Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Um direito de mau gosto

J.M. Coutinho Ribeiro, 11.07.12

A revista satírica alemã "Titanic" foi proibida, por decisão do Tribunal de Hamburgo, de publicar na capa e na internet uma montagem fotográfica do Papa Bento XVI com uma grande mancha amarela na sotaina branca. A ideia era sugerir que o Papa sofre de incontinência urinária. Devo dizer que discordo da decisão do tribunal alemão, em nome da liberdade de expressão, tanto mais que estamos perante uma revista satírica, cujos limites de actuação devem entender-se como mais alargados. No entanto, quando olho para as fotos publicadas - para as fotomontagens, melhor dizendo - não posso deixar de achar que se trata de uma iniciativa de profundo mau gosto, mesmo quando são publicadas por uma revista satírica. Noticiar eventuais problemas de saúde das figuras públicas exige cuidados especiais, sobretudo quando são problemas que não afectam o desempenho do cargo.

A razia e a culpa do ministro

J.M. Coutinho Ribeiro, 09.07.12

Os jornais dão conta da razia nos exames do Português e de Matemática no 12º ano. Segundo a Confederação de Pais, os resultados não são surpreendentes, uma vez que as escolas não conseguem preparar os alunos para os "desafios que os exames lhes colocam", por culpa da política ministerial. Confesso que também não acho que os resultados sejam surpreendentes, mas temo que a razão seja outra: o facilitismo no ensino que se verificou durante anos. Em todos os níveis de ensino. Nas universidades, também, como pode aferir-se pela forma como alguns políticos obtêm os seus graus académicos. Mas isso sou eu a dizer e não percebo nada do assunto.

Sócrates, Relvas, o Expresso e o que não tem graça nenhuma

J.M. Coutinho Ribeiro, 09.07.12
 
Ando a achar uma piada imensa à forma como muitos que desculparam Sócrates no assunto da sua licenciatura, se atiram, agora, a Miguel Relvas como gato a bofe, dizendo que são casos muito diferentes. E também acho uma piada imensa à forma como muitos dos que, na altura, crucificaram Sócrates por causa da licenciatura, agora tentam desculpar Relvas pelo mesmo motivo, como se não tivesse nada a ver. Anedótico é, por outro lado, o incómodo que grassa aí nos responsáveis dos vários partidos relativamente a estes assuntos. Um incómodo indisfarçável. Um incómodo que se compreende. Todos tentam ao máximo evitar o assunto. É que se alguém decide investigar a fundo, vai acabar por descobrir a imensa mole de licenciados assim na classe política. E, também, a concluir que, num jogo de espelhos revelador dos interesses em jogo, muitos dos assim licenciados até acabam a ficar nas respectivas universidade a dar aulas. Assim, ganham todos. Dinheiro, prestígio, influência, seja lá o que for que os move. Mas há, depois, o outro lado da história. Em ambos os casos relatados, é suposto que houve mãozinha de quem, do outro lado, tentou diminuir politicamente os dirigentes em causa. Pareceu-me evidente no caso de Sócrates, quando começou a cair em desgraça; parece-me evidente, agora, no caso de Relvas, que, em rigor, como ministro deste governo, nunca chegou a estar em graça. O que - longe disso - invalida que estes casos se investiguem e sejam noticiados. Mas é precisamente porque são casos importantes, que devem ser casos bem investigados. E nem sempre tem acontecido. Eu, que tenho da liberdade de expressão uma visão muito lata e do Expresso uma excelente opinião quanto ao seu rigor jornalístico, não posso deixar de assinalar a cruzada deste semanário (e de outras publicações do grupo de Balsemão) contra Miguel Relvas. Tanto quanto me dizem, Balsemão só largará Relvas quando tiver garantias de que o governo não privatizará a RTP, poupando, assim, a Balsemão maiores dificuldades na deficitária SIC. Mas, dizem-me também, o governo está disposto a bater o pé ao militante nº 1 do PSD nesta assunto e avançará mesmo com a privatização da RTP, o que, na minha modesta opinião, é o que deve ser feito. Colocado sob o fogo da suspeição, seria legítimo esperar que o Expresso tivesse um cuidado acrescido na investigação e divulgação de notícias relativas Relvas. Ora, a avaliar pelo que sucedeu na edição deste fim-de-semana, tal não terá acontecido e três dos quatro professores supostamente envolvidos na licenciatura de Relvas, não eram os que foram noticiados. É óbvio que o Expresso pode defender-se, alegando que perguntou ao ministro e este não deu explicações sobre o assunto. Não basta. Percorre-se a lei e não se encontra dispositivo que obrigue alguém a dar explicações em assunto em que é visado, nem se encontra dispositivo que diga que fica legitimada a informação falsa, por falta de colaboração do visado por tal informação. Já por aqui se percebeu que eu exijo de quem nos governa muito mais do que aquilo a que estamos habituados. Mas também é bom que se saiba que, particularmente em casos sensíveis como estes e quando estamos perante jornais de referência, há lapsos que não se aceitam nem têm justificação. É que a ultima ratio do direito à informação é precisamente o direito dos cidadãos a serem informados com rigor e objectividade. Um desígnio ainda mais importante do que o dos jornais poderem dar informação e dos visados pelas notícias a serem tratados com rigor e com o mínimo possível de violação dos seus direitos de personalidade. Não é por acaso que a liberdade de imprensa é tida como um dos pilares essenciais da democracia.

