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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au bonheur des dames 422

d'oliveira, 28.04.17

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 mistérios gozosos

 

Não lembrava ao malacueco esta de o Governo dar uma folga no dia 13 de Maio. que diabo, o país é laico, este Governo afirma-se pujantemente herdeiro da 1ª República, da do Sr. Dr. Afonso Costa, renega (como Mafoma do chouriço) do beatério que, segundo alguns dos seus maiores entusiastas, inquinava o Estado Novo. Que eu me lembre, nunca Fátima, "altar do mundo", mereceu semelhante feriado.

Poder-se-ia pensar que o Governo pretende dar aos funcionários públicos uma oportunidade de ir ver o Papa ou de ir recolher-se na Cova de Iria para celebrar a entrada dos três pastorinhos na lista longa, longuíssima, de santos e beatos que povoam o orbe celestial.

Ou, de outro modo, e mais certamente, esta borla vai dirigida ao 4º Pastorinho, o Sr.   Professor Marcelo (Rebelo de Sousa), católico assumido e anunciado peregrino a Fátima. Sª Exª fica assim livre para faltar por um dia a Belém se é que ao Augusto Magistrado também se aplica o regime da tolerância de ponto. 

Nada tenho, bem pelo contrário, contra Fátima (exceptuado o mau gosto das construções religiosas e civis lá semeadas a esmo), muito menos contra o mais que maioritário povo católico (em que incréus como seu são uma imensa minoria) ou contra a visita de um Papa com que simpatizo fortemente. 

Todavia, esta medida extemporânea, esta excessiva generosidade em conceder feriados (num período que começou a 25 pp, continuará a 1 de Maio p.f., e se alongará brevemente com os santos populares, 10 de junho, Corpo de Deus etc...etc...) parece-me atoleimada, oportunista e fora de qualquer razoabilidade.

A César o que é de César, e a Deus o de Deus. Receba-se Francisco com a pompa e o respeito que merece não apenas por ser Papa mas também por ser quem é (e é muito).  Que o Presidente da República lá vá, plenamente de acordo. É o Chefe do Estado a receber outro Chefe de Estado. Ao fim e ao cabo, Portugal nasceu pela força das armas de Afonso Henriques e pelo reconhecimento papal , mesmo, se depois, foram vários os nossos reis que o Vaticano escomungou, pelo menos temporariamente. 

Não se faça, porém,  disto, desta visita, dos pastorinhos mais do que aquilo é. Sobretudo num país que impavidamente assistiu à defenestração de Santo António, o maior santo português, um dos grandes santos da Igreja,um intelectual de envergadura e um santo imensamente popular, cuja rua no Porto, chamada de Santo António desde sempre, foi rebaptizada para 31 de Janeiro, uma data pouco gloriosa, uma derrota  vexatória, uma jornada em que segundo conspícuos historiadores da época, andavavam por alí "uns dinheirinhos da polícia". Há no Porto imensas ruas que poderiam ter outro nome. A dois passos da do 31 de Sto António há a de Entreparedes que já nada significa para ninguém. Mas não, tinha de ser na rua onde uns escassos centos de amotinados republicanos foram varridos pelo tiroteio da polícia municipal deixando pelo caminho farta dose de chapéus e bonés. Santo António, mesmo tendo várias patentes militares e uma cidade a ele dedicada, foi varrido da toponímia municipal pelo mesmo republicanismo vesgo que apeou D João III, o grande protetor da Universidade de Coimbra, quiça, o mais importante na sua história para dar ao liceu com o seu nome o de um praticamente descnhecido e esquecido político da República. 

"É assim que se faz a história" e também, do mesmo modo atabalhoado, se fazem feriados. 

au bonheur des dames 421

d'oliveira, 26.04.17

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À atenção de alguns comentadores “distraídos”, muito distraídos.

 

Comecemos pelo óbvio. O senhor Macron ganhou a 1ª volta das presidenciais francesas. Teve 24, 1% contra 21,3 da senhora Le Pen.

Até aqui pouca novidade. Tratava-se de uma vitória anunciada. Além de tudo o mais, Macron já levava na bagagem importantes apoios de conservadores e de socialistas. A senhora Le Pen vê a sua margem crescer de 17, 9% há cinco anos para os actuais quase 21,3%. Conviria verificar se no meio deste crescimento não vão alguns votos fugidos ao senhor Fillon, candidato “gaulista”. De todo o modo, é uma meia vitória com sabor amargo

O Dr Pacheco Pereira, num artigo demasiado apressado, publicado no dia 24, fala em “pesada derrota” dos gaulistas e dos socialistas. Não se percebe como é que mete no mesmo saco dois resultados tão abissalmente diferentes. Fillon, apesar de ter esbanjado a sua candidatura por via dos empregos fictícios da mulher e filhos, ainda conseguiu mais de 20%. Se compararmos a sua votação com a de Sarkozy na última eleição (27%) temos que vê fugirem-lhe cerca de 7% do total de eleitores. Já o surpreendente candidato socialista dá um trambolhão de 28,6 (Hollande em 2012) para pouco mais de 6%. É obra. Aqui, sim, há uma pesadíssima derrota. Mesmo que se saiba que muitos dos votos socialistas fugiram, por raiva, desespero ou o que quer que seja para o senhor Melenchon de que já se falará.

