perguntas de um leitor que não é operário
mcr, 28-10-23
.. o jovem Alexandre conquistou a Índia
sozinho?
César ocupou a Galia
não era acompanhado sequer por um cozinheiro?
Brecht: perguntas de um operário leitor
....
Socorro-me, outra vez, de um poeta (e dramaturgo) que no fim da vida fazia perguntas e não obtinha respostas, ou só as tinha erradas.
E faço-as ºperguntas enquanto leitor atento e interessado no que se passa. Não venho pôr-me acima de quem quer que seja, mas pretendo apenas questionar os que juram pela cartilha radical que vê o mal em toda a parte, desde que não seja o seu pequeno cantinho.
Já aqui o disse e reafirmo-o: à partida nada me move a favor (ou contra) Israel enquanto país que considero razoavelmente democrático, inclusive com aquele camafeu que foi eleito e que tem tentado levar o seu país para caminhos mais do que ínvios mas muito na moda noutros.
Nada me move contra os habitantes de Gaza no seu conjunto que considero vítimas de algo que os ultrapassa mais do que a geografia e que teve origem clara em 1948.
Não me surpreende especialmente que este povo tenha assistido resignado ou esperançado ao golpe de Estado de 2007 quando o Hamas expulsou pelas armas a OLP, o Fatah do território.
Nem sequer questiono gravemente o facto de ,posteriormente, numa espécie de eleições cuja credibilidade é mais que duvidosa , o Hamas ter sido o mais votado, o mesmo é dizer que só o foi porque nunca permitiu que adversários concorressem contra ele em igualdade de circunstâncias.
Sei, graças à idade que levo em cima, que os regimes autoritários ganham sempre as eleições. Sei-o por experiencia própria desde a primeira vez em que quis votar (1961) até aquela em que finalmente a Oposição foi até às urnas (1969). E sei-o porque até fui delegado da dita oposição numa mesa na freguesia urbana de S.to António dos Olivais em Coimbra.
Não me custa nada afirmar que perdemos essas eleições por uma conjunção de factores que começava na fraca mobilização para a inscrição nos cadernos eleitorais até ao medo que isso, só isso, implicava. Nem vale a pena referir a desproporção de meios, as dificuldades em fazer comícios, as constantes proibições de qualquer acção propagandística, a censura em tudo o que era meio de comunicação, as contínuas ameaças à liberdade dos candidatos a deputado e de toda a gente que os apoiava.
Portanto, o facto do governo de Gaza estar entregue ao Hamas não me suscita grande preocupação. É um governo autocrático, tem um claro desíignio de eliminar por todos os meios o Estado de Israel e de vrrer para o mar todos quantos nele habitam, minoria árabe aí residente ("colaboracionista") incluída.
A dúbia expressão que o engenheiro Guterres (de quem fui apoiante muito antes dele ser eleito) usou para significar que o Hamas alguma legitimidade poderia eventualmente ter visto que não saiu do nada u seja que era fruto da "ocupação" israelita terminada ainda antes deste grupo tomar conta de Gaza. Melhor dizendo: antes deste grupo que todos (excepto Putin, o Irão e pelos vistos Erdogan) qualificam como terrorista, ter ocupado militarmente o território, imbricando as suas bases, os centros de decisão, os serviços próprios, os arsenais (estes enterrados e bem enterrados) os paióis, os depósitos de combustível, de alimentos, de medicamentos (idem, idem) também resguardados em túneis que agora talvez alberguem 224 reféns.
É verdade que Guterres qualificou o massacre do dia 7 com horrendo e indesculpável. Mas, e há sempre o raio de "mas" nestas afirmações ao tentar antecipadamente qualificar a reacção de Israel, não se coibiu de relembrar o passado que sublinhe-se sempre foi coroado de reacções desproporcionadas . Já por aqui disse que Israel reivindica olhos por olho, dentes por dente.
Entretanto pergunto, leitor que sou, inclusive de História deste ´seculo:
foi Israel que desencadeou a invasão sofrida por ele logo que proclamou a independência? Ou deveremos atribuir a humilhante derrota de cinco exércitos árábes (Egipto, Jordânia, Síria, Líbano e Iraque) que contabilizavam dez vezes mais soldados do que o recentíssimo Estado judeu, à impreparação destes, à falta de vontade de combater dos pobres soldados mobilizados que nada sabiam, nem sequer lhes interessava, sobre os meandros da História em que foram chamado a desempenhar o papel de carne para canhão?
É ou não verdade que a Assembleia Geral das Nações Unidas votou por uma significativa maioria a independência de Israel (juntando em plena guerra fria URSS e EUA, bloco "socialista" e a nova aliança atlântica ?
É ou não verdade que, na ânsia de ter mãos livres, foram os exércitos atacantes quem primeiro expulsou dezenas de milhares de civis palestinianos das suas casas?
(e antes que me acusem de partidarismo, informo que o exército israelita lançou uma operação semelhante sob o nome de "Vassoura de Ferro" que atirou para o território libanês outras tantas dezenas de milhares de refugiados. E também é verdade que tais desenraizados nunca dali saíram para nenhum Estado irmão e árabe os quis ou quer receber)-
É ou não verdade que esta primeira vitória israelita logo permitiu criar novas fronteiras que, obviamente, acrescentavam território na exacta medida em que os palestinianos (na altura sem Estado ) perderam?
