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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário político 226

mcr, 07.11.17

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A revolução de Outubro foi em Novembro (II)

 

(d'Oliveira fecit 7.XI.17)  

Passam hoje cem anos sobre o inicio da revolução bolchevique (e não Revolução russa, como por aí corre: esta começara havia meses, logo no início do ano com a deposição do Czar e as tentativas de formar um governo que conseguisse segurar a rua, manter a guerra, alimentar o povo e os soldados e criar estruturas democráticas duradouras. Dentre os diversos grupos revolucionários (e eram bastantes) os chamados bolcheviques (maioria) não se distinguiam particularmente. Era mesmo duvidoso que, dentro do Império Russo fossem a maioria do antigo Partido Operario Social Democrata Russo, como começou por se chamar. A minoria (mencheviques) fora batida no exterior (Suiça) mas hoje parece pacífico que no “interior” teria mais adeptos.

Logo que a Revolução se tornou conhecida, Lenine e um grupo de partidários, exilados na Suiça, conseguiram regressar à Pátria num “comboio selado” fornecido pelos alemães que esperavam, com fortes razões, que a chegada deste grupo a Petrogrado aumentasse as dificuldades do Governo Provisório. Corre, em alguns meios, a acusação de Lenin ser um agente dos alemães. Nada o confirma, tanto mais que, desde o primeiro dia, o dirigente bolchevique lançara a palavra de ordem “Paz imediatamente”. Claro que isto favorecia os alemães que assim ficariam livres de uma enorme frente onde aliás a guerra lhes corria de feição. O exército russo, mal armado, mal preparado, mal dirigido só tinha a pequena vantagem do número mas nem isso era importante tanto mais que os exércitos dos impérios centrais tinham soldados de vinte etnias e línguas (muitas delas eslavas) o que enfraquecia sobremaneira a cadeia de comando além do que, como já era conhecido, não garantia a fidelidade de muitos combatentes.

Lenin não é (nem era) flor que se cheire mas agente dos alemães é demasiada ousadia.

Como se sabe, ou não, a palavra de ordem “todo o poder aos sovietes” ou seja aos conselhos nascidos espontaneamente à imagem e semelhança do que sucedera em 1905, foi o argumento usado para desacreditar e enfraquecer os poderes do Governo em funções.

Lenin era um temível estratego e percebeu, mesmo entre duas fugas para local mais acolhedor, que se a rua tivesse o poder as possibilidades de êxito de um pequeno mas disciplinado grupo de revolucionários, eram incomparavelmente maiores. Mais, com o controle do soviete de Petrogrado (por Trotsky) dotava-se de uma vaga legitimidade que mesmo sem a respeitar, lhe servia para desacreditar os adversários.

A tomada do Palácio de inverno foi um passeio. A defesa deste desmoronou-se antes de começarem os combates e só uns vagos pelotões de mulheres soldados opuseram algum frágil resistência. Hoje em dia, passam nas televisões filmes heroicos sobre esse curtíssimo episódio mas isso deve-se tão só ao génio de eisentein e de outros seus discípulos. O dia é descrito como uma enorme confusão, com o poder a desabar sem defesa eficaz, sem reação dos sus partidários e perante a indiferença de quase todos. Posteriormente, o golpe de Estado que expulsou a maioria eleita de deputados (não bolcheviques), apenas demonstrou que com audácia, mera audácia, muita sorte e uma gigantesca confusão havia um novo poder. Poder absoluto, não partilhado, que esmagou um a um os adversários (primeiro a esquerda, depois o resto) como até se consegue perceber em John Reed (o cavalheiro americano que escreveu o hagiográfico voluminho “1o dias que abalaram o mundo”).

A Russia exausta queria apenas comer e deixar de morrer na guerra. Exércitos inteiros retiraram-se das frentes de batalha, os sindicatos “contra-revolucionários” desorganizaram tudo nomeadamente os transportes o que permitiu aos bolcheviques, assentar o poder em Petrogrado e Moscovo, recrutar nas fábricas as suas tropas de choque e começar a organizar (sempre Trotsky) o incipiente Exército Vermelho.

De todo o modo, a escassez alimentar não cessou, as perdas militares continuaram e em breve a guerra civil voltou a aumentar as dificuldades, a fome e a morte de civis.

O Governo (o “conselho de Comissários do Povo”) bolchevique não hesitou em usar mão dura contra os opositores, coisa aliás, muito em voga na Rússia onde o poder nunca fora meigo e muito menos defensor de quaisquer direitos humanos. A temível Okhrana dos czares foi substituída pela Tcheka que se notabilizou logo de seguida na repressão a anarquistas, socialistas revolucionários sem esquecer obviamente os partidários do antigo regime.

(convém recordar que a hostilidade para com os socialistas revolucionários levou uma militante (Fanny Kaplan, presa de 1906 a 1917 na Sibéria) a atentar contra a vida de Lenin. Não teve todo o êxito que previa mas na verdade o dirigente bolchevique nunca mais se recompôs dos ferimentos.)

Não vale a pena desfiar o rosário dos dramáticos acontecimentos que se seguiram mas que podem reconduzir-se a quatro ou cinco pontos (esvaziamento rápido dos poderes dos sovietes, governamentalização dos sindicatos, desaparecimento rápido das independências das nações submetidas ao Império mesmo se estas tenham subsistido formalmente na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A ditadura do proletariado esfumou-se atrás da ditadura do partido único, a repressão política depressa cresceu exponencialmente até ao momento dos processos de Moscovo onde foi liquidada toda a velha guarda revolucionária e bolchevique. Antes, aliás, já tinham sido esmagados (por Trotsky) os famosos marinheiros de Kronstad, ferro de lança da revolução e últimos defensores do falecido slogan “todo o poder aos soviets”. A guerra civil e as grandes fomes (especialmente a da Ucrânia que se mediu em milhões de mortos e em cenas atrozes de canibalismo) consecutivas à perseguição dos kulaks não impediram um crescimento gigantesco da industrialização mesmo se até fins do século a URSS sempre tenha sido um país de severo racionamento de bens fabricados desde os sapatos aos automóveis privados e destes até, pasme-se, aos pensos higiénicos. A repressão atingiu paroxismos nunca igualados que mesmo se mitigados nunca fizeram desaparecer o gulag ou seja a miríade de campos de trabalho forçado que durou até à era de Gorbatchev. Do ponto de vista cultural, o panorama também foi assustador. Ainda hoje se fala da estranha morte de Gorki, dos suicídios de Marina Tsvetaeva Maiakowsky ou Essenin, de Ossip Mandelstam e Isaac Babel (mortos no gulag) e censura a muitos outros, Vassili Grossman, Ana Akmatova ou Boris Pasternak, dos músicos silenciados (e aí vale a pena recordar o fim de Prokofiev e da perturbada vida de Shostakovitch, herói durante o cerco de Leningrado e acusado de formalismo anos depois, esteve em risco iminente de ser deportado). A grande revolução das artes plásticas durou o momento de um suspiro e se hoje se fala de pintura russa apenas se podem referir os emigrados (Kandinsky ou Chagal) que os não saíram foram rapidamente considerados formalistas e inúteis. Não foi preciso Stalin, Lenin e apaniguados espojaram-se em críticas que, mais tarde, Jdanov levou ao delírio absoluto.

