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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Belmiro de Azevedo (1938-2017)

José Carlos Pereira, 29.11.17

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Morreu um dos mais destacados empresários portugueses. Belmiro de Azevedo criou o maior grupo privado português e marcou uma época. Fez escola e promoveu as competências que fizeram com que vários dos seus quadros tenham seguido carreiras autónomas de sucesso. O seu percurso não foi feito apenas de vitórias, mas soube sempre retirar ensinamentos dos reveses por que passou, nomeadamente nas suas investidas na banca.

Belmiro de Azevedo levou consigo o nome da terra que o viu nascer e à qual regressava com satisfação. Marco de Canaveses perde um dos seus cidadãos ilustres, alguém com um temperamento abrasivo e difícil, que procurava em todas as circunstâncias fazer prevalecer os seus pontos de vista, não se importando que tal pudesse ser levado à conta de arrogância e impertinência. Era assim perante os principais governantes do país ou mesmo perante os seus conterrâneos e respectivos autarcas, como sucedeu com a intervenção infeliz que fez no congresso que evocou, em 2012, os 160 anos da fundação do concelho de Marco de Canaveses (como aqui então assinalei).

O leitor (im)penitente 206

d'oliveira, 24.11.17

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Livros, alfarrabistas & outras fantasias 8

(nem tudo o que luz é ouro; nem todos os alfarrabistas são baratos)

 

mcr 24.11.17

 

Há mais de um ano, um alfarrabista portuense telefonou-me com um curioso pedido: tinha adquirido uma obra e, nada sabendo sobre ela, pedia-me uma opinião. De facto, ando, há já tantos anos, a comprar (e a ler, e a estudar) literatura sobre a expansão portuguesa que a pergunta fazia sentido. Aliás, esse mesmo livreiro já me tinha vendido diversos livros sobre o tema.

No caso em apreço, ele queria informar-se sobre uma obra em dez volumes mas apenas cinco partes intitulada “Primeiro congresso de história da expansão portuguesa no mundo” .

Lá o informei que, efectivamente, no seguimento dos trabalhos desse primeiro (e suponho que único) congresso, se tinham reunido em volumes todos os trabalhos apresentados mesmo se também circulasse um copioso número de separatas sobre diferentes teses apresentadas.

Que a obra, melhor dizendo a edição, estava datada de 1938 e que conhecia e possuía oito dos dez volumes, comprados aqui e ali, a preços relativamente moderados (entre 15 e 25 euros), provavelmente por se tratar de volumes isolados.

Disse-lhe também que estava interessado nos dois volumes que me faltavam.

Dias depois, caiu a resposta: o livreiro só vendia a obra na totalidade e fixava um preço: 500 euros.

Achei excessivo o preço tanto mais que, além da minha informação ele não conseguira nenhuma referência quanto a preços. Perante a sua recusa em negociar, desisti e ao longo dos meses que se seguiram fui alertando outros alfarrabistas. Há pouco tempo, o senhor Gonçalves da “Nova Eclética” (Lisboa) avisou-me que tinha algo para mim, pedindo-me que o visitasse. O pedido era desnecessário pois aquela livraria faz parte obrigatória do meu percurso mensal dos alfarrabistas lisboetas.

Ontem, fui visitá-lo e descobri que o livreiro me guardara (sem compromisso!) o obra em causa, magnificamente encadernada e num surpreendente bom estado. Como sabia que eu tinha vários volumes, propunha-me a troca por um preço global que andava na média dos praticados. (Aliás, da “Nova Eclética” eu levara um ou dois volumes soltos). Mesmo contando com o que entretanto gastara, a peça ficou-me mais barata do que a que me era proposta no Porto. Com a enorme vantagem da encadernação. É que encadernar dez volumes em “meia francesa”, cantos e lombada em pele, fica no mercado pelo triplo do que paguei.

Esta pequena aventura ilustra, também, uma outra verdade: em Lisboa, porventura por ser um mercado maior, quer em clientes quer em vendedores, os preços são notoriamente mais baixos do que no Porto (com a excepção da “Livraria Académica” que tem um enorme “fundo”). E, nesta última cidade, há mesmo dois ou três casos de preços quase escandalosos. Como exemplo, basta este: publicou-se entre o final dos anos 30 e 1986 um “boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais” (ao todo 131 números mais cinco edições não numeradas). Comprei a quase totalidade dos meus exemplares em Lisboa ao preço médio de 10 euros. Os que faltavam vieram, com excepção de um, do Algarve e com portes de correio ficaram entre 15 e 20 euros. O único exemplar comprado no Porto custou-me €35 !!!

 

 

Au bonheur des dames 437

d'oliveira, 23.11.17

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Santana, regressa que estás perdoado...

mcr em 22.11.17

 

Quando o inestimável dr. Santana era Secretário de Estado da Cultura teve, entre muitas, uma ideia brilhante: deslocalizar a sede da Delegação Regional do Norte da Secretaria de Estado da Cultura. Do Porto onde estava instalada num belo palacete e onde está inserida a Casa das Artes, exilou-a para um cave em Vila Real, cidade como se sabe muito central para quem viva em Chaves. E, a partir daí, foi o que se viu. Da DRN nem novas nem mandados. Dos funcionários, cerca de 20, alguns mudaram-se para outros organismos e os restantes foram para casa onde todos os meses e ao longo de muitos e muitos anos chegava o ordenado.

