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Incursões

Instância de Retemperação.

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Estes dias que passam 66

d'oliveira, 24.06.07

Efeméride

Foi no longínquo mês de Junho de 61. Um punhado de leitores, poucos de facto, esperavam ansiosos, ou pelo menos impacientes, pelo nº 19 da revista “almanaque”. Esperavam porque pouco tempo antes, mais propriamente no 17º número datado de Março/Abril desmentia-se categoricamente que a revista estivesse a dar as últimas. É verdade que, por razões mais que evidentes, a critica almanaquiana começava não só a ser mal-vista pelas excelentíssimas autoridades, coisa corrente em Portugal, mas ia ganhando anti-corpos no establishment nacional. Em Fevereiro iniciara-se o fogo de barragem ao reino de Pacheco e ao lugar comum coisa que deixou marca nas criaturas da política, da banca, da academia e da universidade que se viam (e nisso tinham razão) retratadas. Em Março a campanha prosseguia na “guerra aos monumentos”. Com o mote “Para onde apontam estes monumentos. –Para a sua própria monumentalidade!” passavam-se em revista as pequenas vaidades lisboetas e provincianas. Leitores mais avisados que tinham começado a frequentar tardiamente aquele clube mais que suspeito puseram-se á cata dos primeiros números. O Rui Amador, ao ver-me com um exemplar, perguntou-me se eu os tinha todos e, perante a minha negativa, disparou, vai já por eles que isto não dura. Eu, ir ia, disse-lhe, mas não tenho guita que chegue. Magnânimo, o Rui emprestou-me os cacaus necessários e inclusivamente ofereceu-me uma imperial na Brasileira logo que consegui apanhar os atrasados num distribuidor da Baixa que, espantado, nos confiou que já vendera uma boa dúzia de colecções mais ou menos completas. Isto não tem ar de durar, confidenciou-nos. Curiosamente, foi esse mesmo distribuidor que em 63 nos preveniria que o Diário Ilustrado estava por um fio! E estava, que logo acabou.
Vem tudo isto, esta nostálgica memória, de uma revista fabulosa, que hoje atinge preços bem bonitos nos alfarrabistas, porque dei comigo a olhar o espectáculo do mundo e a murmurar, eclesiásticamente (de Eclesiastes) Vanitas vanitatis... a propósito de uma criatura com quem vagamente me cruzei e que, milagre milagrão da noite de S João, consegue ser cega de tanta presunção e vaidade com que se mira num espelho menos sincero do que o da bruxa má. Razões de vária ordem fizeram-me ter acesso a uma carta dirigida a um amigo meu onde ela se reclamava de altos cargos desempenhados ou não. Este “ou não” merece explicação. Para atordoar o correspondente aquela pachecal figura esgrimia de dedo em riste uma longa série de prebendas que tinha, assegurava com empáfia, recusado. Era, juro-o, um rosário que faria o último Senhor ex-Primeiro Ministro roer-se de inveja. Ali, preto no branco, perpassavam as maiores honrarias do Estado, recusadas com olímpico gesto mas propagandeadas com suspeito frenesi. O correspondente da criatura mostrou-me a carta, com ar atordoado (e não era para menos!): tu já viste isto, mcr. Um patriota! Um grande homem! O luzeiro da Ciência Pura e da Dedicação Infinita!
Concordei, claro. Nestes casos, concorda-se primeiro e depois, do vento acalmar vai-se ver se há estragos.
Mas há mais, dizia-me o meu amigo, embevecido e exaltado: Olha só a lista das suas actuais actividades.
Ó pá, não vale a pena, vamos mas é para as sardinhas que estão à nossa espera na Casa Teresa (casa frequentada pelas melhores famílias deste blog, a começar pelo duo “o meu olhar”/JSC).
Não, dizia-me o Empolgado. Tens de ler.
A fome que é boa conselheira, aconselhou-me a atender o pedido do meu amigo. Confesso que fiquei sem fala. E cansado. Muito cansado. O Pacheco em questão disparava com quanta arma tinha e ocupava meia folha de papel almaço com a lista não exaustiva das suas actuais funções. E alguns dos itens eram genéricos (p. ex. escrevera vários livros, muitos artigos, enfim esgotara a tinta Parker Quink de gerações).
-Tás a ver, mcr? Este homem mais do que um génio, do que um santo, é um Monumento perene da Raça Lusíada por mil mundos espalhada. Este homem é um quarteirão. E tão simples, tão terra a terra, tão nós cá todos bem!
- Alto aí e para o baile. Quarteirão só de sardinhas e é porque somos quatro e se calhar sobra. Tu estás é com uma fome canina e ancestral, vês a dobrar e admiras a decuplicar. Ninguém em seu perfeito senso faria propaganda de coisas que recusou. Por mim o gajo até pode dizer que deu uma tampa à Brigitte Bardot nos tempos heróicos. Heróicos dela, entenda-se que ele por essas alturas era discreto como uma ostra perlífera. Vamos para o S João enquanto não aparecem as rusgas marteleiras e os festivos já borrachos. Olha lá, alguma vez leste o “almanaque”? não? Pois vou-to emprestar que andas precisado.
E foi o que fizemos. Ai que sardinhas!

Leitoras gentis: vocês que provavelmente não são do Porto nem de nenhuma das terras que festejam o Baptista (Braga, Vila do Conde, Figueira da Foz...) não acharão qualquer substancia nesta vaga crónica que de facto, em vez dum pobre diabo envelhecido antes do tempo, só vinha lembrar uma fabulosa revista feita por um punhado de tipos que merecem não uma vénia mas um rijo abraço: José Cardoso Pires, João Abel Manta, Luís de Stau Monteiro, Eduardo Gajeiro, Baptista Bastos, Câmara Leme, João Rodrigues, Vasco Pulido Valente, Victor Pala e Carmo, Sebastião Rodrigues, Alexandre O Neil e Alexandre Pinheiro Torres, entre outros. Ou seja, gente que nos reconcilia com o país, com o S João mesmo de martelinhos de plástico, com o preço das sardinhas.
E com o dr. R.R.?
Não, isso também seria de mais!... É outro que tal...

Ó meu rico São João
Padroeiro dos poetas
Dá-me força no coração
P’r’ aturar os patetas.
(com menos sorte do que "o meu olhar" foi esta a quadra que me saiu)

Na gravura Karl Marx e Bogart. Os dois fazem alguma falta. Alguma! antes eles que Maurras e Cruise!


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