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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Agenda única

O meu olhar, 26.01.17

 “Olha lá Montenegro, que número podemos inventar neste início de ano? Temos que meter pedras na engrenagem. Aquilo vai a todo o vapor e nós estamos a ficar para trás!” Esta bem podia ser uma conversa entre Passos e Montenegro, comodamente sentados no sofá. E inventaram. Criaram um número que ninguém esperaria: vetar o que sempre aprovaram, por mera tática política. Pois bem, e a comunicação social só falou e fala disso o tempo todo ( e do frio, claro).  

Sempre que o PSD de Passos se lembra de um novo número a agenda da comunicação social passa a ser dominada por isso e desenvolve-se uma cadeia de comando, interligada numa rede muito própria que tresanda a Miguel Relas. Sim esse criador de redes de comunicação social. Um especialista, digamos. Saiu, mas a obra continuou e agora temos que levar em cima com todos os números que o PSD de Passos decide criar. São comentadores, são opiniões publicadas e discursadas, são fóruns nas TV’s e nos rádios para “dar voz” à opinião pública sobre esses temas devidamente enquadrados por “ especialistas”,

Nem a primeira entrevista de Marcelo escapou a essa agenda. Em vez de se tratarem das grandes questões do país, do que interessa para a vida presente e futura dos portugueses, os entrevistadores rosnaram nas canelas do Presidente a salivar a agenda única.

O que sugere Francisco Assis?

José Carlos Pereira, 20.01.17

 

Francisco Assis antecipou-se esta semana aos comentadores e políticos dos partidos mais à direita e veio colocar em cima da mesa a necessidade de eleições antecipadas a curto ou médio prazo. A razão imediata para esta antecipação de Assis tem a ver com a problemática da TSU e a previsível votação concertada de PSD, BE e PCP contra a redução da TSU aprovada pelo Governo em decreto-lei, entretanto já promulgado pelo Presidente da República.

Pois bem, na próxima semana logo se verá o resultado da apreciação parlamentar desse decreto-lei. Se é certo que o Governo não sai incólume deste incidente e que o mesmo pode fragilizar o entendimento entre os partidos que têm suportado o executivo socialista, a verdade é que não se percebe que Francisco Assis saia a terreiro a antecipar males maiores e a preconizar eleições quando nem os partidos à direita chegaram (ainda) a esse ponto.

Francisco Assis nunca apoiou esta solução de governo e está no seu direito. Mas no actual contexto, que herda o passado recente dos anos da troika e do ajustamento, sem que se antecipem grandes mudanças num eventual acto eleitoral a curto prazo, em que alternativa estará a pensar o eurodeputado socialista. Num governo PS apoiado pela direita parlamentar? Num governo da direita suportado pelo PS? Seria adequado que Assis se explicasse melhor, indo de encontro ao desafio do secretário de Estado Pedro Nuno Santos.

Convívio incursionista

José Carlos Pereira, 20.01.17

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O núcleo duro do Incursões encontrou-se ontem à mesa para fazer o balanço anual e preparar a próxima temporada. À mesa do restaurante "Cozinha da Amélia", em pleno pólo universitário do Campo Alegre, no Porto, os convivas discutiram de tudo um pouco: geringonça, Trump, Mário Soares, segurança social, IPSS, ensino universitário, blogues e outros temas de maior recato. Com a animação e o entusiasmo de sempre.

 

Au bonheur des dames 418

d'oliveira, 19.01.17

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Soares, único, irrepetível e humano, definitivamente humano

 

Lidos e ouvidos centenas de testemunhos sobre Mário Soares, verifico com alguma perplexa surpresa que toda aquela boa gente era amiga, muito amiga, amicíssima, do ex- Presidente da República. O grande senhor há de ter passado a vida num sufoco de carinho, amizade, respeito extraordinários. Morreu em estado de santidade absoluta como o sr. padre Américo ou o “milagreiro” dr. Sousa Martins cuja estátua em Lisboa é mais florida que muitos altares de Igreja.

