Em torno de um mito – Orfeu
ORFEU REBELDE
Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.
Outros, felizes, sejam rouxinóis…
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.
Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.
Miguel Torga, in “Orfeu Rebelde”

Segundo a(s) lenda(s) – há do mito várias versões -, Orfeu era filho de uma musa e do rei da Trácia (ou do próprio Apolo, segundo alguns) e celebrizou-se pela magia do seu canto e da sua música (foi o inventor da lira), com os quais movia os homens, os animais selvagens e as próprias árvores.
Regressado da aventura dos Argonautas, casa com a ninfa Eurídice que, no próprio dia do casamento, morre ao ser picada por uma serpente. Orfeu, inconsolável, procura-a no Hades/Infernos e, vencendo pela música os vários obstáculos, consegue comover os deuses infernais, suspender os suplícios dos condenados (Sísifo, Danaides, Tântalo,…) e obter o privilégio de trazer de novo ao mundo dos vivos a sua amada Eurídice, desde que não olhe para ela antes de atingirem o mundo da luz. Orfeu, porém, tomado de ansiedade (ou dúvida?) quebra o juramento e olhando para Eurídice perde-a para sempre.
O mito ficará ligado à música, à poesia, mas também aos “mistérios órficos”.
Contributo de Ifigénia