Au bonheur des dames 437
Raro? Nem tanto, assim
mcr 12/13 Dez 2017
Subitamente, uma reportagem televisiva (TVI) alvoroçou os portugueses.
Alvoroçou e perturbou por razões várias que a seguir se exporão.
Parece que a associação “Raríssimas”, uma IPSS (Instituição Privada de Solidariedade Social) funcionava de forma altamente surpreendente. Não negando o interesse (e eventualmente a obra realizada) parece que tinha uma presidente que era generosamente abonada pelos seus serviços: um ordenado de 3.000 euros, ajudas de custo que iam quase até aos 2.000 sem falar de um fundo abonado para aposentação no valor de 800 euros mensais.
No meio disto tudo ainda constavam umas despesas extravagantes (gambas, vestidos, spa, etc...)
Comecemos, porém, pelo ordenado da senhora em causa. Nas IPSS o máximo admissível ronda os 1650 euros ou seja praticamente metade do que a dirigente percebia. Isto não contando os outros pagamentos que, nas minhas contas andam entre 2000 e 2800 euros mensais.
Também, parece certo que a generosa presidente da Raríssimas empregava na instituição familiares directos (pelo menos um marido e um filho) desconhecendo-se quais as competências destes.
Como vai sendo costume no “torrãozinho de açúcar” a instituição convidava políticos de todos os bordos para os órgãos sociais (até o actual ministro Vieira da Silva foi, durante dois ou três anos vice-presidente da Assembleia Geral. A título gratuito, assegura ele coisa de que não duvidamos. Sem saber como a casa era gerida, o que se aceita com alguma dificuldade. A mulher do ministro foi a Agrenska (Suécia) como participante num congresso ou colóquio em 1916 sendo o pagamento da viajem adiantado pela Raríssimas que depois terá sido ressarcida pela organização do evento. Desconhece-se se a senhora dr.ª Sónia Fertuzinhos teria especiais conhecimentos para intervir sendo certo que não é uma especialista em saúde. Aliás, convém lembrar à sr.ª deputada que esta viajem decorreu na altura em que o marido era ministro da tutela e só isso a deveria ter feito pensar duas vezes. Mas, mesmo com singular esforço, acredita-se na ingenuidade da conhecida política. Políticos ingénuos não faltam por aí, mesmo se, na generalidade o grau de ingenuidade não vá tão longe)
A mulher do antigo Presidente da República terá sido madrinha da Associação. De todo o modo, a sr.ª Cavaco Silva deve ter apadrinhado dezenas ou centenas de organizações semelhantes. As primeiras damas adoram esse eminente serviço patriótico e social e não falham uma oportunidade para demonstrarem o seu acrisoladoo amor pelos desprotegidos. O combate feminista para aqui: em sendo primeiras damas estas abnegadas criaturas dedicam-se à caridade ou às artes e letras, ainda que em circuito limitado e desinteressante.
Há um senhor Secretário de Estado que colaborou antes de se governamentalizar com a instituição. Recebia uns pingues 3.000 euros mensais pelo trabalho de consultor. Ignora-se em que o robusto talento deste melhorou a Raríssimas mas não se duvida que deverá ter deixado um rasto forte.
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(razões de vária ordem, interromperam aqui o folhetim que se retoma 24 horas depois)
O aludido Secretário de Estado já não é. Que desperdício! O Sr. Ministro tropeça nas cada vez mais patéticas explicações sobre a sua inacção. Sabe-se agora que as denúncias foram periodicamente enviadas ao Ministério desde Agosto. Devem ter-se perdido no correio ou nalguma gaveta traiçoeira do Ministério: aquilo é tão grande...
Também se compreende (se é que compreender é o verbo adequado) cada vez menos a excursão da amantíssima esposa do Ministro à Suécia.
Fossem estes tempos os de Passos Coelho e já o estrondo protestário teria ululado por todo o país e regiões autónomas. Isto porque já não há colónias senão até de Timor chegariam patrióticos e indignados protestos.
A coisa está tão negra mesmo se tudo se passe sob a imposta surdina da “geringonça” que o próprio PS quer o Ministro no Parlamento!...
Vê-se que os tempos são diferentes e as indignações mais do que moderadas.
De todo o modo, convém relembrar aos mais distraídos duas ou três verdades. A primeira é que sem IPSS o país estaria muito, medonhamente, pior. A segunda é que uma IPSS é algo que fica bem no botão da lapela de um político. A terceira é que em milhares de IPSS milagre seria se, volta e meia, não houvesse escândalo.
Eu próprio acabei a minha carreira na Segurança Social com uma intervenção numa Misericórdia entregue a um Provedor manhoso que a sangrara até ao tutano. Disso haverá um pequeno eco nos primeiros tempos deste blog e, sobretudo nos jornais locais e nacionais da altura. Hoje em dia, confesso que me diverti, mas não deixo de reconhecer que durante três meses enfrentei toda a espécie de dificuldades, faltaram-me apoios e foi preciso algum, bastante, sangue frio para que a minha pequena equipa (uma técnica social, um jurista e uma economista) ganhasse aquela guerra.
(Na semana posterior à nossa vitória, a Câmara Municipal, uma empresa local e um benemérito também local entregaram-me quase três mil contos para recomeçar quase do zero a tarefa para que a Misericórdia fora fundada.
Este folhetim vai dedicado à memória do dr. Sílvio Matos, amigo desde Coimbra, meu subordinado durante anos e devotado colaborador nesta campanha que ele abraçou com entusiasmo, abnegação e muita competência.
Não refiro a restante equipa para lhe evitar problemas idênticos aos que, depois, tive com alguns dirigentes da Segurança Social. Há gente que não suporta o sucesso dos outros.