Também me apercebi que toda a gente com quem Soares trocara uma ou duas palavras se considerava arrebatadamente tocada pela Graça, pelo júbilo e sentira, a partir dessa epifania, nascer uma amizade imorredoura e partilhada com o velho socialista, laico e republicano.

Nada disso aconteceu comigo pese embora ter uma enorme consideração e respeito pelo dr. Soares. Mais ainda, conheci-o e encontrei-me com ele uma escassa dúzia de vezes, uma das quais na sua própria casa, um paraíso de livros e quadros que me fizeram padecer de um agudo ataque de inveja.

Porém, tudo isso não chega para clamar, urbi et orbe, essa transcendente e extensa amizade que transbordou em televisões, jornais e rádio por todos os lados. A amizade é, para mim, pelo menos, algo mais sólido do que o facto de o interlocutor nos conhecer o nome ou nos tratar com simpatia.

Todavia, visto que me cruzei com ele, atrevo-me a também vir dar o meu testemunho.

Creio que terá sido o Luís Filipe Madeira, ex-governante, ex-deputado europeu e bom amigo, que teve a ideia de reunir (em 1970) na velha república dos Kágados em Coimbra, um punhado de rapazes que tinham sido participantes ultra activos na crise académica de 1969 e o dr. Mário Soares. A única característica comum a essa dúzia e meia de militantes estudantis seria o facto de nenhum deles ser do PCP ou passar por tal. Soares (E o Luís Filipe Madeira, claro) estaria a ensaiar uma pescaria de futuros militantes ainda da ASP e mais tarde do PS. Para tal deslocou-se a Coimbra acompanhado de Catanho de Meneses, depois fundador do PS.

Foi com este último que primeiro conversei explicando um pouco o meu empenhamento político, a minha participação na crise e a prisão que se lhe seguira. Por alguma obscura razão, Catanho achou-me digno de ser recomendado ao dr. Soares que logo aí foi de uma extrema amabilidade a pontos de me garantir que “queria muito” falar comigo e me convidar a sentar-me a seu lado no espartano e republicano almoço que se seguiu.

Já não recordo com fiel exactidão o que se concluiu mas tenho a ideia que, para nós, rapazolas com sangue na guelra e devorados pela paixão radical, Soares foi pouco convincente. “É mais um “oposicrático”, teremos pensado, um reviralhista, enfim um “social democrata”.

Naquele tempo isto, não sendo uma condenação inapelável, não era recomendação alguma. Nós, ou eu pelo menos, alimentávamo-nos a Maio de 68, a Marcuse, a “Vietnam vencerá”, líamos todos os heterodoxos e ainda achávamos Lenine um génio, um fiel discípulo de Marx.

O PS fundou-se sem que daquele grupo tenha havido, que me lembre, alguma contribuição. No entanto, quando Soares se apresentou como candidato à Presidência de República, já me contava entre os raros e primeiros apoiantes.

De facto, ainda durante a “pré-campanha”, acompanhado pela mulher que eu conhecera no rescaldo de um memorável espectáculo em Coimbra, Soares veio ao Porto fazer uma apresentação da candidatura na sede da Ordem dos Médicos. A instâncias do Rui Feijó fui com ele e com a Dolly Cochofel, sua mulher, buscar Soares (e Maria Barroso) à estação de Campanhã. Não havia ninguém à espera deles pelo que a nossa chegada foi um pequeno consolo. Apinhados no meu carro, lá seguimos para a OM. No trajecto, verifiquei, com certa vaidade que o diabo do homem se lembrava do meu nome, dizendo ao Rui Feijó que me conhecia desde 70.

Durante a campanha, desdobrei-me em militâncias várias e escrevi não só no “Belém” (órgão da campanha) mas noutros jornais, nomeadamente no Jornal de Notícias do Porto a favor do candidato Soares.

