O elevador do meu prédio
Soturno
Taciturno
Sombrio
Com cheiro a mofo
Usado
Casto
Sobe e desce
Continuamente
Desce e sobe
E eu esperando que ele não pare
Pelos andares escuros
Pelos gestos obscenos do miúdo do segundo andar
Pelas paredes raspadas
Palavras atiradas
Contra o esquecimento
SUI TO
CÍ LEN
DIO DESA
Espero que não pare nunca
Pára sempre
No destino traçado
No término
No sexto andar
Onde a clarabóia de vidro filtra a noite
O sarro do luar
E eu rodo a fechadura
O vazio dentro de mim
Merda! Está encravada…
Mas roda e abre e faz-se interessada
Abro a janela
Respiro a brisa
Oiço o barulho do elevador
O amor morreu numa esplanada
Na cafeína
Na espuma da cafeína
Flagelando-se
Traficando uma paz impossível
Uma esperança
Mas não quero esperança
Recuso esperança
Prefiro aceitar esta dor
E o elevador…
Sobe e desce
Desce e sobe
Um sorriso
Paixões de primeiro andar
Um nome
Paixões de segundo andar
Um nome e um sorriso
Paixões de terceiro andar
O brilho nos olhos
Paixões de quarto andar
Aquele abraço
Paixões de quinto andar
Sexto andar
Fim!
Volta para trás
Desce
Ou faz que desce
Fica parado
No teu lugar
No amor violentado
Premido
Como uma ferida explorada
Afta que tocamos com a ponta da língua
Eu e o meu elevador
Deixamo-nos ocupar
Deixamos que nos usem
Sobe e desce
Desce e sobe
Mecânicos
Esgotantemente banais
Respiro
Respiramos
Encho os pulmões de limalhas
Pétalas de lágrimas de aço
Imperceptíveis
O miúdo irrequieto carregou num botão
Pôs o elevador a andar sozinho
Somos iguais
Ambos devolutos
Eu desejo partir
Ele sobe e desce e desce e sobe e desce e desce e sobe e sobe e desce…
Ambos impotentes
Eu não me vou
Ele não se vem.
André Simões Torres
30/09/2003