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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au bonheur des dames 435

mcr, 20.01.18

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Não há pachorra!

Existe no Porto, desde finais dos anos sessenta, um conjunto residencial que abrange doze grandes edifícios (igreja incluída) que rodeiam um jardim de boa dimensão para além de boa parte deles estar implantada em zonas ajardinadas e/ou arborizadas. O nome oficial do conjunto é “Parque Residencial da Boavista” mas, na cidade, toda a gente o conhece como “Foco”, nome de um excelente cinema que ainda existe mas fechado. Também fechados estão um hotel de cinco estrelas e um supermercado). Esta obra foi projectada por três conhecidos arquitectos (Agostinho Ricca acompanhado por Magalhães Carneiro e João Serôdio). É no dizer de todos, um conjunto de excepcional qualidade, de grande beleza e passados mais de cinquenta anos sobre a sua concepção nem uma ruga se nota. Obra exemplar da chamada “arquitectura moderna”, há muito que se pensa propor a sua classificação como “área de interesse urbanístico e aruitectonico”. Para além de milhares de moradores, há galerias de comércio e de escritórios e actualmente existem vários projectos de instalação de empresas e serviços nas escassas áreas que a crise tornou vagas. De todo o modo, excepção feita do hotel (que pertencia ao BES e por isso está ainda pendente de ulterior definição), regista-se um crescente interesse por ocupar os poucos espaços ainda vagos. Aliás, entre esses está um edifício de escritórios que justamente é o motivo deste folhetim.

Ao que se sabe, uma empresa (Atitlan Real Estate Porto Imóveis SA) está a fazer obras de restauro e julga-se que este espaço estará integralmente ocupado até meados do ano. Celebre-se a boa novidade mesmo se, para os moradores e comerciantes instalados, esta ocupação traga problemas de estacionamento e de mais trânsito tanto mais que nas imediações estão instaladas duas escolas secundárias, um estádio de futebol e outro hotel.

Nada, porém, explica a estranhíssima ideia da empresa proprietária deste edifício que divulgou uma vista futura da empena do prédio coberta com uma intervenção do artista Vihls que clara e definitivamente contende com as linhas puras e simples deste prédio e dos restantes.

Só uma canhestra e aberrante concepção da modernidade, explica que numa obra reconhecida como de excelente arquitectura se vá pôr um remendo (por muito interessante que Vihls seja) que não só não melhora nada (nem sequer falamos de uma ruína ou de um prédio degradado) mas desfeia um conjunto admirado por arquitectos, artistas plásticos, críticos e cidadãos comuns moradores ou não.

Quem estas linhas traça habita o “foco” desde 1975. Está instalado num apartamento de mais do que generosas dimensões como todas as tipologias dos diferentes edifícios. No Porto (e em qualquer outra cidade) já ninguém faz casas assim, espaçosas e inteligentemente organizadas. Já ninguém faz um conjunto de edifícios com um enorme jardim no meio (que os habitantes iniciais de um dos prédios ofereceu à Câmara. Fiz parte desses ofertantes e nunca me arrependi. Só tenho uma imensa saudade do meu primeiro apartamento na zona um T1 com 81 m2 (!!!) que entretanto troquei por um T4+1 um pouco mais acima também ele de dimensões inusitadas para não dizer impossíveis de encontrar hoje em dia.

Escrevo pois, pro domo mea, mas não é isso que me faz indignar-me com a bacoquice provinciana e estulta da “Atitlan qualquer coisa em ingliche para aturdir os passantes”. Às imobiliárias, infelizmente, ninguém pede bom gosto embora seja recomendável. E bom senso sobretudo quando, por toda a cidade, se verifica um maior cuidado com a construção e com o restauro de imóveis. Pede-se, isso sim, respeito pela arquitectura, pela harmonia, pela história. Para estragar há, seguramente, muitos sítios ainda por construir.

Não é por acaso que, num abrir e fechar de olhos, apareceu uma petição pública dirigida à CM do Porto a requerer a urgente classificação de todo o conjunto. Assinam-na muitos arquitectos, claro mas muitas mais outras pessoas que vivem na cidade, sentem a cidade como sua e reconhecem sem dificuldade a diferença entre um prédio medíocre (e há tantos, cá como em qualquer outro lugar) e algo que durante mais de cinquenta anos ainda se pode gabar de ser emblemático.

Já se destruiu e desfeou demasiadamente. Proprietários, chicos-espertos, empresas ambiciosas destituídas de qualquer bom gosto aliaram-se para tornar grandes zonas urbanas inabitáveis e irrespiráveis. A ganhunça obscena é a palavra de ordem geral. Há que dizer “BASTA” a esta enxurrada. Sob pena de, mais dia menos dia, ficarmos soterrados por um tsunami de falsa engenharia, de arquitectura feita por mestres de obras ignorantes e de criaturas que confundem Vieira da Silva com os graffitis da estação de Campanhã.

Claro que a empresa em causa ao sentir o temporal já começou a tentar recolher o velame. A obra de Vihls teria um “carácter efémero”, juram. Um empena com a altura   de oito ou nove pisos e parte de uma outra fachada adjacente custa só numa borradela pobre um ror de dinheiro. Pedir a um conhecido artista como Vihls que a cubra é coisa para muitos e bons milhares. Em efémero? Esta gente é tonta ou quer fazer-nos passar por parvos? Ou no inglês de merceeiro deles, julgam que somos a bando of fools?

Stop it!

Stop it now!

Stop it, porra!

* a petição corre na internet sob o nome “pela classificação patrimonial do parque residencial do Boavista Porto”