É ou não verdade que a partir da década de sessenta novas hostilidades se desencadearam tendo sempre sido iniciadas por alguns ou todos os Estados limítrofes e que, como sempre, redundaram em pesadíssimas derrotas e mais territórios para o Estado atacado, nisto se incluindo Jerusalém, cidade que gozava de um estatuto especial devido ao facto de ser capital de três religiões?
(mais uma vez, relembro que houve uma outra guerra em que Israel foi agressor. refiro-me à crise do Suez quando, depois do canal ter sido nacionalizado, tropas francesas e inglesas o terem ocupado ao mesmo tempo que ali chegaram também tropas israelitas que puseram em debandada - outra vez- os mal preparados soldados do coronel Nasser , o rais dtodo poderoso do Egipto)
É ou não verdade que entre 1967 (guerra dos 6 dias) e 1973 (guerra do Yom Kipur) novamente patrocinadas pelo Egipto e pela Síria mais uma vez a derrota árabe foi significativa e os ganhos territoriais de Israel resultaram da sua reacção aos ataques?
É ou não verdade que entre finais dos anos 60 e os anos 90 houve continuas acções terroristas que tiveram o seu epicentro durante as olimpíadas de Munique que resultaram na morte de 11 atletas judeu?
(Todos os terroristas (com uma única excepção) que estiveram envolvidos no ataque foram posteriormente liquidados por agentes judeus que partiram à sua procura.)
É ou não verdade que o território de Gaza foi totalmente abandonado pelas forças de ocupação israelita a partir 2007, tendo sido eliminados 80 colonatos e forçados a sair de Gaza todos os seus habitantes?
É ou não verdade que de 1948 até 1958 Gaza foi administrada por uma autoridade palestiniana?
É ou nao verdade que de 1959 até 1967 o território foi governado pelo Egipto?
É não verdade que em 1993 o poder foi transferido para a Autoridade Palestiniana?
É ou não verdade que, entre 2005 e 2007, ocorreu uma visível e extremamente violenta guerra civil entre a OLP e o Hamas tendo este último conseguido expulsar o seu oponente?
Finalmente, é ou não verdade que mais tarde, as "eleições" deram ao Hamas um maioria de 76 mandatos (em 120) no "parlamento" de Gaza?
E que, mal ou bem, esse facto torna, de algum modo, a população palestiniana cúmplice de um governo cujos líderes apenas querem exterminar os judeus?
As perguntas poderiam ser muitas más mas não vale a pena porquanto nem da história mais sumária há resquícios nos que de supetão aplaudem agora Guterres e atiram para Israel todas as culpas (as próprias e não são poucas) e as que decorrem de uma longa e perturbadora actividade claramente terrorista.
A verdade é que, com culpas (o voto no Hamas) o silêncio sobre as suas malfeitorias, o conhecimento que há sobre o desvio de verbas vindas do exterior e que nunca chegam à população, esta está encurralada. Mas não é apenas Israel que fecha as suas fronteiras. Que dizer do Egipto?
Finalmente, agora que se fala do corte de combustível, de alimentos, de água, de produtos médicos e até da internet como é que se explica que tudo isso viesse do tenebroso inimigo sionista? Será que depois do massacre de 7 de Outubro alguém acha(va) que que Israel deveria cristãmente oferecer a outra face e continuar a alimentar o esforço de guerra do Hamas?
Tudo isto deveria ter passado pela cabeça do sr Secretário Geral Guterres para o convencer a nõ usar termos que, por serem eventualmente portadores de ambiguidade, corriam o risco de o eliminar como mediador.
De resto, a alusão a um mediador é, a meu ver, outra palavra oca. Mediar entre os que "amam a morte" (sic) e os que "amam a vida" (sic, novamente por provir do mesmo interlocutor, no caso um dos principais dirigentes do Hamas).
Alguém de bom senso, convicções democráticas e respeito pelos direitos humanos, o direito humanitário o surpreendente direito de na guerra ser capaz de se coibir (coisa bonita de dizer mas na prática dificl de conseguir) pode colocar na mesma balança um Estado e um grupo terrorista mesmo se o Estado responde com força demasiada aos golpes que recebe e o terrorista nunca distingue civis de militares, crianças, mulheres e bebés de colo de homens em idade de combater ou combatentes?
Ja o disse varias vezes e repito: não morro de amores páor Israel, não aceito que o Holocausto seja continuamente invocado para perdoar as falhas actuais, os governantes actuais e a su luta iliberal contra a Constituição democrática do Estado.
Mas, muito menos, entendo justa, seja a que título for, a acção terrorista que mata indiscriminadamente e governa violentamente uma desgraçada população. Não percebo porque é que este ataque de 7 de Outubro foi perpetrado sabendo-se que o governo de Netanyahu estava em sérias dificuldades perante a fortíssima oposição que ocupava as ruas desde há vários meses em defesa da democracia e dos tribunais.
Ou será que justamente por isso se resolveu dar uma mãozinha sangrenta a um primeiro ministro em visível perda de velocidade e a um grupo de extremistas religiosos e de extrema direita?
(nota porventura desnecessária: leio com assiduidade v´rios jornais, desde o Le Monde, o El Pais, La Republica até ao Expresso e ao Público. Não frequento desde os anos 6o o "Diário de Notícias porque sempre o considerei, na ditadura como depois uma espécie de defensor oficioso do Governo (de todos os governos, aliás) e por isso não me admira que lá pululem elogios às declarações (a todas as declarações...) de quem, de algum modo, amigo antigo ou não, querendo ou não, consegue a proeza de igualar as acções do Hamas às do governo israelita. Ponto, parágrafo!)