 

Triste, mas real

J.M. Coutinho Ribeiro, 19.12.11

"Sabemos que há muitos professores em Portugal que não têm, nesta altura, ocupação. E o próprio sistema privado não consegue ter oferta para todos. Estamos com uma demografia decrescente, como todos sabem, e portanto nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que, das duas uma, ou consegue, nessa área, fazer formação e estar disponível para outras áreas ou, querendo manter-se, sobretudo como professores, podem olhar para todo o mercado de língua portuguesa encontrar aí uma alternativa".

 

Quem proferiu estas palavras foi Pedro Passos Coelho. São palavras chocantes? São. São ainda mais chocantes proferidas pelo primeiro-ministro? São. E, como é óbvio, preferia não as ter lido. No entanto, para as interpretar, temos que descer à realidade. E a realidade diz-nos que não há, de facto, possibilidade de colocar os professores. E como ninguém tem o condão de criar esses empregos, sobra uma de duas hipóteses: ou os professores a mais ousam mudar de vida, ou terão mesmo que emigrar. E o que é válido para os professores, é válido para qualquer profissional. Tenho pena. Mas é assim mesmo e não vale a pena escamotear a realidade.

Que divergência?

J.M. Coutinho Ribeiro, 15.12.11

Meu Caro MCR:

Li a sua resposta ao meu texto sobre as declarações de Sócrates e não vejo onde está a discordância. Tal como o meu amigo, não defendo a governação do ex-Primeiro Ministro no seu conjunto e, como verá, se tiver a oportunidade de me reler, verificará que ali digo que foi com alívio que o vi regressar à escola. Estamos, por isso, de acordo no que é essencial. Com uma pequena divergência: continuo a não perceber onde está o drama pelo facto de o homem ter dito que as dívidas do Estados não são para pagar, mas para irem sendo geridas. Coisa diferente é saber se o homem endividou o país mais do que devia - e eu acho que sim -, mas a conversa não era essa.

Por outro lado, gostava de reiterar a ideia de que o facto de não simpatizar politicamente com alguém não me impede de dicordar quando acho que esse alguém é injustificadamente atacado. E muito menos me sinto confortável quando vejo que alguns dos que o atacam foram companheiros de percurso e co-responsáveis pela governação.

Nâo tenho nem nunca tive a capacidade de estar contra apenas porque sou contra ou a favor do contrário. Sim, eu sei que esse é um dos meus maiores defeitos. E o meu maior prejuízo.

Defendendo Sócrates (ao que eu cheguei...)

J.M. Coutinho Ribeiro, 09.12.11

Quem me lê por aqui e por outros lados, sabe que, passado um primeiro momento de alguma esperança, nunca fui um fã de José Sócrates. Nem do estilo nem da substância. E foi com grande alívio que o vi deixar o lugar de primeiro-ministro. Mas quem me lê, sabe que tento ser justo nas apreciações que faço. Embora militante do PSD (pouco praticante, é certo), acho que a minha forma de ver as coisas é pouco condicionada por essa condição e mais pela condição de ex-jornalista que continua pegada à minha pele e que muito contribuiu para que tenha sido sempre um espírito livre.