A derrota (importante) de Fillon) não compromete demasiadamente “Os Republicanos” enquanto que no Partido Socialista está tudo para reconstruir. E está porque a escolha de Hamon foi, ela própria, um desastre de todo o tamanho. Hamon nunca passou de uma figura apagada, desconhecida do grande público na melhor hipóteses e antipática para os que o viram combater (não vou dizer trair) Hollande depois de ter aceitado ser ministro...

Hamon nunca foi dado como candidato com hipóteses mas o fiasco é estrondoso. Deixou de existir politicamente. No PS e na França.

Vejamos o caso Melenchon, um tonitruante ex-socialista, criatura arrebatada que desde há muito vive de slogans grandiloquentes e de um cachecol vermelho que deve ser a única coisa eventualmente revolucionaria com que se adorna. Teve o dobro dos votos da eleição presidencial anterior. Como suspeito, muitos, quase todos, virão de eleitores socialistas que, muito justamente, não se reviam na inconsistente figura de Hamon. De todo o modo, Melenchon é, no conturbado panorama político francês, um exemplo de tudo o que é antiquado, falso, desvairado, na esquerda francesa. O homenzinho apresenta-se, actualmente, como alguém que se inspira nos populistas latino-americanos nomeadamente Chavez (e o seu discípulo dilecto Maduro) e Correia. Chavez, ex-golpista inventou uma coisa chamada bolivarianismo que é uma espécie de cocktail demagógico do pior da tradição sul americana. Conseguiu colocar a Venezuela ao bordo do precipício donde o seu alucinado sucessor se prepara para o grande salto para baixo.

A Venezuela é hoje um país absolutamente falido, onde a maioria popular votou um parlamento anti Maduro, onde um submisso Supremo Tribunal nomeado pelo Presidente tentou desqualificar a representação popular, onde um exército visceralmente dependente do poder mata com a ajuda de milícias civis os manifestantes desarmados. Não se passa dia sem mortos por bandos de motoqueiros mascarados, sem pessoas gaseadas pela polícia do regime, sem condenações à perda de direitos políticos, sem continuada e persistente prisão de opositores, sem pão nas padarias, sem medicamentos nas farmácias. Onde tudo falta já só sobra a raiva.

É deste desacreditado regime que Cuba cada vez mais tenta afastar-se que Melenchon se reclama. As suas hostes intitulam-se les insoumis, la France insoumise, enfim uma patetada que nada significa e que, sobretudo, de insubmisso nada ou pouco tem. Trata-se como no campo de Le Pen, de um aglomerado de criaturas órfãs do velho PCF, de uma pequena burguesia citadina e rabugenta que odeia a Europa, a mundialização, que não percebe o seu declínio enquanto classe e enquanto federação de privilégios ameaçados. A única diferença que há entre estes “insoumis”e as gentes lepenistas é que aqui subsistem os restos de um velho proletariado francês e comunista que viu as suas regiões industriais morrerem. É apenas ir consultar os velhos mapas eleitorais relativos aos anos 60, 70 e 80 do último século. Algo, todavia as aproxima: Le Pen é abertamente xenófoba enquanto Melenchon o é disfarçadamente. A sua recusa da Europa e da mundializaçãoo é isso mesmo: la France d’abord. Mesmo se essa França “gloriosa” (algo que enche a boquinha mimosa de boa parte da inteligentsia melenchonista) seja tão só saudades de um passado morto e enterrado

Quanto a caceteiros são iguais. Ainda em pleno dia eleitoral, em Paris, pequenas mas bem organizadas hordas “insubmissas” começaram a manifestar-se violentamente logo que os primeiros resultados apontavam para o 4º lugar do seu caudilho.

Pouco depois, nos diferentes debates televisivos transmitidos pelas televisões francesas, viu-se a componente política dos jovens energúmenos. Interrogados sobre quem apoiariam na 2ª Volta, os porta-vozes de Mélenchon rematavam para canto, harangavam sobre a subida do seu candidato, acusavam Macron (muito mais que Le Pen sobre quem quase nada diziam). Nessa altura já Fillon e Hamon apelavam ao voto em Macron.