Dentre o grupo de dirigentes de topo apenas dois se deram ao trabalho de defender os intelectuais: Bukarine e Lunatcharsky

Em boa verdade, são estes dois bolcheviques quem melhor teorizaram a revolução e as suas consequências. Bukarine foi executado, sorte a que Lunatcharsky escapou porquanto morreu ainda antes dos processos.

Para fazer um balanço da revolução seriam necessárias dez crónicas e mesmo assim ainda hoje não há nenhuma conclusão segura que escape à ideologia. Mesmo com a URSS enterrada, o bloco socialista convertido no que se sabe, o comunismo num estertor medonho que o desvairado líder da Coreia muito bem documenta, a URSS teve uma vida agitada. No fim dos anos 30, Stalin decapitou o Exército Vermelho tornando-se, por isso o principal responsável das primeiras e violentas derrotas sofridas contra os alemães. É bom relembrar que estes tiveram um caloroso apoio da URSS durante praticamente dois anos de guerra (Setembro de 39 -Junho de 41)

Posteriormente, também convém lembrar a fortíssima ajuda americana nos primeiros meses após a invasão alemão. em termos quantitativos os americanos forneceram material e diversos suprimentos no valor de nove mil milhões de dólares o que, se é três a quatro vezes menos do que à Inglaterra é quase vinte vezes mais do que a ajuda à China. Não foi isto que decidiu a guerra, sequer a vitória soviética mas a ideia de que a URSS venceu sozinha e que isso a torna credora do reconhecimento universal é risível. Globalmente, os aliados enfrentaram dois exércitos fortíssimos (o alemão e o japonês) e durante vários anos a iniciativa pertenceu ao Eixo.

De todo o modo, a URSS saiu vencedora e comportou-se como tal fazendo cair sobre metade da Europa uma cortina de ferro que durou quarenta anos. Depois, tudo esboroou como um castelo de cartas. entretanto a “Revolução”, o “socialismo num só país”, a “pátria dos trabalhadores” e outros narizes de cera rapidamente mostraram o que valiam. E os protestos não tardaram. Em Berlim (17 junho 1953), na Hungria em 1956, a “ordem” só foi restabelecida pelos tanques russos. A mesma ordem voltou a cambalear em 1968 em Praga. E a receita foi a mesma. O “Bloco socialista” disfarçava mal um império e, nesse capítulo os dirigentes soviéticos foram discípulos fieis de Stalin. quando foi necessário. Krutchev viu-se “obrigado” a liquidar Beria, depois de vencer Malenkov, Molotov e Bulganin; depois da crise dos mísseis durou pouco e foi substituído pelo imóvel e medíocre Brejnev e durante anos viveu semi preso em casa.

De qualquer modo, o calcanhar de Aquiles da “Revolução” foi sempre a economia. E mesmo os grandes êxitos (inicio da corrida espacial) ou a criação de uma formidável indústria de guerra foram interiormente “compensados” por uma escassez crónica de bens de consumo, pela falta de habitação nas grandes cidades, pela existência de passaportes internos que dificultava a circulação de pessoas no território soviético. O Partido comunista era tão só uma imensa teia burocrática incapaz de inovar, de pensar o século XX, de estabelecer metas para o futuro. E como agora se percebe, criou as bases para as grandes fortunas russas do presente onde a ideologia visível se reduz ao poder do dinheiro e a um novo riquismo insultuoso. Não espanta que só meia dúzia de saudosos celebre o centenário. Numa frase de um cinismo aterrador, Lenin terá dito que o “comunismo era o poder dos sovietes mais a eletrificação da Rússia”.   E de facto assim sucedeu. Os ideais marxistas, a herança das duas primeiras Internacionais, foram grosseiramente postergados. A geração revolucionária foi morrendo rapidamente, na guerra civil, durante os processos de Moscovo, na deportação e no exílio. Nem Trotsky, refugiado no México, escapou. Como não escaparam os comissários políticos enviados pelo mundo fora e particularmente para a Espanha. Como não escaparam os agentes secretos do Komintern na Europa. Nem os espiões que informaram sobre a invasão alemã. Hoje em dia, questiona-se o heroísmo e a eficácia de Trepper o mítico dirigente da “Orquestra Vermelha”. A verdade é que, no fim da guerra foi preso e passou dez anos na prisão. Todavia, se como afirma um historiador recente, ele tivesse ajudado os alemães não há duvida alguma que teria sido executado. Assim, limitou-se a sofrer as consequências de ter sido agente comunista. A regra geral era a seguinte: quem tivesse passado demasiado tempo no Ocidente, tornava-se só por isso um perigo pelo que ou o internavam num campo siberiano ou o fuzilavam imediatamente. Nem as centenas de milhares de prisioneiros de guerra soviéticos na Alemanha escaparam a esse destino.

As revoluções não exactamente jogos de salão, nem folguedos de uma noite de Verão. Todavia, a Revolução de 17 deu origem a um imenso desastre, político, cultural, étnico e económico que aliás teve sequências no Revolução Cultural ou nos poucos mas sangrentos anos de domínio dos kmeres vermelhos no Cambodja.

Pelos vistos há quem a queira celebrar. E há saudosos. Exactamente como em Itália há ainda quem celebre o triste Mussolini enquanto na Alemanha aparecem uns cabeças rapadas travestidos de Juventude hitleriana. Mas, neste (e noutros casos em outras latitudes) caso é bom lembrar Marx: A história repete-se mas da segunda vez é como farsa.

*na gravura: cartaz dos tempos da Revolução. Com Lenin, um extraordinário estratego mesmo se, do ponto de vista teórico, deixe bastante a desejar. As suas grandes obras -aliás pequenas e muito datadas- tem a ver com o dia a dia revolucionário. E são nesse domínio certeiras. Ao contrário, as suas incursões pela filosofia (Materialismo e Empirocriticismo" ) deixam muito a desejar: longas, chatas e francamente desinteressantes.

