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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

Comunicado dos advogados da Casa Pia e demais assistentes sobre a audição do Procurador-Geral da República pela Assembleia da República

ex Kamikaze, 19.01.06
1. A Casa Pia tomou conhecimento, através de notícias não desmentidas, de o Procurador-Geral da República haver sido convocado para comparecer ante a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, a propósito do processo referente a abusos sexuais sobre alunos da Casa Pia de Lisboa.
2. Face a tal insólita situação, os advogados da Casa Pia, sem quererem contribuir para a discussão pública da substância do caso que lhes está confiado, mas no exercício indeclinável de um direito de cidadania, entendem ser seu dever afirmar publicamente o seguinte:

3. Uma audição parlamentar do Procurador-Geral da República sobre factos ou incidentes processuais de um qualquer processo judicial pendente, configura acto ilegítimo da Assembleia da República, concretamente intromissão abusiva deste órgão de soberania na esfera privativa de acção do poder judicial.
4. Esta interferência é ainda mais grave se o objecto da inquirição for a análise e a discussão de documentos de processo criminal em curso.

5. Neste contexto geral, mas vista sobretudo a situação concreta que está em apreço, os Advogados da Casa Pia e demais assistentes repudiam vivamente esta iniciativa parlamentar, porquanto:
(1) A Assembleia da República não tem competência para conhecer, discutir ou resolver matérias que estejam sujeitas em processo próprio ao poder judicial; a fazê-lo, poderá estar em causa um acto grave de condicionamento da independência dos tribunais e da autonomia do Ministério Público.
(2) Essa incompetência parlamentar absoluta é ainda mais evidente tratando-se, como é o caso, de discutir as condições sobre as quais foi produzido, obtido, conservado, acedido e manipulado um documento de um processo criminal pendente.
(3) A situação assume foros de intolerável, a tratar-se de um acto de intervenção política numa matéria sobre a qual, e é disso que se trata, já foi determinada, pelo colectivo de juízes, a efectivação de uma averiguação e perícia por entidade independente, tendente a apurar a fidedignidade do documento em causa e as condições em que se procedeu à divulgação pública do mesmo.
(4) Com todo o respeito devido ao Procurador-Geral da República, não tem o mesmo direito a pronunciar-se em sede parlamentar sobre um documento de um processo judicial criminal pendente, nem a Assembleia da República tem direito a perguntar-lho.
(5) Nos termos do artigo 10º do Estatuto do Ministério Público à Procuradoria-Geral da República cabe apenas «f) Propor ao Ministro da Justiça providências legislativas com vista à eficiência do Ministério Público e ao aperfeiçoamento das instituições judiciárias; g) Informar, por intermédio do Ministro da Justiça, a Assembleia da República e o Governo acerca de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais». Nada mais.
(6) Em nenhum preceito da Constituição se prevê que a Assembleia da República possa inquirir o Procurador-Geral da República ou quem quer que seja com funções em processos pendentes sobre o conteúdo de tais processos.
(7) Se é grave que a Assembleia da Republica intervenha a propósito de processos judiciais pendentes, mais grave que se pronuncie sobre documentos concretos desses processos, gravíssimo é que se possa sobrepor àquilo que já está determinado por juízes nesse processo.
(8) O Procurador-Geral da República, garante que é da legalidade, não tem, no que respeita a processos judicias pendentes, que prestar contas nem ao Presidente da República que o nomeia, nem à Assembleia da República, à qual é estranho.
(9) Os advogados da Casa Pia aguardam que no foro judicial, por ser o próprio, se obtenham conclusões jurídicas sobre a matéria em causa, fora de quaisquer condicionantes de cunho político.
(10) Cumpre lembrar que, tanto quanto é dado saber, corre actualmente um processo quanto a este incidente, o que ainda torna mais inaceitável a discussão do caso em sede parlamentar: se neste caso houver, ou vierem a haver, ilegalidades, irregularidades, abusos, ou crimes, então que sejam conhecidos, julgados e punidos, mas por quem de Direito, na forma própria.
(11) Os advogados da Casa Pia lamentam o clima de especulação política que se criou em torno desta matéria e esperam que com este caso se não crie um grave precedente de sujeição da Justiça aos ditames do poder político, o que seria a negação do Estado de Direito e um atentado à própria Democracia.
(12) Os advogados da Casa Pia respeitam a Assembleia da República, mas não respeitam menos a independência dos Tribunais. Não se trata, ao vir a público sobre esta matéria, de defender os seus constituintes, trata-se sim, de defender a Constituição da República de Portugal.
(13) Os advogados da Casa Pia confiam que, com a colaboração de todos os sujeitos processuais envolvidos neste complexo processo judicial, e o sentido de Estado daqueles que lhe são estranhos, se fará Justiça.

Lisboa, 19.01.06»

comunicado distribuido na conferencia de imprensa dada esta tarde no Centro Cultural da Casa Pia de Lisboa

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