Para esta duvidosa caricatura do “maduro-bolivarianismo” avec sauce française, além dela tudo é igual e mau. A velha e gloriosa “Internationalle” conta nos seus versos este: “du passé faisons table rase”. Na langue de bois dos melenchonistas já não se trata do passado mas sim do presente. Como quem diz: morra Sansão e quantos aqui estão. No caso em apreço, parece que esta gente prefere um quinquénio Marine Le Pen que, depois, milagrosamente, provocaria um sobressalto cívico e “revolucionário” (!!!) que inauguraria finalmente “os amanhãs que cantam” sob o consulado de Melenchon que, à falta de barrete frígio, sempre tem um cachecol vermelho.

Por cá, vê-se, com parca ou nula surpresa, a mesma atitude. BE e PCP, jurando sempre pelo mais exaltado anti-fascismo, já enterraram Macron debaixo de toda uma série de acusações, as mais das vezes pouco credíveis. O que os arrelia é a atitude pro-Europa do candidato francês. Comunistas e bloquistas são visceralmente contra o “cosmopolitismo”. Os primeiros sempre foram, convém salientar. Nos bons tempos do stalinismo puro e duro a acusação de “cosmopolitismo” era das mais graves. Na URSS e satélites levava ao gulag ou a destinos definitivos e piores. Nos partidos comunistas do Ocidente era quanto bastava para excluir militantes.

Para estas criaturas o “internacionalismo” (que já nem é “proletário”...) traz um perfume perigoso de livre troca de ideias, de liberdade de apreciação e de comparação que é, como se sabe, um preventivo para as ideias feitas e para o autismo político. Uma França activamente pro-europeia estraga os vagos projectos desta esquerda desacreditada ideológica e socialmente. No caso do PC nem sequer a memória desse velho bolchevique que se chamou Álvaro Cunhal parece ser apreciada. Todavia, foi ele, que no confronto Soares Freitas do Amaral (que na altura era acusado de tudo) mandou (repito: mandou) votar no primeiro mesmo que isso significasse engolir um elefante. Quanto ao BE, é o costume: um ligeiro toque de “radicalismo pequeno burguês” (variante benigna da “doença infantil” denunciada por Lenin) e um tom de ambiguidade que servirá para, oportunamente (ou oportunisticamente) salvar a face e deixar cair a senhora Le Pen, aliada táctica e estratégica.

 

* A ilustração reproduz a capa de um famoso texto do senhor Marquês de Sade, escritor que seguramente não diz nada aos cavalheiros leitores do PC e do BE. Ainda bem!...

Diario político 213

mcr, 13.04.17

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Na esplanada entre sol e sombra

 

Hoje, os frequentadores da esplanada estavam assanhados. Falavam pelos cotovelos, sempre civilizadamente mas divergindo resolutamente.

A primeira conversa centrou-se no artigo de opinião de João Miguel Tavares (Público, ultima página) onde este questiona os patrocínios de uma biografia (2º volume) de Jorge Sampaio. Tavares reconhece que estão bem explícitas as menções aos patrocinadores (BPI, Fundação Oriente, Fundação Luso-Americana, grupo Visabeira, IPRI (Un Nova) Telecom e Mota-Engil!!!)

Tavares não questiona a procura e obtenção dos patrocínios, aliás bem explícitos na contracapa e na introdução da obra. Até elogia o esforço e a tenacidade de quem os procurou e conseguiu. Elogia também o facto de haver quanto a esta obra “mecenato cultural”. Todavia, depois dos elogios, surdem duas colunas que questionam quatro dos mecenas por estes não revelarem a um jornal o valor dos subsídios. E, cereja no bolo, Tavares também “acha estranho” que a FLAD. O IPRI e a FO se tenham “juntado” para criar uma bolsa destinada a apoiar a feitura de biografias de que, para já, apenas consta esta obra.

Tavares, comentarista que, aliás aprecio, acha esquisito que quer as fundações quer as empresas se fechem em copas sobre os montantes concedidos (Tavares chama a isto falta de transparência como se para alem dos relatórios e contas onde estes valores seguramente figurarão as empresas e as restantes instituições devessem andar a informar o excelentíssimo público sobre a largueza das suas benesses. Tavares,tão (e certamente bem) defensor do privado, do liberalismo, acha que toda a gente tem de saber e que todo o empresário deve prestar contas a estranhos. É que aqui não se trata de dinheiro dos cidadãos, mesmo se os patrocínios com mecenato possam, em diminuta proporção aliviar os impostos.