Pela parte que me toca (relembro que era, na altura, Delegado Regional) demiti-me e fui procurar ser útil na Segurança Social, onde já estivera. E aí permaneci até à reforma. Tentei, baldadamente, convencer os governos socialistas (a partir de Guterres) da necessidade e da utilidade de “reverter” a tola medida de Santana. Nada! Foi preciso aparecer o governo Passos Coelho para o Delegado (agora Director) Regional aparecer definitivamente no Porto. Desconheço se na cave de Vila Real ainda vegeta algum serviço descentrado ou se, de uma vez por todas, se acabou com aquela fantasia imbecil.

Elos vistos, o dr. Costa entendeu agora refazer o percurso errático de Santana e transferir sem dizer “água vai” o INFARMED para o Porto.

Nem funcionários (quase quatrocentos!) nem a direcção sabiam da empreitada. A Câmara do Porto, ao que consta, ficou surpreendida pela benesse governamental. Num primeiro momento, Rui Moreira, um homem reconhecidamente inteligente, engasgou-se e falou de “ressabiamentos”. Não sei se se referia a trezentos funcionários e centenas de familiares que, de súbito, viam a sua vida ameaçada. Sei que apenas vinte funcionários aceitavam ir para o Porto. Os outros trezentos e tal devem ser os “ressabiados”...

Desconheço as “razões” do bodo que Costa quer oferecer ao Porto e, sobretudo, julgo que não poderá transferir ninguém contra vontade visto que a distância mais que decuplica aquela que se considera aceitável para forçar uma mudança de local de trabalho.

Assim sendo, temos que o Governo parece querer aumentar em mais de três centenas o número de funcionários públicos ou num regime semelhante e de efeitos semelhantes. De facto, não vindo os trabalhadores actuais do Infarmed para o Porto, haverá que recrutar outros in loco. E prepará-los, ensiná-los e garantir que serão, no mínimo tão eficazes quanto os que ficaram em Lisboa.

Claro que os “ressabiados” poderão ser alvo de chantagens várias, coisa que também não é de todo desconhecida na função pública. Sugestão aqui, ameaça acolá e a barca vai andando aos bordos sempre perto do naufrágio.

Uma das coisa que mais me espanta (ou nem isso, que eu já conheço as linhas com que um cidadão precavido se cose) é a falta de declarações sindicais ou de partidos ditos “amigos dos trabalhadores”. Nada! (pelo menos até hoje quinta feira).

E, já agora, tentemos perceber o que é que se passa na cabeça dos governantes. Quererão, bondosamente, compensar o Porto pela “perda” da Agência Europeia do Medicamento? Mas será que alguma vez alguma dessas fosforescentes criaturas governamentais sequer sonhou em ganhar a AEM? Desconheceriam (tudo é possível sobretudo para as risíveis mediocridades que trataram do dossier e informavam –intoxicavam – os media nacionais) que só por milagre da Rainha Santa, dos pastorinhos e do beato Nuno (todos juntos mais a “santinha da Ladeira” e a Senhora de Fátima) é que seria possível escolher o Porto?

Num país desvairado pelos fogos, pelo turismo que foge a sete pés do Mediterrâneo perigoso (e de Barcelona que registou este mês menos quarenta (40%) por cento de entradas de turistas e pela obra “intangível” (cfr. Cunha Leal) da geringonça, tudo é possível mas isto (a vinda da AEM) roçava as raias do delírio. O Porto pode ser muito giro para dois dias de trânsito turístico mas só por dois dias. É verdade que tem o dobro dos dias de sol de Amsterdão, metade do custo de vida de Milão e infinitamente menos racismo do que Bratislava. E que há mar menos poluído do que o Báltico ou o mar do Norte, um clima mais ameno do que noutras cidades concorrentes. Todavia, em termos europeus, é, definitivamente, uma cidade periférica. Tanto ou mais que uma romena ou finlandesa Que justamente também não abicharam nada.

Aliás, os funcionários da AEM já tinham manifestado a sua má vontade em vir para Portugal. Tanto ou mais quanto em relação a Bratislava.

O Porto ficou num “honroso” sétimo lugar, ao que sei. Eu, nestas coisas, sou muito pão, pão, queijo, queijo. Só um lugar interessa: o primeiro. O resto é lirismo nacionalista para entreter ingénuos.

Aliás, suponho, que no Porto ninguém acreditava neste milagre das rosas moderno. Por junto, as pessoas, usavam o mesmo raciocínio de quem aposta no euro-milhões: sem nos habilitarmos é que não vem prémio algum. E no dia seguinte, no quiosque do costume, compra-se o jornal e volta-se a preencher o papelinho. Não ficamos mais pobres mas, contra milhões de probabilidades, podemos ficar mais ricos. E durante dois dias gozamos que nem cabindas a pensar no que faríamos aquela dinheirama toda.

Voltando, porém, à vaca fria, quem por estes momentos andará por aí preocupado, angustiado, aflito ou indignado é o lote de funcionários do Infarmed que, como prenda no sapatinho, se vê estúpida e desnecessariamente (e ilegalmente) ameaçado pelo Governo.

O dr. Santana Lopes deve estar a babar-se: afinal as suas tolas mudanças de sede de organismos da ex-SEC estão justificadas. Convirá preveni-lo que uma burrice não apaga outra burrice. Apenas aumenta a primeira. Ouviu, dr. Costa?

 

*A Ilustração não pretende chamar seja o que for aos senhores Santana e Costa. Quanto mais não seja porque, os burros não são, como se poderia pensar, estúpidos. Bem pelo contrário são animais bem mais interessantes do que muitos humanos que por cá peroram e se mexem. 