** Sobre os "conselhos operários" não são os russos quem interessa. cita-se para quem queira dois autores Anton Pannekoeke e Rosa Luxemburgo que teorizaram sobre o conceito que deu origem aos sovietes. 

Diário político 225

mcr, 30.10.17

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o incendiário palavroso 

d'Oliveira fecit 30 Out 17

 

Domingo, noticiário das oito. Subitamente o ecrã aparece ocupado por uma criatura exaltada, crispada, tonitruante, ameaçadora. Primeiro poder-se-á pensar que se trata de um porta voz do Daesh, de um radical catalão, de um adepto furioso do Brexit. Depois, as coisas tornam-se mais simples: a criatura falava português, um português primário mas português, apesar de tudo. E ameaçava.

Vai-se a ver trata-se de um homenzinho presidente eterno da Liga dos bombeiros que, num dia extremamente perigoso, se reunira numa espécie de congresso a que o Primeiro Ministro teve de assistir.

De seu nome Jaime Marta Soares, consta do seu currículo que foi sete vezes deputado, varias vezes presidente da mesma câmara e candidato infeliz à de Coimbra, há poucos meses. Terá passado pela Faculdade de Direito mas não concluiu o curso que na altura, anos 60, tinha as suas pequenas dificuldades. todavia é, ou foi, bombeiro e preside à Liga.

Já há uns meses, tinha anunciado com espalhafato que sabia umas coisas do incêndio de Pedrógão. Pelos vistos tal declaraçãoo morreu solteira e na praia perante as insistências do Ministério Público. Na altura, alguém me disse que a criatura tinha muito destas atitudes: entradas de leão e saídas de sendeiro. Porém, as televisões adoram-no. O abencerragem é um sanguíneo, um espalha brasas (o que é mau num bombeiro mesmo sem actividade na linha da frente) e tem topete coisa que fará muito efeito nas sociedades recreativas por onde passeia a jactância e o bigode e barba farfalhudos.

Ontem, perante um Costa surpreendido mas calmo, o “revolucionário” Soares ameaçava com “os bombeiros na rua”! Ai querem afrontar-nos? Pois vão ver em que se metem!

Cheguei a temer que, muito cgtpinamente prometesse uma greve tremenda: o país a arder e os soldados da paz a assobiar para o lado. Parece que nem tanto. Os bombeiros ofendidos e unidos ocuparão ruas e praças do país em boa e civilizada gritaria contra Costa, contra a profissionalização, conta a futura Alta Autoridade, contra a unidade de missão, contra sei lá que mais coisas. Pelos vistos, sentem-se injustiçados. E vítimas! Às tantas foram eles que morreram às dezenas por esses pinhais fora onde ninguém os via. Também quem os não viu não volta a vê-los: debaixo de sete palmos de terra os falecidos não atinam com os vivos que passam perto. Nem com o tal Jaime Soares.

Para minha surpresa, Costa, desta feita, respondeu com prudência, contenção, civilizadamente, à berrata que, dizem-me, foi coroada de aplausos.

Não duvido que numa casa onde não há pão todos gritem e ninguém tenha razão. No momento actual, com meio país ardido, é fácil encontrar culpados e, mais ainda, encontrar desculpas. Agora, que se tem de rapidamente arranjar soluções (reconstrução, pastos para o gado sobrevivente, alfaias agrícolas, destino a dar ao material ardido, solução urgentíssima para as colmeias que restas cujas abelhas correm o risco de morrer à fome na terra queimada e devastada, etc) conviria que o cavalheiro Soares adoptasse uma pose menos comicieira, menos ameaçadora, menos de ferrabrás de feira e, mesmo se, provavelmente, ambos não tenhamos Costa em alta estima, tratar com respeito um primeiro ministro que até foi ao congresso. A um congresso que se realizou quando o país corria riscos elevadíssimos de novos fogos! Ou, por outras palavras para ver se me entendem: A um congresso que, no caso de catástrofe repentina como a última, poderia ser responsável por forte inacção dos bombeiros cujos comandos ali estavam todos para re-eleger o senhor Soares que, há que dizê-lo já tem idade para deixar essa tarefa a gente mais nova. Mas, pelos vistos, a criatura é assim: quarenta anos de poder local, sete vezes deputado, dezenas de anos bombeiro e variadíssimos presidente da Liga. E não se cansa ou pensa que não se cansa, que é imprescindível, o melhor da rua. A triste cena do congresso prova à evidência, mesmo se o reelegem a 70%, que a criatura está gasta. Tão gasta quão gasta e inútil foi a sua deposição sobre os incêndios de Pedrogão.

Façam-lhe uma estátua, dediquem-lhe duas ruas e mandem-no para a reforma, aparar o bigode.

Diário político 216

mcr, 11.07.17

(o texto que se segue pertence a d’Oliveira. De facto, na sequência de uma estranha complicação de assinaturas desapareceu a de d’Oliveira pelo que entretanto a sua série “diário político” se publicará à boleia de mcr)

 

 

Afinal como é? Como foi?

Alguns senhores Secretários de Estado entenderam apresentar a sua demissão para, segundo Sas Ex.as poderem defender-se de uma fantasiosa acusação fabricada (ou a fabricar) no Ministério Público.

Achavam os respeitáveis governantes que havia na opinião pública um processo larvar e pertinaz que os “assava em lume brando”. Assim, e sem que, pelo menos para a generalidade dos cidadãos interessados, houvesse constituição de arguidos (coisa que neste momento –que eu saiba - ainda se não concretizou) resolveram os alvos dessa feroz, cavilosa e alegada conspiração (a todos os títulos “injusta e ridícula”) avançar eles próprios com o pedido ao MP de “constituição de arguido” para lavar a face e salvar a honra.

Conviria desmontar esta historieta barata que mete água poor todos os lados.

Porque é que os jovens estadistas demoraram um inteiro ano em dar o passo que, segundo os admiradores, foi de autentico respeito pelo interesse de Estado. Foi?

Andam por aí gentes que, notoriamente de má fé, inimigas do progresso pátrio e da virtude pública, que garantem que os agora ex-governantes sabiam da acusação do MP.

Assim, em vez de saírem à estacada para defender o bom nome, os demissionários resolveram defender-se “corajosamente”, desafiando os novos “inquisidores” a sair a terreiro e a mostrar a sua horrenda fauce de perseguidor de justos.

.............