Tavares vem com o argumento de que Sampaio foi Presidente da República e que só isso, que ocorreu há uns bons dez anos é suficiente para indagar de como a sua biografia está a ser escrita. Arre! E que no meio das personalidades envolvidas pelo menos no que toca à bolsa há um antigo assessor de Sampaio (antigo de há mais de uma década...) Tavares, que escreve bem, muito bem, até, deixa no ar a ideia de que aqui há gato escondido. Que esta bolsa seria apenas um artifício para favorecer um idoso ex-presidente da República que agora exerce, alem fronteiras um trabalho internacional. E que isso, está nas entrelinhas, o compromete ou pode comprometer.

Eu, com a devida vénia, amigo de Sampaio desde os anos 60 (convém esclarecer para que não pairem dúvidas) tenho sobre esta obra de Castanheira um bem diferente parecer. É um tijolo! Um tijolaço. Uma tremenda chatice. Estas duas mil páginas, para o leitor comum poderiam ser trezentas ou quatrocentas desde que bem centradas no que realmente foi importante. E Sampaio foi importante, antes (sobretudo) e durante a Presidência. Com inteligência e rigor e um estilo menos pesado teríamos uma bela obra. Em Portugal, a biografia é terreno baldio e mal cuidado. Nesse capítulo que diferença com a Inglaterra, a França ou a Alemanha! Claro que não peço a Castanheira a verve, o espírito e a intelig~encia narrativa dum Stefan Zweig que tantas biografias deixou. A Zweig o que é de Zweig e a Castanheira o que entenderem.

Somos um país que desconfia de biografias ou de “memórias” (neste capitulo estou a lembrar-me já que se anda em comemorações de Raul Brandão das suas “Memórias” -que, por exemplo, com as José Relvas e o Diário” de João Chagas são fulcrais para se perceber os anos 10 a 30-). A última biografia que li com proveito foi a de Salazar por Filipe Ribeiro de Meneses que evita a maçadoria de ler os tijolos hagiográficos de Franco Nogueira. Ora aí está como com um terço do volume se faz bem melhor obra do que com as cerca de 2500 páginas de FN por muito meticulosas e esclarecedoras que estas sejam.

*** No mesmo local e pouco depois

Desta feita a conversa girou à volta das eleições para A Câmara do Porto. Ninguém conseguia perceber a razão que leva o PS a não se candidatar. Ou melhor, todos estavam de acordo que o primeiro motivo era evitar uma derrota igual ou maior do que a anterior.

Desde o malogrado regresso do dr Fernando Gomes que foi justiceira e friamente chacinado por Rui Rio, que o PS não sabe o que fazer no Porto. Não deixa de ser verdade que na cidade a Federação Socialista é uma espécie de clube de lutas de galos com a agravante de tal actividade ser ilegal, ilegítima e desacreditada. Com a gens socialista passa-se o mesmo. A rua não os conhece, as elites não os respeitam, os poucos socialistas que aparecem escafedem-se pelas esquinas. Não há uma ideia do PS para a cidade a menos que a governação de Rui Moreira a personifique. Os últimos candidatos socialistas à CML ou não ocuparam os seus lugares na vereação ou fizeram-no com tal discrição que deles não há memória. Nem boa nem má. Não existiram, ponto, parágrafo. Todavia, isso, essa arrastada e triste existência não pode servir de pretexto para desistir de aparecer. Por muito desgastada (e com razão) que seja a imagem do PS ela ainda consegue superar as dos dois outros parceiros da geringonça que também não atinam com a cidade. É verdade que, nas páginas mais folclóricas de um jornal citadino ainda se cobrem as declarações estertorosas dos vereadores da oposição mas, na generalidade a ideia que perpassa da irrisória actividade deles é que anda tudo na clandestinidade. Parafraseando: “assim se vê a força de não sei quê”.

Estas criaturas não riscam, não arriscam e muito menos beliscam os tradicionais poderes municipais. Ou então emigraram todos para outras paragens mais propícias e deixaram isto entregue a quem quiser fechar a luz e a porta.

Nem assim o PS se acha obrigado a ir à luta. Ou seja, assim nem valia a pena gastar dinheiro com o processo eleitoral. Ou então, pensam que sem oposição Rui Moreira não mobilizará a mesma multidão que o elegeu há quatro anos!...

E a conversa morreu mansamente, à dúbia luz coada pelas nuvens que anunciam uma eventual Páscoa molhada.

 

o leitor (im)penitente 201

d'oliveira, 13.04.17

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livros, alfarrabistas & outras fantasias 7

A ilustre Ilustração Portuguesa

Como nome de Ilustração Portuguesa há, pelo menos, duas publicações distintas. A primeira (1884-1890) era antecedida por A (A ilustração portuguesa) e teve cerca de 200 números

A segunda, Ilustração sem artigo a antecedê-la teve uma 1ª série, 119 números (1903-1906 e uma 2ª série que foi de 1906 a 1924. Desta publicaram-se 848 números semanais e era propriedade do jornal “O século”.