Estes dias que passam 346

mcr, 13.11.17

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O “jornalismo” de referência de vez em quando descarrila

 

Sou um empedernido leitor de jornais. Sempre fui, parece-me. Mantenho com elas uma relação de fidelidade quase canina. Com “Le Monde” a relação tem 55 anos. O mesmo com “L’Express” mesmo se, ao longo destes anos, a revista tenha mudado muito, demasiadamente. Durante muitos anos fui um fiel leitor do “Diário de Lisboa”, um vespertino de que me saparei algum tempo depois do 25 A.

Quando o “Público” apareceu (vai para quase trinta anos) despedi-me sem saudades do JN e nunca mais comprei outro jornal diário (português). Volta e meia, irrito-me mas, genericamente (como no caso do “Le Monde”, “El País”, “La Republica”), não desisto.

Todavia, há dias em que me zango. E hoje é um deles. Desde há muito que no “Público” há uma secção chamada “espaço público” que normalmente acompanha o editorial. A coisa funciona assim. Alguém, os redactores, suponho, dão setas verdes ou vermelhas a pequenas notícias. Algo semelhante aos “altos e baixos” do Expresso. Hoje, segunda feira, havia duas notíciasa verde uma nem sim nem sopas e uma a vermelho. É sobre esta que quero escrever: o sr Rajoy foi à Catalunha apoiar o PP local e num comício pediu o voto da maioria silenciosa para “recuperar a região do caos do separatismo”.

O redactor notador achou isto péssimo, mesmo se não saibamos se é a frase em si (dentro de comas), a recuperação (perfeitamente alcançável dado o que sabemos) ou a referencia ao caos do separatismo.

Vejamos

A frase é perfeitamente plausível num político conservador ou até num político qualquer desde que não seja a favor do separatismo.

Que Rajoy apele a essa maioria (que raramente vota e que, segundo consta, é contra a independência) é absolutamente normal e se seta vermelha houvesse seria devido a não pedir esse voto.

Que a Catalunha enfrenta grandes dificuldades futuras ninguém duvida. Fugiram, até sábado passado, 2700 empresas. Pelo menos metade (aliás um pouco mais) dos votantes nas últimas legislativas é anti independentista e já se tem manifestado com uma força semelhante às manifestações independentistas. Que uma “república catalã” ficaria absolutamente isolada na Europa (ou na Europa da UE) é, até à data, uma clara certeza. Que os cidadãos catalães ficariam fora do euro, de Schengen, idem. Que o principal mercado catalão (a Espanha) pode fugir, boicotar, diminuir é outra verdade de La Palisse. Que isso criará dificuldades enormes e protestos identicamente fortes é uma evidência. Que o primeiro ministro de Espanha não queira uma situação deste género nem merece discussão.

Portanto, pergunta-se à criatura que assina RS onde é que ela vê razão para uma seta vermelha.

Claro que RS pode não gostar de Rajoy. Pode detestar o PP e os conservadores onde quer que seja. Pode ter um profundo amor pela “causa catalã”, pelo senhor Puigdemont, pela senhora Forcadell, pela CUP. Pode detestar medonhamente a Espanha, a União Europeia, o euro e sei lá o que mais.

Todavia, para isso, só tem de pegar na caneta e escrever um artigo de opinião. Se a tem. Se é capaz de falar do assunto com um mínimo de conhecimento e, já agora, de qualidade. Não pode, ou não deve, fingir que a sua seta tem razão de ser numa notícia de dez escassas linhas. A menos que ache que Rajoy é um fascista encapotado que, de faca nos dentes, está a invadir a Catalunha para sufocar pela força das armas o que alguma lei (qual) direitos ofendidos e legítimos.

Já por aqui falei dos padeirinhos de Aljubarrota espécie indígena que traz nos meigos coraçõezinhos a lembrança imperecível dos batalhadores da época joanina, dos restauradores de 40 e a cólera pelo roubo de Olivença. Não suporta “castelhanos”? Pois que não vá ao “El corte Inglês”, que não compre na “Maximo Dutti”, na “Zara” que não tenha conta no Santander Totta ou no Millenium (hoje de “La Caixa”, empresa que logo no primeiro dia abandonou a Catalunha). Que indague cuidadosamente se as laranjas ou as cenouras ou as cebolas que compra no supermercado vêm ou não do odiado país. E cuidado com o peixe que vem de Espanha às toneladas. E com os camarões congelados, os carabineiros sem falar do bacalhau (há três ou quatro grandes marcas espanholas a impingir-nos o bacalhau deles. O mesmo se passa com o atum. O melho seria mesmo fazer uma campanha contra os milhões de turistas espanhóis que invadem o país nas datas festivas (brevemente cairão por cá durante o feriado da proclamação da Constituição). Coño, RS, a por ellos!

E "visca Catalunya liura"...

Au bonheur des dames 436

mcr, 09.11.17

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O menino Jesus chegou antes do Natal e chama-se Nuno Maria

 

É como se fora do meu sangue. A minha enteada Ana (com a ajuda do marido Nuno) presenteou-nos a mim e à CG com um menino são como um pêro que dorme a sono solto.

A CG flutua a uns bons vinte centímetros do chão e continua a tricotar furiosamente roupinhas para o bébé que não vai conseguir usar todo o enxoval que já tem. É o costume, claro.

Ontem, dia do nascimento, logo de manhã já me pediam notícias do viajante pois sabia-se que a coisa estava a rebentar.

Os pais do infante comunicaram à babada futura avó que o internamento seria ontem, que se seguiriam análises e exames e que, depois, o médico diria quando é que o parto teria lugar.

Era uma piedosa mentira destinada aos familiares (quatro avós maternos e uma avó paterna), bisavós e demais antepassados variados, amigos e colegas.