Estava este texto naquele exacto ponto quando sai a notícia que o MP tinha enviado a 6 de Julho os respectivos avisos de constituição de arguidos. Teria assim havido, como de costume, uma fuga de informação que permitiu aos demissionários aparecerem de corda ao pescoço e vestidos de burel perante o algoz.

Afinal a famosa coragem política, o súbito rebate de dignidade ofendida não passariam de um tosco ardil cozinhado no fim de semana.

Oiço, neste momento, o dr Miguel Sousa Tavares, comentador da SIC que, em substância, acha que ambas as versões (demissão por motu próprio ou obrigada pelas circunstâncias) deixam muito espaço para dúvidas. Está enganado o ilustre comentador. Redondamente enganado. Se há um despacho do MP com data de 6, quinta feira que, de facto, só poderá ser conhecido – e com sorte – na segunda seguinte, das duas uma. Ou isso é verdade e o MP não está a tentar torpedear a renúncia dos agora arguidos ou é mentira e está a tentar lançar areia aos olhos do estimável público e finge que se antecipou à demissão das “vítimas” de um (mais um...) processo politico. Para tal, falsificou entre esta manhã e depois do anúncio da demissão e consequente pedido dos senhores Secretários, a data do despacho!

O dr. Sousa Tavares é licenciado em Direito, quiçá ainda advogado. Que me lembre sempre o vi na onda do jornalismo e, nos intervalos, a escrever umas vagas mediocridades ficcionais com grande favor público, coisa em que não é o único mesmo se sabemos que qualquer criatura que apareça na televisão e nos jornais pode, mesmo sem querer, ser tomada por génio literário. O país de poetas é hoje uma zona infestada por romancistas & similares saídos da mesma mole televisiva. Felizmente, isto, esta gloríola proto-literária, dura o tempo de um suspiro e desaparece nas dobras da História da Literatura num par de anos. Aliás, a receita já é tão conhecida e a concorrência tão numerosa que estes robustos talentos comentarísticos e literários se atropelam uns aos outros.

Acrescentou o imortal autor de “Equador” que não aprecia o MP e que sempre o criticará desde que ele se comporte como correntemente acha que se comporta. É um seu direito exactamente como, e muito bem, é contra o acordo ortográfico e, menos bem, a favor das touradas. Não vou questionar o seu direito à opinião mas já me parece duvidosa a sua campanha contra o MP entidade que não me é particularmente querida mas a que reconheço, dadas as conhecidas limitações em que trabalha, algum mérito e alguma virtude.

Aliás, sempre que o MP avança com um inquérito ou um processo sensível desata-se uma gritaria nem sempre inocente nem visando o triunfo da justiça.

Estamos em Portugal, está tudo dito.

 

D’Oliveira fecit 10-07.17    

Estes dias que passam 340

mcr, 01.07.17

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Rescaldo (2)

(Pirotugal)

 

(A 1ª parte deste texto saiu no blog “delito de opinião” a convite amável de Pedro Correia que muito me honrou)

 

Uma criatura que dá por Jaime Soares e que, pelos vistos, tem tabuleta de expert em fogos & similares, garante a pés juntos que o fogo de Pedrógão teve mão criminosa. O homem é, ou foi, presidente da Liga dos bombeiros valha isso o que valer.

Até à data, não só se falava em trovoada seca mas, ainda por cima, parecia garantida a árvore atingida por um raio e origem do fogo. Tudo parecia apontar para a seriedade desta asserção sobretudo este comezinho facto: num país onde os pirómanos verdadeiros ou falsos são multidão (pelo menos nos jornais, que, depois, quando os ânimos esfriam e a justiça intervém com o seu cortejo de perícias policiais, os acusados diminuem tremendamente.

De facto há pirómanos mas duvida-se que sejam tantos quantos os que se perfilam ao primeiro fogacho. Todavia, os pirómanos são de uma extrema utilidade. Uma vez passada a ideia de que num fogo houve mãozinha pirómana tudo se simplifica. Não houve más políticas, erros humanos, abandono rural, inércia dos responsáveis. Houve um patifório, um inimigo da pátria, do interior, do povo, dos bombeiros, um imitador de Erostrato, o autor da pira funerária do templo de Diana em Éfeso. A criatura aspirava ao seu momento de fama. E teve-a per saecola saeculorum, como se sabe.

O cavalheiro Soares é, estou convicto, incapaz de atear sequer uma fogueira na praia. Não brinca com o fogo, pelo menos aquele que queima. Resta saber se a sua estrondosa declaração de que havia incendiário em Pedrógão incendiará ou não a comunicação social. Algo é certo: o homem teve os seus minutos de antena, agora que parecia esquecido. Perguntado pelas razões daquela intima convicção, limitou-se a dizer que isso só o diria à Polícia Judiciária. É pouco, é quase nada. Uma declaração daquelas sobressalta o país e os tele-espectadores. então morrem sessenta e quatro pessoas e não se persegue o fantasma que   atormenta Jaime Soares?

A PJ, por seu turno, informa que Jaime Soares só tem que se dirigir aos seus serviços, em Coimbra, Leiria ou até a qualquer das brigadas no terreno. Parece, mesmo, que os polícias mostravam alguma surpresa pelo facto de o afirmativo Soares ainda os não ter contactado. Surpresa que partilho esperando que algum leitor também se espante.

Esta ideia estranhíssima de primeiro amotinar a comunicação social via televisões e depois, quando lhe apetecer, conversar com a Judiciária é exactamente o contrário do que se espera de alguém sensato. Duvido que o sr Soares seja Poirot, Maigret ou o detective Olho Vivo e que graças à sua prodigiosa inteligência, à sua estonteante capacidade de análise. e ao seu olhar penetrante, possa só por convicção apontar um criminoso. Um criminoso credível, diga-se. Com provas claras de crime, também.

A não ser assim, poderemos estar perante uma tola chamada de atenção que, no momento, assume foros de escândalo para não usarmos uma expressão mais forte como talvez se impusesse.

 

 

Diário político 215

mcr, 20.06.17

De tudo um pouco

Comecemos pelas eleições francesas bis. A segunda volta tira teimas entre os mais votados. Macron e aquela incipiente frente heterogénea que ameaça tornar-se partido voltaram a ganhar. Era esperado. Ganharam, porém, ligeiramente menos do que se previa após a primeira volta. Os Republicanos (LR) aguentaram o embate mesmo se registam um dos piores resultados de sempre: 113 deputados. A FN conseguiu meter oito deputados, o PCF mantém a sua fraca representação (10), Mélenchon consegue 17. O PS elege 29 e com aliados consegue 44. Uma hecatombe!

