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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au bonheur des dames 434

mcr, 31.10.17

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Carta a um aspirante a padeira de Aljubarrota

 

Ex.ª Senhora

Entendamo-nos: longe de mim tentar apouca-la, retirando-lhe algum eventual título universitário que possua. Mesmo que padeira seja uma profissão eminentemente útil, eventualmente mais útil e mais, muito mais, necessária que um quarteirão de licenciaturas ornamentais que as nossas universidades prodigam. De pão precisamos todos, se possível fresco, bem feito, bem tostado e com pouco sal.

Isto de padeira é apenas para lembrar a lendária Brites, padeira nos arredores da Aljubarrota que terá mandado ad patres sete castelhanos fugidos da curta mas definitiva batalha que garantiu o trono a João, Mestre de Avis contra João I, rei de Castela e marido de Beatriz, herdeira legítima de seu pai Fernando, o Formoso, ou melhor de Fernando o rei da lei das sesmarias, o reconstrutor da muralha do Porto e muitas outras fortalezas do Reino, enfim o marido apaixonado e cego de amor de uma intrigante mulher, inteligente e ambiciosa que conseguiu mal dispor o povo, os mercadores de Lisboa e alguma aristocracia.

Não há provas da valentia da gentil padeira nem da mortandade infligida aos invasores e ainda menos da história dos infelizes soldados terem sido atirados para o forno. Porém, a lenda ficou. Ficou como o milagre de Ourique (que um meu antepassado terá testemunhado) ou a bela, verdadeira e pungente história de Duarte de Almeida, o Decepado.

(Verifico neste momento que estou para aqui a gastar o meu latim com uma jovem (enfim uma senhora com metade da minha idade) que provavelmente teve nos seus anos de secundário uma passagem breve e descuidada pela História pátria. )

Já aqui, neste blog malicioso e inconveniente se referiu a padeira de Aljubarrota nomeando alguns entusiastas recentes da Catalunha liure (escrevi liure, que é catalão, língua em que me aguento) que, ao arrepio da história recente ou pregressa, amam desmesuradamente aquela terra, Gaudi e a “botifarra” enquanto abominam medonhamente Castela e a sua natural extensão a Espanha. É o nacionalismo português em toda a sua empáfia, o nacionalismo “brigadeiro” citado por Eça (Eça, Ex.ª Senhora é um escritor do século XIX), a afirmação bem lusitana da nossa pertinaz liberdade republicana.

Note que, V.ª Ex.ª não é única: no ridente torrão de açúcar não faltam os inimigos de Castela que ainda não perceberam que, depois dos Reis Católicos (trata-se de um casal já antigo de que poderei fornecer biografia caso queira) deixou de existir tal reino e apareceram a Espanha, o Império etc... Normalmente, é gente conotada com os conservadores quem usa Castela mesmo sabendo (e eles sabem História) que o termo é redutor e inadequado. De todo o modo, há entre a lusa e fera gente um sólido horror ao vizinho, maior, mais próspero, mais conhecido, mais rico. Perpassa neste estremecimento de patriotismo desvelado a lembrança dos reis Filipes (I,II e III ou II,III e IV de Espanha) que depois da morte do aventureiro Sebastião, foram reis de Portugal (ou seja Portugal nunca foi anexado a Espanha mas permaneceu como reino independente mesmo se a sua sorte estivesse ligada à de Espanha e à mercê das guerras que esta travava com ingleses, holandeses, franceses). Terá sido, justamente a última guerra de independência (1640-1668) dita da Restauração, que desatou, por cá, um estremecido amor pela Catalunha. Corre por lá um pio convencimento de que os combates na Catalunha salvaram Portugal. Conviria lembrar que o teatro de guerra espanhol era bem maior do que a Catalunha e com adversários bem mais formidáveis. A Catalunha, de per si, nunca impediria uma intervenção militar em Portugal que, aliás, ocorreu e com alguns insucessos para as nossas armas até ulteriores vitórias, nossas e dos nossos aliados, e um tratado de paz celebrado em 1668.

Não fomos salvos pela Catalunha nem, aliás, esta região autonómica desempenhou em relação a Portugal qualquer papel de relevo. Aqui para nós, o que existe é um enorme desconhecimento que vai desde o não haver cem portugueses que consigam ler catalão até uma gigantesca massa de compatriotas que sabem tudo sobre o Barcelona FC, menos todavia do que os que sabem tudo sobre o Real Madrid onde pontifica o “melhor jogador do mundo”.

Passa-se, entre alguma esquerda portuguesa, quanto à Catalunha o mesmo que antes se passara quanto à Grécia. A mesma ignorância espessa e o mesmo arroubo que morre ao primeiro choque com a realidade. Tsipras já só é um fantasma, Varufakis uma ilusão e os dirigentes catalães agora em parte incerta (Molenbeeck, Bruxelas?) um par de heróis falidos e falhados de uma causa inexistente.

A “república catalã” durou, nesta fase, o tempo de um suspiro para não referir uma outra e menos agradável exalação corporal. Aquilo foi fogo de vista, uma acendalha claramente de Direita soprada por uma CUP dita de extrema Esquerda, baseada numa história de mentirolas repetidas até à exaustão e que condenavam cinco milhões de pessoas a uma existência pária numa Europa que os não recebe, os não aceita, os não compreende. A Catalunha que V., num artigo de opinião, exaltava nunca existiu historicamente, viveu sempre confortavelmente dentro de uma Espanha plural e, como diz uma expressão muito em uso nos meios catalães mais nédios mas a la mode, foi sempre uma “metrópole que queria libertar-se das suas colónias”. A resposta aos devaneios de um tonto Puigdmont ,de uma senhora Forcadell, de um cínico Junqueras, foi dada nas ruas e não serão os fascistóides flamengos da Bélgica quem amparará os escafedidos consellers ora em fuga.

Os dirigentes “independentistas” pensaram que, nas ruas, o povo se insurgiria, que a repressão criaria vítimas e emblemas sangrentos que, a posteriori, justificariam aquelas discursatas vãs, aquele caminho aventureiro percorrido nos últimos meses. A economia, realidade cruel, encarregou-se do primeiro aviso. Duas mil empresas transferiram as sedes para territórios mais seguros, destinatários dos seus produtos. Nem os bascos fizeram mais do que uma piscadela de olhos. Rajov não é, queiram eles ou não, um discípulo de Franco. De resto, vem da mesma família ideológica de Puigdemont, da Esquerra Republicana que de esquerra nada e de republicana só o nome (a última vez que se ouviu falar dessa gente foi para se ficar a saber que não gostavam de árabes, mormente emigrantes). Metade da Catalunha é constituída por 1ª ou 2ª geração de emigrantes galegos, estremenhos, andaluzes e outros espanhóis. Estes, trabalhadores modestos, na maior parte não estão interessados numa independência e numa república que não só os afasta das suas origens mas sobretudo ameaça os seus empregos . Por outro lado, outros catalães de pura cepa também não se reveem num país que se “enroca” e nada propõe que não seja um hino semi selvagem (Els segadors”), uma bandeira que deu as cores à de Espanha e um par de dirigentes que foge do eventual perigo mais depressa do que uma lebre assustadiça. E que deixa os seus cidadãos sós e desamparados, provando, assim, que apenas os considera como carne para canhão. O fugidio Puigdemont esperava que Rajov mandasse os tanques e que os independentistas que povoaram as ruas no sábado, embrulhados na senyera estellada se portassem como os checos diante do exército vermelho em Praga. E que alguém, se possível um jovem, se imolasse pelo fogo (foc). Azar! nem tanques nem gente nas ruas. Ou melhor umas centenas de milhares de cidadãos defendendo a unidade nacional, jurando que também eles são Catalunha e Espanha.

De há um par de dias, os enganados independentistas vagueiam pelas ruas azabumbados. O céu caiu-lhes em cima mas eles não são o chefe gaulês de Asterix. Quanto aos do Govern, os corajosos passeiam-se na Grand Place sob a proteção de um flamengo fascistóide para mostrarem à Europa quão europeu é o problema catalão.

