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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

O leitor (im)penitente

d'oliveira, 30.05.16

Raduan Nassar, uma noticia extraordinária

Entre finais de Novembro de 1999 e a Páscoa de 2001, comprei e li de rajada, três livrinhos de um absoluto desconhecido (para mim) autor brasileiro: Raduan Nassar.

Disse livrinhos e repito. Aquilo tudo junto dava um livro normal no que toca a número de páginas. Lavoura Arcaica (187 páginas e em letra gorda), Um copo de cólera (55 páginas, idem) e Menina a caminho (70, idem) é tudo o que Nassar escreveu. Parece, que depois, resolveu criar coelhos.

Estes livros foram editados cá. Os dois primeiros têm a chancela da “Relógio de Água” e o último da “Cotovia”, duas editoras excelentes, corajosas que deem ter vendido pouco ou quase nada. Vi, mais tarde, todos estes livros em feiras de livro ocasionais e a preços mais do que baratos. Alertei amigos e conhecidos para o facto e, que me lembre, só o Manuel Sousa Pereira, bom leitor e bom escultor me deu ouvidos. E como não me recriminou depois, há de ter lido os livros com algum prazer. Caiu-me agora a noticia de Raduan Nassar ser o justíssimo vencedor do prémio Camões deste ano. Depois da nomeação de Manuel António Pina é a primeira vez que não torço o nariz.

Amigos e leitores: Depressa à “feira do livro” e aos alfarrabistas por estes títulos se é que ainda andam por aí.

Trata-se de um literatura simples, rápida, sem artifícios que não causa problemas seja a quem for desde que goste de ler. Aquilo corre, límpido e sereno, e deixa depois um “arriére gout” de maravilhamento. Quase como se disséssemos: era isto o que eu gostaria de escrever”

 

Aproveito a boleia de RN para anunciar que (uma vez não são vezes!) o Círculo de Leitores vai publicar duas excelentes obras de Aquilino Ribeiro: “É a guerra” e “Alemanha ensanguentada”. Depois da reedição de “A retirada dos 10.000” (uma tradução saborosa do clássico de Xenofonte e um dos melhores documentos, repleto de aventuras que a Grécia imortal nos legou) eis que um Aquilino sensível e observador nos bate à porta. Força, leitores!

Os desafios da esquerda democrática

José Carlos Pereira, 27.05.16

Há precisamente uma semana assisti a uma conferência de Paulo Rangel e Francisco Assis sobre os 30 anos de adesão de Portugal à União Europeia (então CEE), realizada em Marco de Canaveses.

Nessa ocasião, Francisco Assis defendeu que os partidos do centro-esquerda e do centro-direita têm de caminhar para um entendimento sobre as matérias fulcrais para o desenvolvimento de Portugal e da Europa, face às crises sucessivas que se têm feito sentir, da crise das dívidas soberanas, às dos défices orçamentais, da moeda única ou dos refugiados. O deputado europeu socialista, valha a verdade, tem defendido desde sempre a aproximação entre os partidos do centro político, acreditando que essa é a melhor forma de travar extremismos e radicalismos mais ou menos (in)consequentes. Paulo Rangel, de resto, concordou com o essencial das posições de Assis.

Apeteceu-me perguntar a ambos os parlamentares, que até já foram candidatos a líderes dos respectivos partidos em Portugal, o que têm feito as famílias políticas que integram na Europa para alcançar um desenvolvimento equilibrado e harmonioso em todo o espaço europeu, pois a política tem sido secundarizada nos últimos anos face aos ditames financeiros.

Não creio que a tese defendida por Francisco Assis seja a que melhor serve a Europa no momento actual. Agregar os partidos socialistas e conservadores numa posição central e dominadora não serviu até agora para conter o crescimento dos extremos. Creio mesmo que ocasionaria um resultado contrário ao pretendido.

A subida da extrema-direita e de sectores radicais de esquerda, um pouco por todo o lado, justifica-se, a meu ver, com o forte descontentamento gerado pela amálgama política que gere a Europa e com a falta de resposta efectiva dada pelos partidos da esquerda democrática. Esse descontentamento, alicerçado em gritantes desequilíbrios económico-sociais, veio para ficar e não tem sido contrariado pelas forças que foram durante décadas o motor da integração europeia.

A Europa, entretanto, prefere fingir que não vê. A propósito das eleições presidenciais na Áustria, Teresa de Sousa lembrava esta semana no “Público”: “se o candidato da extrema-direita tivesse vencido as eleições presidenciais na Áustria, as capitais europeias e as instituições da União não saberiam o que fazer. Com a vitória do seu adversário Verde, mesmo que por uma unha negra, vão limitar-se a respirar de alívio e esquecer o que aconteceu até ao próximo susto”. Nada mais certo.