Mais tarde, encontrei-o na livraria Académica de que ambos éramos clientes e, sobretudo, na sede portuense da Delegação Regional do Norte da Secretaria de Estado da Cultura, onde, quando exerci como Delegado Regional, tive o privilégio e a alegria de o receber. A sua amabilidade (e a excelente memória) constituem para mim uma recordação jubilosa e sempre me impressionou o facto de numa primeira palavra ele recordar um encontro anterior e a nossa comum inclinação pelos livros, sobretudo estes. Não era o reatar de uma conversa anterior e inacabada mas a verdade é que, uma única vez, tendo convidado o Rui Feijó para sua casa e sabendo que eu estava com ele tornou o convite extensivo a mim.

Tudo isto é pouco para me arrogar como amigo, mas é suficiente para afirmar que nos encontros e desencontros políticos, ele sempre me apareceu como uma figura ímpar e central da política portuguesa.

Não fui da CEUD mas antes da CDE, não votei Eanes da primeira vez mas Otelo, votei Eanes quando ele se negou a fazê-lo, votei Alegre contra ele e nos últimos anos, houve um par de vezes em que, sendo profundamente contrário ao governo Passos Coelho, discordei da sua oposição a outrance e da cobertura que o seu imenso prestígio dava a uma espécie de vaga Frente Popular que, na verdade, e como se vai percebendo, guinava para um frentismo anti europeu e anti euro. Nem sequer refiro o seu apoio a Sócrates. De facto perceberia uma visita de solidariedade mas a repetição desta, e por duas ou três vezes mais, pareceu-me demais, para não dizer um claro enfrentamento com a Justiça ou, pelo menos, uma insinuação de que esta se movia por obscuros fins políticos.

Porém, sabendo–lhe dos defeitos (Soares quando se zangava com alguém era intratável) sempre lhe admirei a irredutível postura de defesa da liberdade, da liberdade pura e simples, a recusa de posterga-la fosse por que razão fosse e, sobretudo, em nome de um futuro radioso, e um inalcançável “temps des cerises”, ou de uma política de classe contra classe de que ele desconfiava como o diabo da cruz. Soares, licenciado em História e belíssimo leitor, conhecia demasiadamente bem a História recente (séculos XIX e XX) para cair na esparrela grosseira do “fim da História” veiculada por uma espécie singular de catecúmenos de um materialismo histórico descarnado e adulterado.

Soares, laico e agnóstico, desconfiava dessas promessas quase religiosas de amanhãs que cantam desde que os “hojes” sejam duros e chorosos. Venceu batalhas incertas apenas animado pela sua grande coragem (moral e física), pela cultura, pela vontade de ser livre e, sobretudo, pelo seu imoderado amor pela vida. Só isso bastaria para o pôr num lugar importante entre os raros (meia dúzia, se tanto) políticos que influenciaram o nosso século XX.

au bonheur des dames 417

d'oliveira, 17.01.17

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No lugar do morto (definitivamente)

Adeus, Luís

 

Na fotografia veem-se quatro amigos a jogar bridge. Estão quase no fim de uma partida e aquele que tem cartas viradas para cima é o “morto”, ou seja o parceiro do declarante (aquele que marcou o naipe que serve de trunfo, bem como o número de vasas que pretende conseguir para “cumprir o contrato”). Neste caso é o Luís (Meneses Monteiro) que, sorridente, está “morto”, ou seja não intervém de modo algum no carteio que o parceiro leva a cabo.

Em frente, já lá iremos, está o Zé (Portocarrero) desaparecido há um ano, enquanto que nos campos laterais estão o Fernandinho Maia Pinto e eu próprio tentando impedir a vitória daqueles agora desaparecidos, queridos, saudosos amigos. Poderiam estar também a assistir o Zé Valente ou o Pedro Sá Carneiro Figueiredo, também eles uma ausência cruel.

Fiquemos, porém, no Luís, falecido há meia dúzia de dias, aliás nem tanto. Médico, doutorado, professor no ICBAS deixa um rasto de inteligência, saber e dedicação aos doentes, extraordinário. Havia, por aí, entre doentes e familiares, uma persistente simpatia pelo neurologista que curava, que resolvia, que explicava em palavras simples a doença e os meios de a ultrapassar. E que se dedicava aos seus doentes com a mesma paixão com que ia à caça, à pesca (comprara um barco onde enjoava prodigiosamente!!!...) ou ao bridge.