Ex.ª Sr.ª, eu sei que o meigo coração de Vexa se arrebata por qualquer longínquo clarão no horizonte. Onde esvoaçou um bandeira vermelha e amarela com um estrela no canto, V terá visto, claramente visto, o lume vivo do heroico proletariado de Barcelona. E lembrou-se dos dias gloriosos da semana sangrenta quando o exército reprimiu duramente a revolta dos populares que se recusavam a ir para a guerra. Ou recordou os outros mais próximos da reacção popular e anarquista durante os inícios da guerra civil. Provavelmente, esqueceu que foi justamente em Barcelona, e um pouco por toda a Catalunha, que o “verdadeiro partido do operariado” esmagou na rua e depois nas “checas” o que restava de anarquistas e, sobretudo, os militantes do POUM. Perante a indiferença, aliás, da população que, à semelhança da burguesia quinta-colunista, aguardava a chegada das tropas franquistas que entraram na cidade sob aplausos e flores bem ao contrário da Madrid malvada que aguentou sozinha um cerco de anos. Mas isto é História antiga e V não se ocupa dessas peripécias. V ama ternamente Puigdemont, Junqueras e Forcadell e as bravatas soltadas num Parlament desertado pelas forças políticas constitucionalistas.

E, acaso, esperava, sonhava com uma Comuna de Paris traduzida em catalão. Enganou-se, Ex.ª Sr.ª a História só se traduz em calão e quando se repete a coisa torna-se uma farsa.

Está, pois, V.ª Ex.ª órfã, outra vez. Órfã política, órfã de causas, entenda-se. Terá de esperar pela próxima. A Escócia é pouco provável, na Itália, a Lombardia e o Veneto apenas querem maior autonomia, resta a Flandres que não anda nem desanda. No resto do mundo, há sempre a causa da Venezuela ou a da Coreia do Norte que a China já se declarou marxista-leninista-maoísta-capitalista e agora só aceita o pensamento inefável do seu actual presidente.

É chato.

“se corres sempre endins

de la nit del teu odi

............

el fuet i l’espasa

t’han de governar”

 

Deixo-a com uns versos de Espriu que seguramente saberá entender. Ou não. Se calhar não. Definitivamente, não!

*a ilustração:  Joan Miró

Um novo ciclo para o Tâmega e Sousa

José Carlos Pereira, 31.10.17

A edição online do jornal "A Verdade" publica um texto de opinião no qual reflicto sobre o novo ciclo político na região do Tâmega e Sousa, que passou a contar desde as últimas eleições com uma larga maioria de autarquias presididas pelo Partido Socialista:

 

"Os resultados das últimas autárquicas pintaram de rosa a região do Tâmega e Sousa, com o PS a conquistar a presidência de oito municípios (Resende, Cinfães, Baião, Marco de Canaveses, Castelo de Paiva, Paços de Ferreira, Lousada e Felgueiras, aqui em coligação com o Livre), deixando para o PSD apenas três autarquias (Celorico de Basto, Amarante e Penafiel, nestes dois últimos casos em coligação com o CDS).

Esta nova realidade política traz responsabilidades acrescidas ao PS, aos seus autarcas e dirigentes, na medida em que se espera que o mandato que agora se inicia possa imprimir uma nova dinâmica às políticas de desenvolvimento e coesão imprescindíveis no âmbito da Comunidade Intermunicipal (CIM) do Tâmega e Sousa. Para tal será necessário encontrar uma liderança política forte, algo que não sucedeu no último quadriénio.

Desconhece-se se os autarcas e as estruturas partidárias já definiram quem é que está mais bem posicionado para presidir à CIM, mas essa decisão deve ser convenientemente ponderada, de modo a que o território possa contar com a liderança de um autarca proveniente de um dos municípios com peso demográfico e político, experiente, capaz de gerar consensos e de agregar todos os municípios da região em torno de uma estratégia mobilizadora. Isto depois de ficar esclarecido quem está de corpo inteiro na CIM do Tâmega e Sousa, pois na campanha eleitoral foi mais uma vez evidente o propósito do presidente da Câmara de Paços de Ferreira de vir a integrar o seu concelho na Área Metropolitana do Porto, seguindo o caminho já trilhado por Paredes.

O facto de o PS ter conquistado a maioria das autarquias numa altura em que também está no Governo constitui uma oportunidade para os autarcas socialistas da região se empenharem em ajudar a conduzir o Tâmega e Sousa para um patamar superior na generalidade dos indicadores socioeconómicos. Com a ampla maioria de municípios conquistada pelos socialistas, deixam de fazer sentido, por sua vez, os anteriores acordos de rotatividade na CIM entre autarcas do PS e do PSD, que se compreendiam quando era equivalente o número de municípios presididos por um e outro partido.

Há um longo caminho a percorrer no Tâmega e Sousa e defendo há muito tempo que a CIM não se pode cingir a uma mera estrutura técnica que concentra a gestão de projectos e fundos comunitários. Dentro das competências que já estão ao seu alcance e das que a anunciada descentralização lhe venha a atribuir, a CIM deve assumir um protagonismo crescente em áreas transversais como a mobilidade, infra-estruturas, ambiente e recursos naturais, turismo, cultura, educação, economia e emprego.

A região enfrenta problemas sérios de mobilidade que devem ser colmatados com transportes públicos que liguem os pólos urbanos com maior conectividade, em estreita relação com a linha ferroviária do Douro que atravessa vários concelhos do Tâmega e Sousa e está próxima – assim se espera! – de ver concluída a electrificação até Marco de Canaveses. O acesso aos hospitais públicos de Penafiel e de Amarante, que tanto transtorno causa às populações mais afastadas, deve ser privilegiado por essa política de transportes. Outros investimentos em infra-estruturas, como o IC 35 e as ligações à ponte da Ermida e de Marco de Canaveses a Cinfães, que aproximam as duas margens do Douro, têm de ser prioridades reivindicadas incessantemente pela região, seja quem for que ocupe o poder em Lisboa.

Também no ambiente e recursos naturais há margem para a gestão a cargo da CIM melhorar a situação actual. Seja na gestão e defesa da floresta, na preservação e limpeza de montanhas e rios, na valorização e tratamento de resíduos sólidos e industriais ou no abastecimento de água e saneamento, que ainda se encontra num nível deficitário em vários concelhos, alguns dos quais fizeram opções de concessão das quais hoje se arrependem e que muito ganhariam com uma solução à escala supramunicipal.

O ensino deve ser uma preocupação central num território que apresenta índices elevados de abandono e insucesso escolar e, a jusante, défice de qualificações e emprego. É necessário encontrar uma estratégia articulada que tire partido das excelentes instalações hoje à disposição e defina a aposta no ensino e na qualificação como única forma de assegurar o emprego e o futuro dos mais jovens. Os responsáveis políticos devem procurar reforçar a oferta existente no ensino superior politécnico e no ensino profissional, diagnosticando a procura que chega do mercado de trabalho num esforço articulado com as associações empresariais e empresas de referência da região. Cabe, de igual modo, aos poderes públicos estimular a vocação e a iniciativa empreendedora dos activos mais jovens, disponibilizando-lhes infra-estruturas, programas e incentivos para esse efeito.

É fundamental que o tecido económico do Tâmega e Sousa, pujante em áreas como o mobiliário, a metalomecânica, o têxtil ou a indústria extractiva de granito, se sinta acarinhado e apoiado nos seus esforços de internacionalização e de conquista de novos mercados. Do mesmo modo, seria vantajoso que a região contasse com uma estratégia integrada de captação de investimento, tirando partido das áreas de acolhimento empresarial, dos recursos e dos incentivos existentes em cada um dos municípios. A competição saudável pela atracção de investimento não significa que os 11 concelhos devam permanecer de costas voltadas. A escala regional proporciona ganhos na promoção do território impossíveis de alcançar quando se trata cada um dos municípios de forma isolada.

