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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au bonheur des dames 425

mcr, 25.06.17

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Do racismo ordinário e repugnante

 

por mcr

 

(alguma misteriosa razão ou apenas ignorância crassa minha fez com que o meu nome de subscritor desaparecesse e que todos os meus textos fossem atribuídos ao colega, amigo e tantas vezes cúmplice d'Oiveira. Assim sendo e até se comporem as coisas os meus folhetins saem sob a inocente e desprevenida assinatura de d'Oliveira que não merecia esta estranha invasão)

 

Uma criatura que exerce de deputado europeu entendeu chamar a outra criatura que é apenas deputada cá dentro “cigana”.

A frase é aliás a seguinte: “Luísa Salgueiro, dita a cigana, e não só pelo aspecto, paga os favores que recebe com votos alinhados com os centralistas”.

O autor desta pérola chama-se Manuel dos Santos e tem no seu activo seis mandatos de deputado (1980 a 2002) mais dois de eurodeputado 2001-2009), uns escassos e inglórios meses de Secretario de Estado, ou seja, se as contas batem certas, mais de 30 anos de vida política. Metade de uma vida se for verdade que andará pelos setenta e três anos. Ou, tirando a infância, a juventude, os estudos pouco restará de actividade outra que não a de eleito ou de funcionário político. Desconheço, porém, se nos intervalos, se os houve, exerceu ou não uma profissão, mormente a genericamente designada, no escasso currículo da internet, de economista. Poderá, inclusive, ocorrer que nesses intervalos tenha desempenhado cargos de nomeação governamental ou coisa semelhante. De resto, isso pouco importa.

Eu não conheço a senhora Luísa Salgueiro. Sei, pelos jornais, que o P.S., eveentualmente forçando a vontade das secções socialistas de Matosinhos a aponta como candidata à Câmara. Pelos vistos terá sido, desde menina e moça (exemplo do jotismo triunfante e avassalador), vereadora em Matosinhos (1997 a 2007) transitando posteriormente para a AR onde exerce de deputada até ao momento presente.

Quer ela, quer o seu difamador tem uma “carreira sempre dentro do aparelho do partido”.

Andaram juntos em candidaturas, seguramente que se encontraram em congressos regionais, nas sedes, nas campanhas políticas. Pelos vistos não fazem parte do mesmo círculo dentro do partido, se é que nisto há de facto clara divergência ideológica (quem conheceu algumas das tricas internas do P.S. Porto poderia contar algumas anedotas que a isso e pouco mais se resumiam muitos dos conflitos internos mesmo se travestidos em diferendos políticos e doutrinais. Pela parte que me toca, bastaram-me seis meses para perceber a inanidade de muita discussão e o que ela escondia: pequenas ambições de pequena burguesia pouco ilustrada. Ideologicamente, aquilo era paupérrimo. Culturalmente, uma nulidade).

Pelos vistos, a questão, melhor dizendo, o furúnculo que agora rebentou tem a ver com a famosa votação (unânime e transversal a tosos os partidos com assento na AR) sobre a Agencia Europeia de Medicamento. Tal votação ocorreu há meses apesar de só agora ter vindo à dúbia luz do dia com a exigência da Câmara do Porto em, pelo menos, ser considerada candidata.

O presumível “justiceiro” Manuel dos Santos entendeu agora (e não naquele momento anterior!...) vir condenar os réprobos socialistas que fizeram coro com toda a restante Assembleia. Todavia, ao que parece, apenas agarrou na senhora Salgueiro de quem provavelmente não apreciará as virtudes políticas, portistas e regionais. Vai daí chamou-lhe "cigana (e não só pelo aspecto!) que paga favores com votos”... Vá lá que os não paga de outra maneira, convenhamos. Fui ver que aspecto teria a camarada Salgueiro para com alguma minha falta de experiência ver se a criatura teria características (se as há) de cigana. As fotografias que aparecem são as de uma mulher igual a muitas outras, cabelos vagamente compridos, não aparentando os cinquenta anos que terá, mesmo se não me pareça brilhar pela esbelteza (cinquenta anos são cinquenta anos quand-même mas, no caso em apreço, não pesam excessivamente). Bem sei que a fotografia incluía um grupo de cavalheiros, entre eles o bizarro dr. Pizarro que, com o risco ao meio largo e um olhar de criatura perdida na praia, favorece qualquer máscara má que lhe esteja próxima.

Também é verdade que as únicas mulheres ciganas que costumo ver são aquelas pedintes romenas ataviadas com umas roupas informes e com aspecto pouco limpo. Fora disso, só quando a televisão apresenta via “Mezzo” espectáculos de flamenco e aí a coisa fia mais fino, muito mais fino. Porventura, gosto exageradamente de flamenco mas na verdade as "cantaoras" e as dançarinas tem um charme extraordinário. Perante elas tenho a mesma reacção que tinha perante a extraordinário Ana Magnani: achei-a sempre bonita e sexy!

Todavia, entre nós, “cigano” é sempre pejorativo, dê lá para onde der. Se alguém, com algum vago grau de estudos (mormente uma licenciatura), chama cigano a alguém trata-se de um claro insulto e como tal é unanimemente considerado. Mesmo numa terra onde “filho da puta” ou “cabrão” são por vezes considerado mimos mais ou menos viris. Um deputado, com setenta anos em cima, só por doentia e distorcida maneira de ser pode usar tal termo contra uma colega de partido. Pior: foi apenas a senhora Salgueiro a apanhar no lombo. Ora o Porto tem mais não sei quantos deputados socialistas que sentam o dito cujo em S Bento, homens e mulheres. Por que raio de bula só a “camarada” Salgueiro leva com o cigana? E leva duas vezes, por ela e pelo aspecto que, como já disse é normalíssimo, portuguesíssimo nem sequer parece especialmente morena. Anda, pois, nesta expressão “mão de reaça”, de sacanaça ou pior. Para começar anda, claríssimo, o racismo e depois, mesmo quando se sabe que o racismo é estúpido, anda mais uma carga de burrice supina.

 

* Não conheço a senhora Salgueiro nem o senhor Santos. Nunca os vi, não tenho qualquer vontade de os conhecer. No entanto, sou, para azar meu, português, vivo no Porto e arrisco-me a cruzar-me com qualquer deles e confersso que se não me apatece ter comiseração pela ofendida ou sequer indignar-me com o ofensor. Este tipo de criaturas é, para mim, invisível.