A minha história com a revista começou quando descobri na cave de uma casa nossa, umas dezenas de exemplares da IP. Excelente papel, muita ilustração mormente fotográfica, enfim, uma história viva e popular dos anos de fogo do fim da Monarquia e praticamente de toda a República. Volta e meia, encontrava à venda, por preço modesto, mais fascículos e, pouco a pouco fui aumentando a colecção. Até hoje.

Cumpre dizer que a segunda série totaliza 848 fascículos semanais, (não se contando mais dez ou onze publicados anualmente para manter o título da revista e que terão durado até 1933). Ao todo, são 38 volumes, dois por ano. De longe a longe, aparece uma colecção completa à venda. O preço varia muito quer devido ao vendedor quer ainda ao estado da colecção. Obviamente uma segunda série completa com capas de editor e respectivos índices custa mais mas, mesmo assim, conseguem-se obter as duas séries por menos de 1000 euros. Quando dei por isso já a minha colecção tinha mais de 600 fascículos pelo que nunca acorri aos leilões e às vendas de edições completas. Claro que, agora, dez anos após a primeira aquisição, verifico que não só gastei muito mais mas sobretudo que, como de costume, o rabo é o mais difícil de esfolar. A tal ponto que ainda há pouco tempo comprei dois volumes completos mesmo se desses semestres apenas me faltassem dúzia e meia – em 52- exemplares. E foi barato dado o preço a que vejo actualmente os fascículos dispersos à venda.

Tudo isto para dizer que, dos 848 fascículos apenas me faltam 3 (!!!) todos do vol 31º (2º semestre de 1921) exactamente os nos 820, 822 e 823. Algum dos escassos e pacientes leitores sabe deles? Quer vendê-los? Ofereço o preço do inteiro volume. Aliás, em alternativa, compraria o volume inteiro se é que alguém o quer vender.

É verdade que, no mês passado, um alfarrabista me propôs um negócio. Ficava com a minha colecção, incompleta, e cedia-me uma que, não tendo capas de editor, estava bem encadernada e dispunha de todos os índices. (Convém mencionar que os índices são mais raros que as revistas uma vez que só se vendiam com as capas de editor) Na troca, pedia 450 euros!... Só!...

Gosto muito de livros e tenho particular simpatia pela Ilustração Portuguesa mas o que é demais, é demais. Declinei amavelmente a oferta e, em troca, o livreiro prometeu-me que tentaria arranjar-me o volume em falta porquanto argumentava, e lá terá a sua razão, que era mais fácil isso do que pescar os três fascículos que me faltam.

Decidi, portanto, continuar à espera. À espera e esperançado pois, como já disse, a IP é uma verdadeira “história popular, imediata, em bruto, excessiva e contraditória mas com o perfume do dia a dia bem vincado. Aliás, nesses quase mil números (as duas séries confundidas) há de tudo, incluindo anúncios espantosos a elixires, pomadas, aparelhos médicos e outros que só por si mereceriam um estudo atento. Falei na riquíssima iconografia da IL. São milhares de fotografias, provavelmente muito mais de dez mil, de acontecimentos, personagens, monumentos, paisagens numa compita desenfreada. Se tivesse de escolher alguma mais significativa apontaria uma série de fotografias de operosos cavalheiros que exerciam de bombistas (a famosa “artilharia civil”) naqueles dias e anos tumultuosos (não esquecer que só a “1ª República” se deu ao luxo de ter 51 governos em 16 anos!...muitos deles caídos por revoluções, golpes palacianos, votações surpresa, etc...). Trata-se, todavia de fotografias preparadas, de pose, mas não deixa de ser revelador o facto de a IP achar que as deve publicar para memória futura.

Dentre as reportagens, ficou-me uma extraordinária e que cito de memória. Um jovem oficial do Exército, acusado de ter participado numa intentona, foi julgado e absolvido. Passeando pelo Rossio, é reconhecido por alguém, possivelmente ligado à “formiga branca” (uma das milícias mais sinistras da época) e começou a ser perseguido por um grupo de pessoas que rapidamente aumentou. Prudente, refugiou-se na portaria de um hotel e abriu o casaco ou o capote para mostrar que estava armado. Foi imediatamente abatido por vários tiros vindos do grupo perseguidor. A mulher, ou noiva (Já não recordo) ao saber do assassínio suicidou-se, atirando-se de uma janela do prédio em que vivia(m). A fotografia da reportagem é aliás da desventurada jovem senhora.