O turismo e a cultura, intimamente ligados, têm já iniciativas de vulto que envolvem toda a região e que tiram partido do relevante património cultural e natural existente. A Rota do Românico é o grande cartão de visita, mas muito há ainda a fazer a partir dos eventos que já se realizam, dos equipamentos existentes e dos produtos endógenos de excelência, à cabeça dos quais se encontra o vinho verde, distinguido nacional e internacionalmente. A promoção turística em torno do património, dos produtos locais ímpares, da gastronomia e de recursos tão valiosos como os rios internacionais que atravessam a região ganhará com uma estratégia que capte turistas que visitem mas também permaneçam entre nós.

São muitos os desafios que se colocam aos próximos responsáveis da CIM do Tâmega e Sousa, que estão longe de se esgotar nos domínios atrás enunciados. Caberá aos cidadãos, às empresas e às forças vivas da região elevar o seu nível de exigência perante quem nos representa e avaliar a capacidade demonstrada pelos autarcas, não apenas de intervirem no seu concelho mas também de se preocuparem com a região como um todo."

Diário político 225

mcr, 30.10.17

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o incendiário palavroso 

d'Oliveira fecit 30 Out 17

 

Domingo, noticiário das oito. Subitamente o ecrã aparece ocupado por uma criatura exaltada, crispada, tonitruante, ameaçadora. Primeiro poder-se-á pensar que se trata de um porta voz do Daesh, de um radical catalão, de um adepto furioso do Brexit. Depois, as coisas tornam-se mais simples: a criatura falava português, um português primário mas português, apesar de tudo. E ameaçava.

Vai-se a ver trata-se de um homenzinho presidente eterno da Liga dos bombeiros que, num dia extremamente perigoso, se reunira numa espécie de congresso a que o Primeiro Ministro teve de assistir.

De seu nome Jaime Marta Soares, consta do seu currículo que foi sete vezes deputado, varias vezes presidente da mesma câmara e candidato infeliz à de Coimbra, há poucos meses. Terá passado pela Faculdade de Direito mas não concluiu o curso que na altura, anos 60, tinha as suas pequenas dificuldades. todavia é, ou foi, bombeiro e preside à Liga.

Já há uns meses, tinha anunciado com espalhafato que sabia umas coisas do incêndio de Pedrógão. Pelos vistos tal declaraçãoo morreu solteira e na praia perante as insistências do Ministério Público. Na altura, alguém me disse que a criatura tinha muito destas atitudes: entradas de leão e saídas de sendeiro. Porém, as televisões adoram-no. O abencerragem é um sanguíneo, um espalha brasas (o que é mau num bombeiro mesmo sem actividade na linha da frente) e tem topete coisa que fará muito efeito nas sociedades recreativas por onde passeia a jactância e o bigode e barba farfalhudos.

Ontem, perante um Costa surpreendido mas calmo, o “revolucionário” Soares ameaçava com “os bombeiros na rua”! Ai querem afrontar-nos? Pois vão ver em que se metem!

Cheguei a temer que, muito cgtpinamente prometesse uma greve tremenda: o país a arder e os soldados da paz a assobiar para o lado. Parece que nem tanto. Os bombeiros ofendidos e unidos ocuparão ruas e praças do país em boa e civilizada gritaria contra Costa, contra a profissionalização, conta a futura Alta Autoridade, contra a unidade de missão, contra sei lá que mais coisas. Pelos vistos, sentem-se injustiçados. E vítimas! Às tantas foram eles que morreram às dezenas por esses pinhais fora onde ninguém os via. Também quem os não viu não volta a vê-los: debaixo de sete palmos de terra os falecidos não atinam com os vivos que passam perto. Nem com o tal Jaime Soares.

Para minha surpresa, Costa, desta feita, respondeu com prudência, contenção, civilizadamente, à berrata que, dizem-me, foi coroada de aplausos.

Não duvido que numa casa onde não há pão todos gritem e ninguém tenha razão. No momento actual, com meio país ardido, é fácil encontrar culpados e, mais ainda, encontrar desculpas. Agora, que se tem de rapidamente arranjar soluções (reconstrução, pastos para o gado sobrevivente, alfaias agrícolas, destino a dar ao material ardido, solução urgentíssima para as colmeias que restas cujas abelhas correm o risco de morrer à fome na terra queimada e devastada, etc) conviria que o cavalheiro Soares adoptasse uma pose menos comicieira, menos ameaçadora, menos de ferrabrás de feira e, mesmo se, provavelmente, ambos não tenhamos Costa em alta estima, tratar com respeito um primeiro ministro que até foi ao congresso. A um congresso que se realizou quando o país corria riscos elevadíssimos de novos fogos! Ou, por outras palavras para ver se me entendem: A um congresso que, no caso de catástrofe repentina como a última, poderia ser responsável por forte inacção dos bombeiros cujos comandos ali estavam todos para re-eleger o senhor Soares que, há que dizê-lo já tem idade para deixar essa tarefa a gente mais nova. Mas, pelos vistos, a criatura é assim: quarenta anos de poder local, sete vezes deputado, dezenas de anos bombeiro e variadíssimos presidente da Liga. E não se cansa ou pensa que não se cansa, que é imprescindível, o melhor da rua. A triste cena do congresso prova à evidência, mesmo se o reelegem a 70%, que a criatura está gasta. Tão gasta quão gasta e inútil foi a sua deposição sobre os incêndios de Pedrogão.

Façam-lhe uma estátua, dediquem-lhe duas ruas e mandem-no para a reforma, aparar o bigode.

Au bonheur des dames 433

mcr, 26.10.17

A remoção da moção

 

Por mais que uma pessoa não queira espantar-se, as circunstâncias não a deixam em paz. Desta vez, temos a moção de censura do CDS.

Ora atente-se: esta moção como duas dúzias de outras anteriores no actual regime, estava condenada ao fracasso. Politicamente, este fenómeno não passava de um anunciado nado-morto.

Não havendo maioria para a votar, a moção ia morrer de morte macaca. O CDS sabia disso perfeitamente e, supõe-se que a geringonça não o ignorava.

Isto dito, pergunta-se: então, supondo que a professora doutora Cristas não é tonta (e pelo que se sabe e vê, não o é) que efeito pretendia o CDS?

A princípio, tinha um conjunto de propostas sobre o modo de combater os fogos, a situação decorrente dos mesmos e o reordenamento de todo o interior. É facto que boa parte das propostas do CDS estavam, ou iriam estar, abrangidas pelas medidas propostas pela Comissão Independente. Sobravam algumas que ou não foram ainda acolhidas ou poderão ser desnecessárias para já. De todo o modo, na altura do anúncio da moção ainda não se sabia com segurança que medidas exactas iria o Governo tomar num Conselho de Ministros extraordinário. Claro que o bom senso parecia apontar no sentido de serem acolhidas todas as propostas da CI mas uma coisa é o bom senso e outra a política quotidiana.

Uma vez anunciada a moção, começou a berrata. Que aquilo era uma vileza, uma canalhice, que o país estava de luto, que havia aproveitamento político...

Lembremos que quando se apresenta uma moção de censura é porque, para além da sua eventual justeza, alguém quer tirar dividendos políticos. Por isso mesmo, houve já um quarteirão de moções perdidas. A maior parte delas, aliás, vinha da Esquerda que, agora, se disfarçava de virgem pura e incapaz de querer dividendos políticos de uma acção normal em qualquer Parlamento democrático.

Se quisermos verificar a cronologia, decerto notaremos que entre a decisão de um Conselho de Ministros (ao sábado) e a discussão da moção (uma terça imediatamente a seguir) pouco espaço resta para eventualmente modificar a agenda da Assembleia.

Mas há mais: o CDS nunca terá sequer sonhado com uma vitória. Aquela gente terá defeitos mas ainda deve conhecer a aritmética.

Resta, pois, tentar perceber o que é que o partido “centrista” (convenhamos conservador com uns laivos de Democracia Cristã) queria. Será que apenas (e já não é nada pouco) queriam mostrar ao país alarmado e em estado de choque, quem estava com um Governo que, não há volta a dar-lhe, falhou clamorosamente (uma Ministra incompetente, uma Direcção da Protecção Civil sem preparação, sem qualidade, nomeada as mais das vezes com base em critérios políticos, uma tibieza generalizada por parte dos poderes públicos, um Primeiro Ministro incapaz de mostrar uma réstea de comoção) e mortes, muitas mortes. ).

