Os desafios da esquerda democrática
Há precisamente uma semana assisti a uma conferência de Paulo Rangel e Francisco Assis sobre os 30 anos de adesão de Portugal à União Europeia (então CEE), realizada em Marco de Canaveses.
Nessa ocasião, Francisco Assis defendeu que os partidos do centro-esquerda e do centro-direita têm de caminhar para um entendimento sobre as matérias fulcrais para o desenvolvimento de Portugal e da Europa, face às crises sucessivas que se têm feito sentir, da crise das dívidas soberanas, às dos défices orçamentais, da moeda única ou dos refugiados. O deputado europeu socialista, valha a verdade, tem defendido desde sempre a aproximação entre os partidos do centro político, acreditando que essa é a melhor forma de travar extremismos e radicalismos mais ou menos (in)consequentes. Paulo Rangel, de resto, concordou com o essencial das posições de Assis.
Apeteceu-me perguntar a ambos os parlamentares, que até já foram candidatos a líderes dos respectivos partidos em Portugal, o que têm feito as famílias políticas que integram na Europa para alcançar um desenvolvimento equilibrado e harmonioso em todo o espaço europeu, pois a política tem sido secundarizada nos últimos anos face aos ditames financeiros.
Não creio que a tese defendida por Francisco Assis seja a que melhor serve a Europa no momento actual. Agregar os partidos socialistas e conservadores numa posição central e dominadora não serviu até agora para conter o crescimento dos extremos. Creio mesmo que ocasionaria um resultado contrário ao pretendido.
A subida da extrema-direita e de sectores radicais de esquerda, um pouco por todo o lado, justifica-se, a meu ver, com o forte descontentamento gerado pela amálgama política que gere a Europa e com a falta de resposta efectiva dada pelos partidos da esquerda democrática. Esse descontentamento, alicerçado em gritantes desequilíbrios económico-sociais, veio para ficar e não tem sido contrariado pelas forças que foram durante décadas o motor da integração europeia.
A Europa, entretanto, prefere fingir que não vê. A propósito das eleições presidenciais na Áustria, Teresa de Sousa lembrava esta semana no “Público”: “se o candidato da extrema-direita tivesse vencido as eleições presidenciais na Áustria, as capitais europeias e as instituições da União não saberiam o que fazer. Com a vitória do seu adversário Verde, mesmo que por uma unha negra, vão limitar-se a respirar de alívio e esquecer o que aconteceu até ao próximo susto”. Nada mais certo.
Na Espanha, por outro lado, vemos pelas últimas sondagens que a frente criada pelo Podemos e pelos comunistas da IU pode ultrapassar o PSOE e alcançar o segundo lugar nas legislativas que vão realizar-se daqui a um mês.
Perante estas realidades que acontecem do sul ao norte da Europa, os socialistas têm de saber construir um discurso e uma política que verdadeiramente os diferencie dos conservadores. Se for para prosseguir uma acção semelhante, então os cidadãos europeus preferirão sempre o original proporcionado pela direita do que a cópia mal-amanhada apresentada pela esquerda.
Há dias um deputado socialista francês, em divergência com o presidente Hollande e com o Governo de Manuel Valls, dizia que “muitos PS europeus são dirigidos por sociais-liberais mais à direita do que o Papa”. Ora, é precisamente esta identificação dos socialistas e sociais-democratas europeus com os sectores conservadores que é imperioso inverter. Ainda vamos a tempo?