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Incursões

Instância de Retemperação.

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Diário político 218

d'oliveira, 07.12.17

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Centeno no eurogrupo

d'Oliveira fecit 7-XII-17

Parece que devemos celebrar com farto aplauso a eleição de Centeno. Pelo menos é isso que transpira abundantemente de comentários e noticiários de vária ordem e de procedência nem sempre diversa.

Qualquer leitor(a) que soubesse ler teria visto, preto no branco, em quase todos os jornais as razões que inexoravelmente apontavam para esse alto feito da lusitaneidade invencível.

Em primeiro lugar (e praticamente isso bastaria) dois governos que se podem rotular de conservadores (França e Alemanha) apadrinhavam a candidatura. Simpatia pela comédia de esquerda actualmente em exibição em Lisboa? Francamente!...

Depois, esta comezinha verdade: na balança da UE, todos os restantes lugares importantes estavam na mão dos conservadores, coisa que, como é sabido, contraria a famosa tese dos equilíbrios políticos europeus. Este lugar, aliás informal, cabia por direito à família socialista como, aliás, todos os seus representantes se fartaram de apontar. E de exigir!

Finalmente, o único candidato socialista credível e apontado como favorito (o Ministro das Finanças italiano) não podia postular pela razão simples de a Itália já ter mais que preenchido a sua quota. Acresce que Mario Draghi, o poderoso Governador do Banco europeu é italiano.

Portanto, desculparão mas o milagre Centeno não o é. Tanto mais que um doutorado por Harvard não atemoriza sequer uma criancinha que começa a aprender a tabuada. Ainda por cima, o “esquerdismo” de Centeno é manifestamente exagerado. Dois anos de governação, outros tantos de impostos indirectos e cativações provavam exuberantemente que não havia que temer que Centeno criasse bigode e pera e desatasse a bolchevizar o país e a Europa. Mais, Centeno, por estar num governo dito de geringonça, é precioso. Corta cerce boa parte do argumentário de uma certa Esquerda (e por isso mesmo já vê como BE e PC analisam com profunda desconfiança, e maior reticência, a sua eleição).

Ou será que alguém pensa, sequer divaga, sobre a conversão de dezanove países europeus e desconfiados às maravilhas (e, sobretudo, às maravalhas) da Esquerda triunfante?

Dir-se-á que, a ser assim, não se percebe a necessidade de uma segunda volta na eleição. Note-se que, mesmo sendo segredo o número de votos alcançado por Centeno nesta 2ª volta, havia na primeira o pormenor picante de haver outro candidato da família socialista. Houve necessidade de o derrotar e de lhe explicar que ou desistia a favor do candidato oficial ou oferecia de bandeja à “Direita” o último posto interessante e necessário para a família socialista.

Nada disto pretende tirar a Centeno o que é de Centeno. Convém apenas desembandeirar em arco a festa nacional e a ronaldice dominante. E, já agora, inquirir se não andaria nesta faena a mãozinha longínqua mas influente do senhor Schaubel o tal que abençoou Centeno muito antes deste sonhar com o Eurogrupo. A bênção do cavalheiro em cadeira de rodas convenceu a senhora Merkel e esta não precisou de muito para convencer Macron.

E, agora, o futuro. Que papel está reservado a Centeno na reforma, seja ela qual for, da União? Sem querer apoucar o ministro português, penso que Centeno, de per si, não irá deixar um grande traço na política europeia. Mesmo inteligente, mesmo competente, mesmo doutorado por Harvard, Centeno não sai da zona cinzenta. E, mais ainda, não tem autonomia para evitar as duas locomotivas europeias (França e Alemanha) ou, sequer a Itália e a Espanha (os dois mais importantes países ditos do Sul). Entre estes quatro (com alguma contribuição do Benelux) decidir-se-ão os próximos anos e os próximos passos.

O Senhor Presidente da República que, de quando em quando parece ter visões (ou sofrer de alucinações...) entendeu celebrar esta eleição com um suelto pelo menos (e só) original: Diz S.ª Ex.ª que “os portugueses são os nórdicos do século XXI”. Isto, se não for uma bravata, é uma tolice. Nada nos assemelha a esse mítico Norte cujas fronteiras se desconhecem (Escandinávia? Escandinávia mais bálticos? Estes mais Alemanha e Finlândia? Tudo isso e a Holanda?)

Aliás, que S.ª Ex.ª me desculpe, porque raio havíamos de ser nórdicos? O Sul, o nosso Sul, esta região de mar por todos os lados, de sol a pique, de luz intensa, de vinho, azeite e cristianismo temperado por por uma arteira tendência para desculpar o pecado é bem mais interessante que os frios e nevoentos dias nórdicos, o rigorismo luterano, a solidão imensa.

Serão ricos, são cultos, trabalham que se desunham, levam a sério as suas obrigações de cidadania e...sempre que podem escapam-se para o Sul quente, aberto, azul e generoso.

Tive disso perfeita consciência enquanto vivi na Baviera, muito perto de Munique, a cidade que os alemães preferem. Dali para a Itália é um passo que ninguém de bom senso deixa de dar. Na pequeníssima cidade onde vivi um par de meses, os restaurantes italianos, mesmo os caros, nunca estavam vazios. E aqueles teutões sólidos e bebedores de “Weissbier” entravam pelo vinho brejeiro e barato que, como o vento fohen, sobe as montanhas, derrama-se sobre faldas alemãs e enlouquece os bávaros.

O Sul, nós, não tem de ser nórdico mas apenas de expulsar os seus antigos fantasmas, aperfeiçoar as suas instituições, combater a ignorância mãe da miséria e da desigualdade. Há que voltar à Grécia clássica, à Roma construtora de estradas e do Direito, A Sócrates, Platão e Homero. A Marco Aurélio e a Cícero. Temos uma imensa herança quase intacta que conviria explorar e modernizar.

 

Até o Sr. Presidente da República ganharia em conhecer a Eneida e aquele luminoso verso “tu Marcellus eris” (En.VI, 883). Para evitar adornar-se de penas de peru julgando que são de pavão.