O CDS pretendeu, e conseguiu, mostrar aos portugueses, ou a alguns portugueses que BE e PCP, falam muito, exigem muito mas que, quando a coisa é a sério, não tiram da sua vozearia as consequências que poderiam parecer impor-se. Que o PS, claramente fragilizado, como aliás afirmou um dos novos ministros, só se aguentava graças à muleta da geringonça.

Poder-se-á retorquir que isso é coisa por demais sabida. Desde o dia em que um Costa, derrotado nas urnas, ressuscita da tumba eleitoral, para formar um governo que não tem paralelo na UE e que só durará enquanto este instável equilíbrio se mantiver. Até há meses, futurava-se que Costa, mal se apanhasse com as costas quentes e a popularidade em alta, tentaria novas eleições e a maioria absoluta. E, por isso mesmo, durante, longo tempo, PC e BE nem se mexiam. Não havia greves, manifestações, protestos públicos, mas tão só umas mansas admoestações, uma espécie de pedidos a medo, ora deem lá qualquer coisinha para isto e para aquilo.

Com os fogos, esta idílica paz estoirou. Primeiro, porque o que se passou foi medonho. Depois, porque os muletas do PS fugiam a sete pés de qualquer responsabilidade na actual situação, finalmente porque o próprio PS ficou atordoado e incapaz de se mobilizar a tempo e horas. Tudo isto, notem, depois de uma eleições autárquicas que confortaram o PS, nada deram ao BE e mostraram um cartão vermelho vivo ao PC que perdeu de uma assentada dez municípios. Entretanto, o PPD afundava-se e o CDS registava um score a todos os títulos notável. Claro que as perdas do PSD são eventualmente reversíveis e a vitória do CDS é, tão só a vitória de um pequeno partido. Não faz mossa a ninguém. É bom para o ego de Cristas mas ainda não foi desta que se fez História com H grande.

A discussão da moção foi um espectáculo pungente. Primeiro, a moção estava esvaziada pela assumpção das medidas propostas pela Comissão Independente. Depois, porque já tudo fora dito antes, quer pelos adversários, sobretudo, mas também pelos defensores da moção. Finalmente, porque daquele delirante gargarejo de tenores áfonos pouco ou nada saiu de novo.

É bom lembrar que, entre nós, apenas uma moção de censura teve um imerecido êxito. Aquela suscitada por um partido nascido do nada e a ele, feliz e rapidamente, regressado, contra um governo minoritário de Cavaco Silva. Com uma confrangedora miopia política, o PS apoiou o PRD (um ajuntamento sebastianista, eanista e populista) e, apesar dos avisos de Mário Soares (na altura Presidente da República), Cavaco tombou para depois se levantar com duas esmagadoras maiorias absolutas.

Só que, enquanto o PS pouco tinha a perder e o PRD corria o risco de quase desaparecer, Cavaco tinha tudo a ganhar. E o PC, por seu lado, olhava para aquilo e sentia que, fosse qual fosse o resultado, alguma migalha lhe cairia no regaço.

Desta vez, Cristas nada tinha a perder. Queria, e conseguiu, colar o PS ao BE e ao PC (não vale a pena falar nos inexistentes verdes e no PAN. Uns, porque são um pseudónimo pouco original do PC e outros porque nunca conseguiram explicar ao que vinham, como, porquê e para quê. Além do mais são um puro produto urbano, uma espécie de escoteiros laicos e pouco imaginativos. Eventualmente, devem o seu solitário deputado ao voto de protesto mas nem isso merecem.

Não vou referir o PSD. Cumpriram a sua parte mas estão metidos numa eleição interna que, até à data apresenta dois candidatos piores um que o outro, envelhecidos e sem imaginação. De todo o modo, quem ganhar vai ter de atravessar o deserto da oposição e pode mesmo acontecer que, se as coisas melhorarem, apareçam outros candidatos mais credíveis, mais novos e menos cansados.

Em último lugar: a derrota da moção fortalece ou fragiliza o Governo. Costa tentou dizer que a derrota da moção fortalecia o Governo. Não é verdade a menos que o seu resultado fosse imprevisível. Não o era. Sabia-se, sem dúvida alguma, que a hipótese da moção vencer era inimaginável. E tê-lo-á fragilizado? Também não parece garantido. O Governo vive do apoio do BE e do PC mas isso já não é um mistério para ninguém. De todo o modo, PC e BE tiveram algum trabalho par explicar o seu apoio. Foi por isso, e só por isso, que repartiram a resposta em dois planos. Criticaram, sem especial convicção, o PS e atiraram-se que nem gatos a bofe ao CDS. Mas se a primeira acção não resultou convincente, a segunda por estridência demasiada também não teve especial êxito.

E se bem repararem ninguém discutiu efectivamente a essência da moção. Uns tentaram fazer um processo de intenções e o acusado tentou defender-se. Nada mais.  

A censura que vale

José Carlos Pereira, 25.10.17

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A moção de censura apresentada pelo CDS-PP teve o fim esperado, com a reprovação assegurada pelos votos contrários de PS, BE, PCP, PEV e PAN. O CDS-PP usou um direito constitucional que tinha à disposição e apresentou a moção para carregar nas críticas ao desempenho do Governo e das entidades que de si dependem na sequência da tragédia dos incêndios, esquecendo, pelo caminho, as responsabilidades que deteve no governo PSD/CDS-PP precisamente no domínio da agricultura e do desenvolvimento rural, sob a alçada de Assunção Cristas.

O exemplo fatídico do Pinhal de Leiria, a mata nacional por excelência, gerida pelo Estado, mostra como falharam todos os governos nas últimas décadas perante a (in)capacidade de conservar, limpar e gerir a mais emblemática floresta nacional. Quando se diz que o problema reside na incúria dos proprietários privados, este caso veio mostrar-nos que não há garantias de que o Estado fizesse melhor do que os privados na defesa da floresta e do mundo rural. Do mesmo modo, também todos os governos caíram no pecadilho de partidarizar estruturas de comando, substituir chefias e mudar de orientações sem a conveniente avaliação do que estava para trás.

O Governo viu o Parlamento reforçar o seu mandato ao chumbar a moção de censura, mas foi notório que nenhum dos parceiros parlamentares apreciou a conduta do executivo no rescaldo dos incêndios de Junho e de Outubro. De facto, o Governo, a começar pelo primeiro-ministro, nunca reagiu como devia perante a tragédia e as falhas evidentes desde a primeira hora em vários domínios, o que mereceu críticas (e a censura!) de muitos portugueses. Há quem diga que António Costa foi vítima da sua racionalidade e até de alguma sobranceria, mas será bom que o primeiro-ministro perceba que são acontecimentos imprevisíveis como estes que, por vezes, fazem mudar de um momento para o outro a opinião dos eleitores em relação a quem está no poder. E nem sempre António Costa vai encontrar pela frente uma cadeira vazia na liderança do maior partido da oposição.

Estes dias que passam 344

mcr, 24.10.17

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jurista não praticante

 

Formei-me em Direito na Universidade de Coimbra no fim dos anos 60. Frequentei, até ser preso, o então chamado 6º ano, ou seja o Curso de Ciências Jurídicas, privilégio apenas acessível a quem tivesse uma média de 14 valores. A coisa seria, na época, uma antecipação do actual Mestrado, talvez um pouco mais, não sei dizê-lo ao certo. Nos anos que se seguiram, já advogado (a função pública estava-me vedada por razões políticas) frequentei e concluí o “Cours Superieur de Droit Comparé”, bem como duas outras variantes do mesmo dedicadas respectivamente ao Direito de Trabalho Comparado e ao Direito das Instituições Europeias. Depois da severa brutalidade das aulas conimbricenses era fácil obter notas bastante agradáveis nesses cursos e, por isso, obter bolsas de estudo que permitiam frequentar as universidades europeias onde esses estudos tinham lugar.

Entretanto, veio o 25 de Abril e alguns amáveis cavalheiros da “oposicrática” entenderam que eu poderia utilmente salvar a pátria dos egrégios avós, servindo a causa pública, primeiro na Segurança Social e depois na Cultura. Acabou-se o exercício do Direito e a eventual abastança que, na altura, ele prometia.

