Postais do Sul
Era diferente, parecia fazer sentido, ali mesmo à entrada da cidade, inesperada na sua elegância e singeleza, no final da longa avenida de quatro faixas e palmeiras a proclamar “somos uma cidade próspera com os olhos no futuro”.
As burocracias camarárias têm-me obrigado a calcorrear estes caminhos mais frequentemente do que seria desejável para quem, sendo um pouco filho pródigo, se sente, sobretudo e ainda, apenas mais um que vem de férias, em busca do olvido das obrigações e obssessões quotidianas.
Mas, com 43º graus e um vento sahaariano na praia, mais a rotunda que não me saía da cabeça, pensei: perdido por cem, perdido por mil.
E dei por mim, em plena canícula, a perguntar aos poucos transeuntes da avenida, onde ficava o departamento cultural da Câmara, para onde me haviam já reenviado dos paços do concelho.
Quando já desesperava, eis que um louletano improvável sabia onde era e, daí a nada, enfrentava eu, de novo, a administração autárquica.
Sem deixar de comer o seu iogurte, a autarquia despachou-me, em três tempos, para outro departamento. Ensaiei uma segunda investida ( que já não ia chegar antes do fecho e com todo aquele calor a minha determinação investigatória começava a esmorecer) - património histórico? mas se a rotunda não tem mais de um ano...
Não consegui tocar uma única corda sensível do ali rosto da edilidade que, entretanto, continuava placidamente a comer o seu iogurte. Despertei, contudo, a curiosidade de outro funcionário que por ali passava.
Tinha todas as pistas que eu precisava para descobrir o mistério da rotunda que não parecia de plástico. Deu-mas com prazer, encantado por poder falar, de forma tão inesperada, do seu passado de ciclista profissional, do trabalho que desenvolve na Câmara, ligado ao ciclismo e BTT, da falta de ciclovias sentida por moradores e turistas (a que eu contrapunha os 4 Kms de picada entre a estação da CP e Loulé/entrada no IP1, a necessitar de arranjo urgente), das tradições de Loulé (e Tavira) no apoio a esta modalidade, do sistema de patrocínios às equipas (que dá nomes tão interessantes como Imoholding Loulé Jardim e Whurt Bom Petisco-Tavira), da inauguração do grupo escultórico “O Ciclista”, da autoria do holandês Jits Bakker, no dia 7 de Agosto de 2004, quando da passagem por Loulé da Volta a Portugal (que maldade, este ano Loulé fica fora do percurso), da outra rotunda maior, no início da avenida, com “gente feliz dançando” também do mesmo escultor, aliás internacionalmente afamado . Mas o melhor, mesmo, era contactar o gabinete de imprensa da Câmara.
Quando saí, transeuntes e lojistas sem movimento esticavam o pescoço olhando para o céu. Olhei também. Havia dois: a poente o mesmo azul desmaiado de neblina dos últimos dias, a nascente, por cima de uma fita do mesmo azul, uma massa cor de ferrugem, que dava à cidade um sombreado telúrico. Ardia uma zona do Campus de Gambelas, a universidade de Faro plantada à beira da Ria Formosa.
À noite, um deslocado cheiro a lareira.
Hoje , cumpridas as burocracias e fornecida de press releases q.b., segui caminho por entre cinzas de um dos ex-libris da serra de Loulé: ardia Alte!