Optei por estas escolhas por que são significativas dos tempos em que a IP se publicou e não para levar água a algum malicioso moinho anti República (o anterior regime retratado na 1ª série e nos quatro primeiros anos da 2ª não era melhor e os jornalistas e fotógrafos da revista retratavam os acontecimentos com grande equanimidade).

Esta crónica sobre A “Ilustação...” pretende, sobretudo, realçar o facto de, numa época de acentuado analfabetismo (é provável que naqueles anos houvesse 90%de analfabetos) e da disponibilidade financeira dos leitores ser infinitamente inferior à actual, haver um público capaz de sustentar um grande número de empresas jornalísticas (qualquer comparação com o presente entristece o mais optimista) com suplementos de “luxo” como é o caso da “IL”. Também não me parecer de escamotear que a própria época de intensa luta política e ideológica poder potenciar um aumento de leitores curiosos e interessados em informar-se. Ou, de como um regime caótico e absolutamente instável consegue ter este pequeno mas notável efeito cívico e cidadão.

 

 

 

Capturados

José Carlos Pereira, 12.04.17

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Já aqui escrevi sobre a captura que o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, fez dos partidos e em particular do PS na cidade do Porto. Até se podia admitir que os socialistas fizessem um acordo de governação e de partilha de lugares e de responsabilidades com o movimento que apoiou Rui Moreira nas eleições, no caso de entenderem que isso seria o melhor para a cidade. Seria sempre uma opção discutível, mas até se poderia compreender. Mas já não é tolerável que de cada vez que altos responsáveis socialistas vêm a público dizer que o PS vai apoiar Rui Moreira, que o PS vai ter uma representação forte nas listas para a autarquia ou que o presidente da Câmara vai participar numa iniciativa socialista, logo apareça o presidente da Câmara, ou algum seu assessor (!), a dizer alto e bom som que aceita o apoio de todos mas não negoceia lugares nem programas, que não participa em iniciativas partidárias e que não haverá “jobs for the boys – como se não abundassem boys e girls nos serviços e nas empresas municipais…

Admito que tudo não passe de show-off para mostrar às "elites" quem manda e que, lá no fundo, estejam acordadas com Manuel Pizarro e com o PS as bases do entendimento entre as partes, mas também concedo que neste momento o PS possa estar prisioneiro do caminho que seguiu e completamente nas mãos de Rui Moreira e dos seus primeiros apoiantes, que olham de soslaio para tudo o que seja socialista. O que sei é que muitos eleitores de esquerda no Porto não se revêem neste comportamento e neste tacticismo, nem se identificam com falsos unanimismos. E sentem que não podem dar o seu voto a estratégias erráticas.

o leitor (im)penitente 200

d'oliveira, 11.04.17

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Livros, alfarrabistas & otras fantasias 6

 

Outro canto e outras armas 

Em 1940, em plenas comemorações dos “Centenários”, um brioso militar, capitão de seu estado e Joaquim António Pereira, de seu nome, entendeu juntar a sua bélica voz ao clamor patriótico e artístico que varria o país. Vai daí, ajudado por musas parentes longínquas das Tágides camoneanas, deu ao prelo um livro que intitulou “Grandezas de Portugal” com o subtítulo “história, pátria, verso”.

Em 310 quadras, 23 oitavas, 1 sextilha e uma décima, ofereceu toda a história de Portugal desde Afonso Henriques (Em mil cento e trinta e nove,/foi fundado Portugal./Sendo dádiva de Jove,/criamos a capital)até ao Marechal Carmona (Temos general Carmona,/ é alma bondosa e pura./ É a vela bujarrona,/ desta nau da Ditadura.).

A primeira vez que ouvi o nome do poético guerreiro devo-a ao Rui Feijó e ao António Alçada Baptista que, pelos vistos pertenciam a um buliçoso grupo de rapazes universitários da década de quarenta que, tendo tido notícia deste extraordinário livro, prontamente o adoptaram, pelo menos nas quadras mais significativas, usando-as como jocosos gritos de guerra. Impressionado pela troca de galhardetes citações entre os dois cavalheiros acima citados prontamente comecei a procurar o livro. Foi o nunca assaz chorado Manuel Matos Fernandes quem me ofereceu a primeira versão em fotocópia integral. A partir desse momento, passei a oferecer a amigos uma antologia do capitão Pereira até que um outro Pereira (Manuel Sousa ), escultor, amador de livros e da gens feminina digitalizou duas cópias em excelente papel. Tais cópias mandei-as encadernar oferendo uma ao meu amigo e ficando com a outra. De facto, desistira de procurar o original tantas foram as negas que recebi de alfarrabistas de todo o país.