Os vencedores são, no entanto, vários. A FN entra no Parlamento, o Modem, outra bizarria oscilante dirigida por Bayrou aliado de Macron averba 42 mandatos, mesmo se pela história pregressa valha muito menos. A República em marcha junta 308, o que já lhe dá a maioria de que precisa.

Não vale a pena ir buscar os resultados da 1ª volta das presidenciais para artificialmente arguir de uma derrota de Mélenchon ou de Le Pen. Os resultados nacionais só valem para eleições nacionais e num sistema proporcional. Com quase 600 círculos uninominais e duas voltas a coisa sai bastante diferente. Sendo certo que os deputados franceses representam, prima facie, os seus eleitores não me parece que alguém se possa queixar. Os eleitores querem quem por eles fale, quem os defenda quem os represente. Os interesses dum eleitor de Bordéus não são de certeza os mesmos dum eleitor duma perdida circunscrição da Saboia. De resto ainda há uma Segunda Câmara, cujo corpo eleitoral, os grandes eleitores, escolhe os senadores dentro de um rigoroso sistema proporcional (Faço parte dos que em Portugal defendem não o só bicameralismo mas também o sistema uninominal para a 1ª câmara deixando para a 2ª a eleição proporcional, corrigindo-se assim as anomalias da 1ª).

A gritaria que se desatou contra a vitória folgada de Macron, a ideia de que isso prejudicava a democracia, apenas significava por parte dos grandes tenores derrotados (por todos Cambadelis, 1º Secretário do PS) um profundo desprezo pela vontade dos eleitores.

Por outro lado, agora, como na 1ª volta, toda a gente aponta para a abstenção (gigantesca e em aumento) como algo que deslegitima os eleitos. A abstenção não tira legitimidade a ninguém eleito e muito menos torna a massa dos que não votam numa força seja ela qual for. Pode sempre dizer-se que quem não quis votar está de acordo com os resultados apurados. Se alguém não gosta do que vê tem sempre a possibilidade de um voto de protesto (e em França desde a FN à França Insubmissa, para não falar em pequenos grupos que não obtiveram mandatos há candidatos para quase tudo).

 

Conviria, agora, referir, algumas anomalias condenáveis. Comecemos pela a agressão à derrotada deputada Nathalie Kosciusko-Morizer /LR) que é uma das principais vozes da Direita e foi até candidata à Câmara de Paris. O agressor, um certo Vincent Debraize, é maire de uma pequenina povoação normanda e patrocinou a candidatura de um certo Henry Guaino de quem se falará de seguida.

Este anormal entendeu ser sua missão agredir NKM que tinha batido Guaino na circunscrição parisiense em que ambos se apresentavam. NKM era a candidata oficial do LR e Guaino um vago e abstruso dissidente que obteve um resultado ridículo para quem há um par de anos se candidatara à presidência da UMP (antecessora de LR).

NKM distribuía panfletos na place Maubert e, à vista de todos, foi agredida, caiu ao chão desmaiada e teve de ser socorrida no hospital. O corajoso agressor fugiu do local mas a vídeo vigilância e vários telemóveis identificaram-no sem dificuldade. Ao saber-se descoberto, recorreu à esperteza de se apresentar no comissariado. Cobarde, palerma e agressor.

O senhor Le Guaino é um velho conhecido na Direita francesa e foi deputado uma única vez. Depois armou tais reboliços e confusões variados (incluindo ataques a um magistrado de que decorreu uma condenação posteriormente anulada com o fundamento de que ele não referia claramente o juiz difamado) que terminaram num ataque a Fillon. Não contente com esta agitada carreira, tentou candidatar-se à Presidência da República mas não obteve sequer 10% dos (500) apoios necessários para o efeito. Recusou dar indicações de voto e não obteve o patrocínio do seu partido quer na circunscrição que antes representara quer em Paris onde entendeu desafiar NKM. Como já vinha sendo habitual obteve escassos votos.

Tal resultado levou-o a qualificar os eleitores desse círculo parisiense como gente que (lhe) provocava vómitos, o que mostra a elegância da criatura e a imbecilidade manifesta de pedir votos a quem finalmente ele mostra tanto desprezo. Em França quando a um indivíduo lhe dá para a canalhice supera qualquer concorrente no resto do mundo. Parece que depois se gabou de uma proposta de Marine Le Pen mas tudo indica que nem isso ocorreu. Terá também afirmado que não conhecia o agressor de NKM embora este o tivesse apoiado!...

 

Este o quadro geral. Que irá acontecer? Tendo em conta os outros candidatos à Presidência, o descalabro dos partidos tradicionais, a recorrente tentação xenófoba e populista que se arrisca a tornar-se transversal nos agrupamentos políticos franceses, seja qual for a cor com que se apresentam, atrevo-me a pensar que o choque Macron e essa estranha coisa que se chama “A República em marcha”, poderão ser úteis ao país, à Europa, e - o que é diferente – aos cidadãos europeus entre os quais estamos nós, portugueses.

 

 

 

Diario político 213

mcr, 13.04.17

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Na esplanada entre sol e sombra

 

Hoje, os frequentadores da esplanada estavam assanhados. Falavam pelos cotovelos, sempre civilizadamente mas divergindo resolutamente.

A primeira conversa centrou-se no artigo de opinião de João Miguel Tavares (Público, ultima página) onde este questiona os patrocínios de uma biografia (2º volume) de Jorge Sampaio. Tavares reconhece que estão bem explícitas as menções aos patrocinadores (BPI, Fundação Oriente, Fundação Luso-Americana, grupo Visabeira, IPRI (Un Nova) Telecom e Mota-Engil!!!)

Tavares não questiona a procura e obtenção dos patrocínios, aliás bem explícitos na contracapa e na introdução da obra. Até elogia o esforço e a tenacidade de quem os procurou e conseguiu. Elogia também o facto de haver quanto a esta obra “mecenato cultural”. Todavia, depois dos elogios, surdem duas colunas que questionam quatro dos mecenas por estes não revelarem a um jornal o valor dos subsídios. E, cereja no bolo, Tavares também “acha estranho” que a FLAD. O IPRI e a FO se tenham “juntado” para criar uma bolsa destinada a apoiar a feitura de biografias de que, para já, apenas consta esta obra.