Na Espanha, por outro lado, vemos pelas últimas sondagens que a frente criada pelo Podemos e pelos comunistas da IU pode ultrapassar o PSOE e alcançar o segundo lugar nas legislativas que vão realizar-se daqui a um mês.

Perante estas realidades que acontecem do sul ao norte da Europa, os socialistas têm de saber construir um discurso e uma política que verdadeiramente os diferencie dos conservadores. Se for para prosseguir uma acção semelhante, então os cidadãos europeus preferirão sempre o original proporcionado pela direita do que a cópia mal-amanhada apresentada pela esquerda.

Há dias um deputado socialista francês, em divergência com o presidente Hollande e com o Governo de Manuel Valls, dizia que “muitos PS europeus são dirigidos por sociais-liberais mais à direita do que o Papa”. Ora, é precisamente esta identificação dos socialistas e sociais-democratas europeus com os sectores conservadores que é imperioso inverter. Ainda vamos a tempo?

Estes dias que passam 339

d'oliveira, 25.05.16

“Dar uma nova orientação à gestão” dos serviços públicos

ou o spoil system à portuguesa

 

Aviso prévio: o texto que se segue pretende ser intemporaal e pretende analizar problemas velhos (e sempre novos) da governação pública.

O jornal “Público” (que de nenhum modo – bem pelo contrário!- pode ser acusado de má vontade contra o actual Governo) destaca, a pag. 17, o afastamento (ou seja a demissão) da actual direcção do Instituto da Segurança Social o que terá apoio legal na Lei quadro dos Institutos Públicos que prevê a dissolução dos conselhos directivos “por motivo justificado que se funde na necessidade de imprimir nova orientação à gestão”.

   Pouco me interessa a data de tão aberrante lei que pelos vistos foi parida em 2004 porquanto o que finalmente ela acolhe é apenas a lei da selva da administação pública.

Em poucas palavras: sempre que o Governo mudar (e isso pode ser de quatro em quatro anos) os governantes podem substituir os dirigentes escolhidos por concurso público com o pretexto vago da necessidade de se imprimir novas orientações de gestão.

Ou seja, um governo PS ou PPD não precisa de mais nada para tirar os boys anteriores para os substituir pelos seus próprios.

Dir-se-á que no meio há o concurso tutelado pela CRESAP. É verdade mas também é bom lembrar que os novos nomeados o poderão ser “em regime de substituição”, que os concursos são morosos e mesmo depois de concluídos podem ser deixados para as calendas gregas. Isso aconteceu antes, acontece actualmente e, se nada for feito, acontecerã no próximo eventual Governo se esse for de cor diferente do actual.

Neste momento são já bastantes os altos cargos varridos pela tremenda necessidade de dar nova orientação aos serviços. Na prática o que se tem verificado é que tudo continua a correr da mesmíssima maneira se exceptuarmos a filiação política dos novos timoneiros das naus do Estado.

E normalmente não seria de esparar algo de diferente. A lei e os estatutos dos serviços resistem a grandes (ou pequenos) impulsos reformadores, para já não falar na monstruosa inércia dos funcionários e da sua máquina trituradora.

Na America existe, informalmente, o hábito de quando muda a Administação, mudar uns milhares de titulares de jobs públicos. Chama-se a isso “spoil system”. Por lá entende-se que há que gratificar os apoiantes e, por isso, ninguém se ofusca com a tratantada,

Cá, civilizadamente, a coisa é criticada (como é criticado o lobying ) e os moralissimos políticos lusitanos juram a pés juntos que a função pública é inatacável e que as nomeações são sempre feitas apenas e só pelo mérito dos nomeados.

Quem estas linhas vai traçando foi por muitos anos dirigente de topo, mesmo se, à cautela, tenha sempre feito os concursos todos até quando disso o dispensavam (justamente por ser “dirigente”!...) E, já agora, gaba-se de, em todos os cargos de nomeação, ter sido indigitado por pessoas a quem polticamente (e publicamente) se opunha. E, já agora, de novo, recusou vários cargos (bem mais dos que aceitou, e até melhor remunerados) esses sim vindos de governantes de quem era politicamente próximo.

Está pois à vontade para apontar o dedo apesar de também ter sido testemunha de ainda piores métodos de nomeação. Conviria, até, recordar que a partir dos anos noventa começou a novidade de levar a selecção política de quadros de chefia da administação pública às últimas consequências; até os chefes de secção (agora parece que lhes dão o título imbecil de equipa) começaram a ser indicados segundo o seu perfil político. O resultado foi desastroso, permanece desastroso, o prestigio do funcionariato público está de rastos e a paralisia dos serviços progrediu. E aqui não há simplex que nos salve.