Todavia, num dia de escandalosa despesa em números da “Ilustração Portuguesa” (se alguém souber dos nos 820, 822, 823 e 889 que me avise. Compro-os por preço generoso. Também me ofereço para adquirir o vol 31º por inteiro pois queria completar a colecção) num alfarrabista portuense, mencionei o livro ao empregado mais antigo da loja. Este, ouviu-me atentamente e, num gesto descuidado, sem virar a cabeça, deitou o braço direito para trás, para a estante a que estava encostado e de lá, num passe de pura magia, ofereceu-me o livro que eu procurava há vinte anos.

Chorei de pura emoção e, desde esse dia primordial e bendito, guardo a edição em lugar especial. Quero crer que quem tem algum exemplar do livrinho o guarda a sete chaves pois nunca, por nunca, o vi no mercado.

Torna-se difícil, para não dizer impossível, explicar aos leitores a valia literária desta obra pelo menos para todos quantos têm da literatura uma visão optimista e recreativa. Na sua aparente banalidade há todo um retrato deste Portugal dos pequeninos em que desconsoladamente (sobre)vivemos. Junto meia dúzia de quadras que mostram – e de que maneira – como tantos para não dizer quase todos – sentem pulsar neles a pátria madrasta.

Está na moda não ensinar História ou então ensiná-la segundo métodos ditos materialistas e científicos. À ignorância de um lado junta-se o panfleto do outro. Em ambos o horror a nomes, datas, indivíduos, acontecimentos marcantes é explicado pela necessidade de poupar os instruendos, vítimas infelizes duma coisa chamada “eduquês” que, tal como uma mezinha salvadora, veio libertar a juventude do ensino do Estado Novo. Se este era o que sabemos o actual consegue ser igual ou ainda pior.

Felizmente a nossa juventude escolar mostra o que vale em terras do inimigo espanhol. Vê-se logo, como dizia uma mamã ufana que não foram lá para ler o Saramago. O Capitão Pereira teria orgulho neles.

 

antologia

 

descobertas

 

Diniz Dias, continúa,

p'la mesma costa africana.

Cabo Verde chama sua,

nêle descobre a banana.

 

 

  1. João II

 

De carácter reflectido,

perseverante e enérgico,                                                

tinha o hábito aferido,

e o seu proceder sinérgico.

 

****

 

Veio o Garcia da Horta,

incomparável botânico,

Até salva gente morta,

fugida d'horrível pânico.

Revolução Liberal

 

As idéias liberais,

dos conjurados do Porto,                                               

foram tantas, até tais,

que endireita, o que é torto,

 

 

D Pedro V

 

Curso de Letras criou.

Também telégrafo eléctrico.

O combóio caminhou,

e estradas em quilométrico.

 

Foram criadas escolas;

duas, médico-cirúrgicas.

Instruiu os rapasolas.

Tais criações, eram úrgicas.

 

       Mousinho

 

Por o capitão Mousinho,

ter vencido o Gungunhana,                                             

a tropa tira-o do ninho...

«Rataplana, rataplana...!»

 

 

 

Ditadura

 

O saneamento, começa.

Não escalda. Tem brandura.                                           

Pois, e então? Ora essa!

É benévola a Ditadura.

 

 

 

au bonheur des dames 420

d'oliveira, 11.04.17

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Morte, onde está a tua vitória? 

Conheci a Professora Doutora Maria Helena Rocha Pereira no longínquo ano de 1961 quando me aventurei a entrar numa aula de História da Cultura Clássica.

Expliquemo-nos: eu era um pobre caloiro de Direito que já não aguentava a aridez das aulas nos Gerais. Por outro lado, a Faculdade de Letras era mesmo ali ao lado, passando (saindo) a Porta Férrea. 

Letras era o reino das raparigas, sexo raro, raríssimo em Direito. Depois havia um bar! Um bar! Um sítio onde se podia beber uma bica e mirar les jeunes filles en fleur. Le bonheur, quoi! 

Num dia, sentindo-me particularmente audacioso, segui uma bela rapariga de olhos grandes e prometedores (mais tarde, a verdade, a "áspera verdade" -Danton - destruiu-me as esperanças: Aqueles olhos que se cruzavam com os meus -admiradores e arrebatados - eram, afinal, quase cegos, enfim terrivelmente míopes pelo que a aceitação que lhes adivinhava era apenas uma total incapacidade de me ver! ) até ao grande anfiteatro onde a Doutora Rocha Pereira oficiava de grande pitonisa dos Estudos Clássicos. 