Pessoalmente, eu tinha uma vaga desconfiança de que as coisas se passariam mais depressa: Já por alturas da licenciatura, a Ana nada dissera e deu-me o prazer (e a honra) de ser o primeiro a saber logo que o último exame terminou. Na altura, explicou-me que queria evitar a choradeira da mãe, o nervosismo do pai. Por isso, eu estava em alerta mínimo e tranquilo. Quando a CG me deu a notícia, ouvia-a impávido.

Depois começou o bailinho da Madeira: a CG a alertar (a amotinar) amigas, parentes e demais povo. Os alertados respondiam com salvas de perguntas, guinchavam metaforicamente pelos novos meios de comunicaçãoo. O meu sábio irmão, médico de profissão, pai e avó endurecido, ligou-me a perguntar se já havia novidades. A cunhada dele, ao lado perguntou se o menino era bonito.

“Ó Maria Manuel, então isso pergunta-se?”

Respondi-lhe que estava em frente do alucinado pai (que andava com dores de parta há umas boas semanas) e que medindo quase dois metros, calçando 48 biqueira larga, me poderia agredir no caso de eu dizer qualquer coisa menos simples do que afirmar que a criaturinha era maravilhosa.

Com este subterfúgio escapei ao nariz de cera habitual e cortei cerce qualquer pedido para dizer com quem a criança era parecida.

Os bébés, à nascença, parecem-se com outros bébés, ponto, parágrafo.

A minha excelente Mãe já se tinha adiantado com um cheque simpático para o menino começar a ter conta no banco. Em troca exigiu uma fotografia verdadeira, em papel como deve ser, nada dessas mariquices no telefone. A Old Lady tem cataratas e quer ver com olhos (os dela) de ver. Pede pouco mas bom. Uma fotografia que o caixilho há-de me encarregar de comprar. Como de costume.

“E coisa boa, nada dessas quinquilharias tão na moda!” É para já Senhora, minha Mãe: vou num pé e venho noutro!  

Os filhos e netos, nossos ou dos nossos parentes e amigos,  são,  sempre, um milagre.

Por junto, hoje, mandei um mail à Zé Albarran explicando que o menino se parece com a avó porque dormia com a boca aberta. Enquanto estive no quarto da parturiente não se dignou abrir o olho e dormiu regaladamente. Isto de nascer cansa, está visto.

Que cresça bem, rodeado de amor e carinho e que o mundo a que chega seja melhor do que aquele a que cheguei num longínquo Novembro de 41.

Agora, cá o espero para o ensinar a jogar bilhar, ouvir muito jazz e alguma ópera, provar uns patés decentes e passear com este imprestável avô até ao café ao pé do jardim. E para o que mais for preciso.

Au bonheur des dames 435

mcr, 09.11.17

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Da Galiza para Portugal

(em memória de Luís Seoane e para Xesus Alonso Monteiro com profunda admiração)

 

A Galiza tem uma área que é cerca de um terço da de Portugal. Essencialmente é uma região montanhosa com profundas rias por vezes rodeadas de vales não demasiadamente extensos. Com excepção da Guardia e da Corunha as principais cidades estão relativamente afastadas do mar mesmo se este é a origem da maior riqueza galega: o peixe e os mariscos. Além da vinha, a floresta é outra das riquezas da região. Foi esta floresta que sofreu em Outubro passado incêndios violentíssimos que devastaram 50.000 hectares, mataram quatro pessoas e fizeram 2400 desalojados.

Uma semana depois da calamidade, a Junta da Galiza começou a tomar medidas. Assim foram logo fixadas as indemnizações para quem perdeu casa (quer a primeira habitação quer a segunda respectivamente de cem mil e quarenta mil euros. Num conjunto de 30 pontos rapidamente aprovados (passa agora um mês sobre os fogos) foram decretadas e começaram a ser executadas medidas contra a ocorrência de novos fogos, indemnizações aos empresários, reconstrução de estruturas agrícolas (currais, redis, armazéns, silos). Estipularam-se novos perímetros de defesa contra fogos, de limpeza da floresta, de posse administrativa de terras sem proprietário conhecido, de fiscalização florestal, de novos meios de combate a incêndios.

E começaram já os cortes de árvores ardidas!

Também já estão a ser pagas as indemnizações por morte de pessoas (75.000 euros).

A Galiza é “apenas” uma região autónoma espanhola sem ter sequer poderes tão latos quanto outras. Não é rica senão de gente abnegada, generosa, risonha apesar da “morriña”, que fala o velho galego dos “labregos e marinheiros” e se entende às mil maravilhas com os trezentos mil portugueses que a invadem no Verão e com os restantes espanhóis que lhe procuram as praias e a belíssima gastronomia. Nunca vi (e eu sou um habitué da Galiza, das suas livrarias, dos seus pequenos restaurantes, de Vigo, de Pontevedra, de Santiago) um local deixar sem resposta outro espanhol que não sabe galego. Nunca!

Entre o período visigótico e a ascensão do reino de Leão, a Galiza constituiu um breve reino que pouco durou. Ou melhor: o reino centrou-se em Leão e as terras galegas (como as do norte de Portugal) eram feudatárias dessa entidade política. Depois, o reino desapareceu. Afonso Henriques, já livre do suserano leonês, tentou por duas ou três vezes conquistar territórios galegos com incursões entre Tui, A Guarda e Vigo mas foram apenas pequenos triunfos sem consequências. O Minho impôs-se como fronteira até hoje.

