Há dias assim

 Há dias assim: nem sol nem sombra, nem carne nem peixe, saímos de casa e é como se lá permanecêssemos. Há dias que não conseguem começar ou começam tão mansamente que nem se dá por isso.

E navegamos dia fora, sem saber se o dia abriu ou se apenas sonhamos que saímos de casa num dia pardo, espesso, como se alguma chuva miudinha impedisse o sol, tornasse a rua absurda, a noite e o dia indistintos.

Melancolia? “Malincolia”? Ensimesmamento ou é apenas o dia que aborta, a porta que se fecha, o ar que pesa como uma velha canção de Leo Ferré, isso, Leo Férre, “la solitude” ou Serge Reggiani, “madame votre fille a vingt ans”, quem é que sabe ainda o que isto é?

Quarta feira passada, dia das mentiras, estive em Coimbra, a pedido de uns cavalheiros da RTP que, quarenta anos passados, quiseram finalmente saber o que se passou em 1969 num Abril que era bem diferente.

Lá debitei a minha parte, à sombra da estatua de D João III, rei muito mais sagaz do que para aí constará e que, de facto, lançou as bases de uma verdadeira universidade. Seria bom, por exemplo, que os poderes públicos se lembrassem da fundação da rua da Sofia, isso mesmo, da Sofia, da sabedoria, onde ainda se alinham sete colégios universitários (SS Boaventura, Domingos, Tomás, Pedro, Espirito Santo e NNSS do Carmo e da Graça) quase todos miseravelmente desaproveitados numa cidade que carece de residências dignas para estudantes. Ou seja, quarenta anos depois, com uma revolução de permeio, uma das mais simples e claras reivindicações estudantis não está resolvida mesmo sabando-se como se sabe que o património arquitectónico da cidade poderia ganhar com a reutilização dos colégios da rua da Sofia. E já agora dos outros que ainda restam na alta, que ainda não foram devorados por incêndios, coisa que dá muito nos velhos edificios históricos da cidade.

Pensando bem, esta sensação de dia perdido vem desde aí, quarenta anos e tanto tempo perdido, quarenta anos e tanta ideia desaproveitada, Coimbra a do Portugal dos pequeninos vera metáfora do país que somos, da esperança que perdemos.

Há dias assim, dias sem uma pedra que os marque, dias de pedra, dias que escorrem para lá do tempo, so tempo que começa a escassear…