Não vou dizer que foi amor à primeira mas quase. A voz suave, o sorriso, a elegância,  a clareza da explicação de um passo da Odisseia, aquele em que Ulisses chega à Ilha dos Feácios e vê - e fala - com Nausicaa, criaram em mim uma tal impressão que, numa correria, Quebra Costas abaixo fui dali à livraria Atlantida comprar, endividando-me, a "Hélade" que li num rompante. A partir daí, sempre que podia, evadia-me dos Gerais e caía certeiro  nas aulas de Cultura Clássica. Às tantas, com a coragem dos conversos de fresca data, no fim da aula, fui falar com a Professora, explicando-lhe quem era, o que fazia nas suas aulas e pedindo licença para assistir. Divertida, a Doutora Rocha Pereira observou-me que eu já invadira duradouramente as suas aulas e gabou-me o gosto pela Grécia. De passo, autorizou-me a frequentar as suas lições.

Em troca de tal gentileza, falei-lhe de um conto de uma velha escrava da minha avó Aldina onde um audaz viajeiro enganava um gigante com um só olho no meio da testa e que por isso se chamava Olharapo". Ou seja numa perdida cidade do Sul de Angola, a Chibia, alguém adulterara e pintara de escuro um personagem da Odisseia e, de par, o astucioso Ulisses. A Professora ficou encantada e repetiu-me o convite para assistir às suas aulas.  

Os anos, tantos anos, passaram mas a minha admiração persistiu e cresceu. Li muito sobre gregos e sempre me surpreendeu verificar que por maiores que fossem os autores que frequentei e que possuo, em todos eles, ou nos melhores, descobria afinidades com Rocha Pereira. Ela estava (está) entre os maiores, entre os melhores. Ler os seus escritos sobre a Grecia ou sobre Roma é não um exercício mas um prazer, um passeio por um tempo que continua tão presente entre nós.

Conheci, em Coimbra, alguns grandes Professores (Ferrer Correia, Mota Pinto, Teixeira Ribeiro em Direito, Luís de Albuquerque nas Ciências, Paulo Quintela, Fernandes Martins, ou Rocha Pereira em Letras. Com todos privei de perto, escutei-os com atenção (e adiração) aprendi o que pude que foi muito menos do que eles quiseram ensinar-me. Devo-lhes muito do que sou e a todos recordo com saudade e respeito. Agora chegou a vez da "Velha Senhora" dos Estudos Clássicos. Alguém nos jornais admirava-se de ela nunca ter ganho o Prémio Pessoa. Acho que foi o prémio que perdeu, foi o seu júri que não percebeu que estava ali uma estátua viva, uma sábia do tempo dos sete sábios míticos, alguém que escutava a melodia dos deuses e entendia todas as subtilezas dos velhos coros teatrais. Não deram conta? Esqueceram-se? Bom proveito lhes faça! Mas passaram ao lado de uma oportunidade única de premiarem o melhor que havia em Portugal, algo que só entre raros helenistas alemães, franceses e ingleses tinha par.

Agora é tarde, Inês é morta. Helena, Maria Helena da Rocha Pereira está viva e quem não for demasiado distraído deverá correr às livrarias à procura das suas obras.    

"A Bíblia em Verso"

José Carlos Pereira, 07.04.17

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No próximo domingo, tem lugar em Soalhães, Marco de Canaveses, a apresentação da obra de uma vida de um amigo de família. M. Monteiro da Costa, major da força aérea aposentado, dedicou dez anos à escrita de “A Bíblia em Verso”, cujo primeiro de seis volumes já foi apresentado em Alcochete, Montijo e Setúbal, onde se radicou há várias décadas.

A obra foi elaborada em sonetos heroicos (lírica de Camões) e conta com prefácio de Frei Fernando Ventura e breves notas dos Bispos D. José Ornelas e D. Manuel Martins, tendo merecido a validação de reputados biblistas. Será certamente uma obra de enorme interesse para crentes e não crentes e um momento relevante para os seus conterrâneos marcoenses.

 

Mais uma machadada na justiça

José Carlos Pereira, 05.04.17

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Não aposto um cêntimo na inocência de Dias Loureiro no processo que o envolvia no âmbito do BPN. Mas também não aposto um cêntimo na sua culpa. É à justiça que cabe investigar e  acusar. Ou, em alternativa, investigar e arquivar o processo se constatar que não é capaz de reunir provas bastantes. Como sucedeu agora com este processo que abrangia o ex-ministro e ex-conselheiro de Estado, entre outros suspeitos.

O que a justiça não pode é plantar insinuações após vários anos de investigação terem conduzido à ausência de provas concludentes. Não é a primeira vez que esta actuação ocorre e provavelmente não será a última, mas este comportamento contribui gravemente para o descrédito dos agentes da justiça. Ah, e claro que também dá uma ajuda ao populismo crescente, que olha sempre para os políticos e os mais poderosos como culpados de tudo e do seu contrário.

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