Tudo isto para dizer que não percebo a polémica que se instalou face às declarações da Sócrates, proferidas em Paris, a propósito do pagamento da dívida dos Estados. Admita-se que a formulação da afirmação que fez talvez não tenha sido a mais correcta e era susceptível de criar alguns mal-entendidos (ai a falta que o teleponto faz...). O que Sócrates pretendeu dizer foi apenas que as dívidas dos países não são para ser pagas, mas, sim, para ser geridas. E disse bem. É sabido que há países que para terem um mínimo de desenvolvimento precisam de estar permanentemente endividados. O que não podem é colocar-se em níveis tais de endividamento que tornem difícil a gestão da dívida ou torne a dívida incobrável aos olhos dos investidores. Ouvi, a esse propósito, as declarações de Passos Coelho e fiquei com a sensação que o actual PM também aceitou a ideia. O que não percebi foi a ideia de Paulo Portas ter dito que precisou de ler as declarações de Sócrates por duas vezes para poder acreditar que tinham sido proferidas, como se fossem uma heresia. E menos percebi a atitude de Freitas do Amaral que, depois de ter sido muitas coisas, foi MNE e ministro de Estado de um governo de Sócrates e, agora, a propósito do affair parisiense, cai em cima de Sócrates com força inusitada. E menos percebi, ainda, o bruá que as declarações provocaram na opinião pública.

Insisto: não gosto de Sócrates. Mas acho que nem mesmo em política vale tudo. E, curiosamente, custam as atitudes de alguns que enquanto o homem esteve no poder lhe teciam loas e que, agora, são, os primeiros a execrá-lo de forma violenta.

O mundo cão em que vivemos

J.M. Coutinho Ribeiro, 21.10.11

Gosto de cães e gosto de pessoas que gostam de cães. E até já tive cães, nos tempos idos da meninice. Depois deixei de ter. Quis o destino que, recentemente, tenha ido viver para a zona do Porto onde existem mais cães por metro quadrado, como bem sabe o MCR, que por ali vive há muitos anos. Habituei-me, pois, a conviver com cães a todas as horas do dia e, também, com os donos dos cães, que, diligentemente, os passeiam pelos jardins locais. Mantenho com eles - cães e donos - uma atitude de reserva, mesmo quando os donos são meus amigos e os cães também. Nada contra, portanto, tirando aquela parte em que não gosto nem um bocadinho de não conhecer por ali nenhum cão que tenha nome de cão - têm todos nomes de homem ou de mulher, conforme o sexo. E a isto confesso que não acho graça nenhuma, circunstância que tende a piorar caso venha a descobrir que há por lá algum cão com o meu nome. Ao que também não acho piada é ao facto de haver donos que tratam os cães como se fossem filhos. O que até já me criou uma cena embaraçosa. Há tempos, a jantar em casa de amigos de uma amiga, depois de tanto os ouvir falar dos filhos, perguntei onde estavam os outros, para além do simpático rapazinho que estava à mesa. Riram: os outros eram os dois cães atrevidos que andavam aos pulos pela sala e que embicaram com as minhas pernas. Esclarecido. Daí, fiquei a pensar que o cão do vizinho que também por ali andava devia ser o sobrinho. Enterneceu-me, como é bom de ver, o desvelo com que aquela família tratava os animais, o que foi logo aproveitado para uma longa dissertação sobre como os animais são nosso amigos e sobre o que custa ter um cão, desde logo em veterinário e - pasme-se! - em psicólogo do cão. Mas a minha surpresa não haveria de ficar por aqui. Lê-se no Expresso da semana passada que, apesar da crise, há um sector de actividade que prospera: o da comida para cães. E as previsões são de crescimento. Mais espantado fiquei ao ler o preço de um saco de comida para cães - pode chegar a 100 euros o cabaz mensal - que é, segundo também li, uma despesa maior do que a comida para uma criança. Não só porque a taxa de natalidade está a baixar, mas também porque as comidas para crianças estão a ser substituídas pelas adequadas a adultos, o comércio da comida para cães tornou-se, assim, mais rentável do que o da comida para crianças. Li mais: que estamos a assistir a uma "transferência de afectos" das crianças para os cães, com o argumento de que os cães comem e calam, ao contrário das crianças que, como se sabe, são um canseira permanente. Tudo o que li deixou-me a pensar. E uma das conclusões a que cheguei (corro o risco de ser apodado de reaccionário, bem sei) é a de que vivemos não só uma crise económica e financeira - a crise é também (ou sobretudo?) de valores e de prioridades. Vivemos num mundo cão, é o que é.

