicos que podem, num ápice, apagar os sites do Daesh, não o fazem? Então apanham-se diariamente sites de pornografia infantil e os seus utentes e não se conseguem caçar e destruir os dos islamistas?

Tudo isto seria risível se não fosse trágico. Como se a única reacção pudesse ser iluminar os monumentos com as cores belgas!...

(Talvez valha a pena arranjar preventivamente corres verdes e vermelhas para quando nos couber em sorte entrar, em primeiro lugar e no prime time, nos noticiários internacionais!...Porque lá chegaremos como o testemunha o facto de haver vários militantes do Daesh vindos da zona da grande Lisboa. Para já matam e morrem lá, mas não faltará ocasião para exercerem o seu infame trabalho de apostolado na tranquila pátria onde nasceram e se estupidificaram)

A Europa acolhe comunidades de todo o mundo. Ainda bem, isso só a enriquece. Todavia, esse generoso acolhimento não exclui grupos que se marginalizam. Porque tem e/ou querem manter tradições culturais e religiosas (veja-se em Portugal os cerca de cinquenta casos, há dias noticiados, da ablação do clítorisem meninas africanas. Cinquenta não é exactamente uma pequena quantidade!...).

Há também, “segundas gerações” que desconhecendo o horror dos sítios de onde os pais vieram em busca de melhor vida, se recusam a partilhar os valores do país onde já nasceram. São poucos? Sem dúvida, mas é nesses pequenos círculos que se julgam menosprezados, que cresce a seara terrorista potenciada pelo clero islâmico exportado, sobretudo, pela Arábia saudita.

A política de não inclusão destes grupos na nação que os acolhe e lhes dá a nacionalidade, fundamentada no respeito por um corpus cultural que eles pouco conhecem, a revelação de uma religião que lhes dá uma promessa de eternidade num universo paradisíaco e a glória que no território muçulmano lhes é tributada, têm um ponto comum: o respeito quase supersticioso que certa intelectualidade europeia tributa a todas as alegadas vítimas do Ocidente. Tudo é cultura, tudo é respeitável mesmo se a cultura do Ocidente seja, na grande maioria dos países árabes, parcamente aceite quando não absolutamente excluída. Só para exemplo: enquanto na Europa as mulheres muçulmanas podem usar o hijab ou mesmo adereços ainda mais restritivos, é quase impossível que uma mulher ocidental possa circular sem a cabeça tapada por um véu num país mais rigorista. Ou conduzir um automóvel...

A questão é muito simples: quem quer viver cá, deverá viver como os de cá ou pelo menos não deverá poder hostilizar os valores de cá. Ponto, parágrafo. E deverá falar a língua do país onde resolveu viver. Conheci em França, portugueses que só por favor conseguem exprimir-se rudimentarmente. Conheço aqui, estrangeiros que tem a maior dificuldade em fazer-se entender. Isto só favorece a exclusão, a exploração de empregadores, a existência de mafias que controlam os emigrantes e criam, por isso mesmo, o clima que origina os ghettos.

Persiste numa certa Europa a ideia aberrante que não deve integrar os que a ela chegam. Com isso nem se fortalece a unidade nacional nem se protegem com eficácia e dignidade os que a ela acorrem. Pior: esse cego, diria fanático, respeito por todas e quaisquer alegadas diferenças de carácter cultural reforça a exclusão e torna ainda mais precária a situação dos emigrantes pondo-os sob a tutela de minorias étnicas, sociais e e financeiras que melhor exploram os que chegam e mais e mais aumentam o fosso entre pobres e ricos. Entre nacionais e metecos! Começa aqui a falta de respeito pelos direitos humanos de quem pede asilo, paz e trabalho. Tudo o resto é preconceito e racismo encoberto.

E um inesperado viveiro para todos os radicalismos extremistas...  

 

 

 

au bonheur des dames 413

d'oliveira, 10.03.16

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A senhora juíza que não era da Beira

...e porque me tem tenção

diogo Lopes de Carvalho

por me meter em trabalho

diz que não cumpro a Ordenação

e que para juiz não valho

(Farsada Juiz da Beira, Gil Vicente)

 

Bom fora que os portugueses, mormente os magistrados, lessem Gil Vicente para adquirir aí o que, pelos vistos, não ganham com a lição da vida.