Durante a curta República (a 2ª) a Galiza dotou-se de certa autonomia, como o País Basco e a Catalunha (que entretanto não se podiam gabar dos mesmos antecedentes históricos...) mas a “cruzada” franquista rapidamente liquidou as aspirações galegas. Durante a guerra civil, e mesmo depois, ainda havia pequenos focos de guerrilha no “monte” havendo mesmo na raia muitos portugueses que acolheram os prófugos galegos. Em 1950, nada restava desse pequeno grupo. Nos finais do franquismo, apareceu a UPG e houve pequenas acções armadas de escassa importância. Com a democracia, a UPG constituiu um bloco independentista mas a tendência, depois de um apogeu no fim dos anos oitenta, decresceu significativamente enquanto o Partido Popular ia aumentando significativamente a sua influência. Até hoje. O governo Feijoo tem maioria absoluta na região e tudo indica que assim continuará.

Do ponto de vista cultural, a Televisão Galega é seguida (até em Portugal), há algumas editoras de livros em galego (curiosamente, muitas delas dedicadas à produção literária galaico –portuguesa com belíssimas antologias indispensáveis para quem queira saber da nossa comum origem literária). Editam-se, com tiragens decentes, alguns escritores galegos desde a eterna Rosalia deCastro até Manuel Rivas passando pelos incontornáveis Castelao, Cunqueiro, Celso Emílio Ferreiro e, pasme-se!, Rodrigues Lapa, insigne filólogo português respeitadíssimo no Além-Minho.

Curiosamente, alguns dos grandes escritores galegos do sec XIX ou do XX, escreveram sempre em espanhol e em alguns casos recusaram a tradução das suas obras para o galego. Tinham, de resto, uma excelente razão: parte do encanto da língua que usaram tinha galeguismos em profusão e isso dá(va) um encanto especial à narração (falo de Camilo José Cela, Torrente Ballester e do extraordinário Ramón del Valle Inclan, autores que não me canso de reler.)

Os leitores que me desculpem. Eu ia só falar da rapidez, da eficácia, da generosa solidariedade dos governantes galegos e comparar a atitude deles com o que por cá se passa.

Uma catástrofe obriga a medidas extraordinárias. E a medidas rápidas. Há demasiado sofrimento, demasiadas vítimas e nenhum tempo a perder. Os galegos, bem mais pobres do que nós, mais emigrantes do que nós (a maior cidade galega é Buenos Aires...) deram, neste capítulo, uma lição às nossas elites governantes. Aliás, já tinham, ao contrário de nós, tirado a devida lição dos grandes fogos (o último a que assisti foi em 2006), criando um comando único de ataque ao fogo (prevenção e combate), profissionalizando os corpos de bombeiros retirando grande parte das competências aos chamados “voluntários” que podem ser generosos e heroicos, mas não são suficientemente profissionais e eficazes.

(um jornal de hoje relata em página inteira como o ex-Secretário de Estado Jorge Gomes recusou o recrutamento de 40 novos bombeiros para a Força Especial de Bombeiros com o argumento de que ainda não estava concluída a regulamentação do Estatuto da FEB. A proposta vinha do presidente da ANPC, Joaquim Leitão e pretendia colmatar falhas ainda durante a futura “fase Bravo”. Não irei ao ponto de dizer que a falta destes quarenta homens em Pedrógão levou à morte de dezenas de pessoas. A história não se inventa nem se reescreve. Todavia, a falta deles não só não ajudou como seguramente prejudicou o combate aos fogos.

Este país adora perder-seem burocracias enquanto a barca do Estado mete água e vai lentamente soçobrando em evitáveis naufrágios.

Por uma vez, imitem os galegos. Ou vão até lá aprender. É perto e há bom marisco, vinho albariño e uma gentileza fraternal. E entendem-nos e não nos pedem para falar galego!

 

 

Diário político 226

mcr, 07.11.17

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A revolução de Outubro foi em Novembro (II)

 

(d'Oliveira fecit 7.XI.17)  

Passam hoje cem anos sobre o inicio da revolução bolchevique (e não Revolução russa, como por aí corre: esta começara havia meses, logo no início do ano com a deposição do Czar e as tentativas de formar um governo que conseguisse segurar a rua, manter a guerra, alimentar o povo e os soldados e criar estruturas democráticas duradouras. Dentre os diversos grupos revolucionários (e eram bastantes) os chamados bolcheviques (maioria) não se distinguiam particularmente. Era mesmo duvidoso que, dentro do Império Russo fossem a maioria do antigo Partido Operario Social Democrata Russo, como começou por se chamar. A minoria (mencheviques) fora batida no exterior (Suiça) mas hoje parece pacífico que no “interior” teria mais adeptos.

Logo que a Revolução se tornou conhecida, Lenine e um grupo de partidários, exilados na Suiça, conseguiram regressar à Pátria num “comboio selado” fornecido pelos alemães que esperavam, com fortes razões, que a chegada deste grupo a Petrogrado aumentasse as dificuldades do Governo Provisório. Corre, em alguns meios, a acusação de Lenin ser um agente dos alemães. Nada o confirma, tanto mais que, desde o primeiro dia, o dirigente bolchevique lançara a palavra de ordem “Paz imediatamente”. Claro que isto favorecia os alemães que assim ficariam livres de uma enorme frente onde aliás a guerra lhes corria de feição. O exército russo, mal armado, mal preparado, mal dirigido só tinha a pequena vantagem do número mas nem isso era importante tanto mais que os exércitos dos impérios centrais tinham soldados de vinte etnias e línguas (muitas delas eslavas) o que enfraquecia sobremaneira a cadeia de comando além do que, como já era conhecido, não garantia a fidelidade de muitos combatentes.

Lenin não é (nem era) flor que se cheire mas agente dos alemães é demasiada ousadia.