A brigada dos comentadores

J.M. Coutinho Ribeiro, 20.10.11

Eu já imaginava que as coisas fossem assim, mas precisei de ver: grande parte dos comentadores regulares da RTP é paga e bem paga. Exemplo: há quem aufira 600 euros por semana, o que perfaz a módica quantia de 2.400 euros por mês. Um bom vencimento. Um bom acréscimo ao vencimento, se levarmos em linha de conta de que estamos a falar de profissionais de proveniências várias, todos eles já bem pagos. Eles são deputados, ex-governantes, sindicalistas, juízes, o bastonário da Ordem dos Advogados e por aí adiante. Nada mau.

Não questiono a valia de tais comentadores. Nem por um minuto. Tirando a parte em que a maioria deles são pessoas interessadas no que comentam, nada a apontar. Já o facto de tudo ter a ver com a televisão do Estado - isto é, o facto de serem pagos com os nosso impostos - deixa-me a pensar que é capaz de haver por aí algum exagero. Andou bem, por isso, o ministro Relvas ao mandar cancelar as avenças.

Ultrapassada a questão essencial - a forma como os meus impostos são gastos -, resta ainda a pessoalíssima questão das minhas intervenções televisivas. Eu explico: durante muitos anos fui comentador da RTP. Nunca estive num programa regular, mas ia lá várias vezes por semana. Aliás, cheguei a ir lá três vezes no mesmo dia, sobretudo para comentar assuntos jurídicos. Como é bom de ver, estes eram dias perdidos na minha vida profissional. Quanto ganhava? Nada. Nadinha. Posso garantir que, tirando a minha participação na "Cadeira do Poder" (SIC), um concurso para convidados em que ganhei, nunca recebi um tostão pelas minhas participações em debates ou pelos comentários que produzi. Mas fui sempre, até ao momento em que pedi para abrandar as minhas idas e, depois, até deixar de ir, no que alguns acham que foi por causa de ter sido azedo com pessoas ligadas aos arguidos de um processo judicial muito mediático e ligado ao poder de então.

Há quem saliente que nem tudo terei perdido com as minhas idas à RTP. Sendo advogado, a tv - dizem - dava-me notoriedade, o que se traduz em clientes. Admito que sim. No entanto, olho para trás com rigor e não me lembro de um único cliente que tenha vindo até mim porque me viu na tv. Mas houve o contrário: um dia tive de recusar um cliente, porque dois dias antes tinha estado na tv a comentar o caso que o envolvia. Perdas, portanto. Para além daqueles que não cheguei a saber.

Mais tarde, quando surgiu o Porto Canal, fui convidado para comentador de política e para debates sobre assuntos de Justiça. Comecei no primeiro dia - literalmente. Quando me fizeram o convite, disse que sim, com a reserva de que só iria nas falhas dos outros. Isto é: quando faltasse alguém à última hora, telefonavam-me e eu ia. Depois, quando percebi que nesse registo ia vezes de mais, pedi para entrar para a rotatividade normal. Como sempre, sem ganhar o que quer que fosse. E também não imaginava, sequer, os esforço que muitos faziam para serem chamados a comentar.

Recentemente, por razões estritamente pessoais, decidi cancelar as minhas idas ao Porto Canal. Por razões pessoais e também porque, havendo um novo patrão - o F.C. Porto - e um novo director de informação e programação, havia que deixar aos novos responsáveis toda a liberdade para escolherem novos comentadores. Soube, dias depois, que há um novo leque de comentadores no canal que é pago, não sei se muito se pouco. Não há dúvidas: sou um tipo de azares nestas coisas. Mas uma coisa é certa: a partir de agora, quem quiser comentários, paga. A não ser, claro, que me apanhem a partir do fim da tarde, quando estou de tal forma distraído que compro tudo o que tentam vender-me.