Eu, velho em demasia e cardido pelos trabalho de uma vida inteira, continuo sem perceber porque razão, agora, muitos magistrados adoram mostrar-se em cena sob a luz crua dos projectores dos media.

Provavelmente, não se dão conta que há um (ou algum) público atento ao que as/os meritíssimas/os entendem dizer do alto do seu respeitável lugar.

E, também provavelmente, não percebem que a tarefa da administração da justiça requer bom senso, conhecimento do mundo, discrição, e tanto quanto possível neutralidade.

Aos juízes não se pedem opiniões, não se permitem preconceitos, ironias, sarcasmos e desaconselham-se fortemente tiradas de humor.

Tudo isto vem a propósito do que os jornais noticiam sobre o julgamento que opõe a jornalista Bárbara Guimarães ao Professor Manuel Maria Carrilho.

Em boa verdade, e sempre segundo todos os meios de comunicação, a senhora juíza distinguiu sempre os membros do casal desavindo, tratando Bárbara como Bárbara e Carilho como senhor professor. Convenhamos que para a proclamada igualdade de género tal tratamento não contribuiu minimamente

Depois, a senhora juíza entendeu “censurar” o facto de Bárbara não ter apresentado queixa contra o “senhor Professor” mais cedo mesmo se aquela antes referisse que a tal a impedia o julgamento da opinião pública e o e a vergonha do escândalo (sempre lesivo para quem vive na televisão).

Mais terá dito a senhora juízo ao declarar em plena audiência que as provas aduzidas por Bárbara eram fracas, acompanhando a palavra de um sinal de zero feito com os dedinhos.

Desencadeado o vozear da indignação pública, acompanhado por pedidos de recusa do juiz pelo MP, pela Defesa e pela Associação de Mulheres Juristas, eis que a senhora juíza num primeiro tempo, veio citar Mateus (“não trago a paz mas a espada”, Mat 10, 33-39), coisa que qualquer conhecedor da Bíblia entenderá que não é propriamente um bom aproveitamento do versículo citado.

Mais tarde, numa entrevista ao Expresso, a senhora juíza veio defender-se alegando que “até tratara Bárbara por querida”.

Finalmente, chegada a hora tardia da lucidez, a mesma magistrada “roga ao Tribunal da Relação que a escuse do julgamento”.

Tudo isto em poucos dias, em acelerado, em queda descontrolada. A mesma criatura que trazia a espada vem abandoná-la nas mãos da Relação. A mesma pessoa que reduzia as razões de Bárbara a zero vem afirmar que a tratou até por querida como se a sala de audiências fosse o local apropriado para tão duvidoso quanto arroubado tratamento. A mesma julgadora que censura a leviandade de Bárbara ao demorar as suas queixas, vem agora dizer que as palavras que proferiu não só não queriam dizer o que comummente se pensa que dizem mas, antes pelo contrário, eram uma defesa das vítimas de violência doméstica.

Não conheço nenhum dos intervenientes nesta historieta. A Bárbara vi-a uma vez com uma escassa dúzia de anos junto do pai um escultor que conheço e aprecio. A Carrilho uma outra, no rescaldo das eleições de Guterres, já Ministro e numa conversa com vários membros do extinto conselho coordenador de cultura dos Estados Gerais e a impressão com que fiquei foi dolorosamente desagradável. Quanto à senhora Juíza Joana Ferrer nunca a vi e, confesso, tenho escasso desejo em vê-la.

Defendi, aqui, muitas vezes, as magistraturas. Considerei que, nos casos em apreço, eram vítimas de uma despudorada campanha que visava atacar a Justiça quando esta se metia no caminho dos poderosos.