Há ainda um segundo ponto nesta historieta sinistra: os nomeados em substituição vão criando com o passar do tempo (e passa muiiiiito) uma espécie de curriculum que depois brandirão quando e se houver concurso a que eles obviamente se canditarão. La boucle est bouclée como dizem os franceses que, apesar de tudo, tem uma administração muito melhor e mais preparada do que a que nos caiu em (má) sorte.

 

Estes dias que passam 338

d'oliveira, 14.05.16

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“É assim que se faz a história”

estamos no extremo ocidental de uma europa gangrenada...”*

 

O título não é meu. Pertence a Eduardo Guerra Carneiro (1942-2004), excelente poeta e meu velhíssimo amigo com quem comecei a privar cerca de 1962. Até ao seu (in)esperado suicídio sempre nos encontramos à volta de uma cerveja, do amor pelos gatos, da poesia e das suas inesgotáveis paixões. EGC vivia em estado de permanente paixão e conheci-lhe uma boa dúzia de musas só pelo ele me confidenciava.

O seu fim de vida não foi bom. Alcoólico (como tantos outros poetas), generoso como poucos, cronista talentoso e jornalista de mão cheia, era senhor de uma notável cultura. Nos anos duros, fora um resistente no sentido mais nobre da palavra. Matou-se atirando-se da janela para a calçada (Jorge Silva Melo, outro amigo comum e talentoso, dedicou-lhe uma belíssima crónica: “o poeta que atirou para as estrelas”.) Era bom que se reeditassem as suas obras ou, pelo menos, que se publicasse uma boa antologia dos seus poemas. No mercado alfarrabista, os seus livros são apreciados e muito procurados, o que é sempre um bom sinal.

Fechemos porém este introito literário para nos mergulharmos a contragosto no tema desta crónica: as desventuras da História e os seus causadores.

Anda por aí, na última página do “Público” um cavalheiro que se assume como “historiador” mesmo se, desse ponto de vista, se lhe conheça obra assaz escassa.

A propósito da Europa, melhor dizendo da União Europeia, ei-lo que, num incomparável exercício de lirismo político, entendeu juntar a Schumann, putativo pai desta agremiação, um político italiano (Altiero Spinelli) que seria (é ele quem o diz) comunista. Spinelli teria, ainda durante a época mussoliniana, sido exilada para um remoto ponto do país e aí surgiu-lhe a ideia de uma Europa Unida que travasse a lepra fascista.

Não se sabe exactamente como é que isso se conseguiria (ou, reportando-nos à actualidade, se consegue) sobretudo porque no “limes” europeu existia a União Soviética que em brevíssimo tempo haveria de engolir os países bálticos e parte da Polónia, para já não falar no que acontecera a algumas das “repúblicas” unidas (o caso mais exemplar é o da Ucrânia mas algumas das nações do Cáucaso sofreram idêntico destino, ou seja perderam toda e qualquer independência teórica de que na constituição soviética beneficiavam.

Mas a coisa vai ainda mais longe. Se é verdade que Spinelli foi na sua juventude (desde os 17 anos) membro do PCI não menos verdade é que depois de fazer 30 anos começa a afastar-se do Partido (uma camarada afirma nesses anos (1937-1943) que as posições de Altiero são “perigosíssimas" dado que põem em causa o estalinismo. E, logo em 1937, é expulso do PCI sob a habitual acusação de minar a ideologia bolchevique e de não ser mais do que um pequeno burguês ou até (crime ignominioso) de poder ser um trotskista!!!

Em 1941, quatro anos(!!!) depois da expulsão, escreve o “Manifesto per una Europa libera e unita” que depois circulou com o nome “Manifesto di Ventotene".

Nos anos que seguiram Spinelli torna-se membro do Partito d’Azione e, em 1945, participa na primeira Conferência Federalista Europeia. Pouco depois funda o Movimento della Democrazia Republicana (posteriormente Concentrazione Democratica Repubblicana) .

Os partidos comunistas combateram asperamente os amigos de Spinelli e jamais admitiram qualquer espécie de unidade europeia, aliás impossível desde a criação da Cortina de Ferro.

A Europa tal qual a conhecemos foi aliás, em grande parte, uma reacção à ideia comunista e ao bloco soviético.

