Au bonheur des Dames 184
Pronto, quarenta anos depois (e vinte quilos mais) eis que vou até Coimbra para rever amigos e companheiros de uma luta que nos fez crescer. Estamos diferentes? Claro que estamos. E não falo apenas das barrigas, das calvas, dos cabelos brancos, das ausências que serão muitas (mormente porque nestas quatro décadas a Parca foi-se cevando na nossa gente) e das voltas que o mundo, a vida e os interesses pessoais ou políticos terão influenciado.
Vou, apesar de tudo, com a ideia de que é possível reunirmo-nos sem temer que a festa seja alvo de aproveitamentos. Também, se o for, é fácil atalhar: por aquí me sirvo e fiquem na paz do Senhor.
Para quem hoje me lê, é dificil descrever o misto de sentimentos que me assaltam ao publicar esta fotografia que o Fraga (ex-juiz lá para baixo…) me mandou. Nem sequer me recordo se, ao falar nesta assembleia magna (a de 28 de Maio de 1969 onde se votou a greve), fui o primeiro a pedir o voto estudantil para tão insensata acção. Porque era insensato ir para uma greve aos exames, porque sabiamos que haveria quem “furasse”. Porque sabíamos que os processos disciplinares iriam chover. Porque havia o risco de muitos dos nossos colegas perderem as magras bolsas que tinham. Porque pairava sobre todos (enfim sobre os rapazes) a ameaça de serem imediatamente incorporados no Exército e marcharem para uma eventual morte nos matos africanos. Porque sabíamos que a prisão nos esperava, a muitos de nós, como aliás ocorreu.
Mas votámos a greve! Mas a greve foi um êxito sem precedentes. Mas os castigos, as prisões e a mobilização não esmoreceram ninguém ou quase ninguém. E no fim, meses depois, o reitor era substituído, o ministro era demitido, os castigos eram levantados, as bolsas reencaminhadas para os seus destinatários, as mobilizações suspensas e regressavam a Coimbra os estudantes compulsivamente enviados para Mafra. Não sei se isto foi coragem, insensatez, indignação ou solidariedade. Sei que o fizemos e que alguns de nós ainda por aí andam para o contar. E que, a nosso modo, provámos que o Estado não era invencível e que o regime não era intocável.
Quarenta anos e vinte quilos depois, continuo a pensar que valeu a pena. Que vale a pena indignarmo-nos, protestarmos e dizer não.
Há nãos que são um sim ao futuro.
Esta vai dedicada a todos sem excepção que fizeram a crise de 1969 em Coimbra mas muito especialmente ao António Mendes de Abreu, ao joão Bilhau, ao Zé Barros Moura, ao João Amaral, ao Alfredo Soveral Martins ao José Orlando Bretão aos Fernandes Martins (pai e filho) a Orlando de Carvalho, Paulo Quintela, Férrer Correia e Carlos Mota Pinto (alunos e professores de uma universidade rígida e antiquada que porém não conseguia evitar de longe em longe estes sismos de alta intensidade)para não citar muitos outros que seguramente fariam jus a uma simples menção.
*na gravura: mcr com sessenta modestos quilos e barbudo como convinha arenga às massas na Magna realizada nos jardins da AAC.