Tavares, comentarista que, aliás aprecio, acha esquisito que quer as fundações quer as empresas se fechem em copas sobre os montantes concedidos (Tavares chama a isto falta de transparência como se para alem dos relatórios e contas onde estes valores seguramente figurarão as empresas e as restantes instituições devessem andar a informar o excelentíssimo público sobre a largueza das suas benesses. Tavares,tão (e certamente bem) defensor do privado, do liberalismo, acha que toda a gente tem de saber e que todo o empresário deve prestar contas a estranhos. É que aqui não se trata de dinheiro dos cidadãos, mesmo se os patrocínios com mecenato possam, em diminuta proporção aliviar os impostos.

Tavares vem com o argumento de que Sampaio foi Presidente da República e que só isso, que ocorreu há uns bons dez anos é suficiente para indagar de como a sua biografia está a ser escrita. Arre! E que no meio das personalidades envolvidas pelo menos no que toca à bolsa há um antigo assessor de Sampaio (antigo de há mais de uma década...) Tavares, que escreve bem, muito bem, até, deixa no ar a ideia de que aqui há gato escondido. Que esta bolsa seria apenas um artifício para favorecer um idoso ex-presidente da República que agora exerce, alem fronteiras um trabalho internacional. E que isso, está nas entrelinhas, o compromete ou pode comprometer.

Eu, com a devida vénia, amigo de Sampaio desde os anos 60 (convém esclarecer para que não pairem dúvidas) tenho sobre esta obra de Castanheira um bem diferente parecer. É um tijolo! Um tijolaço. Uma tremenda chatice. Estas duas mil páginas, para o leitor comum poderiam ser trezentas ou quatrocentas desde que bem centradas no que realmente foi importante. E Sampaio foi importante, antes (sobretudo) e durante a Presidência. Com inteligência e rigor e um estilo menos pesado teríamos uma bela obra. Em Portugal, a biografia é terreno baldio e mal cuidado. Nesse capítulo que diferença com a Inglaterra, a França ou a Alemanha! Claro que não peço a Castanheira a verve, o espírito e a intelig~encia narrativa dum Stefan Zweig que tantas biografias deixou. A Zweig o que é de Zweig e a Castanheira o que entenderem.

Somos um país que desconfia de biografias ou de “memórias” (neste capitulo estou a lembrar-me já que se anda em comemorações de Raul Brandão das suas “Memórias” -que, por exemplo, com as José Relvas e o Diário” de João Chagas são fulcrais para se perceber os anos 10 a 30-). A última biografia que li com proveito foi a de Salazar por Filipe Ribeiro de Meneses que evita a maçadoria de ler os tijolos hagiográficos de Franco Nogueira. Ora aí está como com um terço do volume se faz bem melhor obra do que com as cerca de 2500 páginas de FN por muito meticulosas e esclarecedoras que estas sejam.

*** No mesmo local e pouco depois

Desta feita a conversa girou à volta das eleições para A Câmara do Porto. Ninguém conseguia perceber a razão que leva o PS a não se candidatar. Ou melhor, todos estavam de acordo que o primeiro motivo era evitar uma derrota igual ou maior do que a anterior.

Desde o malogrado regresso do dr Fernando Gomes que foi justiceira e friamente chacinado por Rui Rio, que o PS não sabe o que fazer no Porto. Não deixa de ser verdade que na cidade a Federação Socialista é uma espécie de clube de lutas de galos com a agravante de tal actividade ser ilegal, ilegítima e desacreditada. Com a gens socialista passa-se o mesmo. A rua não os conhece, as elites não os respeitam, os poucos socialistas que aparecem escafedem-se pelas esquinas. Não há uma ideia do PS para a cidade a menos que a governação de Rui Moreira a personifique. Os últimos candidatos socialistas à CML ou não ocuparam os seus lugares na vereação ou fizeram-no com tal discrição que deles não há memória. Nem boa nem má. Não existiram, ponto, parágrafo. Todavia, isso, essa arrastada e triste existência não pode servir de pretexto para desistir de aparecer. Por muito desgastada (e com razão) que seja a imagem do PS ela ainda consegue superar as dos dois outros parceiros da geringonça que também não atinam com a cidade. É verdade que, nas páginas mais folclóricas de um jornal citadino ainda se cobrem as declarações estertorosas dos vereadores da oposição mas, na generalidade a ideia que perpassa da irrisória actividade deles é que anda tudo na clandestinidade. Parafraseando: “assim se vê a força de não sei quê”.

Estas criaturas não riscam, não arriscam e muito menos beliscam os tradicionais poderes municipais. Ou então emigraram todos para outras paragens mais propícias e deixaram isto entregue a quem quiser fechar a luz e a porta.

Nem assim o PS se acha obrigado a ir à luta. Ou seja, assim nem valia a pena gastar dinheiro com o processo eleitoral. Ou então, pensam que sem oposição Rui Moreira não mobilizará a mesma multidão que o elegeu há quatro anos!...

E a conversa morreu mansamente, à dúbia luz coada pelas nuvens que anunciam uma eventual Páscoa molhada.

 

Diário Político 212

mcr, 12.01.17

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É assim que eles fazem a História

(o dr Luís Marques Mendes ocupa na televisão um lugar semelhante ao que ocupou o dr Rebelo de Sousa. Há quem ache LMM um Marcelo b. Não é, de todo. Mendes será um pálido Marcelo h ou i se tanto. E bastou a sua intervenção sobre Soares para se perceber isso mesmo. Primeiro um engano menor ao falar das 11 ou 12 prisões de Soares, Mendes falou em 12 anos de prisão. Depois o exagero: Soares teria sido o político mais importante do século passado.)

Não foi nem teve hipóteses de o ser: Soares nunca teve o poder de Salazar e governou muito menos tempo. Ainda por cima em democracia sob o escrutínio de forças políticas hostis ou adversárias (é esse o peso da liberdade) e de outros poderes (PR, Parlamento) que obviamente limitaram muito alguns dos seus projectos. Soares foi, indiscutivelmente um grande político, um grande homem e um intelectual de craveira. Foi, admito sem reserva, o principal pai da Democracia em Portugal mas, como diz Brecht teve pelo menos um cozinheiro, um babeiro, um secretário alguns amigos e camaradas, enfim uma enorme equipa que o ajudou e que também merece ser destacada. Para mim foi, sobretudo pelos seus defeitos, um príncipe e alguém que recordarei sempre com comoção, respeito e amizade. Soares, além de fixe, era humano, não se armava em importante, possuía uma notável coragem física, uma alegria de viver impressionante. E um instinto político digno de menção, sobretudo neste país bisonho onde só se vai à luta quando se acredita ganhar. Soares tinha sido abençoado pelo amor à liberdade, pelo desejo de liberdade, viveu sempre livre e esperançado num futuro breve e melhor.