Confesso que a desistência da perseguição da riqueza não me causou especial engulho. A função pública, mesmo se levada a sério e rigorosamente, permite ao funcionário consciencioso fazer o que tem a fazer bem e dentro, muito dentro do horário convencionado. Ficavam-me, pois, livres os fins de tarde, as noites e os fins de semana. E as férias todas, tudo coisas impossíveis para um advogado que não tenha padrinhos. aproveitei conscienciosamente esse tempo imenso para ler, ver exposições, viajar, ir a festivais de cinema, de teatro e de jazz bem como a jogar bridge uma paixão que herdei de meu pai.

O mundo solene do Direito foi-se afastando de mim e eu dele sem remorso, saudade ou desgosto. Apenas um par de velhos amigos e colegas me ia dando notícia dos tribunais. E assim sobrevivi sem grande abalo até hoje.

Todavia, hoje, este meu adormecido mundo antigo, digno e austero, devotado à causa das pessoas e dos seus direitos começou a cambalear.

De facto a notícia de uma sentença que, além de insensível e insensata, cheira a beatério jihadista e a preconceito rançoso e canalha, sobressalta mesmo quem, desde há muito, anda longe dos subterrâneos da Justiça.

Ora vejamos: uma mulher casada teve uma relação adúltera com outro caalheiro. Resolveu, porém, terminar tal relação. Inconformado o amante preterido doravante chamado “corneador” solicitou ao marido “ultrajado” (doravante referido como “cornudo”, “chifrudo” ou “pirilau mole”) ajuda para a difícil tarefa de pôr a relapsa na renovada via do adultério.

Este, sempre prestável (resta saber se não terá ele mesmo empurrado a amantíssima esposa para os braços do galã repudiado) muniu-se de uma moca convenientemente reforçada por pregos e, juntamente com o outro (ou, pelo menos, às suas ordens), espancou fortemente a grevista aos actos de cama.

A criatura espancada pediu justiça, o que não é para menos. Afinal, como parece verificar-se, recusara as solicitações amorosas do seu antigo amante pelo que, força-la a reactivá-las sob ameaça de agressão a dois e com moca configura, para o senso comum, uma tentativa de violação.

O cornudo que, pelos vistos, usa uma moca com pregos para substituir um pénis inerme e inerte ajudou claramente o corneador na sua tarefa de obrigar uma mulher a deitar-se com ele. Provavelmente, o “pirilau mole” teria direito a deleitar-se com o espectáculo da legítima sob o resfolegar acintoso do corneador.

O caso foi julgado e da decisão de primeira instância (eventual condenação do(s) agressor(es) houve recurso para a Relação.

Ora. é aqui que entra em cena um Senhor Desembargador (e uma Senhora Desembargadora, já agora) que numa sentença de que entre espantado, envergonhado e enojado li na íntegra.

Já os jornais, várias associações e, mesmo que de forma pouco clara, para não dizer absolutamente obscura, o Conselho Superior de Magistratura, tiveram oportunidade de questionar as extraordinárias e aviltantes considerações do juiz desembargador sobre a medonha situação das mulheres adúlteras.

Até a Bíblia é chamada à colação! E mal chamada, ou viciosamente chamada, porquanto o meritíssimo Desembargador e a não menos excelentíssima Desembargadora, não recordam -ou ocultam a resposta de Cristo quando observa que à mulher adúltera só podem atirar pedras os ue não pecaram anteriormente.

Portanto, os dois desembargadores deveriam reflectir (e bastante) antes de citar o que não conhecem, ou conhecem mal, muito mal.

Seguidamente, e aqui que o meu ponto assume alguma relevância, é que foram dois homens conluiados e armados que exerceram uma indescritível violência contra uma mulher (normalmente mais fraca, mais frágil e com menos capacidade para se defender) . Um deles, o amante preterido chamou como ficou provado o marido de quem a mulher estava separada havia meses- Depois, não colhe o miserável argumento da indignação do marido quando também ficou provado que havia meses que sabia da “infidelidade” da mulher que dele se separara chegando ao ponto de a acusar de puta e de não se deixar sodomizar por ele quando, no dizer do triste cornúpeto o fazia com “todos os homens” (sic).

A simples ideia de que uma relação conhecida há meses, seguida de separação, é capaz de suscitar uma depressão é uma barbaridade para não dizer algo mais forte e provavelmente mais verdadeiro acerca do bom senso e inteligência de quem aceita esta esfarrapada desculpa.

A cobardia manifesta ainda não é alvo de censura jurídica. Mas os actos violentos que ela genera já o são. O adultério pode ter sido considerado uma coisa horrenda durante séculos. Ainda é punido com a lapidação em países bárbaros como alguns do Médio Oriente. No Ocidente, o adultério, há muito, praticamente sempre, foi desculpado ao homem. No que toca à mulher a coisa fiou mais fino mas, mesmo assim, no século XIX era mais um argumento de grandes romances (Madame Bovary ou Ana Karenina, ou mesmo “O amante de Lady Chaterley)) do que um crime tão grave como a insuportável adjectivação utilizada pelo distinto magistrado.

Entre nós, há muito que a coisa perdeu boa parte do significado que alguma vez teve.

“ O tempora, o mores”: que de crimes se cometem em nome da modernidade. Felizmente alguém vela. Pelo menos, um homem e uma mulher no Relação do Porto. Com ele as desavergonhadas, as desonestas, as traidoras do lar estão sob cuidada e piedosa suspeita. Pena já não haver o depósito da mulher (extinto em 1967) e, pelos vistos não citado pelos abnegados servidores da justiça que, porém, não se coíbem de citar um Código Penal há muito revogado.

Já não bastavam os fogos, o BES, a corrupção de vários uitos próceres da Pátria Imortal e eis que agora, insidiosamente, uma sentença dada em pleno século XXI nos faça regredir enquanto, nação, país, povo para as brumas da memória.

E mesmo aí, há que reflectir: um bastardo de D Pedro I , o Cru, João de seu nome, apunhalou a sua mulher (D Maria Teles, irmã da Rainha) sob o falso pretexto de que ela o traía. De facto, pretendia casar com a sobrinha Beatriz, herdeira do trono. Teve de se homiziar para escapar ao castigo, acabou como renegado ao serviço de Castela, invadiu Portugal sem glória nem proveito e acabou prisioneiro do rei castelhano, morrendo na prisão e na infâmia.

Ou seja, nem sempre o castigo da adúltera foi passado sob silêncio ou compreensão. E à medida que os costumes se humanizavam, mais e mais, diminuiu a condenação da sociedade, equiparando cada vez mais o adultério feminino ao masculino.

Conviria dar conhecimento disto aos senhores desembargadoras, ora em causa. Mesmo se não se esperem grandes resultados. A intolerância entranha-se e é coo uma nódoa de azeite: expande-se e não desaparece sequer com lavagens sucessivas.

*os leitores verificarão que não se nomeiam as personagens desta novela de faca e alguidar. É por mero decoro, por imerecida piedade e por sentido de vergonha.

 

**na gravura lapidação de adúltera (pilhado na internet)  

 

 

Au bonheur des dames 432

mcr, 23.10.17

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Ay flores do verde pino

(mcr 23.Out. 2017)

 

Saberão as leitoras (e os leitores, espero) que andam por aí (ou pelo menos em países mais civilizados e mais amigos da floresta) um par de livros que asseguram que a floresta, enquanto tal, age como um ser vivo ou seja as plantas (no caso as árvores) tem estratégias de desenvolvimento, de crescimento e de defesa comuns. Há, pelos vistos, uma actuação solidária perante as ameaças sejam elas um fungo, malévolo ou até a acção de animais. Fiquei fascinado com esta tese e encomendei já o livro mais recente sobre o tema que mereceu, de resto, artigos nas mais sérias revistas científicas do mundo.

A ser verdade, e tudo o indica, à floresta portuguesa calhou o mais temível ataque possível. O fogo. Não que as florestas (e em particular a floresta mediterrânica) não ardam. Ardem e há mesmo nesse fogo “normal” aspectos positivos. Existem mesmo árvores que necessitam do fogo para libertar as sementes.