Há muitos, demasiados anos, que não curam a ausência, o meu pai sofreu um AVC vastíssimo. Corremos para o hospital com ele e lá, à nossa espera, já estavam, sei lá por que milagre, o Octávio Ribeiro da Cunha e o Luís. Meia hora depois, apareceu este último, agarrou-me com alguma violência pelo ombros e declarou: "o teu pai ou morre ou fica como uma couve! Reza pela primeira hipótese."

O meu pai morreu e, felizmente, não tive de o ver absolutamente diminuído numa cadeira de rodas ou numa cama. A última, ou a penúltima, imagem que dele guardo é a de um homem de sessenta e sete anos, risonho, a comer um cozido à portuguesa e a sorrir. Do Luís, também: nós à conversa e ele a rir às gargalhadas, riso farto, riso bom, generoso, vindo de quem dizia uma brutalidade ou uma gentileza porque só assim exprimia o que verdadeiramente sentia. Curiosamente, o meu pai foi o primeiro parceiro de brídge que perdi, logo ele que me, ensinara tudo ou quase. Depois foram indo os mais velhos, da geração dele, até que com o Zé Valente, começaram a sair da mesa os companheiros de uma alegre comandita que  se reunia ora na minha casa, ora na casa do Luís ou ainda na do Zé (como acontece com o momento da fotografia).

De todos, e são muitos, restamos o Fernando e eu. Já só jogo na internet. Não quero conhecer mais novos parceiros. Amedronta-me a ideia de ter me despedir de mais alguém, sobretudo agora, que se aparecer será, quase de certeza, mais novo. O lugar do morto, no bridge, dura o tempo de uma partida mas o dos meus amigos desaparecidos é para sempre e, mesmo se penso estar preparado para a minha morte, não consigo ter a mesma frieza perante a morte dos outros. Provavelmente é porque me sinto cada vez mais só, mais triste e com menos paciência mas isso, dizem, é uma característica de quem vê os anos correrem, a força diminuir e os achaques da idade aparecerem.

Resta-me a consolação, fraca, de saber que o Luís, como os outros, deixa saudades, uma vida ´que foi útil a muitos e uma memória feliz.

Que a mesma sorte me caiba quando ocupar finalmente o lugar do “morto”.

 

Diário Político 212

mcr, 12.01.17

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É assim que eles fazem a História

(o dr Luís Marques Mendes ocupa na televisão um lugar semelhante ao que ocupou o dr Rebelo de Sousa. Há quem ache LMM um Marcelo b. Não é, de todo. Mendes será um pálido Marcelo h ou i se tanto. E bastou a sua intervenção sobre Soares para se perceber isso mesmo. Primeiro um engano menor ao falar das 11 ou 12 prisões de Soares, Mendes falou em 12 anos de prisão. Depois o exagero: Soares teria sido o político mais importante do século passado.)

Não foi nem teve hipóteses de o ser: Soares nunca teve o poder de Salazar e governou muito menos tempo. Ainda por cima em democracia sob o escrutínio de forças políticas hostis ou adversárias (é esse o peso da liberdade) e de outros poderes (PR, Parlamento) que obviamente limitaram muito alguns dos seus projectos. Soares foi, indiscutivelmente um grande político, um grande homem e um intelectual de craveira. Foi, admito sem reserva, o principal pai da Democracia em Portugal mas, como diz Brecht teve pelo menos um cozinheiro, um babeiro, um secretário alguns amigos e camaradas, enfim uma enorme equipa que o ajudou e que também merece ser destacada. Para mim foi, sobretudo pelos seus defeitos, um príncipe e alguém que recordarei sempre com comoção, respeito e amizade. Soares, além de fixe, era humano, não se armava em importante, possuía uma notável coragem física, uma alegria de viver impressionante. E um instinto político digno de menção, sobretudo neste país bisonho onde só se vai à luta quando se acredita ganhar. Soares tinha sido abençoado pelo amor à liberdade, pelo desejo de liberdade, viveu sempre livre e esperançado num futuro breve e melhor.

