Au bonheur des dames 4445
Segundo texto para Maria Assis sobre os tempos que correm
Dois Secretários de Estado que gostam de ler.
Faço parte dessa ínfima minoria de criaturas que tem o hábito de ler. O solitário vício de ler. Livros, revistas, jornais, literatura inclusa e indigesta das embalagens dos medicamentos, folhetos, grafittis, seja o que for. Com uma única excepção: nunca (NUNCA) li a chamada imprensa cor de rosa. Defeito meu, certamente ou então será porque não consigo ter qualquer espécie de curiosidade pelas vidas do jet set ou dos que gostam de o ser. Melhor dizendo, leio as letras gordas das capas que se metem pelos olhos dentro de quem vai por um jornal ou uma revista no quiosque.
Assim sendo, só louvo a propensão leitora de dois políticos socialistas que, durante os seus mandatos governamentais, alimentavam a cabecinha pensadora lendo imprensa vária (num dos casos) e livros não especificados no outro. Desconheço se, nesses tempos de glória, eram, no Governo, os únicos a parar para ler ou se mais alguém da mesma banda os acompanhava nesse dever de saber como ia o mundo. Todavia, o MP vem agora acusar as duas criaturas de terem comprado tais publicações com um cartão de crédito atribuído a governantes. Mais tais publicações (que num dos casos, o mais grave, ascende a mais de 13.000 euros e tinha por alvo, revistas, romances e livros técnicos) não foram encontradas uma vez terminado os mandatos dos cavalheiros em questão. No caso menos importante, José Magalhães, a quantia em causa –pouco mais de 400 euros – refere apenas revistas. Para o tempo de mandato convenhamos que foi pouco. Provavelmente sabia tudo e só comprava, de longe em longe, informação de que necessitava. Ou então era apenas um fraco leitor.
No segundo caso, Conde Rodrigues parece ser um leitor omnívoro. Em cinco anos gastou mais de 2500 euros anualmente. É bem verdade que terá comprado “livros técnicos” (os livreiros, quando se lhes pede, passam uma factura com este termo sem que isso seja necessariamente verdade) e romances para além das publicações periódicas. De nenhum destes produtos resta traço nos gabinetes ministeriais. E é aí que as coisas se complicam. Por muito leitor que se seja, o dinheiro com que se comparam os livrinhos ou é nosso ou de outrem. No caso em apreço, do Estado (obliquamente nosso, dos contribuintes ou seja de um terço das criaturas que habitam este torrãozinho de açúcar e que passam por ricas ou remediadas).
Não consigo (por grave defeito meu) lembrar-me do senhor Conde Rodrigues mas rendo-lhe um pequeno preito de homenagem: num país de semi-analfabetos dá sinais de curiosidade intelectual e literária mesmo se, eventualmente, os “romances” em causa sejam de amor ou (perversidade que gostosamente partilho com ele) eróticos. Quem nunca leu Sade, Crebillon fils, Laclos, Montesquieu ou Diderot não sabe o que perde. Nisto de romances cabe tudo desde a senhora Corin Tellado o senhor Marcel Proust. Tivesse ele tido o cuidado de deixar os livrinhos na biblioteca do Ministério e não seria este arrebatado leitor quem lhe atiraria a primeira pedra. Mesmo se o seu gosto literário não coincidisse com o meu. Mas não deixou!...
Alguém menos dado a perdoar extravagâncias literárias poderia pensar que Sª Ex.ª se abarbatou com 729 publicações (é esse o número que o MP revela. Ai quanto gostaria eu de saber os títulos, os autores, pelo menos os géneros, da livralhada comprada...) pertencentes ao Erário Público.
O senhor José Magalhães foi, como se disse, modestíssimo. Contas feitas, só em jornais, gasto três vezes mais por ano. Bem vistas as coisas só o “Público” chega e sobra para atingir a escassa verba de Magalhães. E é isso que me espanta. Então o raio da criatura lia assim tão pouco? Ou foi apenas distraído? 400 euros são de facto uma soma mais que exígua para o que se espera da curiosidade intelectual da personagem. Magalhães, desde os seus tempos de Vichinsky lusitano e censor moral ao serviço da bancada do PCP, dava a ideia ler um pouco mais do que o “Avante” ou aquela “verdade a que temos direito” e que se intitulava “O Diário”, publicação que se finou mansamente alguns anos depois do PREC.
Isto parece quase tão ridículo quanto a historieta de mendigar um bilhete para ver a bola no camarote do senhor Vieira. É mais uma burrice, uma esperteza saloia, do que um crime.
Joaquim Namorado, um excelente amigo, tinha um projecto de Código Civil que continha apenas um artigo e um parágrafo único que passo a citar
Artº I É proibido ser estúpido
- º único Fica revogada toda a legislação em contrário
Vê-se que Magalhães, apesar de ideologicamente próximo de Namorado não leu ou se o leu não percebeu. Que desperdício!
Voltando, contudo, à vaca fria: que diabo de revistas compraria a criatura? Teria alguma graça se fosse a tradução brasileira da “Playboy”, ou a relançada e francesa “Lui”. Todavia não o creio: O apostrofante Magalhães dos heroicos tempos do PREC não cabe na pele de um leitor de Hugh Heffner, eterno woomanizer de pijama de seda que vagueava pela “mansão” rodeado de coelhinhas pouco dadas aos extremos do #metoo.
Seria alguma revista de automóveis dessas com muito brilho e retratos de modelos que nunca estarão ao meu alcance ou, sequer, dos meus leitores?
Poderia, dado que já passaram anos, ainda ser a espanhola “Interviu”, iniciadora do “destape”, logo “progressista” em terras vizinhas e actualmente apenas uma saudade nocada vez mais rarefeito panorama das revistas europeias. Ou o “Nouvel Observateur” (agora só “obs” ou “nouvel obs” ou qualquer outa burrice a la mode e do mesmo desnatado género e teor. Oh que de labirintos intelectuais, de caminhos que se bifurcam incessantemente mas que acabam todos no mainstream das paradas águas de um vago socialismo à portuguesa, agora apimentado pelo fantasma recorrente do sr. José Sócrates e da geringonça.
Ai Portugal se ao menos fosses só sul sol e sal...
* na ilustração uma (exageradamente) famosa revista dos tempos áureos do “verdadeiro” socialismo tal qual se entendi nas franças e araganças de outros, apesar de tudo, saudosos tempos...