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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au bonheur des dames 430

mcr, 16.10.17

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Algumas perguntas inocentes

 

As leitoras e os leitores recordarão, espero-o bem, que nunca me pronunciei pela culpabilidade do sr. José sócrates. Apenas, e de raspão, referi que até ao fim do julgamento, qualquer acusado se presume inocente.

Claro que isto, esta pública posição, não me retira o direito de pensar dele o que muito bem entenda. Jurista de formação e democrata desde sempre ou, pelo menos há cerca de 60 anos (presumindo que, depois dos 15/16, já saberia o que queria (coisa que não era difícil nos ásperos tempos em que vivi a adolescência e os primeiros anos de adulto) e, sobretudo o que não queria.

Também recordarão que pouco, quase nada, me durou a ilusão de que o sr. José Sócrates era um estadista. Pareceu sê-lo quando o comparávamos com o dr. Santana Lopes (que agora, reciclado e com menos cabelo, regressa às lides amparado pela amnésia colectiva nacional – de que Sócrates também largamente beneficia.

Aqui mesmo, poucos meses, um ano talvez, após a sua tomada de posse, já eu começava a duvidar da razoabilidade da sua governação. Essa crescente dúvida transformou-se em inexorável certeza durante o segundo e medonho mandato da criatura. A arrogância, a incultura, o autoritarismo e, sobretudo, o autismo político ultrapassaram tudo o que se poderia esperar.

Todavia, mesmo depois de ter sido varrido do poder, mantive o mesmo propósito: não julgar senão politicamente um homem que já não estava (bem pelo contrário!) acima de qualquer suspeita. Os “casos” já eram mais que muitos desde o “Freeport” até aos exames ao domingo, à licenciatura, ao seu teor de vida. Depois foi Paris. Aí este cavalheiro pretendia tirar um qualquer curso e estudar imenso não se sabe bem o quê. Dessa passagem ficámos a conhecer – de fora – a casa onde vivia. No XVI bairro, se faz favor. Na zona mais cara de Paris, para quem não saiba. E os restaurantes onde iria. Restaurantes, digo, nada de bistrots, nada de baratezas. E por aí fora. Maravilhavam-se os portugueses com aquele trem de vida que, por baixo, bem por baixo, rondaria os 10.000 euros mês. É que se sabia, graças a declarações do próprio que ele “apenas” auferia uma pensão que não chegava a sequer um terço do que obrigatoriamente gastava só em alojamento e alimentação.

Depois soube-se, para ainda maior surpresa (os milagres nunca aparecem sós), que havia um amigo que lhe emprestara um forte soma, ao mesmo tempo, que lhe cedia gratuitamente o belíssimo apartamento onde vivia.

E que esse amigo havia de repetir o magnânimo gesto vezes sem conta, chegando mesmo a comprar imóveis à mãe dele. Mesmo assim, os maldosos incrédulos não acreditavam. Amigos destes, que entregam (como depois foi confirmado pelo próprio) somas muito importantes sempre em dinheiro, sem um papel (o sr. José Sócrates não sabe, como confirmou publicamente, quanto dinheiro ainda deve. As contas certas serão com o generoso Silva.

Depois de regressar e ser preso, o sr. José Sócrates vendeu um caríssimo apartamento onde vivia em Lisboa e com esse dinheiro terá pago parte da dívida ao tal Silva. E alugou outro apartamento, desta feita no Parque das Nações, cuja renda não será (ou será pouco) inferior à sua pensão.

Como é que sobrevive ´um mistério. Será que como as tribos de Israel, o Senhor Deus dos Exércitos, lhe manda diariamente o maná dos céus. E passes para os transportes? E um anjo para guarda de corpo? Terá sido a Senhora dos Aflitos quem comprou os milhares de exemplares do livrinho que se lhe atribui e que ele, a bomba y a platillo, diz duas larachas vagamente sarapintadas de filosofia política?

Eu, oficialmente, não sei nada da corrupção das três dezenas de crimes de que o acusam, das dezenas de milhões que lhe terão caído no bolso distraído, das traficâncias com duas dezenas de criaturas que constam do mesmo processo. Nada. O Tribunal há-de decidir mesmo se, como prevejo, com algum desapontado realismo, eu já não assista ao desenlace. Tal processo durará presumivelmente uma boa dezena de anos e mesmo gozando eu de razoável saúde a coisa atira-me para lá dos oitenta e cinco anos.

Portanto, mesmo sem julgar a criatura, tenho sobre ele esta tremenda primeira opinião: donde lhe vêm os meios, o cacau, o pilim, a massaroca, para viver como vive?

Não sei onde é que há fogo, mas o fumo, ai o fumo, é intenso. Espesso, contínuo, intoxicante.  

Quando um jornalista (TV1) lhe perguntou qualquer coisa relacionada com isto, o sr. José Sócrates explodiu. enfim, enfureceu-se, zangou-se, amuou. Que não admitia aquele género de jornalismo! que aquilo parecia encomendado pelo “correio da manhã” (coisa que não pude comprovar porque, como aliás faço com o mesureiro “diário de notícias”, não frequento o dito jornal.

Lembremos que aquilo era uma entrevista, não uma missa de casamento, um te deum à glória do ex-primeiro ministro. Ele não era obrigado a ir.

Se queria aplausos, guardava-se para o lançamento do seu segundo best-seller que ocorreu no Porto, numa sala cheia de amigos do peito (reconheci entre divertido e espantado, alguns daqueles que daqui a dias, meses, anos irão antecipar-se ao terceiro canto do galo) e de uma berrata que uivava qualquer coisa como Sócrates amigo o povo está contigo.

Daqui, desta esplanada onde escrevo, há um quarteirão de criaturas que, pelo que ouço, ou não são povo ou não estão com ele. Noutros lugares (sempre detestáveis e maldosos) por onde tenho passado repete-se este mesmo feio cenário: Povo ausente, público maledicente. Decididamente há dois Portugais...