estes dias que passam 169
A "conselheira” Gomes
A dr.ª Ana Gomes é um carácter. De cada vez que abre a boca há algo que perpassa no éter e não são anjos. Venho assistindo ás suas declarações desde que ela declarou que conhecer Xanana Gusmão era a meta da sua vida. Ou algo no género. Um arroubo de imaginação e, sobretudo, de audácia naqueles tempos em Gusmão estaria a ferros numa enxovia secreta na Indonésia e, por milagre muito digno de se contar, fazia filhos a uma jornalista australiana. Como é que estas coisas sucedem assim á distancia é coisa que muito prazer me daria saber. Não que agora valesse a pena. Mas, recordado dos meus tempos, de cadeia, disse contristado para os meus botões “que pena não ter sabido isso naquela época”. Isto, pressupondo que á procriação propriamente dita estariam associados alguns prazeres. Mesmo que efémeros. Bom, deixemos este tema, sempre espinhoso e regressemos aos arroubos da dr.ª Gomes.
Nunca percebi como é que alguém na direcção do PS entendeu que ela seria uma boa recruta, mesmo tendo em vista o seu passado politico de activista do mrpp. E, porventura porque já estou fora de prazo, continuei sem perceber. Que a senhora se esforça, esforça-se. Mas que ela seja melhor do que a média geral mesmo dos deputados europeus que o PS apresenta é que já me põe fartas dúvidas. De todo o modo, ela lá está. Como deputada eleita e, pasme-se, como candidata à Câmara de Sintra.
Durante a passada campanha, assisti, sem especial surpresa às divagações politico-partidárias da referida senhora que, convenhamos, não foram particularmente inspiradas. De todo o modo, a campanha do PS também o não foi e o resultado viu-se. Sim, que aquilo não foi só reflexo da incerta marcha do Governo. Aquilo deveu-se também aos principais candidatos que tudo fizeram para meter os mimosos pés no prato.
Acabadas as eleições, eleita a excelente criatura, pensei que ela se remeteria ao prudente silêncio que a derrota exigia e os nossos cansados ouvidos mereceriam. Mas não.
Ei-la que, qual nova Cassandra, resolveu jogar à batalha naval verbal.
E que disse a novel deputada europeia? Qualquer coisa como isto: que Rangel às tantas não fica muito tempo em Bruxelas porque poderá ser chamado a exercer funções governamentais. E isso será um embuste muito grande pregado ao povo do ppd.
Eu pensava que nisto de asneiras a dr.ª Elisa Ferreira tinha atingido o máximo do ano. Engano meu. A dr.ª Ferreira é do Porto e a dr.ª Gomes, sendo de Lisboa, tinha que lhe ganhar. Numa frase diz três aterradoras coisas.
Primeiro, põe em causa a colega Ferreira depois desta jurar que se ganha a Câmara do Porto, abandona a doce vida bruxelloise! Depois, e no mesmo registo sugere algo de semelhante ou parecido para si própria: se ganhar a Câmara de Sintra, como é que vai continuar em Bruxelas?
Finalmente, e aqui é que entra a malévola batalha naval, aventa a hipótese, senão a certeza, de que Rangel virá a ter de abandonar o Parlamento Europeu para assumir funções governativas. Ora, corrijam-me se estiver enganado, isso só poderá ocorrer se o PPD ganhar as eleições e constituir governo. Assim sendo, o que a dr.ª Gomes quer significar é apenas isto: ela (e com ela o círculo dirigente do PS, ou parte dele) está convencida que em Outbro se repete a catástrofe iminente para a qual não há meios de a conjurar (as leitoras mais argutas dirão que cito Lenin, ou pelo menos o título de um dos seus mais famosos panfletos e terão razão. Cito-o em homenagem à vigorosa militante de uma certa extrema esquerda mesmo que desconfie que ela nunca terá lido tão arrevezada literatura. Também não era preciso. Bastava repetir o imortal e “grande educador do proletariado”, o meu amigo Arnaldo de Matos.
Ora se foi isso o que ela cripticamente disse, estamos, em termos de batalha naval, perante o chamado tiro no porta-aviões. Com um pequeno reparo. O tiro é no nosso porta-aviões e não, como as regras mandariam, no porta-aviões do adversário. Por outras palavras: tiro no pé. Três tiros para ser mais exacto.
Leitoras gentis e leitor Rui Ferrão Lucas, velhíssimo e enlouquecido amigo que ontem reencontrei na blogo-esfera: isto está que ferve!
E não o digo metaforicamente nem metereologicamente. Digo-o porque com Anas Gomes assim, o PS pode arrumar as chuteiras. Perde o campeonato na secretaria por desistência.
Ou. melhor, e voltando a estes calores que prenunciam um S João d’arrebimba o malho: isto está de “estorricar os untos” como Eça, sempre ele, terá dito, no dia entre todos glorioso em que conheceu o excelso Fradique, modelo de virtudes, sabedoria e elegância, que o recebia nos seus aposentos, reclinado numa otomana e mergulhando a mão aristocrática numa taça de morangos fresquíssimos. Eça que subira não sei quantos andares do hotel e vinha encalorado, não conseguiu murmurar mais do que essa torpe frase enquanto com um lenço enxugava o suor do pescoço.
Só que no caso da dr.ª Gomes os untos estorricados são os dela e não é pelo calor.
* a crónica vai dedicada a Rui Lucas, um amigo de há quase cinquenta anos. encarnação viva do que naquele tempo se chamava, e bem, "espírito coimbrão".