Spinelli viria a ser deputado em Itália e deputado europeu até à sua morte. E se é verdade que nos últimos anos participou como independente nas listas do PCI, não menos verdade é que este operara, em relação à URSS e às “democracias populares” uma reviravolta que, na prática, como aliás depois se confirmou, o afastava velozmente do ideário marxista e de quase todos (senão todos) os postulados do “movimento comunista internacional”. Para qualquer estudioso daquela época, Spinelli era fundamentalmente um membro da “esquerda democrática” situando algures entre Nenni e Panella (ou seja entre um dos mais famosos socialistas italianos e o máximo expoenente do Partido Radical Italiano.

O texto do “nosso” historiador simplifica tudo deixando crer que “um jovem comunista” confinado num ermo lugar italiano, escrevera um manifesto favorável a uma europa anti-fascista. Poderia acrescentar “e anti-comunista” mas isso ficou no tinteiro.

Aliás, mesmo hoje, se é verdade que a UE mantém a matriz anti-fascista não menos verdade é que a ideia europeia foi desde o seu primeiro momento uma clara negação de qualquer afinidade com o “socialismo real”. E como tal foi percebida e acusada pelos políticos de Leste, pelos partidos comunistas de Oeste e ainda hoje, por cá, é algo de horrendo para a nossa inteligentsia comunista (e afins). Só Tavares não sabe disto ou, sabendo-o, cala-o e vai disparando as suas escassas munições de pólvora seca sempre anti-fascista (se é que ele sabe o que isso é) e sempre ultra-progressista como ele gostaria de parecer. É assim que a história se vai fazendo...

*Eduardo Guerra Carneiro: in “como quem não quer a coisa” ( ed. &etc, 1978)

O (des)acordo ortográfico

José Carlos Pereira, 06.05.16

A chegada de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência da República veio reabrir o debate sobre o acordo ortográfico de uma forma que poucos esperariam. Tudo porque Marcelo tem uma posição pessoal contrária ou, pelo menos, de desconfiança face ao acordo assinado em 1990, o qual motiva ainda hoje a oposição de muitos académicos, escritores e cidadãos interessados. Também porque Marcelo está em visita a Moçambique e este é um dos grandes estados africanos de língua portuguesa que ainda não ratificou o acordo, ao lado de Angola.

A Presidência da República já esclareceu que a nova ortografia é seguida em todos os documentos oficiais, cumprindo assim a lei, mas sabe-se que Marcelo Rebelo de Sousa, já depois de eleito, escreveu textos que não respeitaram o acordo ortográfico. O Governo, por sua vez, veio colocar-se à margem do debate, sublinhando que, no seu entender, o acordo está plenamente em vigor e não será o executivo a tomar a iniciativa de reabrir o tema. António Costa, de resto, já tinha respondido nesse sentido pouco depois de tomar posse como primeiro-ministro quando interpelado por Pacheco Pereira no programa “Quadratura do Círculo”.

Esta discussão, que incendeia paixões, já motivou naturais chamadas de atenção dos editores e livreiros, preocupados com o sector e sobretudo com os custos que teriam eventualmente de suportar em caso de nova alteração. E também surgiram opositores a defender que não há acordo ortográfico pelo simples facto de não haver legislação a vincular a resolução do Conselho de Ministros que o aprovou. Chegados a um ponto em que quase parece que temos uma língua para proletários e outra para aristocratas, importa reflectir a sério sobre o futuro que pretendemos para a língua portuguesa.

Sempre manifestei o meu desacordo em relação ao acordo ortográfico e não o respeito nos textos que escrevo. Entendo que foi um processo mal conduzido, imposto por uma minoria de académicos, sem compreensão das diferentes formas de expressão oral e escrita da língua portuguesa e em que abundam os exemplos de incoerência e até de falta de senso. Aliás, o “sonho” da unificação da língua nos quatro continentes morreu cedo e as desconfianças e reservas manifestadas por alguns dos maiores vultos da cultura da lusofonia só ajudaram a aumentar a vaga contra o acordo ortográfico.

Contudo, há uma realidade que não pode ser esquecida – a dos milhares e milhares de crianças de sucessivas gerações que já aprenderam a língua portuguesa ao abrigo do acordo ortográfico e que desconhecem a grafia antiga. Como fazer para compatibilizar esta realidade consagrada no período pós-acordo, que essas crianças e jovens não questionam minimamente, com as reservas ao mesmo por parte das gerações mais velhas e letradas? Parece-me que é aqui que reside o maior problemas a resolver.

Para além da questão magna que se coloca no quadro dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, estaremos disponíveis em Portugal para conviver com naturalidade com duas formas de escrita, a do acordo e a anterior ao acordo? Ao fim e a o cabo seria a validação do que sucede hoje, quando temos jornais, livros e textos produzidos nas duas grafias e em que só os documentos oficiais do Estado e da administração pública estão obrigados a seguir o acordo ortográfico. Viria grande mal ao mundo se prosseguíssemos assim?