Como se sabe, ou não, a palavra de ordem “todo o poder aos sovietes” ou seja aos conselhos nascidos espontaneamente à imagem e semelhança do que sucedera em 1905, foi o argumento usado para desacreditar e enfraquecer os poderes do Governo em funções.

Lenin era um temível estratego e percebeu, mesmo entre duas fugas para local mais acolhedor, que se a rua tivesse o poder as possibilidades de êxito de um pequeno mas disciplinado grupo de revolucionários, eram incomparavelmente maiores. Mais, com o controle do soviete de Petrogrado (por Trotsky) dotava-se de uma vaga legitimidade que mesmo sem a respeitar, lhe servia para desacreditar os adversários.

A tomada do Palácio de inverno foi um passeio. A defesa deste desmoronou-se antes de começarem os combates e só uns vagos pelotões de mulheres soldados opuseram algum frágil resistência. Hoje em dia, passam nas televisões filmes heroicos sobre esse curtíssimo episódio mas isso deve-se tão só ao génio de eisentein e de outros seus discípulos. O dia é descrito como uma enorme confusão, com o poder a desabar sem defesa eficaz, sem reação dos sus partidários e perante a indiferença de quase todos. Posteriormente, o golpe de Estado que expulsou a maioria eleita de deputados (não bolcheviques), apenas demonstrou que com audácia, mera audácia, muita sorte e uma gigantesca confusão havia um novo poder. Poder absoluto, não partilhado, que esmagou um a um os adversários (primeiro a esquerda, depois o resto) como até se consegue perceber em John Reed (o cavalheiro americano que escreveu o hagiográfico voluminho “1o dias que abalaram o mundo”).

A Russia exausta queria apenas comer e deixar de morrer na guerra. Exércitos inteiros retiraram-se das frentes de batalha, os sindicatos “contra-revolucionários” desorganizaram tudo nomeadamente os transportes o que permitiu aos bolcheviques, assentar o poder em Petrogrado e Moscovo, recrutar nas fábricas as suas tropas de choque e começar a organizar (sempre Trotsky) o incipiente Exército Vermelho.

De todo o modo, a escassez alimentar não cessou, as perdas militares continuaram e em breve a guerra civil voltou a aumentar as dificuldades, a fome e a morte de civis.

O Governo (o “conselho de Comissários do Povo”) bolchevique não hesitou em usar mão dura contra os opositores, coisa aliás, muito em voga na Rússia onde o poder nunca fora meigo e muito menos defensor de quaisquer direitos humanos. A temível Okhrana dos czares foi substituída pela Tcheka que se notabilizou logo de seguida na repressão a anarquistas, socialistas revolucionários sem esquecer obviamente os partidários do antigo regime.

(convém recordar que a hostilidade para com os socialistas revolucionários levou uma militante (Fanny Kaplan, presa de 1906 a 1917 na Sibéria) a atentar contra a vida de Lenin. Não teve todo o êxito que previa mas na verdade o dirigente bolchevique nunca mais se recompôs dos ferimentos.)

Não vale a pena desfiar o rosário dos dramáticos acontecimentos que se seguiram mas que podem reconduzir-se a quatro ou cinco pontos (esvaziamento rápido dos poderes dos sovietes, governamentalização dos sindicatos, desaparecimento rápido das independências das nações submetidas ao Império mesmo se estas tenham subsistido formalmente na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A ditadura do proletariado esfumou-se atrás da ditadura do partido único, a repressão política depressa cresceu exponencialmente até ao momento dos processos de Moscovo onde foi liquidada toda a velha guarda revolucionária e bolchevique. Antes, aliás, já tinham sido esmagados (por Trotsky) os famosos marinheiros de Kronstad, ferro de lança da revolução e últimos defensores do falecido slogan “todo o poder aos soviets”. A guerra civil e as grandes fomes (especialmente a da Ucrânia que se mediu em milhões de mortos e em cenas atrozes de canibalismo) consecutivas à perseguição dos kulaks não impediram um crescimento gigantesco da industrialização mesmo se até fins do século a URSS sempre tenha sido um país de severo racionamento de bens fabricados desde os sapatos aos automóveis privados e destes até, pasme-se, aos pensos higiénicos. A repressão atingiu paroxismos nunca igualados que mesmo se mitigados nunca fizeram desaparecer o gulag ou seja a miríade de campos de trabalho forçado que durou até à era de Gorbatchev. Do ponto de vista cultural, o panorama também foi assustador. Ainda hoje se fala da estranha morte de Gorki, dos suicídios de Marina Tsvetaeva Maiakowsky ou Essenin, de Ossip Mandelstam e Isaac Babel (mortos no gulag) e censura a muitos outros, Vassili Grossman, Ana Akmatova ou Boris Pasternak, dos músicos silenciados (e aí vale a pena recordar o fim de Prokofiev e da perturbada vida de Shostakovitch, herói durante o cerco de Leningrado e acusado de formalismo anos depois, esteve em risco iminente de ser deportado). A grande revolução das artes plásticas durou o momento de um suspiro e se hoje se fala de pintura russa apenas se podem referir os emigrados (Kandinsky ou Chagal) que os não saíram foram rapidamente considerados formalistas e inúteis. Não foi preciso Stalin, Lenin e apaniguados espojaram-se em críticas que, mais tarde, Jdanov levou ao delírio absoluto.

Dentre o grupo de dirigentes de topo apenas dois se deram ao trabalho de defender os intelectuais: Bukarine e Lunatcharsky

Em boa verdade, são estes dois bolcheviques quem melhor teorizaram a revolução e as suas consequências. Bukarine foi executado, sorte a que Lunatcharsky escapou porquanto morreu ainda antes dos processos.