Todavia, o nosso século XX tem mais alguns nomes impreteríveis. Dividamos o século em duas partes: uma primeira que vai do ano 1901 até 25/26. Quatro homens podem e devem ser recordados mais pelos fracassos do que pelos êxitos: D Carlos e João Franco durante a agonizante monarquia e Afonso Costa e Sidónio Pais. Todos falharam, dois form assassinados, um morreu na sombra e outro no exílio. Depois de Sidónio o sistema entrou em deliquescência pura, no desastre e no caos (lembremos os assassínios de Carlos da Maia e Machado dos Santos os grandes heróis do 5 e Outubro e o de António Granjo que chegou a Presidente do Ministério: uma infâmia absoluta que só a cobardia de muitos e a cumplicidade de outros tantos impediu de esclarecer globalmente) e permitiu o aparecimento e ascensão de Salazar. Salazar governou sem real oposição que se visse até meados dos anos 60 e a sua última batalha (a defesa do Império) teve o apoio de muitos oposicionistas e foi tratada com luvas de veludo pelos poucos que advogavam a independência das colónias. (Vi com estes meus olhos e ouvi com estes meus ouvidos, em 1969 um ilustre político agora muito homenageado dirigir-se aos escassos eleitores num comício da CDE coimbrã, fora de portas, apresentar-se como “ex-combatente do Ultramar”!!!)

Com o 25 de Abril, Soares emergiu como um paladino da Liberdade, causa que era a sua desde os tempos do MUD (finais dos anos 40) onde militou ainda sob a bandeira do PCP. Com ele, vindo de um outro nevoeiro bem mais espesso e consistente, regressou Cunhal. Como Soares, aliás antes dele, porque mais velho, Cunhal era uma figura mítica da Oposição portuguesa. E isso desde finais dos anos 30 quando o jovem Cunhal começa a desempenhar cargos de enorme importância no partido comunista e, mais tarde depois da sua última, longa, dolorosa e heroica prisão, no movimento comunista internacional. Cunhal chega aureolado pela história da resistência comunista e comparado com os seus pares do sul da Europa, não tem rival, Berlinguer ressalvado. Não cede ao euro-comunismo, é o o fiel dos fieis da URSS deliquescente e mantem o partido dentro da mais estrita observância do modelo soviético (e isso vê-se ainda hoje: já ninguém fala ou sequer reconhece os partidos irmãos europeus desaparecidos, sepultados pela História enquanto em Portugal, tal qual a aldeia de Asterix, o PCP se mantém quase com o mesmo número de militantes, simpatizantes, câmaras e deputados de sempre. Cunhal não modificou Portugal como Soares mas deixou uma marca indelével na Constituição e no Regime, mesmo agora. O PCP controla a CGTP, mantém Câmaras mormente no Alentejo e na cintura de Lisboa e mobiliza a rua.

Estes três homens (Salazar, Soares e Cunhal) foram absolutamente determinantes nos segundo, terceiro e quarto quartéis do século vinte. Por mais que se queira, Sá Carneiro não passou de um meteoro, vá lá de um cometa, na vida pública portuguesa. O desastre que o vitimou levou também a melhor esperança do CDS (Amaro da Costa) e o único herdeiro claramente social-democrata dele (Mota Pinto) morreu repentinamente sem herdeiros políticos dignos de menção.

E também aqui, os comentadores e os “parvenus” do comentário político não souberam nem quiseram fazer pedagogia, história ou pelo menos crónica do século. Afundaram-se em narizes de cera, em vulgaridades e na incapacidade de transmitir, ao menos uma vez, um pequeno retrato de Portugal menos baço, menos peremptório, mais abrangente e, provavelmente, mais real. Mas isso são contas de outro rosário ou de outra cidadania.

Como Mendes, outros ajudaram à missa mesmo se o beatificado fosse, laico e republicano (e socialista). Felizmente, o homem, o político e o intelectual é irredutível a simplismos e deve ter-se divertido à grande e à francesa (logo ele que usava um francês desenvolto, demasiado desenvolto e aportuguesado sem vergonha de nenhuma espécie) com todo o teatro que se seguiu à sua morte.

(e quase ninguém referiu essa grande dama do socialismo, da cidadania e da coragem que se chamou Maria de Jesus Barroso. Ao lado – mas não atrás – de um grande homem há sempre uma grande mulher!

D’Oliveira fecit, 9-11 de Janeiro 2017

 

 

Diário político 211

mcr, 06.08.16

Trapalhões, imprudentes e a tomarem-nos por parvos

 

A triste historieta dos Secretários de Estado que foram ver a bola à custa da Galp obriga-nos antes de tudo a questionar o bom senso das criaturas e, mais do que isso, a inteligência das mesmas. A justificação apresentada por Rocha de Andrade peca pela arrogância (foi tudo dentro da normalidade e da adequação social) e pela impudência (vou já pagar tudo) dando a perceber que não entendeu ainda que as sus duas declarações são contraditórias. Pior: esqueceu-se de comentar, como devia e podia, que fora demasiado ingénuo (na melhor das hipóteses) ou insensatamente cúpido ao aceitar uma prenda tão choruda de uma empresa com quem o Estado, através do Ministério onde está integrado tem um longo e caríssimo conflito.

Pior do que ele, só mesmo o senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros ao vir admitir que o Governo vai criar um “Código de Conduta” para desincentivar a prática de gestos do mesmo género. O senhor Ministro parece desconhecer a lei que já tutela amplamente situações deste teor. A menos que seja amante de pleonasmos políticos e éticos (sobretudo estes)...

Os restantes comparsas, mais dois Secretários de Estado, tiveram o cuidado de não serem tão falazões como Andrade mesmo se, igualmente, tenham caído na esparrela de garantir que vão pagar as despesas com desveladamente a Galp os mimou.

Imaginemos, por um breve momento, que X, funcionário público se lembrava de ir ver os jogos. Teria no mínimo que “meter” um ou dois dias de férias para ir e vir. Os senhores Secretários, ao que se sabe, foram estiveram e vieram sem que alguém lhes apontasse a faltinha ao trabalho ou que eles imputassem às merecidas férias o(s) dia(s) franceses.

Há neste jardim à beira mar plantado, uma falta de pudor que só não espanta o aborígene lusitano por há muito estar este habituado ao forrobodó dos importantes. Em se apanhando num posto público de responsabilidade, esquecem-se que o público os pode escrutinar.