Todavia, o nosso século XX tem mais alguns nomes impreteríveis. Dividamos o século em duas partes: uma primeira que vai do ano 1901 até 25/26. Quatro homens podem e devem ser recordados mais pelos fracassos do que pelos êxitos: D Carlos e João Franco durante a agonizante monarquia e Afonso Costa e Sidónio Pais. Todos falharam, dois form assassinados, um morreu na sombra e outro no exílio. Depois de Sidónio o sistema entrou em deliquescência pura, no desastre e no caos (lembremos os assassínios de Carlos da Maia e Machado dos Santos os grandes heróis do 5 e Outubro e o de António Granjo que chegou a Presidente do Ministério: uma infâmia absoluta que só a cobardia de muitos e a cumplicidade de outros tantos impediu de esclarecer globalmente) e permitiu o aparecimento e ascensão de Salazar. Salazar governou sem real oposição que se visse até meados dos anos 60 e a sua última batalha (a defesa do Império) teve o apoio de muitos oposicionistas e foi tratada com luvas de veludo pelos poucos que advogavam a independência das colónias. (Vi com estes meus olhos e ouvi com estes meus ouvidos, em 1969 um ilustre político agora muito homenageado dirigir-se aos escassos eleitores num comício da CDE coimbrã, fora de portas, apresentar-se como “ex-combatente do Ultramar”!!!)

Com o 25 de Abril, Soares emergiu como um paladino da Liberdade, causa que era a sua desde os tempos do MUD (finais dos anos 40) onde militou ainda sob a bandeira do PCP. Com ele, vindo de um outro nevoeiro bem mais espesso e consistente, regressou Cunhal. Como Soares, aliás antes dele, porque mais velho, Cunhal era uma figura mítica da Oposição portuguesa. E isso desde finais dos anos 30 quando o jovem Cunhal começa a desempenhar cargos de enorme importância no partido comunista e, mais tarde depois da sua última, longa, dolorosa e heroica prisão, no movimento comunista internacional. Cunhal chega aureolado pela história da resistência comunista e comparado com os seus pares do sul da Europa, não tem rival, Berlinguer ressalvado. Não cede ao euro-comunismo, é o o fiel dos fieis da URSS deliquescente e mantem o partido dentro da mais estrita observância do modelo soviético (e isso vê-se ainda hoje: já ninguém fala ou sequer reconhece os partidos irmãos europeus desaparecidos, sepultados pela História enquanto em Portugal, tal qual a aldeia de Asterix, o PCP se mantém quase com o mesmo número de militantes, simpatizantes, câmaras e deputados de sempre. Cunhal não modificou Portugal como Soares mas deixou uma marca indelével na Constituição e no Regime, mesmo agora. O PCP controla a CGTP, mantém Câmaras mormente no Alentejo e na cintura de Lisboa e mobiliza a rua.

Estes três homens (Salazar, Soares e Cunhal) foram absolutamente determinantes nos segundo, terceiro e quarto quartéis do século vinte. Por mais que se queira, Sá Carneiro não passou de um meteoro, vá lá de um cometa, na vida pública portuguesa. O desastre que o vitimou levou também a melhor esperança do CDS (Amaro da Costa) e o único herdeiro claramente social-democrata dele (Mota Pinto) morreu repentinamente sem herdeiros políticos dignos de menção.

E também aqui, os comentadores e os “parvenus” do comentário político não souberam nem quiseram fazer pedagogia, história ou pelo menos crónica do século. Afundaram-se em narizes de cera, em vulgaridades e na incapacidade de transmitir, ao menos uma vez, um pequeno retrato de Portugal menos baço, menos peremptório, mais abrangente e, provavelmente, mais real. Mas isso são contas de outro rosário ou de outra cidadania.

Como Mendes, outros ajudaram à missa mesmo se o beatificado fosse, laico e republicano (e socialista). Felizmente, o homem, o político e o intelectual é irredutível a simplismos e deve ter-se divertido à grande e à francesa (logo ele que usava um francês desenvolto, demasiado desenvolto e aportuguesado sem vergonha de nenhuma espécie) com todo o teatro que se seguiu à sua morte.

