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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 179

d'oliveira, 03.09.09

Tudo como dantes?

 

Tinha prometido a mim mesmo não falar de política indígena até ao lavar dos cestos. Entendia que as leitorinhas gentis e os esforçados mancebos que me aturam tinham direito a um respiro no meio do arraial que já se instalou em televisões, jornais e rádio. Todavia, isso pressupunha que as criaturas que nos (mal)governam e os seus débeis oponentes (em Portugal a oposição não risca nem faz mossa; passa pelo crivo da “informação” e sai de lá tão liofilizada que a gente nem repara na sua informe existência) se limitassem aos papeis que durante estes anos representaram.

Ora, para meu espanto, e eu já surpreendo pouco neste circo lusitano, eis que o senhor primeiro ministro veio dizer com uma candura impudente (e imprudente) que no capítulo educação tinha havido alguma desafinação. É obra!

Mas a coisa não se ficou por aquí. Então não é que a senhora D. Lurdes que pratica de ministra da educação (mas em letra pequenina, como repararam) sai á estacada?

 Para defender a bondade das suas medidas? Para pedir ao Presidente do Ministério uma explicação?

 Nada disso! Com a mansidão dos súbditos ou dos fungíveis políticos ministeriáveis, ei-la que reforça as palavras do chefe, bate com a mãozinha no peito, e gagueja que falhou na comunicação com os professores por “dificuldades de comunicação, de entendimento, de percepção e do alcance das medidas”(sic, cfr. Público, de hoje, p.10). Simplifiquemos para traduzir esta "langue de bois” espessa em que os do eduquês se escondem: depois de sucessivos recuos no campo, no âmbito e na profundidade dos famosos processos de avaliação, depois de ter esfarrapado o já tristonho e mal amanhado projecto de reforma, eis que a ministra fala agora nestas comezinhas dificuldades.

Ou a criatura é, além de autista, cega e surda, ou então estamos perante um caso a requerer intervenção do Santíssimo Sacramento na forma dura de milagre, ou de qualquer coisa que faça a pobre senhora“ver a luz”.

Eu desconheço se a oposição, seja ela qual for, tem um plano realmente alternativo. Como, aliás, começo a perguntar-me qual será o plano do PS depois destas palavrinhas a abater. Sei, apenas, e disse-o aqui, vezes sem conta, que seria bom que alguém se lembrasse do velho brocardo latino “est modus in rebus” de modo a conciliar duas coisas simples: a melhoria das políticas sectoriais e a percepção dessa melhoria pelos cidadãos. Chama-se a isso, em latitudes diferentes da nossa, fazer política. Cá, esse esforço de “comunicação”, além de esdrúxulo, é tido como sinal de fraqueza.

Também deve ser  por isso que ao que leio, o governo se recusa a ir à TVI. Ou apenas ao programa da srª jornalista Manuela Moura Guedes. Não se sabe se por retaliação se por receio. Seja como for temos aí um péssimo precedente. E, ao que sei, único no mundo civilizado. Só quem não vê a CNN, a BBC, a TV5 a TVE (e mil outras estações) é pode pensar que as coisas lá são como cá. Não são. Bem pelo contrário, até há notícia de políticos que exigem ir às televisões “inimigas” para, nesse terreno e perante os espectadores dessas estações, contra-atacarem, justificarem-se, defenderem-se.

Eu não aprecio a senhora Moura Guedes. Como aliás não aprecio boa parte das restantes criaturinhas que noutras estações fazem o frete das entrevistas e peroram eufóricas transformando uma pregunta numa longa declaração de princípios. Todavia, prefiro ter uma ou várias Moura Guedes (e restantes colegas já citadas acima) do que ter o senhor Coito de sinistra memória que praticava a solo durante o tempo da outra senhora. A democracia é uma maçada e a liberdade de informação uma chatice das gordas. Mas pelo menos há confronto.

Ao que começo a intuir, há quem prefira a paz dos cemitérios à confusão da praça. Há quem, face à interpelação constante, pretenda um silêncio respeitoso. Há quem entende que para tudo correr bem, basta que, de quatro em quatro anos, se encham as ruas de cartazes, as televisões de papagaios (sem Moura Guedes!…) e pronto, no fim, um papelucho numa urna e ala que se faz tarde. Até daqui outros quatro anos. Ou oito. Ou quarenta! Ou qurenta e oito, como já ocorreu.

Na América Latina terra muito dada a prodígios e a “realismo mágico” já não há “pronunciamentos” a sério. Dos que tinham tanque nas ruas, estádios a abarrotar de presos, muitos desaparecidos e um par de militares de óculos escuros e cara de pedra. Agora é nos parlamentos (ou no que eles chamam parlamentos) que as coisas ocorrem. Hoje foi o homenzinho da Colômbia a conseguir que se revogue o preceito constitucional de proibir mais do que dois mandatos seguidos na presidência da República. Não é o primeiro a pretender perpetuar-se no poder. O vizinho do lado, essa sinistra caricatura de ex-golpista e actual populista que dá por Chavez já o conseguiu e ainda há pouco um colega deles menos aforunado tentou a mesma golpada só que por via referendária. Foi corrido pelo próprio partido e pela tropa apoiada, aliás, pelo Supremo Tribunal e pelo Parlamento. O mundo indignou-se e cortou os víveres à república ingrata que, em vez de assassinar, sequer prender, o líder caído em desgraça o exportara em trajes menores para o estrangeiro. O mundo, o mesmo mundo, acha natural que a abnegada esposa de um presidente se candidate à presidencia quando o conjuge esgotou os seus mandatos regulamentares no mesmo posto. Outro mundo (ou o mesmo?) não se comove com a permanência no poder em Cuba, da família Castro ou, na Coreia do Norte, do querido filho do querido líder. E não me recordo de ver alguém espantar-se com o longo consulado de Kadafi à frente dessa barrica de petróleo que (também) se chama Líbia.  E por aí fora…

Sei que alguém se perguntará porque é que passei do “torrãozinho de açúcar” para esta estrafuna de países bizarros. Pois, muito simplesmente: ou queremos ser europeus, ocidentais e civilizados (e democratas, cela va de soi ) ou preferimos transformar isto numa república bananeira ou noutra acaso pior porque nem bananas terá.

Percebem ou querem que vos faça um desenho?