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Incursões

Instância de Retemperação.

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missanga a pataco 24

d'oliveira, 18.08.07


When I was a jazz musician… (Harlem, 1958)

Os amadores de jazz são perigosos. São uma minoria, sabem-se minoria e agem em consequência. Normalmente são pacíficos desde que nada se interponha entre eles e um músico (de jazz) a tocar.
Eu, confiteor, sou um pouco dessa mafia. Não sei porquê, nem quando, mas a verdade é que gosto de jazz. Vou a concertos, fui a muitos festivais, compro discos, ando sempre à procura daquela gravação em que Deus se dignou descer até uma cave feia, velha, carregada de fumo de tabaco e cheia de músicos a dar ao pulmão. Claro que os pianistas, violinistas bateristas dão á mão mas a expressão dar ao pulmão é mais certeira. Poderia dizer dão ao coração porque isto de ser músico de jazz dá pouco no que toca aos cacaus.
Ora, durante a minha já longa vida de ouvinte, aconteceu-me ler uma vez a história de uma fotografia de Art Kane, amador de jazz, também, que mostrava uma reunião matinal de umas dezenas de músicos de jazz. Fora encomendada pela “Esquire”, revista que já se tornara famosa no meio jazzistico graças aos concertos anuais que promovia. Nesses concertos tocou a fina flor dos músicos. Aliás, em cada ano, eram convidados os músicos que se tinham distinguido. Os leitores da revista é que faziam a votação final e a verdade é que há, pelo menos, um concerto histórico: o que foi realizado na Metropolitan Opera House em Nova Iorque a 13 de Janeiro de 1944 e que é conhecido como Esquire Jazz Concert (existe um disco publicado por Giants of Jazz (CD53035)).
Todavia, o que agora interessa é a história da minha longa, persistente e teimosa pesquisa dessa fotografia. Anos! Para onde quer que fosse lá andava eu a mexericar em lojas de posters, discotecas, livrarias sempre à procura da fotografia que aí está. Parece que o simples acto de conseguir reunir 57 músicos fora, mais do que um desafio, uma provação, um trabalho de Hércules. Os músicos de jazz são assim, detestam levantar-se cedo, de modo que o milagre de os ter reunido num soalheiro dia em Harlem foi uma espécie de milagre. A fotografia ficou imediatamente famosa e dela se venderam centenas de milhares de posters.
Em 2000 já tinha quase desistido de a encontrar. Todavia, nesse ano, fui com a CG para Paris em Setembro (coisa que fazemos sempre que podemos, devo confessar: em tendo uns tostões no bolso, Paris connosco). Uma das coisas que queríamos fazer era ir ao Centro George Pompidou ver uma enorme exposição de esculturas de Picasso. Quando finalmente nos decidimos havia uma bicha de uns bons duzentos metros e nem sequer ainda o museu tinha aberto. Para passar o tempo resolvi dar uma volta pelas lojas que bordejam a praça. Procurava, claro, a fotografia. E com tanta sorte que numa das lojas, gerida por um cavalheiro magrebino, dei de caras com o poster que agora adorna o meu escritório. O meu urro de alegria sacudiu a metafísica indolência do conspícuo beduíno que me perguntou, deferente, se me podia ajudar. Disse-lhe que não, que já tinha o que queria e, por alto, falei numa improfícua busca de anos. O cavalheiro do outro lado do mediterrâneo olhou para o poster e só perguntou se eu fazia parte do grupo. Respondi-lhe desalentadamente que não, paguei e com um salam aleikum, despedi-me do compungido árabe que retorquira entretanto que eu merecia estar na fotografia. Voltei para bicha onde a paciente CG me ouviu babado de entusiasmo contar-lhe o fim desta procura dum graal de grande formato onde ficaram retratados cinquenta e tal cavalheiros e que, se o magrebino mandasse, eu estaria também. Por um momento passei para o outro lado como a menina Alice Liddel. Com a vantagem de não ter de aturar a Rainha de Copas nem a Lebre que tomava chá. Todavia o meu sorriso, disse-me a CG, era igual ao do Gato de Cheshire: estava pendurado em mim e parecia que nada o faria desaparecer.

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