(e quase ninguém referiu essa grande dama do socialismo, da cidadania e da coragem que se chamou Maria de Jesus Barroso. Ao lado – mas não atrás – de um grande homem há sempre uma grande mulher!

D’Oliveira fecit, 9-11 de Janeiro 2017

 

 

Mário Soares (1924-2017)

José Carlos Pereira, 07.01.17

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Mário Soares morreu hoje, aos 92 anos, após vários dias de internamento hospitalar. Foi uma vida longa e plena. Oposicionista ao regime do Estado Novo, destacando-se como activista das candidaturas de Norton de Matos e Humberto Delgado, foi preso várias vezes, deportado e exilado. Fundador do Partido Socialista, regressou a Portugal logo a seguir ao 25 de Abril, foi primeiro-ministro por três vezes, Presidente da República durante dez anos, vencedor da eleição para o Parlamento Europeu aos 74 anos e recandidato presidencial aos 80 anos.

Mário Soares nunca foi uma personalidade consensual, como nunca o são as personagens marcantes da história. A ruptura com a esquerda mais extremista, que permitiu a consolidação da democracia em Portugal nos anos de brasa de 74/75, e as repercussões à direita de um doloroso processo de descolonização contribuíram muito para que Soares gerasse uma oposição forte em determinados sectores.

O país, contudo, deve-lhe muito. A implantação e consolidação do regime democrático e a adesão à Europa tiveram na sua acção um contributo determinante. Mário Soares é, sem qualquer dúvida, um dos pais fundadores da nossa ainda jovem democracia.

Soares manteve-se orgulhosamente fiel ao princípio de lutar e resistir às adversidades, mas, como bem lembrou Henrique Monteiro no “Expresso” aquando do seu 90º aniversário, o discurso inflamado desse período do ajustamento da troika e as palavras às vezes excessivas mereciam ser devidamente enquadradas e temperadas. A verdade é que todos nós gostamos de uma forma especial dos amigos e familiares que atingem tão bonitas idades.

Encontrei-me duas vezes com Mário Soares, nas campanhas eleitorais presidenciais vitoriosas, que apoiei convictamente. Na primeira campanha, integrei a pequena comitiva que o recebeu à entrada do município de Marco de Canaveses e daí seguimos para um comício bem sucedido em que também intervim. Recordo com saudade o abraço apertado e emocionado que me deu no final desse comício, quando as perspectivas de vitória eram ainda longínquas. Esta minha intervenção, quando era então um jovem militante da JSD, valeu-me, aliás, uma inconsequente ameaça de expulsão. Cinco anos depois, já livre de militâncias partidárias, voltei a conversar com Mário Soares num evento da sua campanha no Porto.

Lamentei a sua decisão de se candidatar novamente à presidência da República em 2006 e decidi, por isso, não corresponder ao convite para ser o seu mandatário concelhio em Marco de Canaveses. Já não era o tempo de Mário Soares, embora percebesse o que o fazia avançar. Não o apoiei, mas também não votei contra esta sua última investida.

Até sempre, caro Presidente Mário Soares!

O mau jornalismo da Lusa

José Carlos Pereira, 05.01.17

Por ocasião do seu 30º aniversário, a Agência Lusa publicou um texto que devia fazer corar de vergonha os jornalistas daquela agência. Um panegírico de Avelino Ferreira Torres que olvida e mente. São omitidos os insultos e as agressões a adversários, os sucessivos escândalos no futebol e na política, as inúmeras infracções detectadas nas inspecções à Câmara Municipal de Marco de Canaveses, a teia de poder construída com base no domínio exercido sobre instituições e empresas da terra, o controlo sobre a comunicação social local, etc., etc.

E a notícia da Agência Lusa acaba a mentir quando refere que Avelino Ferreira Torres foi absolvido de todas as condenações, pois o antigo autarca foi condenado a dois anos e três meses por abuso de poder, tendo a pena ficado prescrita na sequência de sucessivos recursos que apresentou. O que é manifestamente diferente.