Todavia, também não posso ocultar que de há anos a esta parte tenho tido razões ponderosas e continuadas para achar que alguns magistrados (e não só em início de carreira) se tomavam por “eleitos” quando não passavam de zelotas num claro sinal que o poder lhes subira à cabeça e que nesta, em vez de prudência, bom senso (já nem se fala de bom gosto) sentido de justiça, pudor e reserva q.b., havia um excesso de impudência (impudência, repito ) e de arrogância, defeitos que tornam o acto de julgar num exercício de cinismo e despudor.

A Justiça nacional tem andado entre Cila e Caribdis, errática e tanto dá sinais de grandeza como de insuficiência (lembremos que a uma mulher negra, pobre e ignorante foi oferecida a tutela dos filhos caso se decidisse a amputar (laquear) órgãos reprodutores –situação já condenada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que mais recentemente condenou o Estado Português no caso de despedimento colectivo dos funcionários da Air Atlantis cassando assim uma sentença do STJ). E não vou referir casos mais mediáticos de natureza política onde parecem existir sinais de julgamento meramente sem atender a situações concretas que eventualmente requereriam um mais judicioso acompanhamento da realidade. A lei, o seu espírito não pode ser indissociável do mundo a que se aplica e das condições em que esse mundo se move e integra mas isso será par outra ocasião.

Neste caso em análise só há vítimas, incluindo o acusado Carrilho. Qualquer juiz que vier, e espero que venha, está já coibido e sob o fogo destas patéticas declarações de uma senhora juíza que não terá medido as palavras e o seu papel de julgadora.

Que desperdício!

 

 

Maria Luís Albuquerque “fura-vidas”

José Carlos Pereira, 07.03.16

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Já muito foi dito e escrito sobre o facto de a ex-ministra e actual deputada do PSD Maria Luís Albuquerque ter sido contratada por um grupo financeiro britânico especializado na compra de dívida pública e crédito mal parado. Com a sua decisão, Maria Luís não terá ferido a legalidade, mas a ética política e a moral foram atingidas em cheio. Disseram-no pessoas de todos os quadrantes políticos, incluindo várias do seu próprio partido.
Recordo que Maria Luís Albuquerque, a ministra das Finanças com o curriculum mais pobre dos nossos governos constitucionais, só foi alcandorada a tal posição pelo facto de ter leccionado umas aulas a Pedro Passos Coelho no seu tardio curso de Economia e ter granjeado a simpatia pessoal deste. Em conjunto, esta dupla ergueu no Governo um discurso moral contra os abusos, os privilégios e as regalias, reduzindo e eliminando remunerações, pensões e subsídios. Como alguém já referiu, a comunicação governamental tratou de fazer emergir o poder proveniente dos subúrbios contra o poder natural das elites poderosas e endinheiradas.
No entanto, esse discurso justiceiro caiu na primeira ocasião, mal a deslumbrada deputada recebeu um convite de uma empresa que, além de ser estrangeira, o que dá sempre uma certa “panache”, permite arredondar a conta bancária. Se essa empresa lidera um grupo que interveio na compra de créditos do BANIF e participa na compra de dívida pública, o que é que isso importa? Maria Luís Albuquerque pode ser chamada a tirar partido dos conhecimentos acumulados sobre a dívida pública e privada detida por terceiros? Mas onde está o mal?
Obviamente, não é a cidadã e a economista Maria Luís que está a ser contratada, mas sim a ex-ministra e profunda conhecedora de dossiers relevantes no domínio da gestão da dívida pública. Pedro Passos Coelho já veio, pressuroso, cumprimentar a sua deputada pelo convite recebido, dizendo não ver qualquer incompatibilidade. Afirmou até que Maria Luís Albuquerque continua elegível para qualquer lugar, o que deixa antever que pode vir a indicá-la para vice-presidente do PSD no próximo congresso.
Passos Coelho e Maria Luís estarão bem um para o outro no que concerne às exigências éticas, às expectativas de vida e de ascensão profissional. Aliás, quanto à ética de Maria Luís Albuquerque, creio que o padrão de actuação seguido pelo jornalista seu marido, de que nunca se distanciou publicamente, já nos tinha mostrado que a família Albuquerque tem sede de poder e de afirmação pessoal. De dinheiro e status também, ao que parece.