Para fazer um balanço da revolução seriam necessárias dez crónicas e mesmo assim ainda hoje não há nenhuma conclusão segura que escape à ideologia. Mesmo com a URSS enterrada, o bloco socialista convertido no que se sabe, o comunismo num estertor medonho que o desvairado líder da Coreia muito bem documenta, a URSS teve uma vida agitada. No fim dos anos 30, Stalin decapitou o Exército Vermelho tornando-se, por isso o principal responsável das primeiras e violentas derrotas sofridas contra os alemães. É bom relembrar que estes tiveram um caloroso apoio da URSS durante praticamente dois anos de guerra (Setembro de 39 -Junho de 41)

Posteriormente, também convém lembrar a fortíssima ajuda americana nos primeiros meses após a invasão alemão. em termos quantitativos os americanos forneceram material e diversos suprimentos no valor de nove mil milhões de dólares o que, se é três a quatro vezes menos do que à Inglaterra é quase vinte vezes mais do que a ajuda à China. Não foi isto que decidiu a guerra, sequer a vitória soviética mas a ideia de que a URSS venceu sozinha e que isso a torna credora do reconhecimento universal é risível. Globalmente, os aliados enfrentaram dois exércitos fortíssimos (o alemão e o japonês) e durante vários anos a iniciativa pertenceu ao Eixo.

De todo o modo, a URSS saiu vencedora e comportou-se como tal fazendo cair sobre metade da Europa uma cortina de ferro que durou quarenta anos. Depois, tudo esboroou como um castelo de cartas. entretanto a “Revolução”, o “socialismo num só país”, a “pátria dos trabalhadores” e outros narizes de cera rapidamente mostraram o que valiam. E os protestos não tardaram. Em Berlim (17 junho 1953), na Hungria em 1956, a “ordem” só foi restabelecida pelos tanques russos. A mesma ordem voltou a cambalear em 1968 em Praga. E a receita foi a mesma. O “Bloco socialista” disfarçava mal um império e, nesse capítulo os dirigentes soviéticos foram discípulos fieis de Stalin. quando foi necessário. Krutchev viu-se “obrigado” a liquidar Beria, depois de vencer Malenkov, Molotov e Bulganin; depois da crise dos mísseis durou pouco e foi substituído pelo imóvel e medíocre Brejnev e durante anos viveu semi preso em casa.

De qualquer modo, o calcanhar de Aquiles da “Revolução” foi sempre a economia. E mesmo os grandes êxitos (inicio da corrida espacial) ou a criação de uma formidável indústria de guerra foram interiormente “compensados” por uma escassez crónica de bens de consumo, pela falta de habitação nas grandes cidades, pela existência de passaportes internos que dificultava a circulação de pessoas no território soviético. O Partido comunista era tão só uma imensa teia burocrática incapaz de inovar, de pensar o século XX, de estabelecer metas para o futuro. E como agora se percebe, criou as bases para as grandes fortunas russas do presente onde a ideologia visível se reduz ao poder do dinheiro e a um novo riquismo insultuoso. Não espanta que só meia dúzia de saudosos celebre o centenário. Numa frase de um cinismo aterrador, Lenin terá dito que o “comunismo era o poder dos sovietes mais a eletrificação da Rússia”.   E de facto assim sucedeu. Os ideais marxistas, a herança das duas primeiras Internacionais, foram grosseiramente postergados. A geração revolucionária foi morrendo rapidamente, na guerra civil, durante os processos de Moscovo, na deportação e no exílio. Nem Trotsky, refugiado no México, escapou. Como não escaparam os comissários políticos enviados pelo mundo fora e particularmente para a Espanha. Como não escaparam os agentes secretos do Komintern na Europa. Nem os espiões que informaram sobre a invasão alemã. Hoje em dia, questiona-se o heroísmo e a eficácia de Trepper o mítico dirigente da “Orquestra Vermelha”. A verdade é que, no fim da guerra foi preso e passou dez anos na prisão. Todavia, se como afirma um historiador recente, ele tivesse ajudado os alemães não há duvida alguma que teria sido executado. Assim, limitou-se a sofrer as consequências de ter sido agente comunista. A regra geral era a seguinte: quem tivesse passado demasiado tempo no Ocidente, tornava-se só por isso um perigo pelo que ou o internavam num campo siberiano ou o fuzilavam imediatamente. Nem as centenas de milhares de prisioneiros de guerra soviéticos na Alemanha escaparam a esse destino.

As revoluções não exactamente jogos de salão, nem folguedos de uma noite de Verão. Todavia, a Revolução de 17 deu origem a um imenso desastre, político, cultural, étnico e económico que aliás teve sequências no Revolução Cultural ou nos poucos mas sangrentos anos de domínio dos kmeres vermelhos no Cambodja.

Pelos vistos há quem a queira celebrar. E há saudosos. Exactamente como em Itália há ainda quem celebre o triste Mussolini enquanto na Alemanha aparecem uns cabeças rapadas travestidos de Juventude hitleriana. Mas, neste (e noutros casos em outras latitudes) caso é bom lembrar Marx: A história repete-se mas da segunda vez é como farsa.

*na gravura: cartaz dos tempos da Revolução. Com Lenin, um extraordinário estratego mesmo se, do ponto de vista teórico, deixe bastante a desejar. As suas grandes obras -aliás pequenas e muito datadas- tem a ver com o dia a dia revolucionário. E são nesse domínio certeiras. Ao contrário, as suas incursões pela filosofia (Materialismo e Empirocriticismo" ) deixam muito a desejar: longas, chatas e francamente desinteressantes.