Todavia, em Portugal, sempre em Portugal, a floresta é vítima de fogo a mais, de Governo a menos, de descuido, de descaso, de ignorância.

Desta feita, foi com o seu dramático cortejo de vítimas humanas e de milhares de animais domésticos ( gado, aves de capoeira, cães e gatos...) mais uma forte porção do pinhal interior que desapareceu. E, com ele desapareceram, casas, campos lavrados, apetrechos agrícolas, cabos eléctricos, condutas de água, fábricas e toda a sorte de veículos de trabalho, de transporte ou de recreio.

No meio dessa medonha devastação, perdeu-se oitenta por cento do Pinhal do Rei. Do pinhal dito de Leiria que em boa verdade chega até à minha terra (Figueira) e continua para lá do Cabo Mondego até Mira.

O pinhal do Rei tinha setecentos anos! Setecentos anos! Quase a idade deste desgraçado país, longe de Deus e perto, demasiado perto, de homens sem fé nem lei, de um Governo (aliás, de vários governos sucessivos) para quem o país é um longa praia de Setúbal até Viana, da rebentação até trinta, quarenta, vá lá cinquenta quilómetros para dentro. Um país onde cabem Braga, Guimarães, Aveiro, Coimbra, Leiria, eventualmente Santarém e, mais longe uma faixa costeira do Algarve onde o verde da vegetação se deve apenas aos campos de golf criados para os estrangeiros que eventualmente apreciam mais o nosso país do que os instalados no Terreiro do Paço. No próprio e nos que sobram em mais meia dúzia de cidades que do campo só sabem que é very tipical e que é de lá que vem o vinho, o presunto, as alheiras e o queijo da Serra. E as azeitonas, se para o ano houver que cheguem depois de milhares de oliveiras (que dura(va)m centenas de anos) terem ficado carbonizadas.

O pinhal de Leiria, as “matas nacionais”, o pinhal do Rei (e era assim que todos quantos nos importamos com a nossa herança, a nossa história, a nossa diferença, a nossa cultura) o chamavam, ardeu. Corre o risco de desaparecer. Era um monumento nacional vivo, “resiliente” como algum imbecil governamental diz, era tão nosso quanto a Batalha, os Jerónimos ou o castelo de Montemor. Respirava, era um imenso pulmão, uma defesa contra as areias, dava pinhas e acolhia centenas de animais. E dava, deu sempre, madeira para construção civil, soalhos, móveis, barcos sei lá que mais.

Este pinhal tinha menos guardas do que o museu dos coches (cuja nova sede custou milhões que faltarem dramaticamente nas terras abandonadas da “selva” interior). E dois solitários técnicos.

Não é por acaso que boa parte da mancha ardida elege um pequeníssimo número de deputados. O interior forneceu criadas, operários, emigrantes para a cidade, para os Brasis, para a Europa e para o mundo. Nada de importante, só gente que, com as pobres e honradas mãos, ainda tentava dar vida a um extenso território, a mais de 70% do território nacional. Só gente que combateu as chamas com ramos de árvore, com baldes de água, com mangueiras antigas e pouco eficazes. E, todavia, sabe-se de muitos casos de homens e mulheres que salvaram outros, muitos, homens e mulheres. E animais. Há a história de um morto a tentar salvar os cães. A outro, sucedeu-lhe o mesmo quando tentava libertar um par e vacas que nem dele eram. Mas pelos vistos, ou segundo aquela execrável criatura que passava por governante, não eram “resilientes”. Ou segundo uma outra, ainda mais cavilosa, só sabiam pedir ajuda, aviões e bombeiros. Note-se que toda esta gente paga impostos. Os mais idosos andaram numa guerra em terras desconhecidas para defender interesses duma burguesia nacional, o ventre que pariu boa parte das cliques dirigentes.

Vejo-os na televisão com o Presidente da República. Há lágrimas, como não? As lágrimas são próprias do homem. Ou de alguns, quase todos, mas não de um Primeiro Ministro a quem não se pedia choro mas tão só algum consolo, alguma piedade, uma palavra, uma simples palavra. que surgiu tarde, depois do discurso, do grande discurso, e eu não fui, não sou e não me parece que alguma vez seja, um fã de Marcelo Rebelo de Sousa. Critiquei-o aqui, várias vezes, antes e depois de ser Presidente, mas, neste momento tremendo, confesso a minha admiração pelo seu discurso e mais ainda, muito mais, pela sua incansável peregrinação pelas terras devastadas. Aqueles portugueses tiveram, provavelmente, pela primeira vez, uma imagem decente do Estado. Desta feita, ninguém lhes vem cobrar impostos, taxas, dar ordens, transmitir proibições, olhá-los como bichos. É caso para dizer: ainda bem que nenhum governante lá apareceu. Ao ver-lhes as caras de pau, a verborreia tecnocrática, política (baixa política), a confissão de impotência sobe-me uma raiva que só é compensada pela imensa dignidade das vítimas que nem na desgraça foram poupadas à absoluta imbecilidade das declarações que todos conhecemos.

E o pinhal do Rei... um pinhal que estava à responsabilidade do Estado! Onde, nos tempos do antigamente, havia mais de duzentos guardas florestais e trabalhadores diversos, sobravam dez e dois técnicos. Será o Estado “resiliente”?

Os investimentos que faziam falta há anos, ou mais prosaicamente há quatro meses, aparecem agora de supetão!

E o pinhal? Duvido que em minha vida, no que me resta viver, o volte a ver, vivo e sano (como o amigo no poema que dá título a este folhetim) A vê-lo como o via, quando todos os meses, à passagem pela A17 e A8 na minha ida mensal a Lisboa para visitar a minha Mãe. Apesar de tudo, a esperança (e eu sou um optimista) é teimosa. Há uns anos vi arder o parque da Serra da Boa Viajem, na Figueira. Um parque onde brinquei, namorei, vivi. Está de novo em pé, vivo, verde, pujante. E era também uma floresta do Rei (no caso, porque quem incansavelmente o criou, quase do nada, se chamava Rei).

Só por isso, sonho com voltar a ver o pinhal de Leiria, restituído à sua verde grandeza e ao nome que, durante séculos, os povos lhe davam. Tanto mais que aquilo de “matas nacionais” afinal nada significava. O Estado, neste caso, portou-se como o pior dos proprietários.

.......

Era por aqui que eu terminaria o meu texto. Porém, ao ouvir o dr Miguel Sousa Tavares e umas criaturinhas do BE, numa fúria apocalíptica e anti-eucaliptica, deu-me para perguntar a estas robustas mentes citadinas: o que é que um camponês do interior, dono de pequenas parcelas de floresta, pelas quais paga imposto, há-de ter para poder assegurar um pequeno, pequeníssimo rendimento? Pinheiros que demoram a crescer o dobro do tempo? Carvalhos ou castanheiros que demoram seis a oito vezes mais? De que vive nessas décadas de intervalo? A senhora Martins quererá propor a funcionalização dos habitantes do interior? Dar-lhes umas fardas verde-azeitona e pô-los todos na carreira administrativa da restante funçanata pública, que de resto logo em começo de carreira ganha o dobro de um agricultor do interior?

Será que o dr Tavares que, dizem-me, é proprietário de um monte alentejano, já por lá plantou alguma árvore que eventualmente nunca verá adulta? Ao menos um par de oliveiras, meia dúzia de sobreiros ou, vá lá uma azinheira das que acabam por não saber a idade?

Quanto à senhora Martins não peço tanto. Não me atrevo a perguntar-lhe nada sobre botânica. Apenas me temo que sobre isso não vá mais longe do que vai na política.

 

* as duas ilustrações são um antes e um depois do pinhal do Rei As imagens tem tamanhos diferentes porque eu sou um desastrado que não sabe fazer melhor. Mas acho que se percebe bem o que me vai na alma e,sobretudo, o que vai por lá. 

diário político 224

mcr, 18.10.17

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A moção e os seus adversários

(d'Oliveira fecit 18.10.17)

 

Na directa sequência dos incêndios do fim de semana, o CDS entendeu propor uma moção de censura ao Governo.

