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Incursões

Instância de Retemperação.

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Au Bonheur des Dames nº 21

d'oliveira, 29.03.06

2 textos 2 para o dia do teatro


1- Estou farto desta gente teimosa!


Pedem-me, os do Teatro, que testemunhe sobre eles, como se uma história longa de trabalho nas tábuas, de amor pelo palco, de paixão pela máscara, pudesse ser aquilatada por quem, para usar a expressão de O' Neil, está reduzido a "este modo funcionário de viver".

Ah, como foi possível que o jovem que se estreou com Luís de Lima e que acabou com Victor Garcia e Ricardo Salvat e que jurava por Brecht e Artaud, esteja agora, doido de inveja, a ver outros sobre as tábuas no quotidiano milagre de respirar juntamente e em consonância com o público.

Estou farto desta gente! Eles divertem-se como cabindas, passam as do Algarve, insistem, caem, levantam-se, insistem outra vez e o palco, todo luz, todo deles.

Estou farto: eles arriscam-se, eles vivem a aventura, transportam os sacos às costas, "mudam mais vezes de lugar do que de casaco" como os exilados de Brecht, e eu aquí feito "revólver de trazer por casa".

Oh gente teimosa: há anos que o dinheiro escasseia ou nem se lhe vê a cor?
Cerra os dentes, aperta o cinto, toca para a frente e o público, essa massa inexplicável, lá vem, bate palmas e volta, diz aos amigos, e aos amigos dos amigos. E essa gente teimosa, que se arroga de vital, mistura-se a essa, outra, anónima corrente subterrânea que se chama público, respira com ele e continua. E continua...

O teatro é isto. Saber confusamente o que queremos. Teimar como respirar. Querer como comer. Andar como correr. À boca de cena, lá mais atrás, carpinteirar um cenário, passar umas cordas, vender ao desbarato o talento e o cansaço e continuar.

Estou farto desta gente teimosa. Farto de lhes agradecer. Farto de os ver cair e levantar. Farto de os ver receber pouco e dar muito. E tão farto estou, tão fora de mim, que, desta vez, não há homenagem para ninguém, mas só exigências. Trabalhem, trabalhem muito e recebam pouco e deixem, aos que depois de nós vierem, essa trémula luz no palco e essa respiração sustida e o Teatro vosso e meu.


2- O teatro é isto


O teatro é isto: um espaço habitado pelos nossos sonhos. A vida imaginada à luz crua de um projector e uma voz que se ergue diante da escuridão onde se adivinha uma plateia.


Por um mágico momento o actor é o porta voz, o arauto de uma comunidade que nega o poeta: não é o mundo que é um palco, é o palco que é todo o mundo.


Em 12 dias, 12 companhias vêm mostrar o seu trabalho que, genericamente, tem sido classificado de Teatro Amador por oposição ao Teatro Profissional.


Que as palavras não nos enganem: amador é o que ama e, no dizer de Camões, o que se transforma na coisa amada.


E é disso que se trata. No espaço de uma noite, o homem que se expõe, transforma-se na personagem, nas personagens, em nós.

O Teatro é isto: a palavra viva sobre as tábuas.


O dia do teatro passou e eu a pensar que o meu texto tinha seguido para o éter. Mas não. Na blogoesfera além de fadas madrinhas (Sílvia, o meu olhar, Kamikaze) há umas bruxas horrendas assexuadas que perseguem os inocentes canhotos como este vosso criado. E os textos andam por aí perdidos nos espaços siderais, nalgum buraco negro, sei lá onde. Os dois textos que ora saem da clandestinidade vêm dos anos oitenta princípios de noventa. Será a antiguidade a sua única virtude. mas que querem? No pidam peras al olmo, como dizem os nossos irmãos iberos.
Vão estes textos dedicados a Maria Helena Aguiar, José Tavares Pinto, Luis de Lima e Victor Garcia (eles não morreram; foi só o pano que caiu)

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