** Sobre os "conselhos operários" não são os russos quem interessa. cita-se para quem queira dois autores Anton Pannekoeke e Rosa Luxemburgo que teorizaram sobre o conceito que deu origem aos sovietes. 

Estes dias que passam 345

mcr, 02.11.17

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O regresso do presidente

ou o não regresso

ou...

 

Parece que o senhor Puigdemont volta à “pátria” desalmada, depois de não ver Bruxelas em festa com a sua fulgurante presença (e nem refiro os seus consellers igualmente em trânsito pela capital belga). A conferência de imprensa, não obstante ser dada em três línguas (não me pareceu ouvir catalão, provavelmente porque ninguém perceberia) foi de uma pobreza dramática. Eu não sei se o sr. Puigdemont se apercebeu do ridículo da sua posição, da inabilidade da sua fuga precipitada, da impossibilidade (legal, teórica, política e ética) de alguém lhe conceder asilo político.

Também não consigo entender como é que alguém se lembra de desandar para paisagens mais amenas e deixar para trás cinco companheiros de Govern, para não falar em milhares de cidadãos desamparados, desesperados e (eventualmente) envergonhados com a deserção do chefe.

A menos que.... a menos que o pobre Carles quisesse fazer um frete a Rajov. Este, se bem conheço o galego, deve ter esfregado as mãos de contente. Um “sedicioso” em fuga confessa todos os crimes mesmo os que não ocorreram.

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Estava eu entretido com outras coisas, sem terminar o texto que acima se lê, quando afinal verifico que o fugaz fugitivo não voltava à “terra liura” porque tanto suspirava. À terá onde, em conferência de imprensa, jurou voltar. Em duas ou três horas mudou mais uma vez, e como é seu costume, de opinião. Puigdemont não só erra a cada momento como é errático. Com esta (sei lá se derradeira) posição complica a vida dos seus companheiros. Dos que ficaram e dos três que, tendo-o acompanhado, entenderam vir defender-se em Madrid. Dar a cara. Ter a coragem das suas opiniões e convicções, mesmo se delas se discorde. Carles, o insubmisso inconstante, ficou no quentinho de Bruxelas, amparado por um advogado flamengo que já se distinguira por defender os pistoleiros da ETA. Está, pois, em boa companhia mesmo se qualquer pessoa dotada de senso duvide que ele, Puigdemont seja capaz de brandir uma pistola mesmo contra um adversário desarmado. Carles é tímido, para não dizer que é um cobardolas até dizer basta.

Afirma ele, pelo advogado dos mafiosos, que não confia na Justiça espanhola que, porém, inspira todos os restantes -e são uma boa dúzia- de dirigentes independentistas. A menos que os anime uma fé de mártires (sempre convenientes para uma causa nada e criada na boa burguesia catalã), eles esperam poder enfrentar a juíza que os vai ouvir hoje sem grande sobressalto. Todavia, e é aí que bate o ponto, a fuga de Puigdemont e de três ou quatro ex-consellers, basta, segundo juristas de várias tendências (incluindo no lote catalães), para se ordenar a prisão preventiva por receio de fuga. Aqui temos um belo exemplo da solidariedade do ex-President e do desnorte que campeia no bando nacionalista. Isto, esta caótica e insensata retirada do campo (incruento) de batalha, permite ver mais claro como a campanha independentista foi, como se alimentou de mentiras (Junqueras garantia mesmo depois da saída da “Caixa” que aquilo era mero folclore e que tudo regressaria à normalidade depois da declaração de independência), de obsessivos erros continuados (uma Catalunha independente da Espanha não teria nunca lugar na União Europeia, não exportaria os seus produtos com a actual liberdade, não conseguiria para os seus cidadãos a livre circulação na União, perderia seguramente grande parte do seu mercado exportador (que é, lembremos, intra-espanhol) não conseguiria para os seus habitantes um mirífico estatuto de dupla nacionalidade (como se anunciava) para não falar nos entraves que uma Espanha ferida poderia criar-lhe na fronteira (que é duas vezes maior do que a francesa). É duvidoso que conseguisse voos que sobrevoassem o espaço aéreo espanhol para o seu aeroporto e arriscava que as empresas estrangeiras até agora sedeadas em território catalão continuassem lá, sobretudo as que exportam (industria automóvel por exemplo). A propaganda independentista baseava toda a sua propaganda na aceitação cordial, simpática, construtiva do negregado “Estado espanhol”, sobretudo deste Estado ora governado pelo Partido Popular.

À margem: leiam o programa do partido de Puifdemont ou da Esquerra Republicana e tentem vislumbrar na sua filosofia intrínseca e nos princípios para que apelam, diferenças substanciais com o programa do PP.

Ainda mais à margem: uma gloriosa mas escassíssima minoria de entusiastas portugueses (os padeirinhos de Aljubarrota) sentiram-se profundamente irmanados com o agrupamento CUP que, numa região eminentemente burguesa e intrinsecamente capitalista por convicção e tradição, propõem sair da Europa, do euro e mergulhar nas delícias de uma espécie de via albanesa ou coreana( do norte, entenda-se).

Eu bem sei que estes lusitaninhos ardentes estão a dois passos de passar a colaboradores, ou aliados íntimos, do PS, de eventualmente, nele se integrarem. Vontade não lhes falta e muito menos descaramento mas que a coisa vem aí, ai vem, vem. Podem estar certos. O poder cheira deliciosamente a quem está à frente dele e não lhe toca. Ou como alguém já disse: o poder corrompe. Muito ou pouco, mas corrompe, desvaria, enlouquece.