Como disse o Sr. Primeiro Ministro, trata-se de algo normal e constitucional. Não podia dizer outra coisa. como é evidente. Todavia, o Sr. Carlos César, que exerce –parece – de presidente do PS veio a terreiro com a sua notória inabilidade oratória e política (e, pelos vistos, um escasso conhecimento da Constituição e das normais práticas políticas) afirmar que esta moção é, meço as minhas palavras, um “despropósito” e não passa de uma mesquinha tentativa de fazer baixa política.

No mesmo surpreendente sentido, o senhor comentador Rui Tavares (última página do “Público” hoje, 18 de Outubro) fala de “inqualificável sentido da moção” por lhe parecer a ele Tavares, e provavelmente a uns poucos mais, que a moção só tem o fito de derrubar a Ministra. Tavares, se fosse menos ingénuo, mais cauteloso, mais sabedor dos meandros da política, poderia ter aguardado um dia. Verificaria, assim, que a Ministra “já era”. que o Presidente da República anunciara a mesma coisa, ou seja a demissão dela (voluntária ou forçada. Claro que foi forçada, forçadíssima, à ultima da hora quando já só tinha a cabecinha pensadora fora de água).

Tavares não percebeu (ou percebeu mas esconde a mão) que a moção do CDS só por mero acaso, oportuno acaso, visava a Ministra. Sei que isso, provavelmente, é muita areia para a camionete de Tavares, fundador de um ajuntamento chamado “Livre” sem expressão eleitoral sequer nas cidades e muito menos no país.

Tavares, dissidente notório do BE (mesmo se apenas fosse deputado europeu independente nas listas deste) tem andado por aí a pregar a unidade das esquerdas. Obviamente, não foi por ele que essa (entre nós insólita) unidade se afirmou. De facto, quem quiser lembrar-se sabe que a coisa começou quando, depois de Costa ter lacrimejado pela sua derrota, Jerónimo, num passe de mestre acenou-lhe com o poder apoiando-o quando dois dias antes o atacava com tudo o que podia.

Costa aceitou, Passos Coelho amuou, o BE alinhou e eis que estamos em plena “geringonça” como Portas, rapidamente retirado para outras mais proveitosas batalhas, baptizou.

Não vou agora fazer o processo desta unidade para a qual Tavares não foi convidado (e porque é que o seria?) mesmo se ele tente, a todo o custo, apanhar o comboio.

Tavares ainda não percebeu (ou se percebeu finge que não) que o CDS apenas quer mostrar à evidência que o PS está refém da votação do PC e do BE. Se, porventura, se abstivessem ou a votassem, o PS caía. Redondo! Catrapus!

Há dias, isto não prejudicaria o PS. As sondagens, pouco fiáveis, como. por experiência sabemos, davam-lhe uma claríssima vitória senão a maioria absoluta. E por mais que Costa jurasse que nem assim abandonaria as suas duas (entretanto inúteis) muletas, é evidente que ficaria com total liberdade para governar como habitualmente o PS governa e que sempre suscitou ásperas críticas do PC (e do BE, mesmo se com estas possa o PS muito bem).

Todavia, tudo mudou nestes tempos de luto e de cólera. À uma Costa não percebeu que o país espera um sentido, choroso, pedido de desculpas. E que não tendo sido feito, as coisas, bem exploradas, mudam muitas vontades. Depois, a derrota do PC, as dez Câmaras “roubadas” indignam e mobilizam (ainda mais) o PC e os sectores a quem a política vagamente conciliatória de Jerónimo irrita ou enfurece.

O país descobriu que nada ou pouco se fez contra as catástrofes. que a insensibilidade de uma Ministra, de um Secretário de Estado não tiveram, por parte de Costa, qualquer censura. que este, numa crucial conferencia de imprensa, chutou para canto todas as perguntas incómodas e não se preocupou em parecer triste ou responsável. Ele que anda nestes governos desde sempre, que já esteve na Administração Interna (sob a agora negregada batuta de José Sócrates) está, neste momento, numa posição incómoda sobretudo porque Marcello Rebelo de sousa lhe retirou o guarda chuva de cima.

Nada disto prenuncia uma vitória do centro-direita tanto mais que o PPD entrou em convulsão. Mas, como dizem os nossos vizinhos mesmo sem se acreditar em bruxas “que las hay, las hay!” Ou seja uma moção de censura incomoda e muito. Mesmo perdedora, como tudo indica. Ficará evidente, para muitos, senão para todos os que abandonaram o voto PPD pelo PS (ou até, e isso não foi tão bizarro como alguém pensou) pelo BE.

Poderão estar agravados com os anos duros. Poderão estar agradados com este orçamento bodo à esquerda mas cujos efeitos poderão ser contestados se subirem o preço do petróleo ou dos juros da dívida, se mudar a política do Banco Europeu, se a situação espanhola se reflectir nas nossas exportações para lá, se o novo ministro das finanças alemão vier, como tudo indica, do partido liberal (já aqui afirmei que iríamos ter saudades de Schauble), etc., etc.

Todavia, e os resultados das autárquicas, valendo o que valem, mostram que nem o PC nem o BE (um mais severamente derrotado que o outro, também perdedor) ganharam com a geringonça. Se o PS der sinais de erosão depois da tragédia do fim de semana e da leitura diferida dos relatórios sobre os fogos, para já não falar do ultimato do Presidente da República, então o CDS, mesmo perdendo a moção marca pontos e não poucos junto da opinião pública. E o PPD pelo menos não perde nada.

Esta é a razão do mau humor de César. O homem não será um luminar mas também já aprendeu qualquer coisa. Tavares pode não ser um estrela política (não o é de todo em todo) mas como rapazinho aplicado também não lhe escapou este efeito da moção “inqualificável”.

A política, como tudo o resto debaixo da roda do sol, tem sempre dois tempos. No caso em apreço, não é esta, para o PS, a boa altura de estar a desvendar qual deles prevalece.

Conceição Cristas tem tudo a favor dela. Arriscou, ganhou e o partido do táxi já se sente o partido dos comboios especiais. E age como tal. E, em política, por vezes, o que parece é. Goste-se ou não.

Isto ainda vai ser divertido.

Estes dias que passam 343

mcr, 18.10.17

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Já devia ter ido há muito, desde sempre!

(mcr 18.Out.2017) 

A Sr.ª Ministra Da Administração Interna pediu finalmente a demissão. Na carta que os meios de comunicação reproduzem afirma que esta demissão fora pedida logo a seguir a Pedrogão. E que só não fora publicitada porquanto o Sr. Primeiro Ministro lhe pediu para permanecer.

Todavia, agora, depois do que aconteceu, depois dos acabrunhantes relatórios sobre os fogos onde pereceram mais de sessenta pessoas (que o Estado não protegeu e que, até à data não obtiveram deste qualquer pedido de desculpas...) , eis que a sr.ª Ministra renova terminantemente o seu pedido não deixando margem a qualquer outra solução.

Por acaso, só por um inefável acaso, morreram mais quarenta portugueses, dos mais pobres, dos mais desprotegidos, dos com menos possibilidades de se defenderem quer pela idade, quer pelo isolamento, quer pela violência da catástrofe. Por acaso, começaram a surgir por todo o lado críticas violentas à Sr.ª Ministra, manifestações, artigos condenatórios na Imprensa e um discurso do Sr. Presidente da República onde a Sr.ª Ministra é claramente um dos alvos.

Não por acaso, mas por canhestra insensibilidade, a mesma Sr.ª Ministra veio para as televisões dizer que para ela “o mais fácil seria pedir a demissão (coisa que nesse momento se recusava a fazer) e que nem férias tinha gozado. No meio destas deploráveis palavras, entendia ainda a Sr:ª Ministra que no repartir de culpas (não dela, claro) havia algumas a apontar às comunidades vítimas, eventualmente aos mortos e feridos, a necessidade de se tornarem mais resilientes às catástrofes. Que esta absurda demonstração de falta de sensatez e de absoluta falta de piedade, de desgosto, não foi obra do acaso prova-o o facto de um seu Secretário de Estado ter abundado no mesmo sentido clamando que tem de ser os povos perdidos nas serranias quem se deve defender sem esperar aviões ou bombeiros.