Rocha Andrade teve há dias uma confusa missão: fazer passar as novas regras das “vistas” para carregar o IMI como coisa boa e sensata. Esqueceu-se o cavalheiro que qualquer regra sobretudo em matéria de impostos tem de escapar inteiramente à arbitrariedade de quem a impõe, ou seja tem de obedecer a critérios claros e indiscutíveis.

Vejamos este (meu) caso. Vivo numa excelente zona (Porto, “Foco”) que na altura em que se construiu tinha por vizinhança um conjunto grande de fábricas em plena laboração e uma auto-estrada com um movimento já evidente (agora é pletórico). As fábricas desapareceram e deram lugar a prédios para classe média a tender para alta. Nos terrenos disponíveis que havia construíram-se duas escolas. Mesmo assim, do meu andar avista-se o mar, há um jardim bastante razoável no meio dos prédios e espera-se que nos terrenos aedificandi remanescentes nasçam zonas de lazer e serviços que aumentarão positivamente a qualidade do edificado. Quem adquirir doravante algum dos excelentes andares que continuamente aparecem para venda (a 1ª geração de moradores foi envelhecendo, morrendo ou depois dos filhos criados, achou os apartamentos demasiado grandes para um casal solitário) irá pagar que IMI? Porquê?

A displicência (e de novo a arrogância) com que Andrade respondeu a estas questões dizem muito, quase tudo, do modo como encara as suas funções. Ele tem razão porque sim. Porque pode, quer e manda. O resto é a paisanagem a quem, de quatro em quatro anos, se permite votar (mesmo se o seu voto nem sempre se traduza numa clara preferência pelo Partido que alcandorou este Secretário de Estado ao mister que exerce.

O Governo pela voz de Santos Silva acha que pode pôr uma pedra no assunto. (“Dissipar” foi o verbo que Sª Exª usou para falar do problema. Conviria ao senhor Ministro ir ver todos os significados da palavra para perceber que nem sempre dissipar ou dissipado são termos que indiquem limpeza... )

Para o Ministro este “deslize” está resolvido com um tardio cheque que, se paga alguma despesa feita pela Galp, não paga o desgaste nem a desconfiança dos portugueses em quem os governa.

Mesmo que a PGR não conclua pela existência de “recebimento indevido de vantagem” fica sempre a leviandade e a inexistência de um pedido de desculpas público. É quanto basta para (como antigamente) se aconselhar estes senhores governantes (nem que seja para “português ver”) a porem os seus lugares à disposição. Ou voltarem à actividade privada, quem sabe ao serviço da Galp ou outra amável empresa do mesmo género.

Mesmo que o façam com a notória irrevogabilidade que Portas usou.

Diário político 208

mcr, 21.06.16

Canavilhas 2

A senhora Canavilhas insiste. Na televisão e no jornal Público (que ela diz ser o seu jornal de referência) veio agora dizer que o Público (não a policia!) mentiu ao falar em 15000 manifestantes e não no número apresentado pela FENPROF, por acaso parte interessada na matéria. E acha que o uso (ou abuso?) do twiter se reveste de um carácter ligeiro pelo que, presume-se, toda a burrice é desculpada.

Na televisão veio com ar cândido e ofendido afirmar que tem direito à sua opinião como se a sugestão de despedir uma jornalista fosse uma opinião tão inocente quanto aquela que temos de um romance.

Quando, sendo apesar de tudo uma figura pública, se pergunta porque é que uma profissional que cita fontes respeitáveis não é despedida está-se a macaquear o antigo Estado Novo que despedia profissionais em todo o lado (directa ou indirectamente) por delito de opinião, que prendia pelo mesmo motivo (e estou á vontade para o testemunhar) ou outros regimes que parecendo ter cor diferente partilhavam o mesmo horror visceral à liberdade de imprensa.

A senhor Canavilhas é livre de soltar quanta tolice quiser e for capaz e, agora vê-se, no seu argumentário que pode ir longe nesse domínio, mas o facto de ser contraditada nos seus propósitos inquisitoriais e espurgadores não é uma ameaça a nenhuma liberdade dela. Bem pelo contrario: ao censurar-se-lhe de viva voz a sua posição partidária e sectária está-se a defender a liberdade de quem ela ataca e a dela própria se é que a senhora Canavilhas percebe o que aqui vai escrito. Ela pode odiar a jornalista em causa, amar desmesuradamente o senhor Vitor Nogueira e a frente que ele representa, julgar que a escola pública é um paraíso e a privada um infame complot de capitalistas, imperialistas, monopólios e forças obscuras da reacção, a mão invisível do clericalismo mais obscurantista. Está no seu pueril direito. O que não pode é seja ela quem for (ou quem se julga!...) propor medidas coercivas contra quem nada mais faz do que ser uma jornalista.

Ao publicar-lhe a triste prosa, o Público, dá-lhe mais uma lição de civismo, liberdade e tolerância. Será que a criatura aprende?

d'Oliveira fecit 21-06-16

 

 

diário político 208

d'oliveira, 16.06.16

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Ai Pátria, que escorregadela!

 

Então não se empatou com a Islândia! Com a Islândia, santo Deus, com uma caloira nestas coisas da bola.

O sr Ronaldo, a quem, por vezes, convinha estar mudo e quedo como um penedo, com o mau perder que se lhe reconhece, veio dizer que os islandeses eram uns analfabetos em futebol, que era só atirar para a frente, pôr um autocarro na baliza, enfim um chorrilho de tontices que as televisões avidamente glosaram.

A verdade, a pobre e honrada verdade, manda que se diga que os cavalheiros do Norte não se acobardaram e não se deram por vencidos. Um empate servia-lhes mesmo se com um pouco mais de audácia pudessem até ter criado uma surpresa (como quando defrontaram a Holanda, lembram-se?).

Ronaldo, o falador, não fez história neste jogo. Generosamente, deixou os louros para Nani. Não sei porquê este eclipse de Ronaldo lembra a triste história do último Mundial onde também a grande equipa portuguesa (mailos heróis do mar e os egrégios avós) saiu pela porta pequena.

Convenhamos: a equipa portuguesa, malgrado os esforços de Fernando Santos, deixou-se inebriar pela imprensa, pela televisão, pelos comentadores, pela euforia geral, pelo Sr. Presidente. Achou que bastava pôr o mimoso pé no relvado para que os adversários tremessem. Vê-se que nunca leu uma saga nem sabe que aqueles calmeirões rosadinhos e educados são descendentes de vikings, vivem numa terra de gelo e vulcões, navegaram ainda antes dos portugueses até à América e não toleram toleirões.

Vejamos, agora, o que se irá dizer dos austríacos...

d'Oliveira fexit, 16-6.16