Estes dias que passam 149
Valerá a pena?
O assunto é desinteressante. Pela personagem, para começar. Pela pouca importancia do cargo no que nos diz respeito a nós, portugueses. Pela estridência politiqueira, eventualmente. E pelo estafado argumento do patriotismo, por último.
Vejamos por partes.
O dr Durão Barroso é o “has been” mais volátil que conheço. Sempre ouvi falar dele como uma estrela. Um cometa. Uma aparição no melancólico panorama da política doméstica. E ele teimava em não se revelar. Não sei se eram os areais trágicos de Alcácer Quibir que o escondiam ou se, de facto, tudo aquilo, aquela criatura pesada e tristonha, não passava de uma miragem. Dele dizia-se que prometia muito. Se prometia, falhou. Estrondosamente. Foi um pálido Secretário de Estado e a a promoção a Ministro não o melhorou, não lhe deu cores nem espessura. Andou a negociar um tratado com os angolanos e foi o que se viu: pífio.
Depois começou a escalada para a presidência do PPD. Em todos os conclaves murmurava-se-lhe sigilosamente o nome. Que era daquela vez… Não era! Até que, mais por cansaço e falta de alternativa, lá o puseram na primeira linha de fogo. E chegou a presidente do ministério. Mais por desânimo de Guterres do que por ânimo próprio. Baço era e baço continuou. Suponho que se fizerem um esforço de memória ainda lembrarão o seu efémero e desatrado governo.
Como momento culminante foi aos Açores tentando ficar na fotografia dos “novos cruzados”. Que diabo, ele era uma espécie de anfitrião. Não que tivesse uma palabra a dizer, porque a não tinha, nem teve. Mas era o dono das ilhas e por isso deramm-lhe um banquinho ao lado dos três cadeirões. Lá estavam Bush, Aznar e Blair, essa vaga espécie de neo-socialista petulante. Os três passaram à história se é que a história ainda se lembra deles, coitada.
Entretanto vagou a presidência da Comissão Europeia. Não abundavam candidatos que pudessem, sem sobressalto dos que realmente mandam, ocupar o lugar. A ideia corrente era arranjar alguém que “não chateasse”, que não pusesse em causa a Alemanha, a França e a Inglaterra. Precisava-se de um cavalheiro cinzento, com jeito para línguas, capaz de falar europês e que não se importasse da andar a apanhar bonés. Alguém, seguramente inspirado, disse a palabra mágica: “Shazam!" E, em vez do capitão Marvel da nossa infancia, apareceu o dr Durão Barroso. Com uma cereja no chapéu: tivera uma curta e agitada ,mocidade “esquerdista”, enfim eme-erre-pumpista, para sermos mais exactos.
Adjudicado!, berraram ingleses, franceses e restante comandita.
Havia um problema: o homem era primeiro ministro em exercício e não parecia bem largar tudo, mesmo se esse tudo era Portugal, um jardim abandonado à beira mar, e ir para Bruxelas.
Mas isso era julgar que as pessoas se incomodam com compromissos… Durão nem hesitou. Livrava-se de um governo impopular e ineficaz, votado ao fracasso e em clara perda e velocidade, e ia ocupar um posto mais vistoso. E ainda por cima, vingava-se dos portugueses que já não lhe reconheciam a genialidade. Como? Deixando-lhes um primeiro ministro chamado Santana Lopes. E com isso vingava-se também de Santana se é que tinha alguma coisa contra ele: um governo cavernoso, a meter água por todos os lados e votado a uma inexorável derrota.
Agora que terminou o primeiro mandato, as pessoas perguntam-se: que é que se passou nestes anos? A resposta, um pouco como a do romeiro é “Nada!”. Ou melhor: estamos pior do que há quatro anos.
Mesmo assim, parece que há quem queira que ele permaneça. Já o conhecem, ele garante a paz podre e a inércia. Por cá fala-se de uma grande vitória nacional. Como se Durão tivesse sido especialmente útil á pátria madrasta. Como se estivéssemos diante de mais um daqueles recordes Guiness: em vez de sermos o país mais educado, mais feliz, mais saudável, somos o país que faz a maior parada anual de Pais Natal e temos o dr Barroso ao leme da nau Europa. Ao leme, é um modo de dizer…
O engenheiro Sócrates acha maravilhoso o Barroso. E vai votar nele. Mesmo que Barroso não seja socialista… Aliás, será que Sócrates o é?
Mesmo que Barroso tenha aplaudido com as duas mãozinhas a invasão do Iraque. Se Sócrates fosse primeiro ministro na altura, teria procedido diferentemente? Ou valer-se-ia do exemplo prestimoso de Blair para também ele ver, em inglês técnico, as famosas armas de destruição maciça de que dez anos depois ainda andamos à procura?
O PPD aplaude. Devem estar convencidos que Durão, que os deixou órfãos, é a Senhora de Fátima.
Meia dúzia de protestantes acham que se devia apoiar um candidato socialista. Se ele aparecer, claro.
Parece que vão ter muito que penar porque, pelo andar da carruagem, ainda não é desta que haverá maioria socialista no parlamento europeu.
Todavia, a questão não é essa. Durão não vale o trabalho de uma aposta. É apenas um político medíocre, pese o seu dom para línguas e a sua cultura que não é de desprezar. Politicamente, não se lhe conhece uma ideia interessante mesmo que fosse conservadora. Como no famoso poema de O’Neil tantas vezes citado, Durão pode ser o tal cherne que o poeta quer seguir. Só que, no poema, o cherne só deve ser seguido
… “antes que venha,
já morto, boiar ao lume de água,
nos olhos rasos de água,
quando, mentido o cherne a vida inteira,
não somos mais que solidão e mágoa…”
Durão não é um leader. Nunca o foi. É apático e sensaborão. Se fosse socialista (e porque não?, Sócrates também se diz socialista) também não merecia o nosso voto, quanto mais o nosso aplauso. Com ele a Europa pode esperar por sapatos de defunto. Só que quem espera por isso costuma morrer descalço.
Quanto ao patriotismo que se traduz no apoio ao anémico Barroso, vou ali e já volto. Com Durão, ou sem ele. a nossa vida de portugueses não mudará e a vã glória de o ter a fazer de importante só merece uma gargalhada. Mesmo que seja triste. É o nosso fado…
*na gravura: pintura "nambam" (Japão) representando portugueses e um barco português. Outros tempos, outra gente...
Este texto vasi para João Tunes, João Vasconcelos Costa e Liliana Palhinha