Isto, esta sintonia miserável e insultuosa entre dois altos responsáveis governamentais não pode ser mera coincidência. Há aqui uma sintonia planificada de declarações que, cumpre dizê-lo, foram passadas em silêncio (concordante?) pelo Sr. Primeiro Ministro.

Foi preciso que o Sr. Presidente da República viesse a terreiro, foi preciso uma ameaça de “moção de censura”, seguida de uma manifestação e precedida de um coro de críticas e de anúncios de mais manifestações, para que, subitamente, a Sr.ª Ministra se tentasse retratar com a carta de demissão e com a “narrativa” de uma outra e anterior atitude idêntica.

Mais uma vez, não se descortina uma palavra de conforto às vítimas (mal de que também enferma o Sr. Primeiro Ministro que, eventualmente, pensará que isso incumbe aos milhares de cidadãos que se solidarizaram enviando contributos pessoais, e ao Presidente da República que (honra Lhe seja) tem constantemente acorrido aos locais das desgraças com uma palavra, as invitáveis selfies e os beijinhos. Mesmo criticando, muitas vezes, a “pro-actividade” (raio de palavra!) presidencial, sou obrigado – e não me custa nada! – a reconhecer que foi o Doutor Rebelo de Sousa quem encarnou os deveres próprios e os do Governo. O que lhe dá o direito (e nunca as mãos lhe doam) de fazer o discurso que fez.

Eu não conheço a Sr.ª Dr.ª Urbano de Sousa. Nem tenho qualquer vontade pois o que dela adivinho é apenas uma absoluta falta de comiseração por quem sofre, por quem está em baixo, pelos cidadãos deste pobre país, por todos quantos a criticámos desde Pedrogão. E a este pecado primário e definitivo junta-se o da falta de ética republicana, queira isto dizer o que quiser. Esta senhora não deve, não pode fazer política. Não se pode depender dela para nada.

Vai fazer as merecidas férias a que tem direito. Que durem anos, décadas! E que leve com ela aquele Secretário de Estado tão repelentemente “pro-activo”. Num país que no dizer do “Jornal de Leiria” perdeu, com o incêndio do pinhal de Leiria, setecentos anos de história, podemos sem qualquer problema perder de vista duas criaturas incompetentes e arrogantes.

Diário político 223

mcr, 17.10.17

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quantos mortos mais serão precisos?

(d'Oliveira fecit  17.10.2017)

 

A sr.ª Ministra da Administração Interna não teve férias. Ao contrário de cem mortos deste Verão que as vão ter e eternas. E quentinhas. A sr.ª Ministra faz jus ao nome: é constante na sua imparável teimosia, no autismo que parece habitá-la, na absoluta miopia política, ética (para já não falar da profissional) e pessoal.

Pior, bem pior, é a sua vertiginosa corrida par o abismo da tolice. Bastou ouvi-la um par de segundos ao afirmar que as comunidades tem de se tornar mais resilientes às catástrofes.

As comunidades de que ela fala são constituídas maioritariamente por idosos, camponeses abandonados, pobres, provavelmente pouco ou nada instruídos. Gente, digamo-lo, adoptando eventualmente o mesmo olhar gélido da sr.ª Ministra: gente descartável.

Vê-la ao lado de Costa, ausente, sem um esgar, sem um frémito, sem corar (ninguém lhe pede para chorar, obviamente) é um exercício penoso e faz-nos sentir vergonha por ela, por nós, por Portugal. E uma imensa revolta tintada por outra imensa piedade pelos que tudo perderam neste fim de semana alucinante que, pudicamente, ela afirmou ser de centenas de “ignições”. Ignições, disse a criatura. Faltou-lhe língua, coragem, português de lei para dizer incêndios, fogos mortais.

Olha-se para esta mulher e damos com um fácies liso, impenetrável, insensível e com um vago lamento pela falta de férias. Que vá já de férias. Para a Venezuela, para a Somália, para a Líbia, para a Coreia do Norte, para o raio que a parta. que desapareça e por muitos e bons.

Este fantasma que percorre de longe o país calcinado e os corredores do Governo poderia, por mera precaução perfeitamente justificável por um Verão violento (haja quem se lembre desse filme magnífico de Zurlini), quentíssimo, sequíssimo ter adiado os prazos do fim da fase “Charlie”. As datas que a definem são meramente indicativas e, ontem mesmo, todos os especialistas o disseram e repetiram. A fase “Charlie” só chega ao fim por decisão política. Política, repete-se. Ou seja por decisão governamental, apoiada em proposta da sr.ª Ministra responsável.

Este Orçamento que nos cairá em cima, aproveita uma folga de mais de mil milhões de euros. Com isso vão chover subsídios, progressões nas carreiras, diminuição de IRS, aumentos normais e extraordinários de pensões, sei lá que mais. E vai mesmo haver um pequeno desconto nos encargos com os cidadãos que morreram. Por uma ínfima parcela desses milhões ter-se-iam mantido cá aviões e helicópteros enquanto durasse este insuportável calor e enquanto permanecesse a seca tremenda, “extrema” que afecta todo o pais e que é trágica para as Beiras, Trás-os-Montes, e o interior do Ribatejo, da Estremadura e da Beira Litoral. E de boa parte do Minho, donde o fogo galgou para a Galiza. Sexta feira, se não erro, vi um pungente documentário sobre o distrito de Bragança onde as terras se esboroam de secas, as oliveiras estiolam, os gados perecem de fome e sede e os homens, os poucos que ainda restam, os “resilientes” na expressão canalha da sr.ª Ministra já não sabem o que fazer.

Domingo, nos distritos de Viseu, Guarda Castelo Branco e Coimbra, outros gados, centenas senão milhares de animais morriam queimados. E queimadas ficavam casas, fábricas, pequenas lojas, hortas e plantações variadas.

E a sr.º Ministra sem o aconchego de umas férias, sem um mergulho no mar das Caraíbas, no mar Vermelho, no mar do Japão mas permitindo que um mar de fogo lavasse (levasse) de vez mais trinta e tal inúteis cidadãos portugueses culpados de não serem urbanos e de serem constantes na terra amaldiçoada que os viu nascer, crescer (e morrer).

Quantos mortos mais serão necessários para enterrar a sr.ª Ministra?

E já agora, quantos serão também necessários para mandar o sr. Jorge Gomes, digno Secretário de Estado da sr.ª Ministra, “ser proactivo” quando um fogo justiceiro se cevar em sua casa, enquanto ele estoico não chama bombeiros nem aviões carregados de água. A insensibilidade ministerial tem um eco fiel na inexistente inteligência da frase do seu fiel Secretário de Estado. Estão bem um para o outro.

Há uns tempos, na Assembleia da República, alguém citou uma frase vinda dos tempos tremendos da “Propaganda Republicana”: Disse-a Afonso Costa: “por muito menos crimes do que os de D Carlos ...rolou, pelo cadafalso a cabeça de Luís XVI” e repetiu-a já não sei quem.

Por muito menos (imperícia, descaso, falta de zelo, incompetência) o sr. Jorge Coelho, Ministro de um Governo igualmente socialista se demitiu devido à queda da ponte de Entre-os-Rios. O homem não tinha de nenhum modo responsabilidade no sucedido e nem sequer a ponte parecia correr um risco especial. Mas demitiu-se. Por vergonha, por honra pessoal, por ética republicana, por decência.

Este sinistro par que assombra o Ministério parece inamovível. Nada os empurra, os demove, os comove.

Só um oportuno incêndio nos gabinetes a que se agarram como lapas. Ou, como noutros tempos, o tiro de algum Buiça armado em justiceiro ou em vingador daqueles povos abandonados. Não apelo ao homicídio, fique bem claro, mas não seria o filho do meu pai que iria em socorro deles se os visse cercados pelo fogo ou acidentados na estrada: os indiferentes morrem cercados de indiferença. “Bon débarras!, como dizem os franceses.

Os ministros e restantes governamentais mesmo em estado cadaveroso são daninhos

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